Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
905/20.2T8STR.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: LEGITIMIDADE PASSIVA
LEGITIMIDADE SUBSTANTIVA
BALDIOS
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - O critério para apreciar da legitimidade passiva, prende-se com o interesse em contradizer, manifestado pelo prejuízo que da procedência da ação advenha para o demandado, enquanto sujeito da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor que, de todo, deve ser confundido com o pressuposto processual positivo, ou seja, uma condição que deve estar preenchida para que possa ser proferida a decisão de mérito, a denominada legitimidade ad causam.
II – Resultando da alegação do autor uma imputação aos réus de atos pessoais que caracterizam responsabilidade individual e não da Comunidade de Compartes dos Baldios de Valverde, bem como de factos praticados pelos réus, agindo em nome próprio, e não em nome da dita Comunidade de Compartes, serão os réus que têm interesse em contradizer, manifestado pelo prejuízo que da procedência da ação lhes pode advir, assumindo a legitimidade passiva, e não a referida Comunidade.
(Sumário pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
A.R. instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra V.V., J.F., A.B., J.G., M.F., J.V., F.F. e A.C., pedindo que:
«- os 1º, 2º, 3º e 4º RR. devem ser solidariamente condenados a pagar ao A. a quantia de 40.000,00 € (quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, pelos factos descritos de 1 a 79º;
- os 1º, 2º, 3º, 4º e 7º RR. devem ser solidariamente condenados a pagar ao A. a quantia de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, pelos factos descritos de 82º a 110º;
- os 5º, 6º, 7º e 8º RR. devem ser solidariamente condenados a pagar ao A. a quantia de 12.000,00 € (doze mil euros), a título de danos não patrimoniais, pelos factos descritos de 114º a 137;
- todas as quantias acrescidas de juros de mora à taxa legal contados desde a citação até integral pagamento.»
Alega o autor que:
- É comparte na Assembleia de Compartes dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira, freguesia de Alcanede, que foi constituída em 1990, sendo os réus membros em exercício da Mesa da Assembleia de Compartes ou dos órgãos sociais dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira.
- Em 18.02.2012 realizou-se uma assembleia de compartes, em que questionou a legitimidade dos órgãos sociais, por terem prolongado o mandato sem terem sido eleitos e já em 2011, o autor iniciou, com um grupo de compartes, procedimentos legais com vista à eleição dos órgãos da administração, solicitando a marcação de uma assembleia geral, sem que tal assembleia tenha sido convocada pelo presidente da Mesa, pelo que o grupo de compartes convocaram uma assembleia geral na qual o autor foi eleito Presidente da Comissão de Fiscalização, iniciando com os restantes eleitos, o seu mandato, tendo em 08.08.2012 tomado posse do prédio sede da Assembleia de Compartes.
- Em agosto de 2012 o Conselho Diretivo requereu contra vários pessoas, entre elas o autor, procedimento cautelar de restituição provisória de posse, pedindo: (i) a restituição do prédio onde se encontra a sede da Assembleia de Compartes; (ii) a intimação dos requeridos para se absterem da prática de atos que impedissem o acesso ao edifício; (iii), a entrega das chaves e o pagamento de uma indemnização. Tal providência, decretada sem audição dos requeridos, foi julgada procedente, mas deduzida oposição, foi a decisão preliminar revogada, decisão esta que, porém, foi revogada por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, mantendo válida a primeira decisão.
- Instaurada a ação principal, foi reconhecido por sentença ao Conselho Diretivo, à Comissão de Fiscalização e à Mesa da Assembleia Geral legitimidade para representar os compartes, condenando os requeridos, entre os quais o aqui autor, a absterem-se de praticar atos que perturbem a administração dos baldios. Desta sentença foi interposto recurso para o Tribunal da Relação de Évora e depois para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido revogada a sentença.
- À data em que foi proferido o acórdão do STJ, as pessoas que atuavam como membros da Mesa da Assembleia e dos corpos sociais, não tinham sido eleitos em Assembleia de Compartes, tendo tomado posse em 30.10.2015. Pretendendo ser eleitos, essas pessoas arquitetaram um plano para serem eleitas numa assembleia geral a convocar, de forma a legitimarem-se nos cargos, vindo a arguir nulidades no acórdão do STJ, de forma a manter válida a decisão da providência cautelar, desta forma impedindo o autor de participar nas assembleias gerais e de se candidatar às eleições marcadas para 05.10.2017.
- Realizada a Assembleia Geral em 05.10.2017, foram eleitas as mesmas pessoas que já faziam parte dos órgãos sociais.
- Os atos atrás descritos formalmente imputados ao Conselho Diretivo são da responsabilidade material dos 1º, 2º, 3º e 4º réus, que atuavam como membros daquele, agindo em seu nome e representação.
- Por força do decretamento da providência cautelar de restituição da posse o autor passou pela humilhação, pelo vexame, pela tristeza e pelo profundo desgosto de estar mais de cinco anos impedido de participar nas Assembleias da qual é comparte, e de se candidatar a eleições para membro dos órgãos sociais.
- Os réus sabiam que não eram verdadeiros os factos articulados no referido procedimento cautelar que, em representação do Conselho Diretivo dos Baldios, intentaram, com o propósito, conseguido, de obter uma decisão judicial (sem contraditório) para afastar o autor (e demais requeridos naquela providência) de participar na administração e gestão dos baldios, bem como participar no debate em assembleia e de questionar a legitimidade dos RR. para desempenharem o cargo de membros daquele órgão social e de se manterem em exercício de funções.
- Os 1º, 2º, 3º, 4º e 7º RR. redigiram, assinaram e publicaram circulares, como membros do Conselho Diretivo em exercício, divulgando apoios destinados aos compartes, mas excluindo aqueles que mantinham litígios com o Conselho Diretivo, desta forma impedindo o autor de aceder aos apoios divulgados nas circulares. Com estas decisões, os RR. assumiram um comportamento de discriminação do autor, causando-lhe sofrimento, pela humilhação e ofensa na sua dignidade pessoal e social.
- Os 5º, 6º e 7º réus subscreveram a carta datada 29.09.2017, de que existe cópia a fls. 165 (doc. 36 da petição inicial), subscrita pelos 5º, 6º e 7º réus, na qualidade de membros da Assembleia de Compartes dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira, com a qual visaram afetar a dignidade do autor que se sentiu triste e ofendido na sua honra, na sua imagem, no seu bom nome, na sua reputação e na sua credibilidade.
- À data da emissão daquela carta, os 4º e 5º réus atuavam como membros da Comissão de Fiscalização, o 7º réu como vogal do Conselho Diretivo e o 8º réu atuava como Presidente da Mesa da Assembleia de Compartes dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinha e Murteira.
Os réus contestaram, invocando a ineptidão da petição inicial, afirmando que não são invocados factos concretos donde emerge o direito que o autor invoca e que pretende fazer valer, uma vez que, por um lado, demanda os réus na qualidade de membros em exercício dos órgãos sociais dos Baldios e imputa-lhes factos nessa qualidade, atuando como membros do Conselho Diretivo, agindo em seu nome e representação e, por outro lado, peticiona quantias indemnizatórias relativas a atos individuais dos próprios réus, o que representa contradição entre o pedido e a causa de pedir.
Notificado, o autor sustentou que os atos em causa são da responsabilidade material dos réus, concluindo não existir contradição entre os pedidos e a causa de pedir.
Notificado para se pronunciar quanto à ilegitimidade dos réus, veio o autor dizer que demanda estes na qualidade de membros em exercício da Assembleia de Compartes dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira, reiterando que os atos descritos na petição inicial, embora formalmente tenham sido praticados pela Comunidade dos Compartes dos Baldios Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira, são da responsabilidade material dos réus, que atuaram como membros dos órgãos sociais da referida Comunidade, agindo em seu nome e representação.
Foi dispensada a realização da audiência prévia e, por se entender que os autos se encontravam dotados de todos os elementos necessários para “conhecer do pedido”, foram as partes notificadas para se pronunciarem, não o tendo feito.
De seguida foi proferido despacho saneador que julgou os réus parte ilegítima e os absolveu da instância.
Inconformado, o autor apelou do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«1 – Vem o presente recurso interposto da douta sentença que julgou os RR. parte ilegítima nos autos, absolvendo-os da instância.
2 – O apelante coloca, assim, à apreciação de V. Exas. saber se se verifica a ilegitimidade dos réus.
3 – A presente ação configura uma ação de responsabilidade civil por factos ilícitos, através da qual o apelante pretende obter dos réus uma indemnização por danos morais.
4 – O A., ora apelante, formula três pedidos: 1º ) - a condenação dos 1º, 2º, 3º e 4º RR. a pagar, solidariamente, ao A. a quantia de 40.000,00 € (quarenta mil euros), a título de danos não patrimoniais, pelos factos descritos de 1 a 79º; 2º) - a condenação dos 1º, 2º, 3º, 4º e 7º RR. a pagar, solidariamente, ao A. a quantia de 7.500,00 € (sete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, pelos factos descritos de 82º a 110º; 3º) - a condenação dos 5º, 6º, 7º e 8º RR. a pagar, solidariamente, ao A. a quantia de 12.000,00 € (doze mil euros), a título de danos não patrimoniais, pelos factos descritos de 114º a 137.
5 – Quanto ao primeiro pedido:
6 – Na petição inicial, alega o apelante que os réus atuavam como membros dos órgãos sociais da Comunidade dos Compartes dos Baldios Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira, agindo em seu nome e representação, mas omitiram as diligências que lhes eram exigíveis (as alegadas nos artigos 46º a 49º da petição inicial), acrescendo que com a sua conduta usaram a Comunidade dos Compartes para atingir uma finalidade pessoal (manterem-se como titulares em exercício dos órgãos sociais).
7 – Efetivamente, como alegado na petição inicial, os 1º, 2º, 3º e 4º RR. subscreveram a procuração junta aos autos de providência cautelar e ação principal mandatando o Ilustre Advogado subscritor daqueles, como representantes de um Conselho Diretivo, mas, como consta da ata número 83 (doc. 30 junto com a p.i.), de tomada de posse desse mesmo Conselho Diretivo, este órgão social tinha na sua composição cinco membros efetivos e um suplente, pelo que impunha-se que o ato de constituição de mandatário tivesse sido procedido de reunião de todos os membros efetivos daquele órgão na qual se deliberasse a atribuição por aquele órgão dos poderes forenses de representação ou que a procuração fosse assinada por todos os membros, o que não aconteceu.
8 – Acresce que, os 1º, 2º, 3º e 4º RR. não submeteram à Assembleia de Compartes a ratificação do recurso a juízo - interposição da providência cautelar de restituição da posse, bem como da ação principal - pelo Conselho Diretivo por eles representado, bem como não submeteram à ratificação daquela Assembleia a constituição de mandatário.
9 – Efetivamente compete ao Conselho Diretivo recorrer a juízo para a defesa de direitos ou interesses legítimos da comunidade relativos ao correspondente baldio e submeter estes atos a ratificação da Assembleia de Compartes e a esta compete ratificar tal recurso, nomeadamente para defesa dos respetivos domínios, posse e fruição contra atos de ocupação, demarcação e aproveitamento ilegais ou contrários aos usos e costumes por que o baldio se rege.
10 – O apelante alegou precisamente que, embora os RR. atuassem em nome e em representação do Conselho Diretivo requerente na providência cautelar em causa nos autos, não estavam mandatados para o fazerem, pelo que não pode a Comunidade dos Compartes ser responsável por atos praticados por pessoas singulares que alegadamente agem em seu nome.
11 – A providência cautelar referida de 13º a 17º da p.i., que caducou por improcedência da ação principal, foi intentada apenas por decisão dos 1º, 2º, 3º e 4º RR., não podendo dessa forma vincular a Comunidade dos Compartes.
12 – Pelo que, os atos descritos na petição são formalmente imputados ao Conselho Diretivo, mas são da responsabilidade material dos referidos RR., já que atuavam como membros daquele, agindo em seu nome e representação, mas sem poderes para o fazerem.
13 – Atentos os factos alegados na p.i. pelo ora apelante, os referidos réus são sujeitos da relação material controvertida, pelo que são parte legítima na ação.
14 – Quanto ao segundo pedido:
15 – Alega o apelante na petição inicial que 1, 2º, 3º, 4º e 7º RR. usaram a Comunidade dos Compartes para abusivamente impedirem o acesso de compartes, como o apelante, que estivessem em litígio com eles próprios (“ com este conselho diretivo”) e que o litígio em causa não poderia afastar os compartes como o autor, que na ação em causa até eram réus, do exercício dos seus direitos, nomeadamente nas matérias de fruição dos baldios.
16 – Como alega o apelante, no artigo 98º da p.i., a decisão de não permitir a inscrição para participação na viagem e não conceder os apoios supra descritos aos compartes que tivessem litígios com o Conselho Diretivo em exercício foi tomada exclusivamente pelos 1º, 2º, 3º, 4º e 7º RR..
17 – Como alegado na petição inicial, estes réus usaram a sua qualidade de membros de um Conselho Diretivo em exercício para prosseguir um objetivo pessoal e de vingança contra o autor, acoberto de agirem em sua representação, os réus usaram/abusaram da Comunidade dos Compartes dos Baldios Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira e da sua autonomia jurídica, com o propósito de camuflar os atos lesivos alegados na petição inicial, pelo que são os réus por eles responsáveis e nessa medida parte legítima na presente ação.
18 – Quem responde, em princípio, pelos atos dos seus órgãos ou dos titulares dos seus órgãos, que causem prejuízos a terceiros, é a associação, neste caso a Comunidade de Compartes dos baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira.
19 – Contudo, relativamente aos 1ºe 2º pedidos formulados, na petição inicial imputa-se aos réus atos pessoais que caracterizam responsabilidade individual, pois embora formalmente os réus agissem em nome da referida Comunidade de Compartes, essa atuação era aparente uma vez que não tinham poderes para o fazer.
20 – Quanto ao terceiro pedido:
21 – Os 5º, 6º, 7º e 8º réus são igualmente parte legítima pois todos os factos alegados foram praticados pelos réus, agindo em nome próprio, não sendo alegado na petição inicial que tivessem agido em nome da Comunidade de Compartes dos baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira.
22 – Nessa medida, atento o alegado na p.i, são estes réus responsáveis pelos factos alegados e nessa medida são parte legitima.
23 – Por todo o exposto, independentemente da decisão de mérito que venha a ser proferida, fundando-se o pedido do autor em responsabilidade civil pelos danos por si sofridos, invocando violação dos seus direitos, os sujeitos da relação material controvertida, tal como a mesma é configurada pelo autor, são os por ele mesmo indicados.
24 – Perante a relação material controvertida, tal como configurada pelo a autor, na petição inicial, os réus são dotados de legitimidade passiva para os pedidos formulados, nos termos do artigo 30º do C.P.C..
25 – A decisão recorrida ao considerar os RR. parte ilegítima para a presente ação violou o disposto no referido artigo 30º, do C.P.C..
Nestes termos e nos melhores de direito deverá a douta sentença ser revogada e substituído por outra que se coadune com a pretensão exposta, assim se fazendo a já costumada JUSTIÇA!»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir é a de saber se os réus são parte legítima na ação.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1 - Os RR. são membros em exercício da Mesa da Assembleia de Compartes ou dos órgãos sociais dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira: - o 1º R. desde 1997; - o 2º R. desde 2005; - o 3º R. desde 1997; - o 4º R. desde 2007; - o 5º R. desde 2015; - o 6º R. desde 1999; o 7º R. desde 2011; - o 8º R. desde 2011 (art. 3º da p.i.).
2 - O Conselho Diretivo, representado pelos 1º, 2º, 3º e 4º RR., requereu contra o ora A. e outros, providência cautelar de restituição provisória da posse que veio a correr termos sob o nº 1945/12.0TBSTR, no extinto 1º Juízo Cível do Tribunal de Santarém, depois apensada à ação principal, na qual era requerido: a) - a restituição provisória da posse ao requerente Conselho Diretivo, na qualidade em que litiga, do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3699, da freguesia de Alcanede, concelho de Santarém, sede da Assembleia de Compartes, com o respetivo recheio, documentação e mobiliário; b) - a intimação dos requeridos para se absterem da prática de quaisquer atos que impeçam ou perturbem quer o normal acesso ao edifício-sede, por parte do requerente e demais órgãos sociais eleitos, nas alegadas eleições de 29/05/2011, quer a sua atividade de gestão e administração dos baldios, ali exercida; c) - a entrega ao requerente de todas as chaves do aludido imóvel, bem como do cofre e códigos de acesso ao mesmo e ao sistema informático; d) – a condenação de cada um dos requeridos no pagamento da quantia de 500,00 € por cada dia de incumprimento, após o trânsito em julgado da presente decisão, a título de sanção pecuniária compulsória (art. 13º).
3 - A providência cautelar foi julgada procedente e o ora A., ali requerido, e demais requeridos foram condenados: a) - a restituir provisoriamente ao ali requerente na pessoa de V.V. a posse do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3699, da freguesia de Alcanede, concelho de Santarém, onde está instalada a sede dos baldios, com o respetivo recheio, documentação e mobiliário; b) - a absterem-se da prática de quaisquer atos que impeçam ou perturbem quer o normal acesso ao edifício-sede, por parte do ali requerente e demais órgãos sociais eleitos conforme descrito nos artigos 9º e 10º da petição, quer a sua atividade de gestão e administração dos baldios, ali exercida; c) - a entregar ao ali requerente todas as chaves do aludido imóvel, bem como do cofre e códigos de acesso ao mesmo e ao sistema informático; d) - cada um, no pagamento da quantia de 50,00 € por cada dia de incumprimento, após o trânsito em julgado da decisão, a título de sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no artigo 384° n° 2 do C.P.C. (art. 14º).
4 - Em 20/09/2012, face à procedência da referida providência cautelar, foi o 1º R. investido na posse provisória do prédio urbano sito em Valverde, freguesia de Alcanede, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo 3699 (edifício sede dos baldios), com o respetivo recheio, documentação e mobiliário, incluindo cofres, computadores e arquivos (art. 15º).
5 - Os 1º, 2º, 3º e 4º RR. subscreveram a procuração junta aos autos de providência cautelar e ação principal mandatando o Ilustre Advogado subscritor daqueles, como representantes do Conselho Diretivo (art. 46º).
6 - Em 16/09/2016, os 1º, 2º, 3º, 4º e 7º RR. redigiram, assinaram como membros do Conselho Diretivo em exercício e publicaram uma circular que denominaram “CIRCULAR – Apoio aos Compartes/População Escolar” (art. 82º).
7 - Em 12/07/2017, os 1º, 2º, 3º, 4º e 7º RR. redigiram, assinaram como membros do Conselho Diretivo em exercício e publicaram uma circular que denominaram “CIRCULAR – Apoio aos Compartes/População Escolar” (art. 85º).
8 - Nessa circular, os referidos RR., atuando como representantes do Conselho Diretivo dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira, informam os compartes que se encontra a decorrer a iniciativa «BANCO DE MANUAIS ESCOLARES da Escolaridade Obrigatória» e o seu modo de funcionamento (art. 86º).
9 - Em 12/07/2017, os 1º, 2º, 3º, 4º e 7º RR. redigiram, assinaram como membros do Conselho Diretivo em exercício e publicaram uma circular que denominaram “CIRCULAR – Apoio aos compartes/Apoio à natalidade” (art. 88º).
10 - Em 14/07/2017, os 1º, 2º, 3º, 4º e 7º RR. redigiram, assinaram como membros do Conselho Diretivo em exercício e publicaram uma circular, no site do Conselho Diretivo, com a informação sobre a realização de uma excursão (art. 91º).
11 - Nessa circular, os referidos RR., atuando como representantes do Conselho Diretivo dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira, informam que aquele Conselho está a organizar uma excursão ao Porto, Vila Nova de Gaia e Régua para os compartes com mais de 60 anos (art. 92º).
12 - Os 5º, 6º e 7º RR., com o conhecimento e conivência do 8º R., elaboraram e assinaram uma carta, dirigida aos compartes dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinha e Murteira, de forma contundente e desprimorosa, traduzindo essencialmente juízos valorativos claramente negativos sobre a atuação do A. com prejuízos para a sua imagem como comparte que eventualmente se pudesse candidatar numa eleição para os órgãos sociais dos Baldios e divulgaram-na por todos os compartes (arts. 114º e 115º).

O DIREITO
Escreveu-se na decisão recorrida:
«Resulta dos autos que o A. formula pedidos contra os RR., enquanto pessoas jurídicas individuais, imputando-lhes responsabilidade na produção dos danos que alega ter sofrido. No entanto, da alegação vertida na petição inicial, nos comportamentos imputados como danosos, os RR. visados não actuaram em nome próprio, mas como representantes da Assembleia de Compartes dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinha e Murteira, pelo que, será esta entidade a eventual responsável pelos danos causados ao A., pois os RR. actuaram sem nome desta.
Face ao alegado pela A. na sua petição inicial e ao pedido de condenação dos RR., verifica-se que os RR. não são sujeitos da relação material controvertida que fundamenta o pedido, tal como é configurada pelo autor.»
Estatui o art.º 30º do Código Processo Civil [CPC] sobre o conceito de legitimidade (mantendo o regime já anteriormente adotado no direito adjetivo civil):
“1 - O autor é parte legítima quando tem interesse direto em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse direto em contradizer.
2 - O interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da ação e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha.
3 - Na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor.”
Daqui decorre que a legitimidade processual é o pressuposto adjetivo através do qual a lei seleciona os sujeitos de direito admitidos a participar em cada processo trazido a Juízo. A legitimidade processual é aferida em vista de um critério substantivo - o interesse em demandar e em contradizer -.
Para o que ao caso interessa, importa sublinhar que ressalta da previsão adjetiva civil consignada que «o critério para apreciar da legitimidade passiva, prende-se com “o interesse em contradizer», manifestado pelo prejuízo que da procedência da ação advenha para o demandado, enquanto sujeito da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor que, de todo, deve ser confundido com o pressuposto processual positivo, ou seja, uma condição que deve estar preenchida para que possa ser proferida a decisão de mérito, a denominada legitimidade ad causam»[1].
A presente ação consubstancia uma ação de responsabilidade civil por factos ilícitos, mediante a qual o autor/recorrente visa obter dos réus uma indemnização por danos não patrimoniais.
São três os pedidos formulados pelo autor:
1º - a condenação dos 1º, 2º, 3º e 4º réus a pagar, solidariamente, ao autor a quantia de € 40.000,00, pelos factos descritos de 1 a 79º;
2º - a condenação dos 1º, 2º, 3º, 4º e 7º réus a pagar, solidariamente, ao autor a quantia de € 7.500,00, pelos factos descritos de 82º a 110º;
3º - a condenação dos 5º, 6º, 7º e 8º réus a pagar, solidariamente, ao autor a quantia de € 12.000,00, pelos factos descritos de 114º a 137.
Relativamente ao primeiro pedido, alegou o autor, tendo por referência a providência cautelar e a ação a que se alude no ponto 5 dos factos provados:
- «Os 1º, 2º, 3º e 4º RR subscreveram a procuração junta aos autos de providência cautelar e ação principal mandatando o Ilustre Advogado subscritor daqueles, como representantes de um Conselho Diretivo. (doc. 18)» – art. 46º da p.i.;
- «Contudo, da ata número 83, de tomada de posse desse mesmo Conselho Diretivo, consta que este órgão social tinha na sua composição cinco membros efetivos e um suplente, pelo que impunha-se que o ato de constituição de mandatário tivesse sido procedido de reunião de todos os membros efetivos daquele órgão na qual se deliberasse a atribuição por aquele órgão dos poderes forenses de representação ou que a procuração fosse assinada por todos os membros. (doc. 30)» - art. 47º da p.i.;
- «Mas tal não aconteceu, pelo que a providência cautelar referida de 13º a 17º, que caducou por improcedência da ação principal, foi intentada apenas por decisão dos 1º, 2º, 3º e 4º RR.» - art. 48º da p.i.;
- «Acresce que, estes RR. não submeteram à Assembleia de Compartes a ratificação do recurso a juízo - interposição da providência cautelar de restituição da posse, bem como da ação principal - pelo Conselho Diretivo por eles representado, bem como não submeteram à ratificação daquela Assembleia a constituição de mandatário» - art. 49º da p.i.;
- «Pelo que, os atos atrás descritos formalmente imputados ao Conselho Diretivo são da responsabilidade material dos referidos RR., já que atuavam como membros daquele, agindo em seu nome e representação» - art. 50º da p.i.;
- «O 1º, 2º, 3º e 4º RR. sabiam não corresponder à verdade os fundamentos alegados na providência cautelar quanto à sua eleição em 29/05/2011 e, consequentemente, quanto à sua legitimidade» - art. 51º da pi..
Resulta da alegação do autor/recorrente que, embora os réus atuassem em nome e em representação do Conselho Diretivo na providência cautelar e na ação principal, não estavam os mesmos mandatados para o fazerem, pelo que entende não poder a Comunidade dos Compartes ser responsável pelos atos praticados pelos réus que alegadamente agem em seu nome, imputando diretamente a estes a responsabilidade pelos alegados danos não patrimoniais sofridos.
Assim, atenta a factualidade alegada pelo autor, os referidos réus são efetivamente sujeitos da relação material controvertida, sendo por isso parte legítima na ação.
Quanto ao segundo pedido, alegou o autor:
- «Em 14/07/2017, os 1º, 2º, 3º, 4º e 7º RR. redigiram, assinaram como membros do Conselho Diretivo em exercício e publicaram uma circular, no site do Conselho Diretivo, com a informação sobre a realização de uma excursão. (doc. 35)» – art. 91º da p.i.;
- «Nessa circular, os referidos RR., atuando como representantes do Conselho Diretivo dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira, informam que aquele Conselho está a organizar uma excursão ao Porto, Vila Nova de Gaia e Régua para os compartes com mais de 60 anos» - art. 92º da p.i.;
- «Da mesma informação consta que só podem inscrever-se compartes que não tenham com “este Conselho Diretivo” qualquer litigio judicial ou extrajudicial» - art. 93º da p.i.;
- «Os supra descritos atos, embora sejam formalmente imputados ao Conselho Diretivo, são da responsabilidade material dos referidos RR., nos termos do artigo 483º do C.C., já que estes atuavam como membros daquele Conselho Diretivo, agindo em seu nome e representação» - art. 94º da p.i..
Resulta desta alegação uma imputação aos réus de atos pessoais que caracterizam responsabilidade individual e não da Comunidade de Compartes.
Saber se sãos os réus ou a dita Comunidade quem responde pelos atos praticados, é já uma questão de legitimidade substantiva e não de legitimidade processual, pelo que também relativamente a este segundo pedido os réus são parte legítima na ação.
No que respeita ao terceiro pedido, são os 5º, 6º, 7º e 8º réus igualmente parte legitima, uma vez que todos os factos alegados foram praticados pelos réus, agindo em nome próprio, não sendo alegado na petição inicial que tivessem agido em nome da Comunidade de Compartes dos Baldios de Valverde, Pé da Pedreira, Barreirinhas e Murteira (artigos 114º a 124º da p.i.).
Assim, independentemente da decisão de mérito que venha a ser proferida, fundando-se o pedido do autor em responsabilidade civil por danos alegadamente por si sofridos, invocando violação dos seus direitos, os sujeitos da relação material controvertida, tal como a mesma é configurada pelo autor, são efetivamente os réus demandados na presente ação.
Por conseguinte, o recurso merece provimento.
Vencidos no recurso, suportarão os réus as respetivas custas – artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogam a decisão recorrida, determinando o prosseguimento dos autos.
Custas pelos réus/recorridos.
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Évora, 7 de abril de 2022
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto)
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[1] Cfr. Acórdão do STJ de 02.06.2021, proc. 22208/18.2T8PRT.S1, in www.dgsi.pt.