Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1840/16.4T8PTM.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
JUÍZOS CONCLUSIVOS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
FALTA DE PAGAMENTO PONTUAL DA RETRIBUIÇÃO
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: I – Impugnando a recorrente a decisão sobre a matéria de facto, por entender que à mesma devem ser aditados determinados pontos que, depois de analisados, se constata que consubstanciam juízos conclusivos ou apreciativos, e que, nessa qualidade, nunca poderão ser levados à fundamentação factual, improcede liminarmente a impugnação deduzida.
II – Sempre que demonstrada a culpa da empregadora na falta de pagamento da retribuição, seja por via da presunção estabelecida pelo n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho, seja por a empregadora não ter conseguido ilidir a presunção juris tantum consagrada no artigo 799.º do Código do Trabalho e demonstrada igualmente a impossibilidade do trabalhador manter o vínculo laboral, a resolução contratual operada pelo trabalhador com fundamento na falta culposa de pagamento da retribuição, origina o direito à indemnização previsto no artigo 396.º do Código do Trabalho.
(sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P. 1840/16.4T8PTM.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

1. Relatório
BB (A.) intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra CC, Lda. (R.), pedindo que seja declarada a justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada pelo A. e que a R. seja condenada a pagar-lhe:
a) a remuneração convencionada e a quantia de € 1.361,66, a título de retribuições vencidas e não pagas;
b) A quantia de € 1.380,00, a título de subsídios de alimentação, de férias e de natal vencidos e proporcionais de subsídios de férias e de natal;
c) O valor de € 428,09, por horas de formação não ministradas;
d) A quantia de € 3.180,00, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho com justa causa;
e) Juros de mora sobre as quantias peticionadas, à taxa legal, até efetivo e integral pagamento.
Alegou, no essencial, que resolveu o contrato de trabalho que mantinha com a R., tendo invocado para tanto, a falta de pagamento pontual de retribuições por período de 60 dias, o que lhe confere direito a uma indemnização. Considera-se titular dos créditos laborais peticionados.
Realizada a audiência de partes, não foi possível obter uma solução conciliatória.
Contestou a R., alegando, em síntese, que entre a remuneração mais antiga em falta e a data em que recebeu a carta de resolução do contratual ainda não tinha decorrido o prazo previsto no artigo 394.º, n.º 5 do Código do Trabalho, pelo que ao A. não assistia o direito à resolução do contrato. Mais refere que as retribuições que se encontram em dívida só não foram liquidadas por abandono do local de trabalho e desaparecimento do A..
Subsidiariamente alegou que o A. sempre se recusou a receber formação e que foi acordado que por cada folga, feriado e dia de férias trabalhado, o A. receberia a quantia líquida de € 25,00, que sempre lhe foi paga. Afirmou ter pago o subsídio de férias e as férias trabalhadas relativas ao ano de 2015 e os feriados de 25 Abril, 1 de maio, 26 de maio e 10 de junho, que foram compensados com o pagamento de metade da eletricidade consumida na casa onde o A. morava.
Em reconvenção, peticionou o reconhecimento de que o A. abandonou o seu local de trabalho, assim pondo termo ao vínculo laboral, devendo o mesmo ser condenado a pagar à R. a quantia de € 1.060,00, por falta de aviso prévio na resolução contratual.
O A. respondeu, reafirmando a justa causa de resolução do contrato de trabalho com direito a indemnização. Impugnou o alegado abandono do trabalho e pediu a condenação da R. como litigante de má-fé, por abuso de direito.
O tribunal de 1.ª instância não admitiu o pedido reconvencional.
Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador tabelar.
Dispensou-se a seleção dos factos assentes e controvertidos.
Foi fixado à ação, o valor de € 6.349,00.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, com prolação da decisão sobre a matéria de facto, foi proferida a sentença com o dispositivo que se transcreve:
«Em face do supra exposto e nos termos das disposições legais e convencionais supra citadas, decide-se julgar a ação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Declara-se a existência de justa causa para a resolução do contrato promovida pelo autor BB e condena-se a ré CC, Ldª, no pagamento da quantia de € 3.025,41 (três mil e vinte e cinco euros e quarenta e um cêntimos), a título indemnização prevista pelo artigo 396º, nºs 1 e 2, do Código do Trabalho (correspondente a 30 dias de retribuição por cada ano completo, ou fração de ano);
B) Condena-se a ré no pagamento ao autor, a título de retribuições vencidas e não pagas, da quantia de € 484,25 (quatrocentos e oitenta e quatro euros e vinte e cinco cêntimos);
C) Condena-se a ré no pagamento ao autor, a título de férias e subsídio de férias do ano de 2015 e proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2016, vencidos e não pagos, do valor global de € 1.832,80 (mil, oitocentos e trinta e dois euros e oitenta cêntimos);
D) Condena-se a ré no pagamento ao autor, a título de retribuição por quatro feriados trabalhados no ano de 2016, vencidos e não pagos, do valor global de € 146,88 (cento e quarenta e seis euros e oitenta e oito cêntimos).
E) Condena-se a ré no pagamento ao autor, a título de crédito de horas por falta de formação profissional, da quantia de € 321,00 (trezentos e vinte e um euros);
F) Sobre as indicadas quantias, são devidos juros de mora, à taxa legal em vigor para as obrigações civis, desde a data do respetivo vencimento e até integral pagamento.»
Inconformada com esta decisão, veio a R. interpor recurso da mesma, rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«01 – Face à prova produzida, à sua análise crítica, segundo as regras da experiência comum e à sua especial ponderação, atentas as especialíssimas circunstâncias do caso, nomeadamente o facto de todas as testemunhas do A só saberem por ouvir dizer e lhe serem ou muito próximas ou familiares diretos, deverá dar-se por assente que o A sabia das dificuldades económicas da entidade empregadora, situação que aceitava e que aceitava igualmente receber a sua remuneração faseadamente em função das disponibilidades desta.
02 – Mais deverá dar-se por assente que o A, com o seu comportamento e atitude exibidos no dia em que recebeu o cheque, renunciou expressamente à denúncia/rescisão unilateral do seu contrato de trabalho, que pretendera levar a cabo com a sua anterior carta.
03 - Deverá, ainda ter-se por provado que, após a saída do A da propriedade, a gerente da Ré em vão o procurou para com ele acertar as contas, não tendo logrado encontrá-lo, pese embora este tenha referido “se precisarem de mim, telefonem-me”, no dia que este lhe entregou o cheque correspondente aos ordenados de Abril e Maio, em dívida.
04 – Por último, deverá dar-se como provado que, com as expressões, que proferiu e que as testemunhas reproduzem, máxime o que afirmou o …, bem como a forma “amigável”, como se comportou numa situação destas, não podem deixar de significar que o A voltou com a sua intenção atrás, não pretendendo mais deixar o trabalho, que vinha prestando.
05 – Deste modo, não deverá considerar-se validamente denunciado o contrato de trabalho do A, por este, face a comportamentos posteriores à denúncia formal efetuada, inequivocamente ter demonstrado que não pretendia levá-la por diante, com todas as consequências, designadamente a extinção do vínculo laboral.
06 – Consequentemente, não poderá a Ré ser condenada no pagamento das prestações não devidas, designadamente no montante correspondente à indemnização por antiguidade do trabalhador.
Nestes termos
E demais de Direito que V. Exas. Mui doutamente suprirão, deverá a matéria de facto dada como provada e não provada ser modificada no sentido das conclusões acima, em consequência se revogando a douta sentença recorrida, substituindo-se por outra que, reconhecendo a razão à recorrente, a condene apenas na justa medida daquilo que esta deve ao trabalhador, com todas as legais consequências.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Admitido o recurso, os autos subiram ao Tribunal da Relação.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, propugnando pela improcedência do recurso.
Não foi oferecida resposta a tal parecer.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:
1.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pretendendo-se o aditamento da fundamentação factual.
2.ª Saber se ficou sem efeito a resolução contratual comunicada.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. O autor trabalhou por conta da ré, sob as suas ordens, direção e fiscalização, tendo celebrado em 11 de outubro de 2010 contrato de trabalho a termo certo com a duração de nove meses menos um dia, sucessivamente renovado, para sob a sua autoridade, direção e fiscalização desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de caseiro/guardador e tratador de gado/trabalhador agrícola, nos termos que constam do documento de fls. 12 a 15, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. (artigos 1º e 2º da p.i.)
2. No desempenho das suas funções, competia ao autor vigiar e zelar pela propriedade denominada de …, em …, executando todos os trabalhos necessários à exploração de produtos agrícolas e hortícolas, dirigindo, quando disso fosse incumbido, os demais trabalhadores rurais que aí prestassem serviço. Competiam-lhe também as funções de alimentar e zelar por todos os animais existentes na referida quinta. (artigo 4º da p.i.)
3. Como contrapartida do trabalho prestado pelo autor, a ré obrigou-se a pagar a quantia de € 530,00 mensais, a título de remuneração base, acrescida de subsídio de refeição no valor de € 55,00, correspondente a 22 dias de trabalho. (artigos 6º, 23º e 25º da p.i.)
4. Nos termos da cláusula terceira do contrato celebrado entre autor e ré, o horário de trabalho do autor era de 40 horas semanais e oito horas diárias, mas, nos termos da respetiva cláusula quarta, o autor poderia trabalhar sem obrigação de respeitar os limites do período normal de trabalho diário, sempre que tal se revelasse necessário, o que não abrangeria o dia de descanso semanal obrigatório, nem os feriados. (artigo 7º da p.i.)
5. O autor, durante toda a relação laboral que manteve com a ré, nunca auferiu horas extra, nem dias de descanso compensatório. (artigo 8º da p.i.)
6. Durante os últimos quatro anos, no âmbito do seu contrato de trabalho, não foi proporcionada ao autor qualquer formação profissional. (artigo 9º da p.i.)
7. A partir do ano de 2014, o autor deixou de receber pontualmente a sua retribuição. (artigo 3º da p.i.)
8. No último dia útil do mês de abril de 2016, a ré não entregou ao autor a retribuição correspondente ao vencimento desse mês, nem o respetivo subsídio de alimentação. (artigo 14º da p.i.)
9. E também não o fez nos dias seguintes. (artigo 15º da p.i.)
10. No último dia útil do mês de maio de 2016, a ré não entregou ao autor a retribuição correspondente ao vencimento desse mês, nem o respetivo subsídio de alimentação. (artigo 16º da p.i.)
11. A ré não entregou ao autor o subsídio de férias referente ao ano de 2015, nem a retribuição relativa a férias não gozadas referentes a esse mesmo ano. (artigo 18º da p.i.)
12. O autor, através do seu mandatário, remeteu à ré, por carta registada com aviso de receção, o documento reproduzido a fls. 18-19, com o seguinte teor:
“Lagos, 20 de Junho de 2016
Carta Registada A.R. nº RD 8324 4259 3 PT Assunto: Resolução do Contrato de Trabalho com Justa Causa
Exmos Senhores,
Fui incumbido pelo m/ cliente BB de notificar V. Exas do seguinte:
Nos termos do disposto na alínea a), do nº 2, do artigo 394º, do Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12/2, ocorre justa causa de resolução do contrato de trabalho verificada a falta culposa de pagamento pontual de retribuição.
Por sua vez, dispõe o nº 5, do artigo 394º, do supra citado Código, que “considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, (…)”.
Dispõe o nº 1, do supra referido artigo que ocorrendo justa causa pode o trabalhador fazer cessar imediatamente o contrato.
É pois neste contexto que notifico V. Exª, em respeito ao procedimento previsto no artigo 395º, do Código do Trabalho, da intenção do m/ constituinte de rescisão com justa causa, do contrato celebrado com V. Exª em 11.10.2010, fazendo-o com o fundamento de se encontrarem vencidas e não pagas as seguintes retribuições:
 Retribuição-base mensal de Abril de 2016, no montante de € 530,00 (quinhentos e trinta euros);
 Retribuição-base mensal de Maio de 2016, no montante de € 530,00 (quinhentos e trinta euros);
 Retribuição-base mensal de Junho de 2016, no montante de € 530,00 (quinhentos e trinta euros);
 Subsídio de Férias do ano de 2015 no montante de € 530,00 (quinhentos e trinta euros);
 Proporcional de Férias de 2016 no montante de € 265,00 (duzentos e sessenta e cinco euros);
 Proporcional de subsídio de Férias de 2016 no montante de € 265,00 (duzentos e sessenta e cinco euros);
 Proporcional de subsídio de Natal de 2016 no montante de € 265,00 (duzentos e sessenta e cinco euros);
 Férias não gozadas do ano de 2015 (22 dias), no montante de € 530,00 (quinhentos e trinta euros);
 Feriados trabalhados (25 de Abril, 1 de Maio, 26 de Maio e 10 de Junho de 2016), no montante de € 195,70 (cento e noventa e cinco euros e setenta cêntimos);
 Formações não ministradas durante os anos de 2012, 2013, 2014, 2015, no montante de € 428,09 (quatrocentos e vinte e oito euros e nove cêntimos);
 Indemnização compensatória, nos termos e para os efeitos do estipulado no artigo 396º, do Código do Trabalho, no montante de € 3.180,00 (três mil, cento e oitenta euros).
Perfazendo um total de € 7.248,79 (sete mil, duzentos e quarenta e oito euros e setenta e nove cêntimos).
Assim, o m/ constituinte cessará o exercício de funções a partir do próximo dia 26 de Junho de 2016. Nesse dia irá depositar todas as chaves que possui (trator, portão de entrada da herdade, residência do caseiro, oficina, duas arrecadações, na caixa do correio da sede de V.Exas. Caso V.Exas queiram, o m/ constituinte poderá entregar pessoalmente no seu lugar de trabalho as supra referidas chaves até ao dia 25 de Julho até às 19h00m. Sendo que nessa data irá ser feita uma contagem a todos os animais (ovelhas, porcos, cabras e mães) da quinta onde presta o seu trabalho, pelo que é de todo o interesse de V. Exas estarem presentes.
Sem outro assunto de momento,
Na expectativa de uma breve resolução extrajudicial de tal situação.
Atenciosamente,
(…)”. (artigo 20º da p.i.)
13. No dia 23 de junho de 2016, a ré, acompanhada de duas pessoas, dirigiu-se ao local de trabalho do autor e entregou-lhe o cheque nº …, do Banco …, no valor de € 1.053,40. (artigo 21º da p.i. e artigo 9º da contestação)
14. Após entregar o referido cheque ao autor, a ré apresentou-lhe os recibos de remuneração referentes aos meses de abril e maio de 2016. (artigo 22º da p.i. e artigo 9º da contestação)
15. O autor trabalhou para a ré até ao dia 25 de junho de 2016, inclusive; trabalhou, também, nos feriados dos dias 25 de abril, 01 de maio, 26 de maio e 10 de junho de 2016; e não gozou qualquer dia férias relativamente ao trabalho prestado no ano de 2015. (artigo 27º da p.i.)
16. Não foram pagos ao autor: o subsídio de alimentação respeitante ao mês de junho de 2016, o subsídio de férias do ano de 2015, nem os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal do ano de 2016. (artigo 28º da p.i.)
17. O autor deixou a casa onde vivia, na propriedade da ré, e o gado ali existente, deixando um papel com a contagem deste último, não logrando a gerente da ré, depois disso, contactá-lo telefonicamente. (artigo 6º da contestação)
18. O autor recebeu, em algumas ocasiões durante o tempo em que trabalhou para a ré, adiantamentos sobre o seu vencimento. (artigo 17º da contestação)
19. Durante o tempo em que trabalhou para a ré, o autor transportava com regularidade a sua mulher de e para o local de trabalho desta, em Portimão. (artigo 21º da contestação)
20. Na exploração pecuária há alturas em que se mostra necessário trabalhar para além das horas normais, por exemplo, no tempo das sementeiras ou das parições das ovelhas em que é necessário vigiá-las mais amiúde. (artigo 22º da contestação)
21. Autor e ré acordaram que, por cada dia de folga ou feriado trabalhado aquele receberia € 25,00 líquidos. (artigo 23º da contestação)
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IV. Impugnação da decisão da matéria de facto
Nas alegações e conclusões do recurso, a apelante manifesta a sua discordância com a decisão factual proferida pela 1.ª instância, por entender que face à prova produzida, deve, também, dar-se por assente:
- Que o A. sabia das dificuldades económicas da entidade empregadora, situação que aceitava e que aceitava igualmente receber a sua remuneração faseadamente em função das disponibilidades desta;
- Que o A. com o seu comportamento e atitude exibidos no dia em que recebeu o cheque, renunciou expressamente à denúncia/rescisão unilateral do seu contrato de trabalho;
- Que, após a saída do A. da propriedade, a gerente da R. em vão o procurou para com ele acertar contas, não tendo logrado encontrá-lo, pese embora este tenha referido “se precisarem de mim, telefonem-me”, no dia em que este lhe entregou o cheque correspondente aos ordenados de abril e maio, em dívida;
- Que, com as expressões que proferiu, bem como a forma “amigável”, como se comportou numa situação destas, não podem deixar de significar que o A. voltou com a sua intenção atrás, não pretendendo mais deixar o trabalho que vinha prestando.
Analisando os pontos enunciados, verificamos que todos eles exprimem juízos conclusivos ou valorativos.
Como é sabido a decisão sobre a matéria de facto deve incidir sobre factos.
É certo que, como refere Alberto Augusto Vicente Ruço[2], não obstante a referência constante nas leis processuais a factos, estas não definem o que são os factos.
Mas, continua este autor: «No entanto, quando aludimos a factos, o senso comum, diz-nos que nos referimos a algo que aconteceu ou está acontecendo na realidade que nos envolve e percecionamos.»
Nesse sentido intuitivo captado pelo senso comum, poderemos afirmar, reproduzindo as palavras de Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[3] que os factos para efeitos da decisão sobre a matéria de facto «abrangem as ocorrências concretas da vida real», aqui cabendo «os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem)», assim como os «eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (…))»
Deste modo, juízos valorativos ou conclusivos e questões de direito não podem integrar o acervo factual.
Como corolário deste princípio, os juízos de valor, conclusões e questões de direito que sejam proferidos no âmbito da decisão sobre a matéria de facto devem, inclusive, ser considerados como não escritos pelo Tribunal da Relação, por constituírem uma deficiência do julgamento da matéria de facto que há que suprir[4].
Volvendo à concreta impugnação da decisão factual, resta-nos concluir que perante a evidente natureza conclusiva e apreciativa dos pontos que que se pretendiam fazer constar do conjunto de factos provados, improcede liminarmente a impugnação deduzida.
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V. Resolução do contrato de trabalho
Nas conclusões da alegação, a apelante não aceita a, por si designada, “validade da denúncia do contrato”.
Para tanto, refere que os comportamentos posteriores (à resolução contratual, entenda-se) assumidos pelo A., demonstram que o mesmo não pretendia levá-la por diante.
Ora, infere-se do acervo factual provado que o apelado remeteu à apelante uma carta datada de 20 de junho de 2016, por via da qual, comunicava a sua iniciativa de resolver o contrato de trabalho que vigorava entre as partes processuais. No dia 23 de junho, a apelante entregou ao apelado um cheque por via do qual foram liquidadas as retribuições relativas aos meses de abril e maio de 2016, que até aí se encontravam em dívida. O apelado trabalhou para a apelante até 25 de junho de 2016, inclusive. O apelado deixou a casa onde vivia, na propriedade da apelante, e o gado ali existente deixando um papel com a contagem deste último.
Salvaguardado o devido respeito, que é muito, não vislumbramos como deduzir do comportamento assumido pelo apelado após o envio da carta de resolução do contrato de trabalho, alguma espécie de retratação ou alteração da declaração extintiva do vínculo contratual, anteriormente assumida.
O apelado limitou-se a receber o pagamento atrasado das retribuições de abril e maio que estavam em dívida e que lhe eram devidas, ainda que cessasse a relação contratual, pois as mesmas constituíam a contrapartida monetária pelo trabalho prestado nos referidos meses, ou seja, constituíam créditos vencidos na vigência da relação laboral.
Não houve qualquer declaração expressa do apelado a manifestar que ficava sem efeito a resolução contratual comunicada, nem a mesma se pode deduzir do ato de recebimento da quantia que lhe era devida a título de retribuições ou por ter estado a trabalhar até 25 de junho, pois na carta de resolução era expressamente comunicado que cessaria funções a partir de 26 de junho de 2016.
Assim sendo, a resolução contratual mostra-se válida e eficaz.
Nas alegações do recurso, a apelante refere que no dia em que foram pagas as retribuições de abril e maio, ainda não haviam decorrido 60 dias desde o vencimento dessas retribuições, pretendendo extrair deste argumento, se bem compreendemos, conjugando o mesmo com as conclusões do recurso, que o apelado não teria direito à peticionada indemnização.
Ora, extrai-se da comunicação escrita remetida pelo trabalhador que a justa causa invocada pelo mesmo não se limita à falta de pagamento pontual das retribuições respeitantes aos meses de abril e maio de 2016.
Foi invocado e ficou provado que, em 20 de junho de 2016, se encontravam também em dívida:
- o subsídio de férias do ano de 2015 e a retribuição relativa a férias não gozadas referentes ao mesmo ano;
- os subsídios de alimentação de abril, maio e junho de 2016;
- o trabalho prestado nos feriados de 25 de abril, 1 de maio, 26 de maio e 10 de junho.
Se é certo que em relação às retribuições de abril e maio, ao subsídio de alimentação e ao trabalho prestado nos indicados feriados, à data da comunicação extintiva ainda não havia decorrido o prazo previsto no n.º 5 do artigo 394.º do Código do Trabalho, em relação às férias e subsídios de férias do ano de 2015, já tinha decorrido esse prazo – artigos 237.º, 240.º e 264.º do Código do Trabalho.
Esta última consideração baseia-se na circunstância de se depreender que os factos descritos se reportam às férias e subsídio de férias vencidos em 2015.
Mas, porque admitimos que os factos respeitantes às férias e subsidio de férias, tal como estão descritos, possam conduzir à interpretação de que o que estava em causa eram as férias e subsídio de férias respeitante ao trabalho prestado em 2015, que por norma são pagas, o subsídio antes do início do período de férias (n.º 3 do artigo 264.º do Código do Trabalho) e as férias aquando do seu gozo, o que poderia estar ainda por suceder em 20 de junho de 2016 (início da época de verão), mesmo nesse caso, não haveria razão para deixar de reconhecer o direito à indemnização ao trabalhador.
Expliquemos porquê.
Não obstante o n.º 5 do aludido artigo 394.º consagre uma presunção de existência de culpa na falta de pagamento pontual da retribuição, que é inilidível, nas demais situações de falta de pagamento de retribuição por período inferior a 60 dias, funciona a presunção prevista no artigo 799.º do Código Civil (presunção juris tantum), sendo admissível à entidade empregadora demonstrar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso não emerge de culpa sua.
Ora, no caso concreto, a apelante não logrou provar que o não pagamento pontual das retribuições que estavam em dívida não se deveu a culpa sua, pelo que opera a presunção de culpa prevista no referido artigo 799.º.
A apelante não pôs em crise que a situação do não recebimento das retribuições tenha tornado insustentável para o trabalhador a manutenção da relação laboral.
Destarte, é de reconhecer o direito à indemnização do apelado, por falta culposa de pagamento pontual da retribuição pela apelante, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 394.º, n.ºs 1 e 2, alínea a) e 396.º, ambos do Código do Trabalho.
Concluindo, sufragamos a decisão recorrida, pelo que o recurso terá de ser julgado improcedente.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e, em consequência, confirmam a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
Notifique.

Évora, 21 de Dezembro de 2017
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes
__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Moisés Silva; 2.º Adjunto: João Luís Nunes
[2] “Prova e Formação da Convicção do Juiz”, Almedina-Coletânea de Jurisprudência”, 2016, pág. 55
[3] “Manual de Processo Civil”, 2.ª edição, Coimbra EDITORA, PÁGS. 406-407
[4] Neste sentido, a título de exemplo, acórdãos da Relação do Porto de 9/7/2014, proferido no processo 833/11.2TVPRT.P1, e de 2/3/2015, proferido no processo 1099/12.2TVPRT.P1.