Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
448/11.5TBSSB-A.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: CITAÇÃO EM PAÍS ESTRANGEIRO
TRADUÇÃO DE DOCUMENTOS
Data do Acordão: 09/24/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - Nas citações a efectuar em países do Espaço Europeu Comum, existe a possibilidade do citando recusar a citação por falta de tradução dos documentos inerentes ao acto.
2 - Cabendo ao requerente da citação a tradução desses documentos, em caso de recusa da citação que por esse motivo só veio a ser realizada muito para além dos cinco dias, depois de ter sido requerida, não pode ele beneficiar da interrupção do prazo prescricional a que alude o n.º 2 do artº 323º do CC, por o retardamento lhe ser imputável.
Sumário do Relator
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 448/11.5TBSSB-A.E1 (2ª secção cível)
(Processo redistribuído)




ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA


(…) e (…) instauraram acção declarativa de condenação contra AUDI Ag, tendo a demandada, na respectiva contestação para além do mais, arguido a excepção da prescrição.
No saneador o Julgador a quo conheceu da arguida excepção peremptória, julgando-a improcedente.
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Irresignada com esta decisão, veio a ré interpor o presente recurso e apresentar as respectivas alegações, terminando por formular as seguintes «conclusões» [1], que se transcrevem:
1ª A aqui Apelante apenas foi validamente citada para contestar a presente ação a 13 de Novembro de 2013, i.e. mais de cinco anos e meio após a data do acidente em causa nos autos – 7 de Abril de 2008 – e mais de dois anos e meio após a data – 7 de Abril de 2011 – em que se deve ter por prescrito o direito de accionar a Apelante com fundamento na responsabilidade civil do produtor cujo regime se encontra previsto no Decreto-lei nº 383/89, de 6 de Novembro – que é a que se encontra em causa nos presentes autos, apesar da configuração dada pelas Autoras à presente ação.
2ª Nos termos do disposto no artigo 323º do Código Civil, a prescrição apenas se interrompe com a citação, sendo que, determina o nº 2 da mesma norma que, nos casos em que a citação não venha a realizar-se nos cinco dias posteriores à propositura da ação, por causa não imputável ao requerente, presumir-se-á que a mesma foi realizada nesse quinto dia, para efeitos de interrupção do prazo prescricional.
3ª É certo que as Autoras propuseram a presente ação no dia 28 de Março de 2011, ou seja, dez dias antes do termo do prazo prescricional; todavia, como resulta, expressamente, da letra do nº 2 do referido artigo 323º do Código Civil, as Autoras apenas poderiam aproveitar da referida presunção se a não realização da citação nos cinco dias posteriores à propositura da ação lhes não fosse imputável.
4ª Cabendo-lhes, de acordo com as regras sobre a repartição do ónus probatório, demonstrar que assim não havia sucedido, o que não lograram fazer.
5ª No caso vertente – citação de entidade com domicílio na Alemanha, encontrando-se a acção proposta em Portugal –, rege o Regulamento (CE) nº 1393/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007 [2] (doravante, Regulamento).
6ª De tal Regulamento resulta, inequivocamente, que a citação não ocorrerá se o ato citando não se encontrar numa língua que o destinatário compreenda ou na língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas no Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação e, por essa razão, este o recusar (cfr. Artigo 8º, nº 1, als. a) e b) do Regulamento).
7ª Tal determinação corresponde a uma necessária observância da teleologia que subjaz ao instituto da prescrição e aos factos interruptivos da mesma, aliás sobejamente conhecidos e tratados na doutrina e jurisprudência, consistindo tal facto interruptivo no conhecimento que teve o obrigado, através duma citação ou notificação judicial, de que o titular pretende exercer o direito.
8ª Tem o instituto da prescrição por função primordial assegurar que não sendo um determinado direito exercido, num determinado lapso temporal considerado razoável, o sujeito passivo daquele direito poderá contar legitimamente que o mesmo não mais será exigível (cfr. artigo 304º, nº 1, do Código Civil), cabendo ao titular do direito levar atempadamente (i.e., nos prazos legalmente prescritos) ao conhecimento do visado que não deixará de exercer tal direito, e correndo contra si a inércia no respetivo exercício.
9ª Conhecimento esse que, como é evidente, só pode ocorrer se o citando ou notificando compreender aquilo de que é citado ou notificado, e só com tal conhecimento podendo este dizer de sua Justiça quanto à pretensão que lhe é transmitida.
10ª A possibilidade conferida de recusa da citação nestas condições corresponde, assim, ao verdadeiro e legítimo exercício de uma posição jurídica que lhe é conferida em atenção ao princípio da segurança jurídica e, bem assim, do contraditório.
11ª Testemunho da importância e essencialidade dessa possibilidade de recusa é o facto de ser nula a citação efectuada sem menção da possibilidade que assiste ao destinatário, constante do nº 1 do artigo 8º do Regulamento, “de que pode recusar a recepção do acto quer no momento da citação ou da notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução [...]” (cf., neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 15 de Outubro de 2013).
12ª Caso exista tal recusa, “a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do ato acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no n.º 1.” (cfr. Artigo 8º, nº 2, do Regulamento), i.e., devendo efectuar-se nova citação, porquanto a anterior se tem por inexistente.
13ª Não pode, pois, o requerente da citação ou notificação, como é evidente, deixar de considerar tal possibilidade de recusa (e, consequentemente, a possibilidade de não realização da citação) no momento da propositura da acção.
14ª O regime que vem de se desenhar demonstra que, e salvo o devido respeito, não é correcta a asserção feita pelo douto Tribunal a quo na decisão recorrida de que “com o pedido de citação ao estado membro não é obrigatório remeter a tradução da petição inicial e os documentos. Esta é uma faculdade concedida aos requerentes.”, ou que “reconhecendo a lei que não é obrigatório remeter a tradução da petição inicial e dos documentos é evidente que o credor não pode suportar o prejuízo de uma demora que decorreu do direito da Ré exigir essa tradução.
15ª Pois, se é verdade que nenhuma obrigação se encontra literalmente vertida no artigo 8º do Regulamento (embora, ao contrário do que refere o douto Tribunal, este também não diga que inexiste tal obrigação, até porque não versa sobre os elementos que devem acompanhar a citação, mas tão-só sobre a possibilidade da sua recusa, pelo que uma tal obrigação sempre deveria ser buscada noutros normativos), não se aceita que a junção ab initio da tradução se trate de mera faculdade, cujo exercício é absolutamente indiferente.
16ª A junção de uma tradução da Petição Inicial é antes um ónus, a observar pelo Requerente que queira estar certo da produção de um determinado efeito: a interrupção da prescrição. Não o fazendo, sibi imputet.
17ª No caso vertente, as Autoras não juntaram aos autos, com a Petição Inicial, tradução para língua alemã do articulado e documentos anexos, nem tão pouco requereram ao douto Tribunal que procedesse à referida tradução, pelo que, com a propositura da presente acção, desacompanhada da competente tradução do articulado e documentos anexos, destinada à citação da Ré aqui Apelante, não dispunha o Tribunal, desde a génese dos autos, dos elementos necessários à referida citação.
18ª Ou seja, no momento da instrução da Petição Inicial que daria origem aos presentes autos, ou as Autoras previram como possível a recusa da citação por parte da Ré, nos termos da Lei, por não se encontrar a mesma e o ato citando devidamente traduzidos, e aceitaram a possibilidade de assim ser, conformando-se com tal resultado, ou, previram como possível a recusa da citação, mas confiaram que tal não sucederia, ou, ainda, não previram sequer tal possibilidade.
19ª No primeiro caso, estaremos perante dolo eventual; no segundo, negligência consciente; no terceiro, negligência inconsciente , todas elas formas de culpa (sendo que, no caso da negligência inconsciente, a falta de previsão, designadamente por desconhecimento da norma legal é, manifestamente, inatendível).
20ª In casu, não pode sequer aceitar-se que tenham as Autoras crido, legitimamente, que a Ré recebesse a citação não traduzida, já que esta é uma sociedade de direito alemão, que não tem sequer qualquer filial ou sucursal em Portugal, e que, como tal, nada levaria a crer que pudesse conhecer a língua portuguesa. Antes pelo contrário!
21ª Tudo indicaria, desde o início, que a aqui Apelante não receberia a citação não traduzida (dir-se-ia, aliás, que apenas assim não sucederia caso não fosse informada da possibilidade de recusa da mesma, nos termos do artigo 8º, nº 1, do Regulamento, o que sempre determinaria a nulidade de tal notificação), facto que estava ao alcance das Autoras prever no momento da instrução da sua Petição Inicial.
22ª Tal ausência de previsão é-lhes imputável, no mínimo, a título de negligência, rejeitando-se que, como postula o douto Tribunal a quo, tenham as Autoras reclamado em juízo o seu direito no que toca à citação da Ré, não podendo a sua conduta considerar-se negligente.
23ª Por outro lado, as Autoras não fizeram qualquer demonstração, como lhes cabia fazer, de que a ausência de junção de tradução não lhes era imputável, pelo que não podem as Autoras prevalecer-se da presunção conferida pelo artigo 323º, nº 2, do Código Civil, já que a não realização da citação se deve a um ato seu: a não instrução da Petição Inicial com o elemento que permitiria assegurar cabalmente que a citação ocorreria in casu.
24ª Em face do exposto, mal andou o douto Tribunal a quo ao proferir a sentença em crise, fazendo, nesse conspecto, errada aplicação do disposto naquele artigo 323º, nºs 1 e 2, do Código Civil e, bem assim, do disposto no artigo 8º do Regulamento (CE) nº 1393/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007, devendo, Excelentíssimos Senhores Desembargadores, ser revogada a decisão a quo e substituída por outra que julgue procedente a excepção peremptória de prescrição deduzida, absolvendo a aqui Apelante do pedido.
25ª Em todo o caso, considerando que a apreciação e resolução das questões convocadas pelo presente recurso pressupõe a aplicação de legislação comunitária e tendo em atenção que, caso seja proferida por Vossas Excelências, com o mesmo fundamento, decisão concordante com a de que aqui se recorre, inexistirá, em regra, possibilidade de recurso ordinário para o Supremo Tribunal de Justiça, requer-se a Vossas Excelências, nos termos do disposto no artigo 267º do Tratado da União Europeia, a colocação ao Tribunal de Justiça da União Europeia da seguinte questão prejudicial:
Considerando que a lei nacional (artigo 323º, nº 2 do Código Civil português) determina que a citação se presume como não realizada nos cinco dias posteriores à propositura da acção - nomeadamente para efeitos de interrupção do prazo prescricional - sempre que tal aconteça por causa imputável ao requerente, pergunta-se se a não realização da citação deverá ser considerada imputável ao respectivo requerente que, no ato pelo qual promoveu a citação, não tenha junto ou solicitado a tradução para a língua do citando ou língua oficial do país em que este se encontra, nos casos em que aquela citação tenha sido recusada nos termos do disposto no artigo 8º, nº 1 do Regulamento (CE) nº 1393/2007, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Novembro de 2007?”.
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As recorridas vieram apresentar alegações pugnando pela manutenção do julgado.
Apreciando e decidindo

Como se sabe o objeto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar se operou, ou não, a prescrição do direito de indemnização das autoras.
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Na 1ª instância, com interesse para a decisão da questão, foi considerado como provado o seguinte circunstancialismo factual:
1 - O acidente de viação em discussão nos autos ocorreu no dia 7 de Abril de 2008.
2 – A presente acção deu entrada em juízo no dia 28 de Março de 2011.
3 – A Ré Audi Ag tem a sua sede e endereço postal em 85045 Ingolstadt, Alemanha.
4 – A carta registada com aviso de recepção para citação da Ré foi expedida no dia 30 de Março de 2011, e veio devolvida com a menção de endereço insuficiente.
5 – No dia 14 de Junho de 2011, foi expedida carta registada com aviso de recepção para citação da Ré, para a mesma morada e veio também devolvida com a menção de recusada.
6 – Por despacho proferido a 26/09/2011, determinou-se a citação por carta rogatória, nos termos do Regulamento (CE) n.º 1393/2007, sendo que a Ré recusou receber a citação porquanto a petição inicial e documentos anexos não se mostravam traduzidos para a língua alemã.
7 – A Ré foi citada para a acção no dia 13 de Novembro de 2013.

Vejamos então!
Não é posto em crise que perante a causa de pedir e o pedido formulado na acção, que estamos no domínio de responsabilidade extracontratual.
No âmbito da responsabilidade extracontratual, nos termos do disposto no artº 498º, n.º 1, do CC, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso.
Como salienta Menezes Cordeiro [3] “a razão de ser deste preceito é simples: perante um dano que dê azo a um dever de indemnizar a lei pretende uma solução rápida. A incerteza é prejudicial, enquanto as delongas vão dificultar a reconstituição dos elementos que rodeiam e expliquem o facto danoso”.
As partes não põem em causa que o prazo prescricional a aplicar é o de três anos, não havendo no caso, tal como se encontra configurada a ação o alongamento de tal prazo em virtude de facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição mais dilatada.
O prazo prescricional (no caso, de três anos) pode ser interrompido, designadamente com a citação nos termos do disposto no artº 323º do CC, sendo que, se esta não ocorrer cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, têm-se a prescrição por interrompida logo que decorram cinco dias, e a anulação da citação não impede o efeito interruptivo (n.ºs 2 e 3).
Estabelece-se, no n.º 2 deste artigo “um mecanismo de acautelamento da posição do titular do direito, aplicável na hipótese de a citação ou notificação não se realizar no prazo de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, portanto, sem culpa sua. Nessa situação, a interrupção opera logo que decorram esses cinco dias. Relevante é, pois, a ausência de culpa por parte do autor ou requerente[4].
Por isso, se a citação não tiver sido efectuada dentro dos cinco dias após ter sido requerida, importará verificar se o atraso foi ou não devido a causa não imputável ao requerente para poder beneficiar da interrupção do prazo, retroagindo os efeitos interruptivos aos cinco dias após a citação ter sido requerida, caso se reconheça que a causa da demora não lhe é imputável.
No caso em apreço no que refere à citação, atendendo a que a demandada tem sede na Alemanha, país estrangeiro, do Espaço Europeu Comum, deverá observar-se o que estiver previsto em tratados ou convenções internacionais e, na sua falta, a citação é feita por via postal, através de carta registada com aviso de recepção, aplicando-se as determinações do regulamento local dos serviços postais, artº. 247º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.
No espaço comunitário onde estão inseridos demandantes e demandada tem aplicação o Regulamento (CE) nº 1393/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho, [5] instrumento de direito internacional que goza de uma força jurídica superior à lei ordinária, no caso ao Código Civil e ao Código de Processo Civil [6].
Estipula-se no artº 8º do aludido Regulamento, epigrafado de recusa de recepção do acto:
“1. A entidade requerida avisa o destinatário, mediante o formulário constante do anexo II, de que pode recusar a recepção do acto quer no momento da citação ou notificação, quer devolvendo o ato à entidade requerida no prazo de uma semana, se este não estiver redigido ou não for acompanhado de uma tradução numa das seguintes línguas:
a) Uma língua que o destinatário compreenda; ou
b) A língua oficial do Estado-Membro requerido ou, existindo várias línguas oficiais nesse Estado-Membro, a língua oficial ou uma das línguas oficiais do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação.
2. Se a entidade requerida for informada de que o destinatário recusa a recepção do acto ao abrigo do disposto no n.º 1, deve comunicar imediatamente o facto à entidade de origem, utilizando para o efeito a certidão a que se refere o artigo 10.º, e devolver-lhe o pedido e os documentos cuja tradução é solicitada.
3. Se o destinatário tiver recusado a recepção do acto ao abrigo do disposto no n.º 1, a situação pode ser corrigida mediante citação ou notificação ao destinatário, nos termos do presente regulamento, do ato acompanhado de uma tradução numa das línguas referidas no n.º 1. Nesse caso, a data de citação ou notificação do ato é a data em que o ato acompanhado da tradução foi citado ou notificado de acordo com a lei do Estado-Membro requerido. Todavia, caso, de acordo com a lei de um Estado-Membro, um ato tenha de ser citado ou notificado dentro de um prazo determinado, a data a tomar em consideração relativamente ao requerente é a data da citação ou notificação do ato inicial, determinada nos termos do n.º 2 do artigo 9.º.
4. Os n.ºs 1, 2 e 3 aplicam-se igualmente aos meios de transmissão e de citação ou notificação de actos judiciais previstos na secção 2.
5. Para efeitos do n.º 1, os agentes diplomáticos ou consulares, nos casos em que a citação ou notificação é efectuada nos termos do artigo 13.º, ou a autoridade ou pessoa, nos casos em que a citação ou notificação é efectuada nos termos do artigo 14.º, devem avisar o destinatário de que pode recusar a recepção do acto e que o ato recusado deve ser enviado àqueles agentes ou àquela autoridade ou pessoa, conforme o caso”.
Entendeu o Julgador a quo que não se estipulando neste normativo a obrigatoriedade de remeter tradução da petição e documentos remetidos com vista à citação, havendo recusa e por esse efeito houver de proceder à respectiva tradução e à repetição do ato “não pode o credor suportar o prejuízo de uma demora que decorreu do direito da ré exigir essa tradução” e como tal não poderá considerar-se, no caso dos autos, ter havido conduta negligente das autoras que as impeçam de beneficiar do efeito interruptivo da prescrição.
A ré discorda deste entendimento e a nosso ver assiste-lhe razão.
É certo que o Regulamento não impõe àquele que pede a citação a tradução do ato a transmitir mas ele “é avisado, pela entidade de origem competente para a transmissão, de que o destinatário pode recusar a recepção do acto se este não estiver redigido numa das línguas previstas no artigo 8.º, ou seja, na(s) língua(s) oficial(ais) do Estado-Membro requerido ou do local onde deva ser efectuada a citação ou notificação ou numa língua que o destinatário compreenda”, conforme decorre do estipulado no n.º 1 do artº 5º, devendo, por isso precaver-se de todas implicações resultantes do ato de citação não se ter por efectuado.
No âmbito da vigência do anterior Regulamento (R. CE n.º 1348/2000), que o presente viria a revogar, salientava José Salazar Casanova [7] que “o interessado deve ter o cuidado de não incorrer em omissões de actos que o Regulamento prescreva) v.g. a imediata apresentação das peças traduzidas) que poderão levar a que se considere que foi por falta dele que a citação se não realizou a tempo”.
No âmbito da vigência do Regulamento aplicável ao caso concreto e perante o que dispõe o n.º 3 do seu artº 8º salienta Carlos Melo Marinho [8]Por se poder enquadrar na noção de imposição de citação ou notificação dentro de um prazo legalmente imposto, parece que esta cláusula excepcional poderá valer quando estiver em causa a interrupção de um prazo prescricional, para os efeitos visados pelo n.º 1 do art. 323.º do Código Civil Português (CC).
Porém, se a transmissão de conteúdo não se tornar plenamente válida por falta de tradução que caiba ao Requerente promover, não parece possível que este sujeito processual beneficie do disposto no n.º 2 desse artigo, já que tem que se assumir que o desrespeito do prazo de cinco dias se deverá também a causa a ele imputável. Assim, em tal caso, a prescrição não se poderá ter por interrompida após tal lapso temporal, contado da data do requerimento de citação ou notificação.
Efectivamente, a não tradução atempada do ato a citar por parte das requerentes não pode deixar de ser considerada uma omissão censurável, já que a possibilidade conferida de recusa da citação, por os documentos não estarem traduzidos na língua que o destinatário compreenda, prevista no Regulamento, como salienta a recorrente, não corresponde à satisfação de um mero capricho do citando, mas ao verdadeiro e legítimo exercício de uma posição jurídica que lhe é conferida em atenção ao princípio da segurança jurídica e, bem assim, do contraditório, pelo que não pode o requerente da citação, no momento da propositura da ação, deixar de considerar como real a possibilidade de recusa do citando, já que a lei prevê, expressamente, tal realidade e precaver-se juntando logo a tradução da petição e documentos anexos, não o fazendo passou a correr o risco, da citação não se poder efectuar, por esse motivo, arcando com as respectivas consequências.
De tal decorre, que não podemos deixar de imputar o retardamento do ato de concretização da citação às autoras, suportando estas as respectivas consequências do prazo prescricional que se encontrava em curso, na data da instauração da acção, não se ter por interrompido e ter decorrido na sua totalidade, o que levou à invocada prescrição do direito a que se arrogam.
Conclui-se, assim, pelo reconhecimento de ter operado a prescrição, invocada pela ré.
Relevam as conclusões apresentadas pela recorrente impondo-se a revogação da decisão impugnada com as consequências daí advenientes.
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Para efeitos do n.º 7 do artº 663º Cód. Processo Civil, em conclusão:
1 – O prazo prescricional no âmbito da responsabilidade extracontratual, é de três anos.
2 – A interrupção da prescrição não ocorre, no prazo de 5 dias, depois de ter sido requerida a citação, conforme dispõe o n.º 2 do artº 323º do CC, se a causa do atraso for imputável ao requerente.
3 – Nas citações a efectuar em países do Espaço Europeu Comum, existe a possibilidade do citando recusar a citação por falta de tradução dos documentos inerentes ao ato.
4 - Cabendo ao requerente da citação a tradução desses documentos, em caso de recusa da citação que por esse motivo só veio a realizada muito para além dos cinco dias, depois de ter sido requerida, não pode ele beneficiar da interrupção do prazo prescricional a que alude o n.º 2 do artº 323º do CC, por o retardamento lhe ser imputável.
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DECISÂO
Pelo exposto, nos termos supra referidos, decide-se julgar procedente a apelação e, consequentemente, revogar a decisão impugnada, julgando procedente a excepção peremptória da prescrição, absolvendo a ré do pedido.
Custas pelas apeladas.
Évora, 24 de Setembro de 2015
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura



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[1] - Consignámos conclusões entre aspas, já que a recorrente limita-se a fazer a transposição parcial do explanado nas alegações, ajustando a redacção e apondo numeração adequada, sem apresentar umas verdadeiras conclusões tal como a lei prevê, as quais devem ser sintéticas, concisas, claras e precisas – v. Ac. STJ de 06/04/2000 in Sumários, 40º, 25; Cardona Ferreira in Guia de Recursos em Processo Civil, Coimbra Editora, 3ª edição, 73; Abrantes Geraldes in Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 124.
[2] - Relativo à citação e notificação de actos judiciais e extrajudiciais em matérias civil e comercial nos Estados-Membros da EU.
[3] - v. Tratado de Direito Civil Português, II, tomo 3, 2010, 756.
[4] - Ana Filipa Morais Antunes, in Prescrição e Caducidade, 2008, 130.
[5] - Regulamento directamente aplicável em Portugal nos termos do art.º 288º do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).
[6] - v. Marcelo Rebelo de Sousa in Parecer sobre DIREITO COMUNITÁRIO, Col. Jur, Ano 1999, tomo IV, 5 a 17.
[7] - Regulamento (CE) nº1348/2000 do Conselho, de 29 de Maio de 2000 – Princípios e aproximação à Realidade Judiciária, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62 - Dezembro 2002.
[8] - As Citações e Notificações no Espaço Europeu Comum in Revista Julgar n.º 14, 2011, 40.