Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
94/19.5T8TMR.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: INQUIRIÇÃO DE TESTEMUNHA
OBJECTO DA PROVA
TRANSFERÊNCIA DE TRABALHADOR
ACORDO
PREJUÍZO SÉRIO
Data do Acordão: 01/16/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) é inútil a inquirição de testemunha sobre factos não alegados, por ausência de objeto.
ii) a transferência definitiva de trabalhadora para outro local de trabalho sem acordo prévio e sem prévia justificação do motivo pela empregadora é ilícita.
iii) o acréscimo de tempo na viagem e sobretudo o acréscimo de despesa decorrente de ter que percorrer mais 440 quilómetros por mês, sem que a empregadora o pagasse, auferindo a trabalhadora a quantia líquida mensal de € 588, tendo em conta o baixo salário, constitui justa causa para a resolução do contrato de trabalho pela trabalhadora (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: I…, SA. (ré).
Apelada: M… (autora).

Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo do Trabalho de Tomar, J1.

1. A A. veio intentar ação declarativa sob a forma de processo comum emergente de contrato de trabalho contra a R. e alegou, em síntese, que a ré a admitiu a trabalhar ao seu serviço e sob as suas ordens e direção em 1 de julho de 2010, com a categoria profissional de Cozinheira de 3.ª.
Sempre prestou trabalho no mesmo local, ou seja, em Via Industrial 2, Zona Industrial de Alferrarede, 2200-293 Abrantes.
Sucede que, no dia 26 de setembro de 2018, os superiores hierárquicos H… e J…, transmitiram oralmente à autora a transferência definitiva do seu local de trabalho para Torres Novas, com efeitos imediatos a partir do dia seguinte.
Embora não concordando com a decisão nem com o procedimento, tendo comunicado de imediato tal discordância, no dia 27 de setembro de 2018 iniciou as funções nas instalações em Torres Novas para naquele momento não desobedecer à entidade patronal. Nesse mesmo dia, ou seja, 27 de setembro de 2018, o mandatário da autora enviou uma carta registada à ré, solicitando a reposição da legalidade.
A autora tem a sua residência na Rua do Outeiro, n.º 29, Constância, pelo que percorria até ao seu local trabalho anterior, sito em Alferrarede, 16 Kms. O trajeto para o local de trabalho para onde foi transferida sem qualquer explicação ou aviso prévio legal, dista da sua residência mais 10 kms do que o anterior, ou seja, teria que percorrer diariamente mais 20 Kms, e mensalmente mais 400 Kms.
A autora teria um gasto mensal acrescido em combustível de cerca de 50 euros, o que, tendo em conta que auferia o salário mínimo nacional, causava-lhe um prejuízo sério.
Só no dia 17 de outubro de 2018 é que a autora recebeu uma carta remetida pela ré, confirmando a transferência do local de trabalho, mas sem justificar a sua necessidade, e quando de facto já exercia as suas funções em Torres Novas desde 27 de setembro de 2018.
No dia 11 de outubro de 2018, através de uma ordem de H…, a ré impôs à autora o gozo de férias a partir do dia 17 de outubro de 2018, violando o artigo 241.º n.ºs 1 e 9, do Código do Trabalho, que não chegou a gozar porque de imediato resolveu o contrato. O que fez, através de carta registada enviada à ré no dia 18 de outubro de 2018, onde resolveu o contrato de trabalho com efeitos a partir da receção da missiva pela ré, que foi em 19 de outubro de 2018.
A ré não pagou ainda à autora os proporcionais de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal que correspondem a € 1 456,25.
A autora tem ainda direito a receber da ré uma indemnização, de acordo com a sua antiguidade e que corresponde a 8 meses de retribuição base, acrescida da fração de ano relativa a 2018, calculada proporcionalmente, ou seja € 4 854,20.
Terminou o pedido nos seguintes termos:
a) A ré condenada a reconhecer a justa causa da resolução do contrato de trabalho operada pela autora; e,
b) A aé condenada a pagar à autora a quantia de € 6 310,45, acrescida dos juros de mora legais vincendos, contados desde da citação até integral pagamento.
Tendo-se frustrado o acordo na audiência de partes, foi a R. notificada para contestar.
A R. apresentou a contestação de fls. 32 e seguintes, onde referiu que à relação laboral dos autos é aplicável, além do Novo Código do Trabalho, o CCT celebrada entre a AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Serviços e Outros, com a redação constante do Boletim do Trabalho e Emprego n.º 15, de 2017.
Importa saber se a transferência em causa, primeiro, causou os prejuízos invocados pela autora, e, segundo, se estes são suficientes para a justa causa.
Entre a data da transferência e a da comunicação da resolução do contrato a autora, primeiro, não informou a ré de qualquer acréscimo de despesas de deslocação, e, segundo, não solicitou o pagamento dessas mesmas alegadas despesas. A ré custeia quaisquer incrementos de despesas que motive, conquanto disso tenha conhecimento.
A autora está obrigada ao dever de informação – se teve um incremento de despesas tinha a obrigação de o comunicar e de esperar que a ré as pagasse. Não pode aventar tal putativo acréscimo, disso não dar conhecimento à R. e depois resolver o contrato porque o mesmo não as pagou.
A ré pagou os créditos finais, tendo é operado a compensação com o aviso prévio que a autora não conferiu.
Em reconvenção, defendeu que, improcedendo a justa causa invocada, a autora constitui-se na obrigação de pagar o aviso prévio de 60 dias que não conferiu aquando da cessação da relação de trabalho com a ré. Considerando a última remuneração mensal de € 582,50, deve a mesma ser condenada a pagar a quantia de € 1 165,00.
Terminou no sentido da presente ação ser considerada integralmente improcedente por não provada, mais se rogando se considere o pedido reconvencional procedente por provado.
Respondeu a autora a fls. 36 e seguintes, defendendo que a ré para se valer do artigo 25.º n.º 2 do CCT aplicável, teria que invocar de forma prévia o motivo grave que justificava a transferência. O que manifestamente não fez.
Quanto à reconvenção, conforme a própria ré alega no artigo 22.º da contestação, já recebeu esse valor, vindo agora reclamá-lo novamente. Pelo que, deduziu pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Devendo ser condenada como litigante de má-fé e em consequência no pagamento à autora de uma indemnização nunca inferior a € 250.
Foi determinada a realização de uma audiência preliminar, cujo objeto era facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz tencione conhecer imediatamente do mérito da causa – art.º 591.º n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.
Foi proferido despacho saneador e apreciado o mérito da causa, com a decisão seguinte:
Pelo exposto, decido julgar a presente ação totalmente procedente e, em consequência:
a) Reconheço que a autora M… resolveu com justa causa o contrato de trabalho com a ré I…, SA; e,
b) Condeno a I…, SA, a pagar à autora M… a quantia de € 6 310,45, acrescida dos juros de mora legais vincendos, contados desde a data da citação (1/2/2019 – fls. 14) até integral pagamento.
Mais decido julgar a reconvenção totalmente improcedente e absolver a autora do pedido reconvencional formulado pela ré.
A R. vai condenada a suportar as custas da ação, em vista do seu integral decaimento.

2. Inconformada, veio a R. interpor recurso de apelação motivado, com as conclusões que se seguem:
i. Nos presentes autos, está em causa determinar se a recorrente poderia ter transferido a trabalhadora ao abrigo da cláusula 25.ª do instrumento de regulamentação coletiva aplicável ao setor;
ii. A transferência foi lícita, tendo sido respeitados os respetivos requisitos e constantes da decisão recorrida, pelo que não se verificou a violação do artigo 394.º n.º 2, alínea b), do código do trabalho, conforme pugna a decisão recorrida;
iii. Com efeito, a recorrente não pôde comprovar os motivos determinantes da transferência pela circunstância de a testemunha J… (referida no ponto 2.2.5. dos factos provados) não ter sido inquirida;
iv. Denote-se que era essencial para a boa decisão da causa, nomeadamente para aferir a existência de um motivo grave, prévia e devidamente justificado para a transferência de local de trabalho, a inquirição de tal testemunha;
v. O julgador não justificou a desnecessidade de inquirição da testemunha J…;
vi. A decisão recorrida postergou a possibilidade de a recorrente sustentar, em julgamento e mediante prova testemunhal, o motivo para a transferência da trabalhadora;
vii. Não decorre do ponto 2.2.5. dos factos provados que a recorrente tenha violado o disposto na cláusula 25.ª do instrumento de regulamentação coletiva invocado nos autos;
viii. Por consequência, a decisão recorrida não permitiu à recorrente provar (artigo 342.º do código civil) os requisitos previstos na cláusula 25.ª do instrumento de regulamentação coletiva invocado nos autos, pelo que deverá, neste ponto, a sentença recorrida ser revogada e, bem assim, ser determinada a produção da prova testemunhal;
ix. De outra face, a decisão recorrida não deu como provado que a recorrente recursou-se a liquidar o acréscimo de despesas que a trabalhadora iria suportar para o novo local de trabalho, que não iria suportar o predito acréscimo de despesas ou que não tenha procedido ao pagamento do acréscimo de despesas suportadas pela trabalhadora nos dias em que se apresentou no novo local de trabalho;
x. A recorrente nunca omitiu o dever de custear as despesas de deslocação. Os factos provados confirmam isso mesmo. Nos mesmos, nada é referido quanto ao inadimplemento da recorrente;
xi. A recorrente informou a trabalhadora do direito ao acréscimo de despesas. Tal informação foi prestada pela testemunha J…, a qual não foi inquirida pelo julgador;
xii. A recorrente invocou factos na contestação e indicou o respetivo meio de prova (testemunhal), pelo que a prolação do saneador/sentença impediu a recorrente de cumprir o ónus previsto no artigo 342.º do código civil.
xiii. Bastaria a trabalhadora ter interpelado a recorrente para o pagamento e o mesmo teria sido efetuado imediatamente;
xiv. Em consequência, a decisão recorrida não poderia ter sustentado que a recorrente não iria proceder ao acréscimo de despesas, nem, tão pouco, que deveria ter procedido a um adiantamento à trabalhadora;
xv. A questão do acréscimo de despesas foi utilizada igualmente, a nosso ver, pela decisão recorrida para justificar a insustentabilidade da relação laboral, legitimando a invocação de justa causa;
xvi. A trabalhadora já efetuava anterior e diariamente 32 quilómetros para o local de trabalho, pelo que a penosidade decorrente da transferência para a trabalhadora foi mínima;
xvii. A recorrente nunca recusou pagamento do acréscimo de despesas e, bem assim, informou a trabalhadora de tal facto;
xviii. A trabalhadora só poderia invocar um prejuízo sério se a recorrente se tivesse recusado a liquidar ou não tivesse liquidado o acréscimo de despesas;
xix. Tais factos não foram dados como provados pela decisão recorrida;
xx. A decisão recorrida presumiu, a nosso ver sem fundamento e qualquer prova produzida nesse sentido, que a recorrente não iria compensar a trabalhadora pelo acréscimo de despesas;
xxi. A decisão recorrida utilizou a constatação efetuada para legitimar a resolução do contrato de trabalho, o que não se concede.
xxii. A trabalhadora nunca invocou o instrumento de regulamentação coletiva de trabalho nas comunicações enviadas;
xxiii. Existe a aplicação de um regime convencional distinto do que a trabalhadora invocou na comunicação de resolução do contrato de trabalho, o que, por si só, torna tal comunicação como ilícita por violação do disposto no artigo 3.º n.º 1 do código do trabalho e cláusula 25.ª do instrumento de regulamentação coletiva aplicável.
xxiv. À guisa de conclusão, a trabalhadora não tinha fundamentos para resolver licitamente e com justa causa o contrato de trabalho, mormente perante uma ordem de transferência de local de trabalho emanada ao abrigo de normas convencionais que não postergaram qualquer direito e/ou garantia da trabalhadora.
Nestes termos e nos demais de direito, os quais serão doutamente supridos por V. Ex.as, deve o presente recurso ser julgado procedente, e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, julgando-se ilícita a resolução com justa causa do contrato de trabalho.
Caso v. ex.as assim não o entendam, o que apenas academicamente se alvitra, deverá ser ordenada a realização da audiência de julgamento para inquirição da testemunha J….

3. A A. apresentou resposta com as conclusões seguintes:
1 – Na contestação deve o réu expor as razões de facto que se opõem à pretensão do autor, devendo tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir desse mesmo autor, considerando-se admitidos por acordo os que não forem impugnados – artigos 572.º, alínea b), 574, n.ºs 1 e 2, ambos do CPC.
2 – Compulsada a contestação apresentada, conclui-se que não foram alegados pela recorrente quaisquer factos com o objetivo de demonstrar que a transferência definitiva da trabalhadora ocorreu por motivo grave, prévia e devidamente justificado à trabalhadora.
3 - Em momento algum a recorrente alega na contestação que promoveu a transferência da autora tendo adiantado a compensação pelo acréscimo das despesas de deslocação.
4 – Além disso, como muito bem está explicado na douta sentença recorrida, atentas as condições particulares da trabalhadora, nomeadamente o seu modesto salário mensal no valor de € 582,50, acrescido de prémio de € 50, é evidente e notório que um acréscimo de 20 Kms por dia consubstancia um prejuízo sério para a trabalhadora.
5 – A comunicação ao empregador de resolução do contrato de trabalho com justa causa, efetuada pela trabalhadora, tem que ser efetuada por escrito e com a indicação sucinta dos factos que a justificam, o que foi feito – artigo 395.º n.º 1 do Código do Trabalho.
Nestes termos e nos mais de Direito, sempre com o Douto suprimento de V. Exas, deverá manter-se na íntegra a decisão recorrida.

4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido de que a apelação não merece provimento e que deve ser mantida na íntegra a sentença recorrida.
O parecer foi notificado e não foi apresentada qualquer resposta.

5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso.
Questões a decidir:
1. Inquirição de testemunha.
2. Legalidade da transferência e justa causa para a resolução do contrato de trabalho.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A) A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes, não questionados:
1. A ré desenvolve a atividade no ramo da prestação de serviços de alimentação coletiva.
2. Admitiu a autora a trabalhar ao seu serviço e sob as suas ordens e direção em 1 de julho de 2010, com a categoria profissional de Cozinheira de 3.ª.
3. Auferindo presentemente € 582,50 mensais, acrescido de um prémio mensal de € 50.
4. A autora sempre prestou trabalho em Via Industrial 2, Zona Industrial de Alferrarede, 2200-293 Abrantes.
5. No dia 26 de setembro de 2018, os superiores hierárquicos H… e J…, transmitiram oralmente à autora a transferência definitiva do seu local de trabalho para Torres Novas, com efeitos imediatos a partir do dia seguinte.
6. No dia 27 de setembro de 2018, a autora iniciou as funções nas instalações em Torres Novas.
7. Nesse mesmo dia 27 de setembro de 2018, o mandatário da autora enviou uma carta registada à ré, cuja cópia foi junta como documento n.º 3 da petição, que aqui se dá por integralmente reproduzida, referindo que a transferência definitiva do seu local de trabalho para Torres Novas violava o disposto nos artigos 196.º e 194.º n.º 1, alínea a) e b), do Código do Trabalho, pelo que deviam ser dadas ordens para voltar a ocupar o local de trabalho antigo.
8. A autora tem a sua residência na Rua …, Constância, pelo que, percorria até ao seu local trabalho anterior, sito em Alferrarede, 16 Kms.
9. O trajeto para o local de trabalho para onde foi transferida dista 26 kms da residência da autora.
10. No dia 17 de outubro de 2018, a autora recebeu uma carta remetida pela ré, cuja cópia foi junta como documento n.º 4 da petição, que aqui se dá por integralmente reproduzida, referindo que formalizava a transferência de local de trabalho para a Monte Bravo, em Torres Novas, que teve início a 27/9/2018.
11. Através de carta registada enviada pela autora à ré no dia 18 de outubro de 2018, cuja cópia foi junta como documento n.º 5 da petição, que aqui se dá por integralmente reproduzida, referindo que resolvia o contrato de trabalho com efeitos a partir da receção da missiva pela ré, que foi em 19 de outubro de 2018.

B) APRECIAÇÃO

B1) Inquirição de testemunha

A apelante conclui que:
“iii. Com efeito, a recorrente não pôde comprovar os motivos determinantes da transferência pela circunstância de a testemunha J… (referida no ponto 5. dos factos provados) não ter sido inquirida;
iv. Denote-se que era essencial para a boa decisão da causa, nomeadamente para aferir a existência de um motivo grave, prévia e devidamente justificado para a transferência de local de trabalho, a inquirição de tal testemunha;
v. O julgador não justificou a desnecessidade de inquirição da testemunha J…;
vi. A decisão recorrida postergou a possibilidade de a recorrente sustentar, em julgamento e mediante prova testemunhal, o motivo para a transferência da trabalhadora”.
A apelada conclui que a inquirição mostra-se inútil em virtude da ré não ter alegado estes factos.
Ao caso sub judice aplica-se o CT.
As partes estão ainda de acordo que se aplica à relação laboral entre elas o CCT celebrado entre a AHRESP – Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal e a FETESE – Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores dos Serviços e Outros, com a redação constante do Boletim do Trabalho e Emprego n.º 15, de 2017, alvo de Portaria de Extensão publicada no Diário da República, 1.ª Série, de 20 de julho, por força da Portaria n.º 219/2017, de 20.07.
Analisados os instrumentos de regulamentação referidos, verificamos que existe um lapso na identificação da parte que subscreveu o CCT por banda dos trabalhadores.
Com efeito, quem outorgou o CCT em representação dos trabalhadores foi o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo - SITESE (cantinas, refeitórios e fábricas de refeições), como resulta clara e inequivocamente do CCT publicado no BTE e da Portaria n.º 219/2017, de 20 de julho.
Esta última refere expressamente no seu art.º 1.º que: “as condições de trabalho constantes do contrato coletivo entre a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) e o Sindicato dos Trabalhadores e Técnicos de Serviços, Comércio, Restauração e Turismo - SITESE (cantinas, refeitórios e fábricas de refeições), publicado no Boletim do Trabalho e Emprego (BTE), n.º 15, de 22 de abril de 2017, são estendidas no território do continente:

a) Às relações de trabalho entre empregadores não filiados na associação de empregadores outorgante que explorem em regime de concessão e com fins lucrativos cantinas e refeitórios e os que se dediquem ao fabrico de refeições a servir fora das respetivas instalações, e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção;

b) Às relações de trabalho entre empregadores filiados na associação de empregadores outorgante que exerçam a atividade económica referida na alínea anterior e trabalhadores ao seu serviço, das profissões e categorias profissionais previstas na convenção, não filiados na associação sindical outorgante.

2 - A presente extensão não se aplica aos trabalhadores filiados em sindicatos representados pela FESAHT - Federação dos Sindicatos da Agricultura, Alimentação, Bebidas, Hotelaria e Turismo de Portugal.

3 - Não são objeto de extensão as cláusulas contrárias a normas legais imperativas”.

Trata-se de um erro manifesto, pelo que se corrige, a identificação do subscritor representativo dos trabalhadores.
O art.º 194.º do CT prescreve:
1 - O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, nas seguintes situações:
a) Em caso de mudança ou extinção, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço;
b) Quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.
2 - As partes podem alargar ou restringir o disposto no número anterior, mediante acordo que caduca ao fim de dois anos se não tiver sido aplicado.
3 - A transferência temporária não pode exceder seis meses, salvo por exigências imperiosas do funcionamento da empresa.
4 - O empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência ou, em caso de transferência temporária, de alojamento.
5 - No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366.º.
6 - O disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Por sua vez, a cláusula 24.ª do CCT já referido, estipula que o local de trabalho deverá ser definido pela empresa no ato de admissão de cada trabalhador, ou outro que lhe venha a ser definido posteriormente pela empresa, nos termos das cláusulas seguintes.
A cláusula 25.ª do CCT estipula que:
1. A transferência de trabalhadores está condicionada a acordo prévio escrito.
2. Não havendo acordo escrito, os trabalhadores dos refeitórios e cantinas de concessão poderão ser transferidos para qualquer estabelecimento da entidade patronal desde que o mesmo se situe num raio de 35 km, contados a partir do local de residência do trabalhador, se existir motivo grave prévia e devidamente justificado pela entidade patronal.
3. Verificada a impossibilidade real da situação prevista no número anterior, ou seja a inexistência de um estabelecimento no referido raio, os 35 km contar-se-ão a partir do anterior local de trabalho.
4. Consideram-se motivos graves justificativos da transferência do trabalhador, nomeadamente os seguintes:
a) Existência de litígio entre a concedente e a concessionária sobre a permanência do trabalhador na cantina, por facto imputável a este, e desde que a concedente imponha a transferência do trabalhador;
b) Manifesta incompatibilidade nas relações de trabalho com os colegas, ou com os superiores hierárquicos;
c) Nos casos de tomada de concessão nos 30 dias iniciais, se se verificar comprovada inadaptação do trabalhador aos métodos de gestão da nova concessionária;
d) Verificação de excesso de mão-de-obra, por diminuição notória, nos serviços que a concessionária presta, nomeadamente a redução de refeições, por motivos alheios à mesma entidade.
5. O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, se a alteração resultar de mudança, total ou parcial, do estabelecimento onde aquele presta serviço, ou se resultar do encerramento parcial ou total desse estabelecimento.
6. A decisão de transferência do local de trabalho, nos termos do número 5, tem de ser comunicada ao trabalhador, de forma fundamentada, e por escrito, com 30 dias de antecedência; salvo, motivos justificativos alheios à empresa, sendo neste caso, a comunicação efetuada ao trabalhador com a antecedência mínima de15 dias.
Em face do art.º 194.º do CT e das cláusulas referidas no CCT citadas, verifica-se que, na falta de acordo escrito, como é o caso (pelo menos não está alegado nem provado), a trabalhadora poderia ser transferida para qualquer estabelecimento da ré desde que ocorressem cumulativamente as condições seguintes:
- O estabelecimento para onde a trabalhadora fosse transferida se situasse num raio de 35 km, contados a partir do local de residência da trabalhadora;
- Se existisse motivo grave prévia e devidamente justificado pela entidade patronal, nomeadamente os elencados no n.º 4 da cláusula 25.ª.
Resulta do exposto que a ré deveria ter alegado os factos que justificavam o motivo grave pelo qual transferiu a trabalhadora para outro estabelecimento.
A apelante pretende que a testemunha preste depoimento sobre factos que não estão alegados, quer por si, quer pela outra parte.
O depoimento da testemunha sobre factos não alegados carece de objeto. A inquirição da testemunha constituiria a prática de um ato inútil.
A apelante alega que o tribunal recorrido não fundamentou a não inquirição.
Embora tal não tenha sido referido expressamente, resulta inequivocamente da decisão recorrida que o tribunal considerou desnecessária a inquirição da testemunha em causa.
Assim, a apelação improcede quanto a esta matéria.

B2) Legalidade da transferência e justa causa para a resolução do contrato de trabalho

O art.º 394.º n.º 1 do CT prescreve que ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
Nos termos do art.º 395.º n.º 1 do CT o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.
O art.º 394.º n.º 2 e 3 do mesmo código indica exemplificativamente casos que justificam a resolução do contrato de trabalho com justa causa pelo trabalhador.
No caso, está em causa a transferência definitiva da trabalhadora para outro local de trabalho, sem prévio acordo escrito entre as partes e sem prévia justificação pela empregadora do motivo grave que a justificava.
Nos termos do art.º 194.º do CT no caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato se tiver prejuízo sério, tendo direito à compensação prevista no artigo 366.º (n.º 5). O n.º 6 deste mesmo artigo e código prescreve que o disposto nos números anteriores pode ser afastado por instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
Em face dos factos provados, resulta claro que a empregadora não cumpriu a obrigação que sobre si impendia de comunicar previamente à trabalhadora os motivos que justificavam a transferência.
O novo local de trabalho é 10 quilómetros mais distante da sua residência que o anterior, donde resulta que teria de percorrer mais 20 quilómetros por dia nas deslocações de ida para o trabalho e de regresso a casa. Resulta daqui um acréscimo no tempo da viagem e de despesa.
Considerando que em média o mês tem 22 dias úteis de trabalho, o acréscimo de distância mensal seria de 440 quilómetros (22 dias úteis x 20 quilómetros por dia).
A empregadora ao transferir a trabalhadora não lhe comunicou que custearia a despesas decorrentes da transferência. Não releva o facto de a empregadora vir afirmar depois da resolução do contrato de trabalho que está disponível para pagar as despesas da deslocação. A situação de facto a atender é aquela que se verificava no momento em que a trabalhadora resolveu o contrato de trabalho, pois foram estes os factos que fundamentaram a sua decisão e são estes que o tribunal tem de considerar para apurar se ocorria a justa causa invocada.
Na apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho invocada tem-se em conta o disposto no n.º 3 do artigo 351.º quanto à justa causa de despedimento, com as necessárias adaptações (art.º 394.º n.º 4 do CT).
Tem-se entendido que na apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador não se deve ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento decidido pela empregadora[1].
A trabalhadora auferia € 582,50 mensais, acrescidos de um prémio mensal de € 50. A estes valores haveria que deduzir, pelo menos, os descontos para a segurança social a cargo da trabalhadora, à taxa de 11%, donde resulta que receberia a quantia mensal líquida de € 588.
Considerando a baixa remuneração auferida e o acréscimo de distância a percorrer com os custos inevitáveis que, além do tempo, fariam descer o rendimento disponível da trabalhadora, entendemos que a transferência de local de trabalho promovida ilicitamente pela empregadora causou prejuízo sério à trabalhadora.
Nesta conformidade, julga-se a apelação improcedente e confirma-se a sentença recorrida.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação improcedente e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela ré apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 16 de janeiro de 2020.
Moisés Silva (relator)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
__________________________________________________
[1] Neste sentido, Ac. STJ, de 16.03.2017, processo n.º 244/14.8TTALM.L1.S1, www.dgsi.pt/jstj.