Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1191/14.9TVLSB.E2
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CLÁUSULA DE EXCLUSÃO
RESPONSABILIDADE DO SENHORIO
Data do Acordão: 01/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. No âmbito de um contrato de arrendamento, o locador e o locatário podem acordar na exclusão da obrigação específica do locador na efetuação de reparações ou outras despesas essenciais ao gozo da coisa locada para os fins a que a mesma se destina (artigo 1031.º, alínea b), do Código Civil).
2. Se no decurso da vigência do contrato de arrendamento onde foi aposta tal cláusula, ocorrer uma derrocada no teto do rés-do-chão do locado, impende sobre o locatário a obrigação de reparação dos danos causados pela mesma, a expensas suas.
3. Porém, tendo-se provado que a derrocada teve como causa infiltrações provenientes do 1.º piso, locado a pessoa diferente, com igual cláusula de afastamento da responsabilidade da senhoria quanto à obrigação de realização de reparações, e não produzindo tal contrato efeitos em relação a terceiros, no caso, em relação ao arrendatário do rés-do-chão onde se verificou a derrocada, impende sobre a proprietária/senhoria do 1.º piso, o dever de indemnizar o locatário do valor dos prejuízos decorrentes da derrocada.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
BANCO BPI, S.A. instaurou ação contra A… e formulou o seguinte pedido: a condenação da Ré no pagamento da quantia de €35.350,06, acrescida dos juros vencidos desde 07-11-2013 até 29-07-2014, no valor de €1.022,73, e ainda nos juros vincendos, a partir desta data e até integral e efetivo pagamento, ambos à taxa supletiva legal de 4 % ao ano.

Para fundamentar o pedido, alegou, em síntese, que ocorreu uma derrocada de parte do revestimento do teto, constituído por um reboco aplicado sob a laje do pavimento do 1.º andar, de um seu Balcão, sito na Praça Teixeira Gomes, cuja reparação a sua seguradora (Allianz Portugal, S.A.) não cobriu por atribuir a responsabilidade à Ré, proprietária do imóvel, por a derrocada ter sucedido «(…) na sequência de eventuais derrames de água provenientes do piso superior.»
Mais alegou que a derrocada colocou em causa o normal funcionamento do balcão.
Não tendo a senhoria, interpelado para o efeito, nem a respetiva seguradora (Generali – Companhia de Seguros, S.A.) assumido a responsabilidade, viu-se obrigado a proceder, a expensas suas, à limpeza das instalações e à execução dos trabalhos de reposição do espaço e dos materiais necessários à reabertura e ao normal funcionamento do balcão.
Pretendendo ser ressarcido dos valores dependidos.

Contestou a Ré declinando qualquer responsabilidade quanto ao ocorrido, alegando, em suma, que em face dos contratos de arrendamento celebrado com o Autor e com o locatário do 1.º andar, todas e quaisquer obras são da responsabilidade e risco dos inquilinos, tendo sido informada pela arrendatária do 1.º andar que não houve qualquer inundação ou derrame de água nas suas instalações, pelo que, tendo sido o Autor quem construiu a placa que separa o rés-do-chão do 1.º andar, quem substituiu toda a cobertura do prédio e esqueleto do 1.º andar e quem construiu o teto que caiu parcialmente em 27-10-2012, e colocou o teto falso, o ar condicionado, a respetiva tubagem e equipamentos, atento o estipulado no contrato de arrendamento, é obrigação exclusiva do Autor a reparação, conservação e consolidação das obras por si realizadas no locado.
Ademais, alegou que qualquer responsabilidade que lhe possa ser assacada se encontra transferida para a sua seguradora, requerendo a intervenção principal provocada da mesma (Generali- Companhia de Seguros, S.A.).

Foi admitida a intervir nos autos a Generali – Companhia de Seguros, S.A., que, citada para o efeito, contestou a ação, reconhecendo a existência do contrato de seguro, aderindo, no essencial, ao alegado pela Ré.
Por seu vez, requereu a intervenção acessória da sociedade Restaurante Lusana, Lda., arrendatária do 1.º andar, uma vez que, da procedência da ação, deverá a mesma responder por falta de obras e conservação do andar, o que terá contribuído para a alegada inundação ou derrame de águas no teto das instalações do rés-do-chão e consequente derrocada nos termos ocorridos.
Admitida a intervenção acessória da sociedade Restaurante Lusana, Lda., a mesma deduziu contestação onde, igualmente, impugnou os termos da ação, negando terem ocorridos quaisquer inundações ou derrames no 1.º piso onde a residencial funciona.

Foi realizada audiência de discussão e julgamento, tendo sido proferida sentença, em 12-12-2018, que julgou a ação parcialmente procedente condenando a Ré e a interveniente Generali – Companhia de Seguros, S.A., solidariamente, a liquidar ao Autor a quantia total de €26 087,15, acrescida de juros de mora, desde 07-11-2013, até efetivo e integral pagamento, à taxa de 4% ao ano.
A sentença veio a ser anulada por Acórdão desta Relação de Évora proferido em 21-11-2019, que ordenou que fossem supridas deficiências da matéria de facto e ampliada a mesma.
Em 30-05-201 foi proferida nova sentença, que vem a ser a recorrida, que absolveu a Ré e a interveniente Generali – Companhia de Seguros, S.A. do pedido, consignando, ainda, que nada havia a determinar quanto à interveniente acessória Restaurante Lusana, Ld.ª dada a natureza deste tipo de intervenção.

Inconformado, recorreu o Autor, apresentando as seguintes CONCLUSÕES[1]:
«O presente recurso é interposto da sentença proferida em 30.05.2021, que absolveu a Ré
e a Interveniente Principal do pedido.
Com o fundamento de que, sendo a infiltração de água que conduziu a um enfraquecimento da estrutura do tecto que levou ao seu desabar, e que, extraindo-se da factualidade apurada que tais infiltrações provieram da residencial, se conclui que a responsabilidade pelo sucedido cabe a quem a explorava, já que a senhoria não pode nem deve ser responsabilizada por atos de terceiros.
Como a residencial é aqui Interveniente Acessória, nada há a determinar quanto a ela, pois a mesma, pela sua posição processual, não pode ser condenada.
O Banco Autor não concorda com esta decisão.
Sobretudo porque na sentença anteriormente proferida, sobre a mesma questão, o Tribunal decidiu em sentido diametralmente oposto.
E o Tribunal da Relação de Évora, no recurso então interposto, proferiu Acórdão a anular parcialmente tal decisão, a qual deveria ser ampliada com alguma matéria alegada pela Interveniente Acessória na sua contestação, e para suprimento da deficiência do facto provado sob o nº 7 e sobre a inclusão de 2 factos como factos não provados.
O Tribunal “a quo” sem realizar quaisquer outras diligências, “reapreciou” a matéria e considerou os documentos e testemunhos produzidos em audiência, como suficientes para produzir uma decisão em sentido contrário.
Ao abrigo do “princípio da adequação processual”.
O Banco Autor entende que a matéria de facto dada como provada deve ser reanalisada, no que diz respeito à primeira parte do artigo 18º, na parte em que considera “provado” que foi o Autor quem construiu o tecto que caiu parcialmente em 27.10.2012, uma vez que dos documentos juntos aos autos, nomeadamente o Projeto apresentado na Câmara, logo após a celebração do contrato de arrendamento, em 31.07.1974, bem como da Memória Descritiva do Projeto de Alterações datada de 07.05.1974, nada consta sobre esse tecto, conforme a fundamentação já apresentada e que aqui se dá por reproduzida.
Também a Ré, que veio suscitar a questão, não produziu prova sobre tal facto, e os documentos que veio juntar aos autos são omissos quanto a essa parte.
Não tendo logrado provar que o tecto que ruiu parcialmente em 27.10.2012 foi construído pelo Banco, deve tal matéria ser retirada do facto provado nº 18.
O que se requer.
Por outro lado, e quanto à absolvição da Ré e da Interveniente Generali, entende o ora Recorrente que não se verificam os pressupostos para a sua absolvição. Tendo em conta o disposto no artigo 1031º, nº 1, alínea b) do Código Civil, uma vez que são obrigações do locador, assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que se destina.
O locador incumpriu o contrato de arrendamento perante o Autor, agindo com culpa.
Tanto mais que não desconhecia que dois anos antes da derrocada, ocorreram derrames de água provenientes do piso superior.
E nada fez para reparar tal ocorrência, ou para evitar a sua repetição.
O invocado contrato de arrendamento celebrado entre a Ré e a Interveniente Acessória, segundo a qual esta se responsabiliza pelas obras no locado – perante a senhoria – apenas opera nas relações entre ambas, não sendo oponível a terceiros.
As obrigações da locadora perante o locatário Banco mantêm-se, e dessas obrigações consta proporcionar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que se destina, o que manifestamente não aconteceu.
As obras de conservação do prédio – que não da fração arrendada ao Banco, pelo acordo celebrado entre o Banco e a locatária – são da responsabilidade da locadora, relativamente ao Banco.
Por outro lado, mostra-se preenchido o disposto no artigo 1036º do Código Civil, que confere ao locatário a possibilidade de realizar as reparações e outras despesas urgentes, com direito ao seu reembolso, caso o locador esteja em mora, conforme factos provados sob os nºs 32 e 33 da sentença. E o Banco interpelou extrajudicialmente a senhoria, por carta – facto provado sob o nº 26.
Foi, mais uma vez, a senhoria que negligenciou as suas responsabilidades, dando origem a que o processo de sinistro fosse encerrado pela seguradora, em 24.01.2013, porque, muito embora tenham sido solicitados trabalhos de pesquisa, os mesmos não foram realizados – facto provado sob o nº 25.
Os prejuízos sofridos são indicados no facto provado sob o nº 34 da sentença.
Nestes termos, e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença recorrida, que absolve a Ré a a Interveniente Seguradora, devendo ser proferida decisão que as condene solidariamente, no pagamento ao Autor da quantia peticionada - à exceção das despesas mencionadas no ponto 46 dos factos não provados - acrescida de juros de mora desde 07.11.2013 até efetivo e integral pagamento à taxa de 4 % ao ano.»

A Generali – Companhia de Seguros, S.A. respondeu ao recurso e suscitou a ampliação da reapreciação da decisão de facto quanto ao ponto 33 dos factos provados, defendo a alteração da sua redação nos termos que constam das seguintes CONCLUSÕES:
«(…)
16. O facto provado 34 transcreve parte das faturas mas não identifica a data da sua emissão nem do que sobre os trabalhos prestados vem mencionado nos documentos.
17. Ora, o facto provado 33., ao afirmar “Face à resposta dada pela GENERALI, Seguradora da proprietária, por carta de 24/01/2013, o Banco viu-se obrigado a proceder, a expensas suas, à limpeza das instalações após a derrocada parcial do teto (…), carece de ser alterada, por ser falsa essa afirmação.
18. Na verdade, não terá sido após, e/ou por causa, da resposta da Generali que o Banco desencadeou, a expensas suas, a limpeza, remoção e reconstrução da agência, pois já o tinha feito e concluído, em muito curto espaço de tempo, antes da carta de 13/11/2012 dirigida à Ré.
19. Pormenorizando a prova feita em audiência de julgamento, que foi objeto do recurso anteriormente interposto pela Recorrida Interveniente, resultou demonstrado que após a ocorrência de 27 outubro de 2012, o Banco apenas esteve encerrado por uma semana.
20. Este período de tempo de encerramento do balcão não consta dos factos provados, mas terá de ser considerado, caso se coloque a apreciação dos requisitos do artº 1036º, o qual foi incumprido pelo Recorrente.
21. Contudo, a Interveniente não tinha interesse em interpor recurso de apelação, tendo em vista a adição de factos que se mostraram provados nos autos, pois que já havia sido absolvida do pedido.
22. Existe prova documental suficiente (para além da testemunhal) que confirma que à data da carta endereçada à Senhoria - 13/11/2012 – a agência já se encontrava aberta ao público.
23. Esse facto também está implícito na carta do recorrente dirigida à R. senhoria, a 05/11/2013, onde afirma que a “derrocada provocou prejuízos vários no Balcão do Banco, que Motivou o seu encerramento temporário, e posterior reabertura, após a limpeza das instalações e obras de reabertura provisória e de reabertura definitiva”.
24. Concluindo essa carta que este facto havia sido relatado através da carta datada de 13.11.2012, no qual lhe era pedido a ativação do seguro para ressarcimento dos prejuízos sofridos.
25. Ou seja, a 13.11.2012 já não é necessário solicitar ao Senhorio que promova obras de reparação, apenas carecendo de o Banco ser (eventualmente) ressarcido dos prejuízos computados através dos orçamentos e faturas emitidas.
26. O facto provado 33. está, assim, redigido de forma distorcida, evidenciada na própria data das faturas, em conformidade com o detalhe constante nas contra-alegações.
27. O que, só por si, bastará para determinar terem as obras ocorrido entre finais de outubro até meados de novembro de 2012.
28. Importa, assim, a correção do facto provado 33., com a seguinte redação: O Banco procedeu, a expensas suas, à limpeza das instalações, após a derrocada parcial do teto, e à execução dos trabalhos de reposição do espaço e dos materiais necessários à reabertura e ao normal funcionamento do balcão, em Novembro de 2012.»

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do recurso
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir no recurso são as seguintes:
- Impugnação da decisão de facto;
- Ampliação da impugnação por parte da Apelada;
- Da responsabilidade pelos danos causados com a derrocada do teto do rés-do-chão locado ao Autor.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada e não provada a seguinte factualidade:
FACTOS PROVADOS
«1. O Autor exerce o comércio bancário.

2. No exercício do seu comércio, possui vários estabelecimentos abertos ao público, designados por Balcões.

3. Encontra-se inscrito, junto da Fazenda Nacional, como adquirido pela Ré, A…, o prédio urbano sito na Pç. Visconde Bivar nº 14 (antiga Pç. Teixeira Gomes, nº 11), inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Portimão sob o art. 563 e o prédio urbano sito na Pç. Manuel Teixeira Gomes, tornejando para a Rua Santa Isabel e para a Rua Vitorino Mealha, inscrito na respectiva matriz predial da freguesia de Portimão sob o art. 4 619.

4. O Autor tem um balcão instalado em Portimão, no prédio referido em 3, sito na Praça Teixeira Gomes, nº11, em 8500 – 542 PORTIMÃO, que tomou de arrendamento, por acordo celebrado por escritura pública datada de 31/07/1974, que consta de fls. 16 e ss. e que aqui se dá por reproduzida.

5. De acordo com tal contrato de arrendamento: “(…) QUARTO - O arrendatário fica autorizado a efectuar as obras interiores e exteriores, previstas no projecto já apresentado na Câmara e de que cada parte fica com uma cópia assinada pela outra”; “SÉTIMO - todas as obras serão feitas de conta, risco e responsabilidade exclusiva do Banco, que para o efeito obterá as licenças necessárias, sem prejuízo de a senhoria se obrigar a assinar os requerimentos necessários para que as licenças possam ser obtidas”.
6. Mais ficou estipulado que “OITAVO - o Banco inquilino também deverá proceder a todos os trabalhos de reparação, conservação e consolidação que se tornem necessários e convenientes por virtude das obras que vier a realizar nos prédios”.

7. Em 11/06/1974 o Autor levou a cabo obras no local em causa nos autos – cfr. fls. 441 (v.)

8. Tais obras consistiram em tornar mais amplo o espaço interno substituindo-se algumas paredes interiores por vigas de betão e cobertura do páteo com uma lage ao nível do pavimento do 1.º andar – cfr. fls. 441 (v.)

9. Mais consistiram na instalação de um lanternim e na concretização de duas instalações sanitárias, para homens e mulheres, bem como na existência de um pequeno economato e arrecadação – cfr. fls. 441 (v.).

10. Exteriormente as obras decorreram com a preocupação de integrar o edifício onde se situava um restaurante na traça do edifício contíguo – cfr. fls. 441 (v.)

11. Abriram-se novos vãos nas prumadas das janelas superiores e alargaram-se ligeiramente os vãos existentes, sendo todos eles rematados com vergas e ombreiras em cantaria bujardada – cfr. fls. 441 (v.)

12. Subiu-se ligeiramente a cobertura de molde a permitir o aproveitamento do sótão, com a abertura de vãos amansardados – cfr. fls. 441 (v.)

13. Ocorreu, ainda, o prolongamento de uma escada. – cfr. fls. 441 (v.)

14. Em 10/10/2006, (…) remeteu à DAOP, reportado ao assunto reparações a efectuar no balcão de Portimão Teixeira Gomes – 047, um e-mail, onde entre o mais se exarou o seguinte: “(…) Vimos pelo presente solicitar a v/ intervenção com o objectivo de reparar algumas anomalias, existentes no balcão de Portimão Teixeira Gomes (…): A) Uma das paredes do refeitório, está cheia de humidade proveniente de infiltrações da residencial existente no 1.º andar do prédio e necessita de ser pintada. (…) G) No ano passado houve uma infiltração de água no economato e sala de reuniões, sendo que a parede, apesar de já ter sido alvo de uma intervenção necessita novamente de ser pintada, pois está cheia de humidade. (…)” – cfr. fls. 560.

15. Em 19/12/2007, D… remeteu à DAOP, reportado ao assunto infiltrações de água (…), um e-mail, onde entre o mais se exarou o seguinte: “Na sequência do mau tempo tenho a comunicar que registámos infiltrações de água na sala de formação e na zona do cofre nocturno. Presentemente o problema subsiste e pensamos que poderá piorar em virtude do temporal que se avizinha (…). A infiltração está a verificar-se por trás dos armários recentemente montados na sala da formação. (…)” – cfr. fls. 561.

16. Em 27/03/2008, D… remeteu à DAOP, reportado ao assunto comunicação de inundação – 0047 – Portimão – Teixeira Gomes, um e-mail, onde entre o mais se exarou o seguinte: “Hoje, quando chegámos ao balcão verificamos que o piso está inundado em agua, e para além disso pingava do piso superior em vários locais: (…) A residencial que funciona no piso superior já foi comunicada (…)” – cfr. fls. 561 (v.).

17. Em 25/09/2009, D… remeteu à DAOP, reportado ao assunto infiltração de água (…), um e-mail, onde entre o mais se exarou o seguinte: “Vimos por este meio reportar que hoje, tivemos 1 infiltração de agua, proveniente da residencial que tem actividade no 1.º andar, imediatamente acima da nossa agência. Não temos estragos a reportar até ao momento. A residencial já foi notificada e já está a resolver o problema, bem como a limpar o local afectado (…)” – cfr. fls. 562.

18. Foi o Autor quem construiu o tecto que caiu parcialmente em 27/10/2012, bem como foi o Autor quem colocou o tecto falso, o ar condicionado e respectiva tubagem e equipamentos.

19. No dia 27 de Outubro de 2012, sábado, ocorreu uma derrocada parcial do tecto do Balcão referido em 4.

20. A derrocada deveu-se a queda de parte do revestimento do tecto, constituído por um reboco aplicado sob a laje do pavimento do 1º andar.

21. A queda ocorreu numa área de 4 x 5 m junto à empena Poente e a meia profundidade do edifício, tendo arrastado o tecto falso dessa zona e as tubagens e equipamento do ar condicionado aí existentes.

22. A derrocada do tecto do Balcão deveu-se a derrames de água, provenientes do piso superior, os quais terão ocorrido cerca de 2 anos antes da derrocada, que provocaram a corrosão dos ferros de suporte da estrutura do piso superior, o que provocou o desabamento do tecto.

23. O Banco participou o sinistro à sua Companhia de Seguros, a Allianz, que, por e-mail de 23/02/2013, que consta de fls. 24 e que aqui se dá por reproduzido, declinou a sua responsabilidade no pagamento dos prejuízos causados, por entender que os mesmos não estavam incluídos no âmbito da apólice celebrada com o Banco BPI, S.A.

24. Por carta datada de 13/11/2012, que consta de fls. 25 e que aqui se dá por reproduzida, o Banco interpelou a proprietária, ora Ré, para participar o sinistro à sua Companhia de Seguros, a Generali, com quem a Ré, A…, contratou, em 02/01/2008, o seguro GENERALI CASA, mediante a apólice nº 0314-10064816, que consta de fls. 118 (v.) e ss. e que aqui se dá por reproduzida.

25. Por carta datada de 24/01/2013, que consta de fls. 31 e ss. e que aqui se dá por reproduzida, a Seguradora Generali veio informar a sua Segurada de que iria proceder ao encerramento do processo, uma vez que apesar de terem sido solicitados trabalhos de pesquisa, os mesmos não foram realizados, motivo pelo qual não foi possível determinar a origem do sinistro e o seu enquadramento no âmbito das garantias da apólice.

26. A senhoria, ora Ré, foi interpelada para a resolução extrajudicial do litígio.

27. Consta da carta de fls. 71 e ss., de 05/11/2013, recebida em 07/11/2013, e que aqui se dá por reproduzida, entre o mais, o seguinte: “(…) Apesar de V.ª Ex.ª ter feito a participação do sinistro à sua Companhia de Seguros (…) o Banco tomou conhecimento de que o processo de sinistro foi encerrado, em Janeiro de 2013, por falta de elementos. Da parte do Banco, foram fornecidos todos os elementos que lhe foram solicitados pela Seguradora de V. Ex.ª, pelo que a falta de elementos solicitados, que levou ao encerramento do processo, não é da responsabilidade do Banco. Assim sendo, venho dar-lhe conhecimento de que o montante total das facturas pagas pelo Banco, relativamente a este incidente, ascendeu a um total de €35 350,06, valor que entende dever ser-lhe restituído (…)”.

28. Respondeu através da sua Mandatária, Dra. (…), por carta datada de 11/11/2013, que consta de fls. 75 e que aqui se dá por reproduzida, a pedir prazo para obter esclarecimentos da Seguradora Generali.

29. Sem resposta, por fax enviado em 06/02/2014, que consta de fls. 76 e que aqui se dá por reproduzido, a Mandatária foi, de novo, contactada para resolver o assunto da sua constituinte e, de novo, interpelada para o pagamento da quantia de 35 350,06 €.

30. Respondeu, em 11/02/2014, por carta/fax, que consta de fls. 79 e que aqui se dá por reproduzido, a pedir mais uma semana para responder.

31. Volvidos 5 meses, não houve qualquer resposta.

32. O Balcão, face aos danos que sofreu, não podia estar aberto ao público sem que fosse feita a sua reabilitação, e não tinha condições mínimas de funcionamento.

33. Face à resposta dada pela Generali, Seguradora da proprietária, por carta de 24/01/2013, o Banco viu-se obrigado a proceder, a expensas suas, à limpeza das instalações, após a derrocada parcial do tecto, e à execução dos trabalhos de reposição do espaço e dos materiais necessários à reabertura e ao normal funcionamento do Balcão.

34. Tendo tido os seguintes:
22.1. a) Custos com limpeza – Reabertura provisória do Balcão:
22.1.1. - Factura nº 359/20012 de Lostipak, no valor de € 5.805,02, IVA incluído;
22.1.2. - Factura nº 271/2012 de JHB (AVAC), no valor de € 551,08, sem IVA;
22.1.3. - Facturas nºs 15971 e 14007 de ISS (limpezas), no valor total de € 274,39;
22.1.4. - Factura nº 120187 de Talaris (Intervenção no Cash Dispenser), no valor de € 865,26, IVA incluído;
22.1.5. - Factura nº 42, de Gaprés (Parecer Técnico), no valor de € 1.180,80, IVA incluído.
22.2. b) Custos com reabertura definitiva:
22.2.1. - Factura nº 1394/2012/A, de Movecho, no valor de € 7.222,56, IVA incluído;
22.2.2. - Facturas nºs 403/20012 e 8/2013, de Lostipak, no valor de € 10.188,04 cada uma, sem IVA;
22.3. c) Emissão de nota de crédito nº 1/2013, de Lostipak, relativo a trabalhos não executados, no valor de € 4.706,00, sem IVA.

35. Em algumas das facturas aparece a expressão “IVA devido pelo adquirente”.

36. No 1º andar do prédio onde está instalado o Balcão do Banco Autor, existe em funcionamento e desde há vários anos, uma Residencial.

37. A partir de Junho de 2009, a exploração da Residencial Arabi, passou a estar a cargo da interveniente Restaurante Lusana, LDA, data em que a anterior arrendatária, a sociedade “Boto & Monteiro da Costa Lda.”, cedeu a sua posição contratual de locatária do imóvel no contrato de arrendamento comercial, à sociedade “Restaurante Lusana, Lda.”, conforme contrato de cessão de posição contratual, de 26 de Maio de 2009, que consta de fls. 101 e ss., e que aqui se dá por reproduzido.

38. Tal inquilino está obrigado, de acordo com o respectivo contrato de arrendamento e contrato de cessão de posição contratual, que constam de fls. 101 e ss., e que aqui se dão por reproduzidos, a “exclusivamente de sua conta, responsabilidade e risco, fazer todas e quaisquer obras que o local arrendado necessite, incluindo instalação eléctrica, ligação de água e outras, ou sejam exigidas pelos serviços camarários, Direcção Geral de Saúde ou outras entidades oficiais; - e mais se obriga a, também de sua conta, responsabilidade e risco, proceder durante toda a duração do arrendamento, a todas as obras de conservação interiores e exteriores, designadamente, caiação a branco das fachadas, pinturas de caixilhos e portadas de janelas e portas, e reparação do telhado, que venham a ser necessárias ou sejam impostas pelas entidades oficiais.- Ou seja, fica bem entendido que todas e quaisquer obras, sejam quais forem, sem restrição ou reserva alguma, são de exclusiva conta, responsabilidade e risco da Inquilina;”.

39. A sociedade Restaurante Lusana, Lda., inquilina do 1º andar, fez obras a nível de canalização e fachada durante os anos de 2009 a 2013.

40. À data de 30 de Junho de 2009, a Restaurante Lusana, Lda., efectuou melhorias e reparações no locado, mormente ao nível da instalação eléctrica, remodelação das canalizações de água quente e fria, gerais na Residencial Arabi, pavimento, instalação de um novo ramal de água, reparação das casas de banho da Residencial.

41. Os trabalhos de remodelação das canalizações de água quente e fria, gerais na Residencial Arabi foram levados a cabo em Julho de 2009 e no ano de 2010 por (…), Canalizador.

42. Acrescem, os trabalhos ao nível das instalações eléctricas, levados a cabo na Residencial Arabi, nos meses de Março, Maio, Julho e Agosto de 2010.

43. Na zona afectada pela queda do reboco não eram visíveis quaisquer vestígios de humidade actual.

44. A vistoria efectuada aos quartos da Residencial ARABI, realizou-se nos quartos 126, 128 e 130, cujos quartos se situam por cima do balcão onde se deu a derrocada parcial do tecto das instalações do Banco Autor – cfr. fls. 267 (v.) e ss.

45. Na vistoria efectuada aos quartos supra referidos foi inspecionado o interior de cada um dos quartos, bem como as respectivas casas de banho, não tendo sido detectado qualquer anomalia, ou seja, quaisquer vestígios de inundações ou derrames de água no seu interior - cfr. fls. 267 (v.) e ss.»

FACTOS NÃO PROVADOS
«46. Nos casos referidos em 23, o Banco pagou o IVA por autoliquidação, como aconteceu no caso das facturas nº 271/2012, de JHB (AVAC) no valor de 551,08 €, tendo o Banco pago o IVA por autoliquidação, no montante de 126,75€; facturas nºs 403/2012 e 8/2013, de Lostipak, emitidas por 10 188,04 € cada uma, tendo o respectivo IVA sido autoliquidado, pelo valor de 2 343,25 € cada uma; e nota de crédito nº 1/2013, de Lostipak, em que o IVA foi autoliquidado, pela quantia de 1 072,38 €.

47. Inexistiam quaisquer focos na canalização do 1.º andar susceptíveis de permitir a infiltração de água para o andar inferior.

48. Após a vistoria realizada nos quartos da “Residencial Arabi”, a interveniente através dos seus legais representantes, não receberam mais qualquer contacto ou pedido de informações, quer do Banco BPI, S.A., quer da Seguradora “Generali – Compnhia de Seguros S.A.

49. Desde o início da exploração da Residencial Arabi em Julho de 2009 e mesmo posteriormente nos dois anos anteriores á derrocada parcial do tecto nas instalações da Autora em 27/10/2012, nunca se registou qualquer incidente de inundação ou derrames de água em qualquer um dos seus quartos ou mesmo nas áreas comuns da Residencial ARABI.

50. Assim como os anteriores responsáveis da sociedade sob a firma “Boto & Monteiro da Costa Lda.”, nas pessoas de (…) e (…), que tiveram a seu cargo e responsabilidade a exploração da Residencial Arabi, a partir do ano de 2004.
51. A Ré desconhecia que dois anos antes tenham ocorrido derrames de água provenientes do piso superior.»


C- De Direito
1. Impugnação da decisão de facto
1.1. Da impugnação da decisão de facto pelo Autor/Apelante
(…)
Assim, quanto a este segmento da apelação do Autor, a mesma improcede.

1.2. Do pedido de ampliação da decisão de facto pela Interveniente Principal/Recorrida
(…)
Nestes termos, procede a impugnação da decisão de facto quanto ao ponto 33 dos factos provados que passa a ter a seguinte redação:
«O Banco procedeu, a expensas suas, à limpeza das instalações, após a derrocada parcial do teto, e à execução dos trabalhos de reposição do espaço e dos materiais necessários à reabertura e ao normal funcionamento do balcão, em Novembro de 2012.»

2. Do mérito da sentença:
2.1. Da responsabilidade pelos danos causados pela derrocada do teto do rés-chão e demais equipamentos ali colocados
O Apelante discorda do decidido, pugnando pela condenação da Ré nas quantias peticionadas e que ficaram provadas sob o ponto 34 dos factos provados, porquanto:
(i) A Ré, enquanto locadora, está obrigada atento o disposto no artigo 1031.º, n.º 1, alínea b), do Código Civil, a assegurar ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que se destina, tendo a Ré incumprido o contrato, com culpa, não desconhecendo que os derrames ocorreram nos dois anos antes da derrocada, nada fazendo para evitar a mesma;
(ii) O acordo entre a Ré e o arrendatário do 1.º andar apenas opera nas relações internas e não nas externas, ou seja, não opera entre o Autor e a Ré;
(iii) O arrendatário tem direito a fazer as reparações urgentes e a realizar outras despesas urgentes, contra o reembolso, caso o locador esteja em mora, atento o disposto no artigo 1036.º do Código Civil, o que se verifica no caso como decorre dos pontos 32 e 33 dos factos provados;
(iv) A Ré foi interpelada extrajudicialmente para cumprir como decorre do ponto 26 dos factos provados.
(v) A Ré negligenciou as suas responsabilidades dando origem ao encerramento do processo de averiguações do sinistro levada a cabo pela sua seguradora como decorre do ponto 25 dos factos provados.

O entendimento do julgador em sede de 1.ª instância, que determinou a absolvição dos Réus, baseou-se no seguinte: «(…) a queda em exame foi o resultado final de um processo insidioso em que sucessivas infiltrações provindas do primeiro andar conduziram ao desfecho em causa.», acrescentando, no que concerne à responsabilidade da Ré e sua seguradora que «(…) é inequívoco que competia à Ré, como senhoria, prover ao gozo da coisa pelo Autor (cfr. art. 1031.º, al. b) do CC) devendo, no quadro da boa-fé que norteia o cumprimento de qualquer contrato, adoptar todas as medidas necessárias a tal desiderato; sucede, porém, que o gozo pleno do imóvel (pelo menos no que se reporta à altura da derrocada) foi parcialmente comprometido pela queda em causa acontecendo que, em face dos factos apurados, não poderá, salvo melhor juízo, imputar-se à responsabilidade da Ré o sucedido.
Com efeito decorre dos factos apurados que foi a infiltração de água que conduziu a um enfraquecimento da estrutura do tecto que levou ao seu desabar; nessa linha extrai-se da factualidade apurada (vejam-se, v.g., as abundantes missivas do Banco reportadas a tais infiltrações) que tais infiltrações provieram da residencial (que veio mesmo a levar a cabo intervenções na canalização) pelo que se conclui que a responsabilidade pelo sucedido cabe a quem a explorava, já que a senhoria não pode nem deve ser responsabilizada por actos de terceiros.»
Vejamos, então, de que lado está a razão.
Está assente que entre o Autor e Ré, por escritura pública de 31-07-1974, foi celebrado um contrato de arrendamento do 1.º andar do prédio urbano sito na Praça Manuel Teixeira Gomes tornejando para a Rua Santa Isabel e para a Rua Vitorino Mealha, em Portimão (melhor identificado no ponto 1 dos factos provados), onde o Autor instalou um balcão para o exercício da sua atividade bancária.
Mais se provou que foi acordado nesse contrato de arrendamento que o arrendatário ficava autorizado a fazer obras interiores e exteriores, procedendo a todos os trabalhos de reparação, conservação e consolidação que se tornem necessários e convenientes por virtude das obras que viesse a realizar, a expensas suas e, desde logo, as mencionadas no projeto à data já apresentado na Câmara, obras que veio efetivamente a realizar como decorre dos pontos 5 a 12 e 18 dos factos provados.
Também decorre dos factos provados que, em 27-10-2012, ocorreu um derrocada do teto do rés-do-chão, que causou os danos que o Autor vem peticionar.
E, finalmente, ficou provada a causa da derrocada como consta do ponto 22 dos factos provados: «A derrocada do tecto do Balcão deveu-se a derrames de água, provenientes do piso superior, os quais terão ocorrido cerca de 2 anos antes da derrocada, que provocaram a corrosão dos ferros de suporte da estrutura do piso superior, o que provocou o desabamento do tecto.»
Como decorre da p.i., o Autor instaurou a ação apresentando como causa de pedir a existência do contrato de arrendamento e o incumprimento das obrigações da Ré, locatária, emergentes do mesmo, ou seja, como base na responsabilidade contratual (artigos 798.º e seguintes do Código Civil), e não com base na responsabilidade extracontratual.
Também a Ré situa a defesa no âmbito da responsabilidade contratual ao invocar as cláusulas contratuais que excluíram, quer em relação ao Autor, quer em relação ao arrendatário do 1.º andar, o dever de proceder a obras de reparação ou de conservação do locado, por tal obrigação ser da responsabilidade dos inquilinos como clausulado nos respetivos contratos de arrendamento.
Da bilateralidade do contrato de arrendamento resultam obrigações para ambas as partes.
Da conjugação dos artigos 1022.º e 1031.º, alínea b), do Código Civil decorre que é obrigação do locador assegurar ao locatário o gozo da coisa para os fins a que se destina.
Trata-se de um dever genérico que se traduz, em concreto, na obrigação específica do locador efetuar reparações ou outras despesas essenciais ao gozo da coisa locada. Essa obrigação tem regime diverso conforme estejamos, ou não, perante reparações de natureza urgente (artigo 1036.º do Código Civil).
A falta de cumprimento pelo senhorio da obrigação de fazer obras, fá-lo incorrer em responsabilidade contratual com o correspondente dever geral de indemnizar (artigo 562.º do Código Civil).
O dever de indemnizar supõe a mora do devedor (locador), sejam ou não urgentes as reparações a efetuar. A mora, por sua vez, pressupõe a interpelação do locador (artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil), seja judicial ou extrajudicial, que tem de ser acompanhada de um prazo para cumprimento, sob pena da omissão que lhe é imputada não poder ser tida como ilícita, o que exclui a sua responsabilidade.
A realização de obras que permitam ao locatário o gozo da coisa locada para os fins a que se destina, incumbindo tal obrigação ao senhorio, pode ser afastada pela vontade das partes. Nesse domínio estamos no âmbito da liberdade contratual (artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil).
Assim, e no caso, acordaram as partes (Autor e Ré) que a realização as obras exteriores e interiores, todos os trabalhos de reparação e conservação e consolidação das obras que se tornem necessárias, ficavam a cargo e a expensas do arrendatário.
Deste modo, ficou excluída por vontade das partes a realização pela senhoria das reparações decorrentes da derrocada do teto do rés-do-chão, já que, em última análise, a sua reposição implica a realização de obras de reparação e conservação da coisa locada que, por via do convencionado, são da responsabilidade do Autor, arrendatário do imóvel.
Por este prisma, a responsabilidade da Ré e da sua seguradora, ora Interveniente Principal, encontra-se excluída por via convencional.
Sucede, todavia, que se veio a apurar que a causa da derrocada não foi a realização de obras no interior ou exterior do rés-do-chão locado ao Réu.
O que se apurou foi que a causa da derrocada do teto do rés-do-chão foram derrames de água provenientes do piso superior, os quais terão ocorrido cerca de 2 anos antes da derrocada, provocando a corrosão dos ferros de suporte da estrutura do piso superior (facto provado sob o n.º 22).
Esta factualidade afasta a responsabilidade do Autor na ocorrência dos danos causados pela derrocada, porquanto a causa da mesma não provém do estado de conservação do teto do rés-do-chão e é alheia à realização das intervenções do Autor no mesmo, incluindo a realização da laje do teto na parte em que ruiu e instalação de teto falso com montagem do ar condicionado.
O que coloca, então, em apreciação se a responsabilidade pela ocorrência deste incidente deve ser imputada à Ré enquanto senhoria do 1.º andar, bem como à sua seguradora, interveniente principal, por via do contrato de seguro celebrado entre ambas.
A Ré defende-se dessa imputação invocando o clausulado do contrato de arrendamento celebrado com o arrendatário do 1.º andar que também coloca na esfera jurídica do mesmo a obrigação de realização de todo o tipo de obras no locado, suportando o seu custo. Daí também decorrendo a desresponsabilização da sua seguradora.
O Tribunal a quo, como vimos, corroborou esse entendimento, com o qual não podemos concordar.
Não está em causa que a Ré, em relação à arrendatária primitiva do 1.º piso, bem como em relação à atual por força da transmissão da cessão contratual operada a favor desta (Restaurante Lusana, Ld.ª), tenha transferido para a arrendatária a obrigação de realização de obras no locado a expensas da mesma, tal como sucedeu em relação ao contrato de arrendamento que celebrou com o Autor.
O que está em causa é a eficácia desse acordo ou convenção que afastou a responsabilidade da Ré, em relação a terceiros, mormente o ora Apelante que não teve qualquer intervenção nesse contrato de arrendamento (do 1.º andar).
A relação obrigacional é constituída por um vínculo entre credor e devedor, fundado na autonomia da vontade e na liberdade contratual, alicerçando-se no equilíbrio de interesses juridicamente relevantes e no cumprimento pontual das respetivas prestações (artigo 405.º, n.º 1, do Código Civil).
A regra que resulta deste normativo consiste na faculdade das partes, na área dos contratos de natureza privada, poderem agir por sua própria e autónoma vontade, fixando livremente o conteúdo dos contratos, incluindo as cláusulas que lhes aprouver, salvo as exceções previstas na lei.
Assim, a autonomia privada abrange, por um lado, a liberdade de celebração (possibilidade de celebrar ou não celebrar determinado contrato), e, por outro lado, a liberdade de estipulação (possibilidade de fixação do conteúdo do contrato).
Porém, o princípio da liberdade contratual encontra-se confinado pelas limitações estabelecidas pela ordem jurídica, que podem corresponder a imposição de contratar, proibição de contratar ou necessidade de obtenção do consentimento de terceiros, decorrentes da aplicação de outros princípios como, por exemplo, a ordem pública ou a boa-fé.
Celebrado o contrato, ao abrigo da natureza supletiva do regime que o abrange, totalmente ou parcialmente, o mesmo passa a reger-se pelo princípio pacta sunt servanda, i. e., os contratos devem ser pontualmente cumpridos e têm força de lei, mas apenas em relação aos contraentes (princípio da relatividade), daí a sua eficácia inter partes e não erga omnes.
Nesse sentido, estipula o artigo 406.º, n.º 2, do Código Civil que o contrato, em relação a terceiros, só produz efeitos nos casos e nos termos especialmente previstos na lei.
No caso em apreço, o clausulado no contrato de arrendamento referente ao 1.º piso no que diz respeito à obrigação da locadora realizar reparações e outras despesas, necessárias ao gozo do mesmo aos fins a que se destina, tem eficácia entre as partes que celebraram tal contrato, mas não em relação ao Autor, que é terceiro em relação a esse contrato de arrendamento.
Donde decorre que é perante a Ré, não na qualidade de locadora do rés-do-chão, mas na qualidade de locadora do 1.º piso que o Autor podia formular a pretensão indemnizatória que apresentou nestes autos.
Ou seja, em relação ao Autor, terceiro em relação ao contrato de arrendamento do 1.º piso, é sobre a Ré que impede o dever de realização de obras e reparações naquele andar, impedindo, desse modo, que terceiros venham a sofrer prejuízos por via da omissão ou deficiência da obrigação específica que resulta do artigo 1031.º, alínea b), do Código Civil, a qual, em última instância, tem como pressuposto ser a Ré a detentora do direito de propriedade sobre o imóvel, respondendo perante terceiro pelos danos causados pelo mesmo (artigo 1305.º do Código Civil).
Configurada, assim, a responsabilidade da Ré pelos prejuízos causados no rés-do-chão, a autoria das obras levadas a cabo no teto do rés-do-chão e a natureza urgente, ou não, da reparação dos danos sofridos com a derrocada, bem como o momento em que foi dado conhecimento à Ré da ocorrência da derrocada, em nada altera a responsabilidade a assacar à mesma.
Apurada a causa da derrocada já em sede judicial, a ação procede por os danos sofridos pelo Autor poderem ser imputáveis à Ré na qualidade de proprietária e senhoria do 1.º piso, não podendo a Ré opor ao Autor, terceiro naquela relação jurídica, o contratualizado naquele contrato quanto ao afastamento da obrigação da senhoria efetuar obras e reparações de manutenção do 1.º piso.
Por sua vez, a transferência da responsabilidade da Ré para a seguradora, interveniente principal, determina a responsabilidade solidária da mesma pela reparação dos prejuízos sofridos pelo Autor.
Sem prejuízo do eventual direito de a Ré reaver do arrendatário do 1.º piso os valores da condenação, o que deverá ser discutido no âmbito das relações internas entre eles estabelecidas por via do contrato de arrendamento. O que igualmente se aplica à responsabilidade da seguradora da arrendatária do 1.º andar.
Em suma, procede o recurso e, consequentemente, a condenação da Ré A… a pagar ao Autor as quantias que constam do ponto 24 dos factos provados (com exclusão do valor da nota de crédito, pela natureza da mesma), tudo num total de €26.087,15 €, solidariamente com a Interveniente Principal (a seguradora Generali), em face do seguro existente entre ambas), acrescida tal quantia de juros de mora, à taxa de 4%, desde 07-11-2013, até efetivo e integral pagamento.
No mais e quanto aos valores que o Autor não logrou provar como tendo despendido (cfr. ponto 46 dos factos não provados), não procede a ação (no recurso o Apelante já os excluiu).

Dado o recíproco decaimento, as custas devidas na 1.ª instância ficam a cargo da Ré e da Interveniente, na proporção do vencimento; no recurso, dado o decaimento, as custas ficam a cargo da Interveniente Generali – Companhia de Seguros, S.A (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, e, em consequência condenam, solidariamente, a Ré A… e a Interveniente Principal GENERALI – COMPANHIA DE SEGUROS, S.A., a pagarem ao Autor BANCO BPI, S.A., a quantia de €26.087,15 (Vinte e seis mil, oitenta e sete euros e quinze cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde 07-11-2013, até efetivo e integral pagamento, absolvendo-as do mais peticionado.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 13-01-2022
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)
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[1] Que não se encontram numeradas.