Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3300/15.1T8ENT-A.E2
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO MATERIAL
ABUSO DE DIREITO
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Tendo os autos sido devolvidos à 1ª instância apenas para ampliação da matéria de facto relativamente à questão do abuso de direito, na sequência de acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, que, no mais, manteve o acórdão recorrido, estava vedado à 1ª instância apreciar outras questões, nomeadamente a relativa à validade e eficácia da hipoteca constituída, englobando as fracções adquiridas pelos embargantes, apreciada no acórdão da Relação, que, por força da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, transitou em julgado.
II - Para que se verifique abuso de direito é necessário que o titular do direito, nas circunstâncias concretas do seu exercício, o exerça de forma clamorosamente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. Os executados AA e BB deduziram embargos de executado, contra a exequente Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedindo que seja julgada extinta a execução.

2. Alegaram, em síntese, que a Exequente interpôs a execução com base em Título de Abertura de Crédito com Hipoteca celebrado entre a sociedade “J... - Sociedade de Construções, Lda.”, sendo que a identificada garantia foi prestada no seguimento da aquisição, pela indicada sociedade aos ora Executados, do prédio urbano sito na Rua ..., ... e Rua ..., ..., em Rio Maior, para garantia de mútuo por aquela prestado. A aquisição do prédio dado em hipoteca à Exequente foi titulada por escritura de permuta, escritura essa por via da qual os Embargantes receberam, em troca, três fracções autónomas, a integrar no referido prédio urbano a construir, e a identificar na futura propriedade horizontal. E aperceberam-se que a Exequente não fez constar da hipoteca que foi constituída a seu favor, que as fracções autónomas por si adquiridas não se encontravam abrangidas pela hipoteca e nunca a hipoteca poderia abranger tais fracções (que foram cedidas livres de ónus e encargos).

3. Notificada para o efeito, respondeu a Exequente, sustentando, em resumo, que os embargantes não impugnaram a legitimidade e validade do negócio jurídico celebrado com a mutuária J... – Sociedade de Construções. Lda., e que, em momento algum, defendeu que os Embargantes fossem pessoalmente devedores da quantia peticionada nos autos, mas que, sendo proprietários de bens onerados com hipoteca para garantia do crédito concedido à referida sociedade J..., Lda., estes bens respondem pela dívida, independentemente de os embargantes não serem devedores da quantia peticionada nos autos. Mais disse que os embargantes sabiam que seria constituída hipoteca sobre o prédio objecto de permuta e que, não só não escudaram as fracções autónomas futuras, como expressamente autorizaram a constituição de quaisquer hipotecas.
Concluiu, assim, pela improcedência dos embargos.

4. Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador tabelar, identificado o objecto do litígio e enunciados dos temas da prova.
Realizada a audiência de julgamento, veio a ser proferida sentença em cujo dispositivo se consignou:
“Em face do exposto julgo procedente a oposição mediante embargos de executado deduzida por AA e BB e, em consequência, determino a extinção da execução e o levantamento de todas as penhoras realizadas no processo de execução.”

5. Desta sentença veio a Exequente interpor recurso, o qual concluiu pedindo a revogação da sentença recorrida.

6. A apelação foi julgada procedente, por acórdão prolatado em 10/10/2019, que revogou a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição à execução e determinando o prosseguimento desta.

7. Inconformados os Embargantes/Apelados interpuseram revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que, por Acórdão proferido em 16/06/2020, concedeu a revista e anulou o acórdão recorrido, determinando o reenvio dos autos ao Tribunal da Relação de Évora para que se apreciasse a questão do abuso de direito invocada pelos embargantes/apelados.

8. Em cumprimento deste aresto, nesta Relação, foi proferido o acórdão de 24/09/2020, no qual se entendeu, além do mais, que “… tendo a aquisição das fracções penhoradas nos autos, pelos embargantes, ocorrido em data posterior à constituição da hipoteca e apenas com a constituição da propriedade horizontal, a hipoteca, porque beneficia de registo anterior, prevalece sobre esse direito de propriedade, ou seja, tendo sido registada em primeiro lugar a hipoteca, validamente constituída a favor do credor hipotecário, no caso a recorrente/exequente, esta pode opor aos embargantes, adquirentes das fracções penhoradas, o direito de prioridade que lhe advém do registo (art. 6.º, n.º 1, do C. R. Predial)”, e que não ocorria o alegado abuso de direito.

9. Inconformados, os Embargantes/Apelados interpuseram nova revista, tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 06/04/2021, decidido:
«1. Determina-se a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora para que nela (ou, por determinação desta, na 1.ª instância, sendo necessário) se apreciem os factos, oportunamente alegados, relativamente ao abuso de direito, procedendo a novo julgamento nos termos supra referidos quanto a esta matéria;
2. Mantém-se tudo o mais decidido, sem prejuízo de eventuais adaptações ao que vier a ser apurado no novo julgamento, ora determinado.»

10. Recebidos os autos nesta Relação, veio a ser proferido o acórdão de 23/09/2021, no qual se decidiu «… determinar a remessa dos autos à 1ª instância para ampliação da matéria de facto, para apreciação dos factos oportunamente alegados, relativamente ao abuso de direito, como determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça».

11. Após a baixa dos autos à 1ª instância, foi determinada a reabertura da audiência de julgamento e notificadas as partes “indicarem a prova que entendam pertinente para efeitos de ampliação da matéria de facto quanto à questão do abuso de direito” (cf. despacho ref. 89028898), tendo as mesmas apresentado os respectivos requerimentos probatórios, que foram admitidos (cf. despacho ref. 89418835).

12. Produzida a prova e encerrada a audiência, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu: «Em face do exposto, julgo procedente a oposição mediante embargos de executado deduzida por AA e BB e, em consequência, determino a extinção da execução e o levantamento de todas as penhoras realizadas no processo de execução»
Esta sentença foi imediatamente antecedida do seguinte trecho:
«No seguimento do decidido em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Abril de 2021 e em Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 23 de Setembro de 2021 (onde se determinou a remessa dos autos à 1ª instância para ampliação da matéria de facto, para apreciação dos factos oportunamente alegados, relativamente ao abuso de direito), foi reaberta a audiência, nos termos e com os fundamentos constantes dos autos.
Atento o estado dos autos e o teor e âmbito dos recursos interpostos e acórdãos que sobre os mesmos recaíram, reproduzirá o presente Tribunal a sentença anteriormente proferida, aditando-lhe os factos, motivação e fundamentação de direito considerada pertinente apenas quanto à questão do abuso de direito. (sublinhado nosso)

13. Inconformada, recorreu a Caixa Geral de Depósitos, S.A., nos termos e com os fundamentos seguintes [não obstante as conclusões apresentadas não observarem as exigências de concisão legalmente exigidas (como, aliás, alertam os recorridos, que, ainda assim, incorreram no mesmo vício), desde logo pela sua manifesta prolixidade, não se convidou ao aperfeiçoamento das mesmas, porquanto se entendem as questões que pretende ver apreciadas e os recorridos também as entenderam]:
1.ª A douta sentença recorrida, proferida nos autos em 22.07.2022, a fls…, em suma, julgou procedentes os embargos de executado deduzidos por AA e BB e, em consequência, determinou a extinção da execução e o levantamento de todas as penhoras realizadas nos autos principais, de execução.
2.ª Como é expressamente referido na douta sentença recorrida (pág. 1), o douto Tribunal a quo volta a proferir decisão acerca da validade e eficácia da hipoteca constituída a favor da Exequente CGD sobre as fracções prediais adquiridas, mediante permuta, pelos Embargantes.
3.ª Contudo, tal decisão contraria o douto Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, proferido nos autos em 06.04.2021, nos termos do qual foi determinada a anulação do anterior Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação, de 24.09.2020, apenas na parte respeitante à apreciação da excepção do Abuso de Direito, mais se decidindo expressamente que se mantém tudo o mais decidido (naturalmente, sem prejuízo de eventuais adaptações ao que vier a ser apurado no novo julgamento).
4.ª O doutamente decidido pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça não oferece quaisquer dúvidas: o decidido por parte deste Venerando Tribunal da Relação (doutos Acórdãos de 10.10.2019 e de 24.09.2020) acerca da validade da hipoteca constituída a favor da CGD e a sua oponibilidade aos Embargantes, por força do direito de sequela que assiste ao credor hipotecário, mantém-se.
5.ª Excepção feita, naturalmente, caso tivesse sido feita prova de factos atinentes à actuação da CGD em pretenso Abuso de Direito – prova que, exclame-se, não foi feita!
6.ª Por isso mesmo, a reabertura do julgamento não implica uma repetição, in totum, dos Embargos de Executado, mas apenas produção de prova quanto à ampliação da matéria de facto, no tocante ao pretenso abuso de Direito – como se decidiu expressamente no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.04.2021 [«(...) procedendo a novo julgamento nos termos supra-referidos quanto a esta matéria»].
7.ª A apreciação dos factos, relativamente ao pretenso Abuso de Direito, é o único objecto do litígio, na presente fase dos autos, como, de resto, resulta igualmente do teor dos despachos de 28.01.2022 e de 08.03.2022, proferidos pelo Tribunal a quo.
8.ª Assim, não poderia o douto Tribunal a quo, sem mais, simplesmente voltar a proferir nova decisão sobre a questão da validade e eficácia da hipoteca constituída a favor da Exequente CGD sobre as fracções prediais adquiridas, mediante permuta, pelos Embargantes, por força do direito de sequela que lhe assiste.
9.ª Primeiro, porque tal questão é objecto de decisão transitada em julgado [douto Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça, de 06.04.2021, ao decidir «mantém-se tudo o mais decidido»], pelo que, decidir novamente sobre a mesma questão viola o caso julgado formal criado pela douta decisão de 06.04.2021, transitada em julgado.
10.ª Segundo, porque a lei processual civil prevê o trânsito em julgado parcial, como resulta, desde logo, do disposto no art.º 635º, n.º 2 do CPC. Neste sentido, veja-se, entre outros, o decidido por douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 24.02.2015, proc. n.º 2359/06.7TBVNG.P1, in www.dgsi.pt, supra citado.
11.ª Desta forma, a douta sentença recorrida consubstancia uma verdadeira “decisão surpresa”, frontalmente contra as anteriores decisões proferidas pelas instâncias superiores, a qual não é permitida por lei, e como tal, está ferida de nulidade – neste sentido Jurisprudência supra citada.
12.ª Com efeito, no caso sub judice, tendo as instâncias superiores determinado o prosseguimento dos autos apenas para apreciação dos factos invocados em sede de petição de embargos relativamente ao Abuso de Direito, mantendo-se tudo o mais decidido, nada fazia prever que fosse proferida sentença que se pronuncia sobre a validade e eficácia da hipoteca constituída a favor da CGD, reproduzindo, sem mais, a anterior sentença, que já anteriormente tinha sido revogada.
13.ª Tal nulidade, que apenas é revelada pelo teor da própria decisão, não só pode, como deve ser arguida em sede de recurso da sentença, cfr. art.º 615º, n.º 4 do CPC – neste sentido Jurisprudência supra citada.
14.ª Assim, a douta sentença recorrida, ao conhecer (novamente) de tal matéria (validade e eficácia da hipoteca constituída a favor da CGD, por força do direito de sequela que lhe assiste), está ferida de nulidade, por força do disposto no art.º 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, que aqui se argui expressamente.
15.ª Deverá, assim, ser declarada a nulidade da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo, em consequência, ser proferida nova decisão, em conformidade com o já decidido pelas instâncias superiores (ou seja, que aprecie somente a matéria de facto produzida no “novo” julgamento relativamente ao pretenso Abuso de Direito).
16.ª Mesmo que assim se não entenda, o que aqui se coloca por mera hipótese de raciocínio, sem com tal conceder ou transigir, sempre se diga que a hipoteca constituída a favor da Exequente CGD sobre as fracções prediais adquiridas, mediante permuta, pelos Embargantes, objecto dos presentes autos, é válida e eficaz, por força do direito de sequela que assiste ao credor hipotecário.
17.ª Correspondendo a fundamentação, de facto e de Direito, relativamente a esta questão, quase ipsis verbis, ao teor da anterior douta sentença, proferida nos autos em 06.11.2018, nada se acrescentando de novo (vide págs. 13 a 21 da douta sentença recorrida), como, de resto, consta da douta sentença recorrida, ao referir que «(...) reproduzirá o presente Tribunal a sentença anteriormente proferida (...)», a Recorrente faz aqui apelo ao teor das suas alegações de recurso, de 26.11.2018, sobre as quais incidiu o douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação, de 10.10.2019, a fls...
18.ª Assim, diga-se desde logo que, a douta sentença recorrida, volta a decidir erradamente, em razão de ter feito uma incorrecta aplicação do Direito aos factos, isto sempre com o devido e merecido respeito, que é muito.
19.ª Relativamente à factualidade dada como provada, ao percorrer a mesma, verifica-se que, com excepção do facto provado n.º 15 [“A embargada tinha conhecimento da permuta”] - o que, aliás, é uma evidência por força do registo - todos os factos resultam da simples análise dos documentos, inclusivamente o facto provado n.º 8, ora aditado por força do “novo” julgamento, que resulta do título executivo dado à execução.
20.ª O douto Tribunal a quo volta a servir-se da convicção que extrai dos depoimentos das testemunhas para decidir de Direito e não para decidir quanto à matéria de facto, em clara violação da lei de processo.
21.ª A decisão de mérito não está ancorada nos factos provados mas antes na sensibilidade do Tribunal em função dos depoimentos das Testemunhas e das declarações de parte, por força das quais, entre outros aspectos que aqui irrelevam, determinou que o Tribunal tivesse ficado “convencido de que nunca foi intenção dos Embargantes autorizar qualquer penhora sobre as fracções autónomas que recebiam em troca do terreno cedido, tanto que na escritura celebrada ficou a constar que as mesmas seriam entregues livres de ónus e encargos, o que fez com que nunca tivesse “desconfiado” que sobre as mesmas poderia ser constituída hipoteca, a expressão do Embargante é clara: “foram sempre minhas desde que assinei o documento”, tendo igualmente tido em consideração “o sentimento revelado de injustiça quanto à presente situação (“se a Caixa fez mal o negócio, a culpa não é nossa”) é igualmente revelador que nunca, em momento algum, recearam os Embargantes perder as suas fracções para a instituição bancária, muito menos em virtude de um financiamento relativamente ao qual eram alheios”, aspectos que não poderiam influenciar a elaboração da sentença.
22.ª Os estados de alma dos Embargantes, ou mesmo o propósito que esteve subjacente ao contrato de permuta, são inoponíveis à Recorrente tendo, aliás, uma das testemunhas referido que “pelo legal representante da sociedade J... foi tentada a salvaguarda das fracções autónomas cedidas aos Embargantes (facto instrumental que, por esse motivo, aqui é referido e não levado à especificação supra), o que não foi aceite pela Embargada, já que não é admitida a constituição de hipotecas parciais.”
23.ª Pela Testemunha CC foi explicitado em que consiste um mapa de expurgos: o mapa junto aos autos corresponde a uma tabela, cujos valores vão sendo alteráveis ao longo da vida do empréstimo, e que não tem qualquer despacho da Direcção da CGD de aprovação, sendo que a aprovação dos valores de distrate depende de análise casuística. Mais, também explicitou que a decisão de concessão do empréstimo à J... Lda. tinha como garantia a constituição de hipoteca plena do prédio objecto de financiamento, como expressamente se refere no despacho da Direcção da CGD de 10.09.2010, junto aos autos a fls...
24.ª Daqui não se pode retirar que a Recorrente aceitou que a hipoteca não fosse constituída também sobre aquelas três fracções. A referida Testemunha atestou, sem margem para dúvidas, precisamente o contrário, confirmando o teor do despacho da Direcção da CGD de 10.09.2010, junto aos autos a fls...
25.ª E quanto à mera opinião emitida pela referida Testemunha, à questão “se acha bem ou acha mal”, é apenas e só isso mesmo: uma mera opinião da Testemunha. Nada mais, nada menos.
26.ª Sendo certo que tal opinião coloca em crise a hipoteca registada a favor da CGD, pelo que, a afirmação que o douto Tribunal a quo faz a págs. 23 da sentença recorrida, não é ancorada em qualquer factualidade dada como provada nos autos.
27.ª O douto Tribunal a quo continua a confinar a sua interpretação da vontade das partes à vontade dos Embargantes e da J... sem curar se esta é oponível à Recorrente e, bem assim, sem interpretar a vontade da Recorrente.
28.ª Se a declaração constante da escritura de permuta, segundo a qual “O referido prédio urbano é cedido à sociedade “J... – Sociedade de Construções, Lda.” em plena propriedade, pelo que a mesma poderá sobre ele constituir quaisquer hipotecas” é irrelevante, então deveria ter ponderado se essa declaração não se destinava justamente a não deixar dúvidas de que a J... Lda. estaria autorizada a constituir hipoteca sem quaisquer restrições que, se era essa a vontade das partes, não tem qualquer correspondência com o texto da escritura.
29.ª O certo é que a Recorrente não aceitou que fosse expressamente excluída a hipoteca sobre as identificadas três fracções autónomas, facto que a J... Lda. aceitou, sem reservas.
30.ª O facto de os Embargantes não terem tido qualquer intervenção no financiamento obtido junto da CGD, e de o representante legal da Sociedade J... ter tentado excluir de forma expressa as fracções permutadas da hipoteca, nada têm a ver com a validade da hipoteca.
31.ª O facto de o contrato de permuta referir expressamente que os bens permutados o eram livres de quaisquer ónus e encargos não é oponível à recorrente, já que, nos termos do douto Acórdão supra citado, “a hipoteca constituída por empresa construtora a favor de um banco, com vista a garantir o empréstimo concedido para a construção do prédio e fracção permutada com o respectivo terreno, é válida e eficaz e prevalece sobre os registos posteriores a ela, não sendo oponível ao credor hipotecário, não interveniente no contrato de permuta, a cláusula determinante da cedência da fracção predial no sentido de ser transmitida livre de quaisquer ónus ou encargos.
32.ª Tendo a hipoteca sido constituída e registada antes da constituição da propriedade horizontal, a aquisição da propriedade pelos Embargantes é inoponível à Recorrente pois apenas o registo publicita a aquisição.
33.ª Nem a J... Lda. carecia de autorização dos embargantes para constituir hipoteca a favor de Recorrente – neste sentido Jurisprudência supra citada.
34.ª Em caso de permuta de um lote de terreno por partes do edifício a implantar que venham a ser susceptíveis de propriedade autónoma, o direito de propriedade sobre as futuras fracções autónomas a favor do permutante alienante do terreno só produz efeitos quando o edifício for submetido ao regime da propriedade horizontal, o que decorre do princípio da actualidade ou da imediação.
35.ª O contrato de permuta é um contrato real quoad effectum, o que significa que a transferência da propriedade ocorre por mero efeito do contrato, nos termos dos artigos 408.º, n.º 1, 879.º, alínea a) e 939.º, todos do Código Civil., sendo que, nos termos do n.º 2 do artigo 408.º «Se a transferência respeitar a coisa futura ou indeterminada, o direito transfere-se quando a coisa for adquirida pelo alienante ou determinada com conhecimento de ambas as partes, sem prejuízo do disposto em matéria de obrigações genéricas e do contrato de empreitada; se, porém, respeitar a frutos naturais ou a partes componentes ou integrantes, a transferência só se verifica no momento da colheita ou separação».
36.ª A hipoteca constituída pela J... Lda. a favor da CGD não enferma de qualquer invalidade ou nulidade.
37.ª A verdade é que, no âmbito dos presentes autos, foi já proferida decisão, no sentido de a hipoteca constituída a favor da Exequente CGD sobre as fracções prediais adquiridas, mediante permuta, pelos Embargantes, ser válida e eficaz, por força do direito de sequela que assiste ao credor hipotecário: douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação, de 10.10.2019, a fls... (supra parcialmente transcrito),
38.ª Tal decisão foi reiterada, por Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação de 24.09.2020, a fls..., sendo certo que, cfr. supra foi alegado, atento o teor do Acórdão do Colendo Supremo Tribunal de Justiça de 06.04.2021, o decidido por parte deste Venerando Tribunal da Relação acerca da validade da hipoteca constituída a favor da CGD e a sua oponibilidade aos Embargantes, por força do direito de sequela que assiste ao credor hipotecário (cfr. transcrições parciais supra), mantém-se.
39.ª E, no mesmo sentido destas decisões, pronunciou-se a vasta Jurisprudência, bem como a doutrina, citadas nesses doutos arestos deste Venerando Tribunal da Relação, que, dada a sua vastidão, e atento o princípio de economia processual, aqui se dão por integralmente reproduzidas, para todos os devidos e legais efeitos.
40.ª Com efeito, em face do princípio da indivisibilidade da hipoteca, art.º 696º do CC, esta subsiste por inteiro sobre cada uma das partes que constituam ou em que se venha a dividir a coisa onerada, sendo que, por força do disposto no art.º 691º, n.º 1, alínea c) do CC, a hipoteca sempre se estenderia às fracções autónomas, entretanto, constituídas.
41.ª Por esse motivo, sendo a aquisição das fracções penhoradas nos autos posterior à constituição da hipoteca, esta hipoteca, porque beneficia da prioridade que lhe advém do registo anterior e foi validamente constituída, prevalece sobre o direito de propriedade dos Embargantes, podendo, dessa forma, a CGD instaurar a presente execução hipotecária, por força do direito de sequela, no património do adquirente (aqui Embargantes) - art.º 6º, n.º 1, do Código de Registo Predial (não sendo aplicável, in casu, o disposto no artº 5.º, n.º 4, do mesmo diploma, pois não estão em causa direitos incompatíveis entre si).
42.ª Por outro lado, a matéria relativa ao pretenso Abuso de Direito, que determinou a reabertura da audiência de discussão e julgamento, foi expressamente indicada pelo Colendo Supremo Tribunal de Justiça – Acórdãos de 16.06.2020 e 06.04.2021 – e corresponde aos artigos 36º, 46º, 49º, 52º, e 61º da petição de embargos, supra transcritos.
43.ª Ora, uma eventual procedência da excepção de Abuso de Direito pressupõe a invocação e prova, por parte dos Embargantes (que têm esse ónus), de factos concretos que sejam reconduzíveis a tal figura jurídica, o que manifestamente os Embargantes não fizeram, como resulta da decisão sobre a matéria de facto relativamente a esta questão.
44.ª Com efeito, dos “novos” factos relativos à questão do Abuso de Direito aditados à decisão sobre a matéria de facto (facto provado n.º 8 - «os Embargantes não tiveram intervenção na celebração do escrito aludido em 7» - e facto não provado n.º 6 - «CGD sempre soube e em tempos assim o reconheceu, que as fracções objecto da hipoteca que agora executa não lhe estavam hipotecadas»), bem como, da motivação relativa aos factos alegados em 36º, 49º, 52º, e 61º da petição de embargos [«(...) configuram factos conclusivos (...), não tendo, ainda, resultado da prova que se produziu em sede de reabertura da audiência de julgamento, factualidade que permitisse, de alguma forma, concretizá-los»], não resulta que seja abusivo o exercício do seu direito por parte da CGD (art.º 334.º do C. Civil), pelo que, não poderia o douto Tribunal a quo decidir em sentido contrário, como o fez.
45.ª Na verdade, como resulta do disposto no art.º 334.º do C. Civil, apenas será ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os “limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. A este propósito, doutrina e Jurisprudência supra citadas.
46.ª Ora, atento o facto provado n.º 8 – único facto aditado à decisão sobre a matéria de facto, em contraponto com a anterior decisão de 1ª instância - não se vislumbra que a CGD, ao propor a presente execução hipotecária, contra os actuais titulares inscritos, pela dívida emergente do empréstimo garantido por hipoteca, exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art.º 334.º do C. Civil).
47.ª Como resulta do facto não provado n.º 6, a CGD não prescindiu, nem excluiu, da hipoteca as três fracções autónomas “H”, “L” e “O”.
48.ª Como também nunca reconheceu, seja de que forma o fosse, que essas três fracções autónomas “H”, “L” e “O” não lhe estavam hipotecadas, ou seja, a CGD contava com as mesmas para garantir o seu crédito.
49.ª E, no limite, sempre se diga que a CGD nunca assumiu a eventual obrigação de providenciar pelo distrate da hipoteca, sem o recebimento de qualquer quantia.
50.ª O certo é que a data de registo de aquisição a favor dos Embargantes é posterior à data de registo de hipoteca (factos provados n.º 9, 10 e 11), pelo que, os Embargantes bem sabiam que os bens iriam responder pela dívida hipotecária e, ainda assim, não providenciaram pelo distrate da hipoteca, pagando ao credor hipotecário a respectiva dívida garantida por aquela.
51.ª Sendo certo que, desde logo quando celebraram a permuta, os Embargantes bem sabiam que o bem iria ser dado de hipoteca, tanto que, como consta de tal documento (descrito sob o facto provado n.º 1), autorizaram expressamente a J..., Lda. a fazê-lo. É o que consta da matéria de facto dada por assente, ponto n.º 5.
52.ª Isto porque, sem o financiamento bancário com a inerente constituição de hipoteca sobre a totalidade do bem permutado, as fracções nunca seriam sequer construídas, sendo que, os Embargantes bem sabiam que o terreno era destinado à construção, pela J..., Lda., como resulta do teor do contrato de permuta – facto provado n.º 2.
53.ª A CGD teve conhecimento da permuta, como não podia deixar de ser, atento o respectivo registo predial. Mas a CGD não teve prévio conhecimento dessa permuta, nem sequer deu qualquer acordo à mesma, desde logo, porque quando a construtora J... Lda. solicita o financiamento à CGD o bem já se encontrava registado em seu nome.
54.ª Tal contrato de permuta não tem a virtualidade de afastar a hipoteca, válida e eficazmente constituída a favor da CGD – até porque nele se prevê a possibilidade da J..., Lda. constituir hipotecas.
55.ª Mais, a afirmação que o douto Tribunal a quo faz a págs. 23 da sentença recorrida («a Embargada sabia, assim, que tais fracções (à data bens futuros) estavam arredadas da disponibilidade da sociedade J... e que das mesmas nunca resultaria o recebimento de quaisquer quantias por forma a liquidar o empréstimo que concedeu, o que é patente pela análise do mapa de expurgos») não encontra qualquer fundamento na factualidade assente nos autos. Pelo contrário, é manifestamente contrária ao facto não provado n.º 6.
56.ª Não resulta, como é bom de ver, do mero conhecimento por parte da CGD da permuta, nem da análise do mapa de expurgos.
57.ª De resto, inexiste matéria de facto provada que permita concluir da forma que o douto Tribunal a quo o fez.
58.ª A fundamentação do douto Tribunal a quo, quando refere «(...) o exercício do direito de que se arroga a Embargada, nos termos em que o pretende fazer, com o conhecimento que tinha e o circunstancialismo que o envolve, ofende o sentimento que o Tribunal tem de justiça, sentimento esse que cremos ser extensível à comunidade como um todo (...)» não encontra qualquer apoio na matéria de facto provada, relativamente ao pretenso Abuso de Direito, que se limita ao ponto n.º 8 dos factos provados.
59.ª Assim, o decidido pelo douto Tribunal a quo consubstancia “error in judicando” – neste sentido Jurisprudência supra citada.
60.ª A Exequente nunca reconheceu, perante seja quem fosse, que as fracções que ora executa não lhe estavam hipotecadas, nem nunca se vinculou, perante seja quem fosse, a não instaurar a presente acção.
61.ª A questão incontornável dos presentes autos é esta: existe uma dívida, emergente do contrato dado à execução, existe uma garantia hipotecária para essa dívida, pelo que o seu accionamento, contra os titulares inscritos dos bens dados de hipoteca à Exequente, não se vislumbra como possa ser abusivo.
62.ª Já foi esta a decisão dos doutos Acórdãos proferidos no âmbito dos presentes autos, por parte deste Venerando Tribunal (supra parcialmente transcritos), mantendo-se intocável o ratio decidendum de tais arestos, atenta a prova produzida em sede de “novo” julgamento: o facto provado acrescentado, n.º 8, é insusceptível de colocar em crise a fundamentação supra transcrita.
63.ª Não há, pois, na conduta da CGD, S.A., qualquer pretenso Abuso de Direito, tendo sido observada a estrita legalidade, tanto no plano do Direito objecto, como adjectivo, nem foi dado como provado nenhum facto subsumível a este instituto jurídico.
64.ª O Tribunal a quo desconsiderou injustificadamente e por completo a factualidade dada como provada nos autos.
65.ª Com efeito, do processo constam elementos que foram totalmente desconsiderados por parte do Tribunal a quo e que, por si só, implicavam necessariamente decisão diversa da proferida.
66.ª Pelo que, salvo o devido e merecido respeito, salvo o devido e merecido respeito, a douta sentença de 22.07.2022 sofre de errada aplicação de Direito quando conclui no sentido inverso, sempre se impondo a sua revogação (sem prejuízo da nulidade supra arguida).
67.ª A douta sentença recorrida fez, assim, menos correcta interpretação e aplicação da Lei, violando, designadamente, as normas constantes dos art.ºs º 615º, n.º 1, al. d), 2ª parte, do CPC, art.ºs 408º, n.º 2, 691º, n.º 1, al. c), 696º, 879º, al. a), 939º, 1417º e 1418º, todos do Código Civil e art.ºs 5º e 6º do Código de Registo Predial.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, ser declarada a nulidade da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, devendo, em consequência, ser proferida nova decisão, em conformidade com o já decidido pelas instâncias superiores.
Em todo o caso, deverá ser revogada a douta sentença recorrida e, em consequência, julgando-se os presentes Embargos de Executado integralmente improcedentes, com as legais consequências, fazendo-se assim, como sempre, a acostumada Justiça!

14. Contra-alegaram os Recorridos/Embargantes, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença, apresentando as seguintes conclusões:
1.ª A Recorrente interpõe o presente recurso de Apelação, numa tentativa de ver alterada uma decisão que em caso algum pode deixar de ser a correcta, criteriosa, fundamentada e equitativa.
2.ª É de aderir in totum à douta fundamentação da Sentença recorrida, proferida pela Mma. Juiz do Tribunal a quo.
3.ª A Recorrente configura o Recurso provindo da reabertura da audiência em 1.ª Instância determinada pelos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.04.2021 e deste Venerando Tribunal da Relação, de 23.09.2021.
4.ª A Recorrente, arguiu uma perspectiva e o seu contrário quase em simultâneo, de forma conveniente para os seus interesses de se locupletar à custa dos Recorridos e persistindo em litigar em clamoroso abuso de Direito.
5.ª A Recorrente alega que a douta Douta Sentença recorrida "simplesmente (...)” reproduz "(...) a sentença anteriormente proferida, e que tinha sido revogada por douto Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação, de 10.10.2019, a fls... (...)" e ao mesmo tempo, pasme-se, alega que a douta Sentença a quo nada reproduziu.
6.ª A Recorrente alega que o Tribunal a quo se pronunciou novamente sobre matéria que já tinha sido objecto de apreciação.
7.ª Na perspectiva que a Recorrente apresenta nas suas alegações, o Tribunal a quo, apenas poderia redigir a douta Sentença referindo-se ao abuso de direito.
8.ª Para tal, a Recorrente, socorre-se da frase “"mantém-se tudo o mais decidido, sem prejuízo de eventuais adaptações ao que vier a ser apurado no novo julgamento, ora determinado" mencionada nos referidos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 06.04.2021 e do Tribunal da Relação, de 23.09.2021.
9.ª Da simples leitura da douta Sentença recorrida, resulta o sem razão da argumentação da Recorrente.
10.ª Quanto aos factos não provados na douta Sentença a quo, concluiu-se pela “total ausência de prova quanto aos mesmos ou à contradição existente relativamente ao que se logrou provar.”
11.ª A douta Sentença recorrida refere que “no que concerne ao facto que resulta como não provado em 6 e que foi incluído no seguimento da reabertura da audiência de julgamento,”.
12.ª A douta Sentença recorrida concluiu que não foi produzida prova que sustentasse aquele facto, como, aliás, “resulta da certidão predial o oposto”.
13.ª Do confronto entre as duas sentenças e da justificação que o tribunal a quo deu quanto à reprodução da matéria já decidida e à apreciação da matéria ampliada em sede de reabertura de audiência, é possível verificar que o tribunal a quo, cumpriu com o determinado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
14.ª O Tribunal a quo procedeu às adaptações necessárias ao novo julgamento reproduzindo a decisão anteriormente proferida quanto à validade e eficácia da hipoteca constituída a favor da Recorrente CGD.
15.ª O Tribunal a quo pronunciou-se assim somente quanto à ampliação da matéria de facto relativamente ao abuso de direito.
16.ª Ao actuar dessa forma, o Tribunal a quo, fê-lo de acordo com o determinado na remessa dos autos para a 1ª instância para pronúncia acerca da ampliação da matéria.
17.ª Para dar cumprimento ao determinado no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, o Tribunal a quo, fez adaptações à produção de prova – como, aliás, lhe competia em cumprimento do ordenado.
18.ª Do teor dos articulados das partes e das sucessivas alegações para chegarmos à costumada justiça, esteve sempre em análise, a existência de uma causa impeditiva para o exercício do direito de que a Recorrente CGD se arrogava.
19.ª O abuso do direito traduzir-se-ia na possibilidade de a CGD exercer aquele direito contra os ora Recorridos, atento o circunstancialismo em que foi celebrado o contrato de mútuo com hipoteca entre a Recorrente CGD e a J....
20.ª A validade da hipoteca dada à execução sempre foi condicionada à prova que se viesse a produzir nos autos relativamente à conduta da Recorrente CGD aquando da celebração do contrato de abertura de crédito.
21.ª A questão essencial dos autos prende-se com a conduta da Recorrente CGD “na constituição da hipoteca que versou sobre o objecto do contrato de permuta celebrado entre os executados/embargantes e a sociedade J...”.
22.ª E por isso mostra-se necessário interpretar a vontade negocial das partes, através da produção de prova.
23.ª O Tribunal a quo formou a sua convicção pelas declarações de parte do Recorrido, pela prova testemunhal e pela prova documental junta aos autos, de acordo com o princípio da livre apreciação da prova.
24.ª O Tribunal a quo, em sede de reabertura de audiência, refere na douta Sentença aqui em causa, que o Recorrido voltou a prestar declarações de parte, fazendo-o de uma “forma coerente com as anteriormente prestadas, reiterando o que havia já referido ao Tribunal”.
25.ª O mesmo acontecendo quanto aos depoimentos das testemunhas, DD, e EE, FF.
26.ª Quanto ao depoimento da testemunha CC, a douta Sentença recorrida manteve o essencial do depoimento acerca do circunstancialismo da escritura daquelas fracções, focando-se no essencial – o conhecimento da permuta e a conduta litigiosa abusiva.
27.ª O Tribunal a quo, não tinha outra forma de apreciar a produção de prova, ouvir as testemunhas trazidas pelas Partes e relativamente àquelas que já havia ouvido anteriormente, avaliar da coerência dos depoimentos (dos primeiros depoimentos com os segundos depoimentos).
28.ª Só assim o Tribunal a quo, poderia fazer uma correcta valoração da prova produzida e pronunciar-se quanto à matéria ampliada.
29.ª A Recorrente CGD faz uma incorrecta interpretação da expressão “sem prejuízo de eventuais adaptações ao que vier a ser apurado no novo julgamento, ora determinado” aposta no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
30.ª O Tribunal a quo referiu sempre de forma individualizada, os fundamentos da convicção que formou “Em sede de reabertura de audiência”.
31.ª O Tribunal a quo reproduziu com as devidas adaptações, a douta Sentença anterior, porque “o essencial dos depoimentos” acerca daquele circunstancialismo se manteve e/ou não foi abordado e/ou não foi contraditado.
32.ª O Tribunal a quo de concretizou as adaptações recomendadas pelo douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06 de Abril de 2021.
33.ª A reabertura do julgamento não implicou uma repetição stricto sensu do julgamento dos Embargos de Executado, mas antes a produção de prova quanto à ampliação da matéria de facto, tendo sempre em atenção a necessidade de adaptações para apurar a coerência dos depoimentos prestados em sede de primeira audiência.
34.ª O Tribunal a quo, retirou os factos que entendeu pertinentes para a apreciação da matéria ampliada relacionada com o abuso de direito.
35.ª Tal técnica, não contraria o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06.04.2021 nem o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 23.09.2021.
36.ª O Tribunal a quo não se pode bastar com a mera aplicação da lei, pois esta técnica pode conduzir a resultados injustos, contraditórios ou absurdos.
37.ª A Douta Sentença recorrida não é ferida de qualquer nulidade.
38.ª Na parte final da fundamentação de direito, na douta Sentença de 22/07/2022, o Tribunal a quo, refere-se expressamente ao abuso de direito – matéria sobre a qual foi ordenado pronunciar-se.
39.ª A fundamentação da douta Sentença Recorrida não é uma mera repetição, “quase ipsis verbis”, da fundamentação da sentença proferida pelo Tribunal a quo em 06.11.2018.
40.ª A decisão recorrida apresenta de forma clara a justificação para o facto de reproduzir parte da sentença de 06/11/2018 e pronuncia-se expressa e coerentemente acerca da matéria ampliada.
41.ª O Tribunal a quo, andou bem ao dar como provado que a Recorrente CGD era conhecedora da permuta e de que as fracções, àquela data eram bens futuros e não estavam na disponibilidade da sociedade J....
42.ª Face à insolvência da J..., a quem a Recorrente tinha concedido o empréstimo, o Tribunal a quo, considerou provado que a CGD tentou “agarrar-se” à tabua que decorre do funcionamento do sistema de registo predial”.
43.ª E que com essa conduta a Recorrente CGD tentou abusar do direito de que se arrogava ser titular, consubstanciando um manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico.
44.ª A Recorrente CGD, ficou assim completamente deslegitimada para o exercício daquele direito e merece a penalização legislativa decorrente daquela conduta manifestamente excessiva e abusiva.
45.ª A douta Sentença do Tribunal a quo deve ser mantida.
46.ª A douta Sentença recorrida contêm a reprodução da sentença anteriormente proferida, a sua fundamentação de facto, motivação e fundamentação de direito, bem como, o aditamento dos factos, motivação e fundamentação de direito considerada pertinente apenas quanto à questão do abuso de direito.
47.ª A Recorrente, nas suas Alegações, e como era ónus seu, teria de individualizar os concretos “elementos novos” que não deveriam constar na Douta Sentença recorrida e que nessa medida possam configurar uma verdadeira decisão surpresa – não o fez!
48.ª Se o Tribunal a quo elaborasse a douta Sentença recorrida, nos termos em que a Recorrente a moldura, ultrapassaria os seus limites por omissão de pronúncia.
49.ª Tendo os mencionados Tribunais Superiores determinado o prosseguimento dos autos para apreciação dos factos relativamente ao Abuso de Direito, o Tribunal a quo manteve tudo o mais decidido, quanto à sentença anteriormente proferida, reproduzindo-a mutatis mutandis.
50.ª A douta sentença recorrida não conhece novamente a matéria versada na sentença anteriormente proferida.
51.ª A douta Sentença recorrida parte da anterior sentença proferida para valorar e apreciar livremente a coerência da prova produzida retirando dela os factos pertinentes quanto às questões relativas ao abuso de direito.
52.ª A douta Sentença a quo, não enferma assim de qualquer nulidade.
53.ª A técnica judicativo-decisória do Tribunal a quo está sobejamente escorada na nossa Jurisprudência e Doutrina.
54.ª As conclusões da Recorrente são uma cópia, por decalque, do corpo das próprias alegações.
55.ª A Recorrente não deu cumprimento total ao disposto nos artigos 639º do CPC.
56.ª A recorrente parece pretender impugnar a matéria de facto de forma pouco perceptível.
57.ª A Recorrente na sua descrição, enumera um facto provado e um facto não provado, mas sem os descrever ou individualizar na prova gravada, inviabilizando a sua percepção e não cumprindo o estabelecido no artigo 640.º, nº1, do CPC.
58.ª O Tribunal a quo bem andou ao reproduzir a primeira sentença proferida e, “sem prejuízo de eventuais adaptações ao que vier a ser apurado no novo julgamento”, bem apreciou, dentro do seu livre-arbítrio e à luz do princípio da imediação da prova, a matéria controvertida quanto ao abuso de direito.
59.ª O Tribunal a quo, deu desta forma, cabal cumprimento ao fixado Thema Decidendum nos presentes autos.
60.ª A douta Sentença Recorrida é inatacável, pela sua bondade, clareza, descrição, fundamentação e subsunção do direito aos factos.
61.ª A douta Sentença recorrida está conforme ao Direito e é a única decisão legal e justa.
62.ª A douta Sentença do Tribunal a quo não merece reparo e deve ser mantida.

15. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da nulidade da sentença e violação do caso julgado;
(ii) Em caso de improcedência das questões anteriores, apreciar da validade da hipoteca registada a favor da exequente e da sua oponibilidade aos embargantes; e
(iii) Do abuso de direito.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
A.1. A matéria de facto dada como provada considerada na sentença ora recorrida é a seguinte:
1. A 27 de Setembro de 2010, no Cartório Notarial ..., celebraram os Embargantes e a sociedade “J... – Sociedade de Construções, Lda.” escritura pública de “Permuta”.
2. Da escritura aludida em 1) resulta: "os primeiros outorgantes (ora Executados) cedem à sociedade representada do segundo outorgante (J...), que aceita, no valor de trezentos e trinta mil euros o prédio urbano composto de lote de terreno para construção, designado por lote ..., com a área de trezentos e vinte vírgula cinquenta metros quadrados, denominado "...", ( ... ) no qual irá ser edificado pela sociedade representada do segundo um prédio urbano susceptível de ser constituído em regime de propriedade horizontal, cuja construção foi licenciada ( ... ) ".
3. Mais resulta que, em troca, a J... "cede aos primeiros outorgantes, AA e mulher BB, que aceitam (…) as três seguintes fracções autónomas, a integrar no referido prédio urbano a construir, e a identificar na futura propriedade horizontal, respectivamente, pelas letras "H", "L" e "O ", no valor atribuído a cada uma de cento e dez mil euros: a)Segundo Andar Frente, para habitação, tipo T-Três; b)Terceiro Andar Frente , para habitação, tipo T-Três; e c) Quarto Andar Frente, para habitação, tipo T-Três”.
Todas estas fracções (…), farão parte do edifício a construir no lote de terreno objecto da presente permuta pela dita sociedade (…), que irá, oportunamente, submeter o referido prédio ao regime de propriedade horizontal”.
4. Ficou ainda consignado que "os bens são permutados livres de quaisquer ónus ou encargos".
5. Da escritura supra aludida em 1 consta, igualmente: “O referido prédio urbano é cedido à sociedade “J... – Sociedade de Construções, Lda.” em plena propriedade, pelo que a mesma poderá sobre ele constituir quaisquer hipotecas”.
6. Encontra-se registada, a favor da “J... – Sociedade de Construções, Lda.” pela AP....53 de 2010/09/27, a aquisição por permuta, do prédio aludido em 2), que se encontra registado na Conservatória do Registo Predial de Rio Maior sob o n.º ...26.
7. Após a celebração da escritura supra aludida, a J..., a fim de aí promover a construção que veio efectivamente a erigir, celebrou com a Embargada escrito designado de “contrato de abertura de crédito com hipoteca, com a identificação interna n.º ...91”.
8. Os embargantes não tiveram intervenção na celebração do escrito aludido em 7. [Facto aditado na sequência da reabertura da audiência]
9. Para garantia do escrito designado em 7), a sociedade J... constituiu a favor da Embargada hipoteca sobre o imóvel aludido em 2).
10. A referida hipoteca foi registada pela Ap. ...77 de 2010/10/21.
11. Foi constituída e registada a propriedade horizontal relativa ao prédio urbano aludido em 2) pela AP. ...45/ de 2011/12/15. [A anterior redacção era a seguinte: «Foi constituída e registada a propriedade horizontal relativa ao prédio urbano aludido em 2) pela AP. ...45/ de 2011/12/15, com as seguintes fracções: A, B, C, D, E, F, G, H, I, J, L, M, N, O, P, Q.”]
12. Os Executados procederam ao registo da propriedade das fracções aludidas em 3) (“H”, “L” e “O”), pela Ap....68 de 2012/01/20. [aditamento efectuado a bold]
13. Aquando da inscrição da aquisição das fracções penhoradas nos presentes autos, os Embargantes não procederam ao cancelamento das hipotecas que incidem sobre as fracções autónomas aludidas em 3) e 11). [aditamento efectuado a bold]
14. A sociedade J... foi declarada insolvente no âmbito do processo 55/12.5TBRMR corre termos no 11 da Secção de Comércio da Instância Central de Santarém do Tribunal da Comarca de Santarém.
15. A Embargada reclamou créditos no âmbito do processo aludido em 14, tendo já recebido a quantia de € 398.050,00.
16. A Embargada tinha conhecimento da permuta.
*
A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos:
1 - Os Embargantes tivessem expressamente autorizado a J... a constituir hipoteca sobre as fracções autónomas identificadas em 3 dos factos provados.
2 - Os Embargantes soubessem que sem o financiamento bancário em naturalmente, a constituição de hipoteca sobre o bem permutado, jamais as fracções autónomas futuras igualmente permutadas existiriam.
3 - Sendo, consequentemente aquele financiamento condição essencial do negócio celebrado.
4 - Por isso a autorização expressa para a constituição de quaisquer hipotecas.
5 - Não tenha sido intentada qualquer acção porque sempre foi reconhecido, pelos Embargantes, a validade e eficácia da hipoteca registada.
6 - A CGD sempre soube e em tempos assim o reconheceu, que as fracções objecto da hipoteca que agora executa não lhe estavam hipotecadas [facto não provado aditado na sequência da reabertura da audiência].
*
A.3. E consignou-se na sentença ora recorrida que:
«Os demais factos foram considerados pelo Tribunal como conclusivos, de direito ou irrelevantes para a boa decisão da causa.
Reforça o Tribunal que, no seu entendimento, os factos alegados em 36º, 49º, 52º e 61º da petição de embargos, configuram factos conclusivos, motivo pelo qual não o haviam sido anteriormente (e não são agora) levados à especificação que antecede, não tendo, ainda, resultado da prova que se produziu em sede de reabertura da audiência de julgamento, factualidade que permitisse, de alguma forma, concretiza-los.»
*
B) – O Direito
1. A Recorrente Caixa Geral de Depósitos, S.A., invoca a nulidade da decisão por excesso de pronúncia e violação do caso julgado quanto à questão da apreciação feita na nova decisão da 1ª instância relativamente à validade e eficácia da hipoteca constituída pela exequente sobre as fracções prediais adquiridas, mediante permuta, pelos embargantes.
E, desde já se adianta que, tendo os autos sido devolvidos à 1ª instância apenas para ampliação da matéria de facto relativamente à questão do abuso de direito, na sequência do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/04/2021, e, em cumprimento deste, pelo Acórdão desta Relação de 23/09/2021, não podia a 1ª instância apreciar outras questões, nomeadamente a relativa à validade e eficácia da hipoteca constituída, englobando as fracções adquiridas pelos embargantes, apreciada no acórdão de 24/09/2020, que, por força da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, transitou em julgado.
Mas, concretizemos as razões deste nosso entendimento:

2. A nulidade por excesso de pronúncia encontra-se prevista na 2ª parte do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, onde se comina com este vício a sentença quando “o juiz … conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
De facto, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras (cf. artigo 608º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
E a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar quer quando conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
E, tem sido entendimento pacífico da doutrina e na jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

3. Ora, no caso em apreço, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 06/04/2021, determinar a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora “para que nela (ou, por determinação desta, na 1.ª instância, sendo necessário) se apreciem os factos, oportunamente alegados, relativamente ao abuso de direito, procedendo a novo julgamento nos termos supra referidos quanto a esta matéria”, mantendo tudo o mais decidido no acórdão da Relação de 24/09/2020, sem prejuízo de eventuais adaptações ao que vier a ser apurado no novo julgamento, ora determinado.
E, como resulta do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, considerou-se que os embargantes alegaram, quanto ao abuso de direito, o seguinte:
“(…) 36.º
A Execução a que ora se opõem constitui um gritante abuso de direito de um pulmão da economia deste – que ainda é – um Estado de Direito Democrático (norteado por princípios constitucionais, aqui flagrantemente violados).
(…)
46.º
Crédito esse que não só não foi contraído pelos Executados, como – repisa-se – a CGD sempre soube e em tempos assim o reconheceu, que as fracções objecto da hipoteca que agora executa não lhe estavam hipotecadas.
(…)
49.º
Contudo, o peticionado não só está em clara violação do que era conhecido entre as Partes e, nessa medida, deveria ter sido respeitado pela CGD – não executando as hipotecas que nunca deveria ter registado ou, no limite, por cujo distrate deveria ter providenciado a fim de permitir aos ora Executados que providenciassem pelo respectivo cancelamento (…).
(…)
52.º
Deste modo, deverá ser reconhecido que a presente Execução extravasa flagrantemente o permitido no âmbito da garantia prestada, também abusivamente pela J... (e, com a conivência da beneficiária da mesma) - cometendo assim o Exequente falta grave que este douto Tribunal não pode ignorar.
(…)
61.º
Assim sendo, é notório que a presente situação é manifestamente excessiva/abusiva e atentatória dos limites da boa fé que devem nortear as relações obrigacionais entre as partes. (…)”
E, que, “[c]ontrariamente ao afirmado no acórdão recorrido, foram alegados alguns factos, ainda que de forma algo conclusiva, sobre o abuso de direito em que se fundam os embargos, como resulta dos artigos da petição inicial, supra transcritos, mormente do art.º 46.º.”
Assim, é inequívoco que a decisão de remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Évora para que nela (ou, por determinação desta, na 1.ª instância, sendo necessário) se apreciem os factos, oportunamente alegados, relativamente ao abuso de direito, procedendo a novo julgamento quanto à matéria em causa, se reporta à factualidade referida pelo Supremo Tribunal de Justiça, relevante para a apreciação da questão do abuso de direito.
E foi em estrito cumprimento deste aresto que no nosso acórdão de 23/09/2021, se decidiu: «… determinar a remessa dos autos à 1ª instância para ampliação da matéria de facto, para apreciação dos factos oportunamente alegados, relativamente ao abuso de direito, como determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça».
Por conseguinte, ainda que a questão relativa à validade e eficácia da hipoteca constituída pela exequente sobre as fracções prediais adquiridas, mediante permuta, pelos embargantes tivesse sido apreciada na primitiva sentença e nos acórdãos da Relação, estava vedado à 1ª instância a apreciação de tal questão na nova decisão proferida, porquanto o âmbito da sua intervenção nos autos estava limitado, em função do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/04/2021 e do acórdão da Relação de 23/09/2021, à ampliação da matéria de facto, para apreciação dos factos alegados, relativamente ao abuso de direito, e não mais do que isso.
E não se diga que, quando no aresto do Supremo Tribunal de Justiça se diz que se“[m]antém-se tudo o mais decidido, sem prejuízo de eventuais adaptações ao que vier a ser apurados no novo julgamento, ora determinado, (sublinhado nosso) se está a permitir o conhecimento de outras questões para além do abuso de direito, porquanto com tal menção apenas se alude à possibilidade de apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições, como previsto na alínea c) do n.º 3 do artigo 662º do Código de Processo Civil.

4. Porém, no caso em apreço, mais do que um vício intrínseco da sentença, gerador da nulidade, por excesso de pronúncia, na parte em excede a apreciação da questão relativa ao abuso de direito, certo é que a sentença, ao pronunciar-se sobre a matéria relativa à validade e eficácia da hipoteca constituída pela exequente sobre as fracções prediais adquiridas, mediante permuta, pelos embargantes, violou o caso julgado formado pelo acórdão da Relação de 24/09/2020, relativamente a esta questão.
Como resulta deste aresto, decidiu-se julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, julgando improcedente a oposição à execução e determinando o prosseguimento desta.
Para tanto, (como dá nota o Supremo Tribunal de Justiça no aresto de 06/04/2021), a Relação entendeu, tal como já havia feito no anterior acórdão (ao contrário do que havia decidido a 1ª instância) que, tendo o contrato de permuta por objecto, no que concerne aos embargantes, bens futuros (como sucedia com as fracções autónomas do edifício a construir), a transferência do direito de propriedade sobre eles apenas se produzia após construção do edifício e constituição do regime da propriedade horizontal, que é o título que as individualiza e lhes confere autonomia jurídica e daí que a sociedade J..., Lda., ao ter adquirido, por mero efeito do contrato, a propriedade plena do lote de terreno para construção, tivesse todo o direito de o onerar com a constituição da hipoteca [artigos 408.º, n.º 2, 879.º, alínea a), 939.º, 1417.º e 1418.º, todos do Código Civil].
E, acrescentou-se, com apoio, para tanto, na jurisprudência dos tribunais superiores, designadamente do Supremo Tribunal de Justiça, que, em face do princípio da indivisibilidade da hipoteca plasmado no art.º 696.º do Código Civil, esta subsiste por inteiro sobre cada uma das partes que constituam ou em que se venha a dividir a coisa onerada, sendo que, por força do disposto no art.º 691.º, n.º 1, al. c), do CC, a hipoteca sempre se estenderia às fracções autónomas, entretanto, constituídas.
Por estas razões, concluiu-se que, sendo a aquisição das fracções penhoradas nos autos posterior à constituição da hipoteca (dado que apenas ocorreu com a constituição da propriedade horizontal), a hipoteca, porque beneficia de registo anterior e foi validamente constituída, prevalece sobre esse direito de propriedade e daí que a exequente, que dela beneficia, possa opor aos embargantes o direito de prioridade que lhe advém do registo. Com efeito, constituindo a hipoteca um direito real de garantia, pode a embargada executar, por força do direito de sequela, a coisa hipotecada no património do adquirente nos termos do art.º 6.º, n.º 1, do CRP, sem que seja aplicável ao caso o disposto no art.º 5.º, n.º 4, do mesmo Código, por não estarem em causa direitos incompatíveis entre si, decidindo-se, ainda, que não havia abuso de direito.
Ora, no recurso interposto pelos embargantes para o Supremo Tribunal de Justiça, que esteve na origem do acórdão de 06/04/2021, aquela questão não integrou o objecto do recurso, como se vê da delimitação do objecto do mesmo efectuado pelo Supremo, pois, o que os recorrentes/embargantes então suscitaram foi a nulidade do acórdão, por excesso de pronúncia, por a Relação se ter pronunciado novamente sobre aquela questão, mas o Supremo desatendeu tal pretensão dos embargantes.
Efectivamente, entendeu o Supremo Tribunal de Justiça que «…, tendo o anterior acórdão sido anulado, na sequência da verificação da nulidade, por omissão de pronúncia, prevista no art.º 615.º, n.º 1, al. d), 1.ª parte, do CPC e determinado o reenvio do processo para a Relação, a fim de aí se proceder ao respectivo suprimento, nos termos do art.º 684.º, n.º 2, do mesmo Código, aquele Tribunal devia conhecer, como conheceu, não só do abuso de direito, como lhe foi determinado, mas também do restante objecto da apelação, tanto mais que a nova decisão “admite recurso de revista nos mesmos termos que a primeira” (cfr. n.º 3 do último preceito citado).
Note-se que a anulação foi total e não apenas parcial e que aquela decorreu da verificação da aludida nulidade por omissão de pronúncia da excepção peremptória de direito material do abuso de direito.»
Deste modo, e tendo o Supremo Tribunal de Justiça decidido no acórdão de 06/04/2021, determinar a remessa dos autos para ampliação da matéria de facto, relativamente ao abuso de direito, mantendo tudo o demais decidido no acórdão da Relação, a anulação resultante desta decisão, agora, foi meramente parcial, ou seja, apenas quanto à questão do abuso de direito, não abrangendo, por conseguinte, o mais decidido no acórdão então recorrido.
Assim, a questão acerca da validade da hipoteca constituída a favor da Caixa Geral de Depósitos, S.A., e a sua oponibilidade aos embargantes, adquirentes das ditas fracções, está abrangida pelo caso julgado, decorrente do acórdão da Relação de 24/09/2020 (cf. artigos 619º, n.º 1, 621º e 628º do Código de Processo Civil).
Efectivamente, de acordo com o artigo 619º, n.º 1, do Código de Processo Civil, «[t]ransitada em julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702º».
Dispõe, por outro lado, o artigo 625º do mesmo Código:
«1 - Havendo duas decisões contraditórias sobre a mesma pretensão, cumprir-se-á a que passou em julgado em primeiro lugar.
2 - É aplicável o mesmo princípio à contradição existente entre duas decisões que, dentro do processo, versem sobre a mesma questão concreta da relação processual».
Se é assim (cumprimento da primeira sentença) relativamente a duas decisões transitadas em julgado, mais o será, necessariamente, quando a segunda ainda não transitou (como é o caso). [cf. neste sentido o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17/10/2013 (proc. n.º 156/12.0T2AMD.L2-2), disponível, como os demais citados, sem outra referência, em www.dgsi.pt].
Conforme ensinava Alberto dos Reis, a eficácia jurídica da segunda decisão fica prejudicada, paralisada pela força e autoridade do caso julgado anterior (Código de Processo Civil anotado, vol. V, Coimbra Editora, 1952, págs. 196-197).
Deste modo, independentemente de se qualificar a nova decisão, violadora do caso julgado, como ineficaz, como se decidiu no aresto do Tribunal da Relação de Lisboa acima referido, certo é que no contexto dos presentes autos e no âmbito do cumprimento dos acórdãos da Relação e do Supremo Tribunal de Justiça, a mesma não pode subsistir, prevalecendo o decidido no acórdão de 24/09/2020, quanto à questão em análise.

5. Por conseguinte, em face do entendimento adoptado, no sentido da prevalência do nosso acórdão de 24/09/2020, fica prejudicado o conhecimento da questão relativa à validade da hipoteca constituída a favor da CGD, a que nos vimos referindo, questão que a recorrente invocou subsidiariamente nas conclusões do recurso, havendo apenas que apreciar a matéria da excepção do abuso de direito, aliás, a única que, em face do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, havia de ser apreciada.

6. Porém, antes de passarmos à concreta apreciação da matéria da excepção, importa referir que os recorridos invocam nas contra-alegações que a recorrente parece pretender impugnar a matéria de facto de forma pouco perceptível, pois enumera um facto provado e um facto não provado, mas sem os descrever ou individualizar na prova gravada, inviabilizando a sua percepção e não cumprindo o estabelecido no artigo 640.º, nº1, do Código de Processo Civil (cf. conclusões 51ª e 52ª).
Porém, salvo o devido respeito, não obstante a recorrente tecer considerações sobre a matéria de facto, não se vê das suas alegações que, com o recurso interposto, vise impugnar a decisão quanto à matéria de facto, sendo certo que, se fosse essa a sua pretensão, não se conheceria do mesmo, por incumprimento dos ónus previstos no n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil.

7. Quanto à matéria da excepção, que, de facto e de direito, deveria ter sido a única a apreciar e decidir, entendeu-se na decisão ora recorrida o seguinte:
«… O abuso de direito consubstancia, assim, a penalização legislativa decorrente do exercício manifestamente excessivo de um direito.
Repristinando e sintetizando a factualidade em apreço nos autos, temos que:

• Os Embargantes celebraram contrato de permuta com a sociedade J... mediante o qual cederam a propriedade de um prédio urbano (lote de terreno) e, em troca, receberam 3 fracções autónomas do prédio que aí se viria a construir, tendo ficado consignado que os bens eram permutados livres de quaisquer ónus ou encargos;
• A sociedade J..., a fim de promover no lote de terreno que adquiriu por via da permuta a construção que veio efectivamente a erigir, celebrou com a Embargada contrato de abertura de crédito com hipoteca;
• Os Embargantes não tiveram intervenção na celebração do contrato de abertura de crédito;
• Para garantia do contrato de abertura de crédito, a sociedade J... constituiu a favor da Embargante hipoteca sobre o imóvel por si adquirido, hipoteca essa que foi registada;
• Foi, ulteriormente, constituída e registada a propriedade horizontal relativa à construção erigida no lote de terreno adquirido pela sociedade J... pela AP. ...45/ de 2011/12/15;
• Os Executados procederam ao registo da propriedade das fracções objecto do contrato de permuta pelas Ap....68 de 2012/01/20.
• A sociedade J... foi declarada insolvente.
Aqui chegados e ainda que se reconhecesse o direito da Embargada decorrente do registo da hipoteca, cremos que o exercício que do mesmo presente fazer, nos presentes autos, atenta a factualidade concretamente em questão, choca o mais elementar sentido de justiça, porquanto é incontornável o conhecimento que a Embargada tem (e tinha já à data) da existência e âmbito do contrato de permuta por via do qual os Embargantes adquiriram as fracções autónomas em apreço nos autos.
A Embargada sabia, assim, que tais fracções (à data bens futuros) estavam arredadas da disponibilidade da sociedade J... e que das mesmas nunca resultaria o recebimento de quaisquer quantias por forma a liquidar o empréstimo que concedeu, o que é patente pela análise do mapa de expurgos.
Ora, conhecedora de tal circunstancialismo e atenta a insolvência da sociedade a quem concedeu o empréstimo, pretender “agarrar-se” à tabua que decorre do funcionamento do sistema de registo predial consubstancia, em nosso entendimento, um manifesto excesso dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social e económico do direito de que se arroga.
Note-se que os Embargantes não se aventuraram em investimentos ou actividade empresarial, sujeita aos riscos inerentes ao próprio funcionamento do mercado; os Embargantes celebraram um contrato de permuta e, em troca de um lote de terreno, receberam 3 fracções autónomas, fracções essas que eram, à data, bens futuros e, assim, não eram passiveis de registo.
Por outro lado, com a constituição da propriedade horizontal desdobrou-se automaticamente a hipoteca que anteriormente incidia sobre lote de terreno por todas as fracções autónomas constituídas, incluindo as que foram cedidas aos Embargantes em troca do prédio urbano.
(…)
Analisada, com cuidado e atenção, a situação em apreço nos autos cremos que a actuação da Embargada se reconduz a grave injustiça que seria prevenida se assim o legislador a tivesse previsto, mais se traduzindo em absoluta negação dos legítimos e sensíveis interesses dos Embargantes.
Conforme se alude em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/10/2019: “I -Existe abuso de direito, nos termos do disposto no artigo 334º do Código Civil, quando alguém, detentor embora de um determinado direito, válido em princípio, o exercita, todavia, no caso concreto, fora do seu objectivo natural e da razão justificativa da sua existência e em termos apoditicamente ofensivos da justiça e do sentimento jurídico dominante, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou fim social ou económico desse direito.
II. O juízo sobre o abuso de direito está, assim, dependente das concepções ético-jurídicas dominantes na sociedade. (processo 3722/16.0T8BG.G1.S1, relator Rosa Tching, disponível em www.dgsi.pt).
Ora, em jeito de síntese e no seguimento do que antecede, o exercício do direito de que se arroga a Embargada, nos termos em que o pretende fazer, com o conhecimento que tinha e o circunstancialismo que o envolve, ofende o sentimento que o Tribunal tem de justiça, sentimento esse que cremos ser extensível à comunidade como um todo, o que resulta, desde logo, do depoimento prestado pela testemunha CC, funcionário da Embargada que, conforme já aludido, confrontado pelo Tribunal quanto à questão dos autos, acaba por concluir que, pese embora a Embargada seja “pessoa de bem”, “acha mal que o Sr. AA fique sem os apartamentos”.»
Vejamos:

8. Como se referiu no aresto de 24/09/2020, os recorridos invocaram ser abusivo o exercício do direito de hipoteca sobre as fracções em causa, pois que a exequente/embargada abusou do direito ao deduzir a execução depois de ter prescindido da hipoteca sobre as três fracções autónomas dos executados, accionando essa garantia sobre bens com os quais nunca contou para garantir o seu crédito.
Por outro lado, alegaram, que a exequente/recorrente conhecia as circunstâncias em que foi celebrado o contrato de mútuo com hipoteca, nomeadamente sempre soube, e em tempos assim o reconheceu, que as fracções objecto da hipoteca que agora executa não lhe estavam hipotecadas e devia ter permitido que os executados/embargantes providenciassem pelo respectivo cancelamento.
Como flui do artigo 334º do Código Civil, “[é] ilegítimo o exercício de um direito quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”
Ensina Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, 2ª Edição, 2000, Almedina, pág. 249/251, que “a concepção geral do abuso de direito postula a existência de limites indeterminados à actuação jurídica individual. Tais limites advêm de conceitos particulares como os de função, de bons costumes e da boa-fé”. E integra nessa categoria o venire contra factum proprium, que exprime a reprovação social e moral que recai sobre aquele que assuma comportamentos contraditórios.
Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 300, acentuam que “a nota típica do abuso de direito reside na utilização do poder contido na estrutura do direito para a prossecução de um interesse que exorbita do fim próprio do direito ou do contexto em que ele deve ser exercido.”
E escreve o Professor Almeida Costa, Direito das Obrigações, 12.ª Edição, pág. 83, que “[o]correrá tal figura de abuso quando um determinado direito – em si mesmo válido – seja exercido de modo que ofenda o sentimento de justiça dominante na comunidade social”. E acrescenta, “[o]s efeitos do abuso de direito equiparam-se aos da pura falta de direito”.
Para o Professor Vaz Serra: “Há abuso de direito se alguém exercer o direito em contradição com uma sua conduta anterior em que fundadamente a outra parte tenha confiado” (cf. Revista de Legislação e Jurisprudência 111ª, p. 296).
Posição também defendida por Pedro Pais de Vasconcelos, in Teoria Geral do Direito Civil, 2005, Almedina, 3.ª Edição, pág. 660, no que respeita ao venire contra factum proprium, sublinhando que o direito deve ser exercido sem frustrar expectativas criadas pelo seu titular, pelo que “[q]uem, através de um comportamento activo ou omissivo, cria em outrem uma confiança fundada em certo modo de exercício do direito – uma boa fé - não pode, depois, mudar bruscamente de comportamento e exercê-lo de um modo contraditório.”
Pelo mesmo caminho seguiu o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2017 (proc. n.º 1192/12.1TVLSB.L1.S1), assim sumariado:
«I - Para que ocorra o abuso do direito, é necessário que o titular do direito o exerça de forma clamorosamente ofensiva da justiça e dos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito. Não é necessária a consciência de que se excederam os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito. É suficiente que esses limites sejam ultrapassados. O excesso deve ser manifesto.
II - Como modalidade do abuso do direito, a doutrina e a jurisprudência, apontam o venire contra factum proprium, abuso que ocorre quando o exercício do agente contradiz uma conduta antes presumida ou proclamada pelo mesmo».
Em resumo, para que se verifique abuso de direito é necessário que a pessoa a quem tal direito assiste, em termos formais, nas circunstâncias concretas do seu exercício, o exerça de modo que, face aos valores consagrados na lei, constitua manifesta injustiça.
Ora, perante os factos assentes, não se vislumbra que a CGD, ao propor a presente execução para cobrança da dívida hipotecária, nomeadamente com a penhora das três fracções prediais em causa, exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito, ou seja, que seja abusivo o exercício do seu direito (art.º 334.º do C. Civil).
Dito de outro modo, como se afirmou no aresto de 24/09/2020, não se vê como se possa invocar abuso de direito relativamente à pretensão de pagamento do empréstimo bancário, com garantia de hipoteca do terreno onde foram construídas as fracções prediais, visto não resultar da hipoteca qualquer evidente injustiça e não ofender o sentimento de justiça dominante na comunidade social.
Aliás, essa possibilidade consta expressamente da escritura pública que formalizou o contrato de permuta, prevendo-se que a sociedade J... podia constituir sobre o terreno “quaisquer hipotecas” (ponto 5 dos factos provados).
E o facto de a exequente ter conhecimento da permuta não permite concluir, sem mais, exercer abusivamente o seu direito ao executar a hipoteca.
A exequente/recorrente não interveio no contrato de permuta, e não está alegado, nem demonstrado, que deu o seu consentimento, nem que concordou com os termos da permuta, ou que tenha tomado comportamento contrário ao exercício do direito de penhorar todas as fracções do prédio em causa.
A afirmação dos embargantes de que a exequente prescindiu da hipoteca sobre as três fracções autónomas que lhes foram dadas em permuta do terreno e que veio, agora, accionar essa garantia sobre bens com os quais nunca contou para garantir o seu crédito, carece de correspondência com a factualidade provada.
Efectivamente, não obstante se ter procedido à reabertura da audiência para ampliação da matéria de facto quanto à factualidade alegada pelos embargantes e delimitada pelo Supremo Tribunal de Justiça, mormente o facto 46º da petição de embargos [“a CGD sempre soube e em tempos assim o reconheceu, que as fracções objecto da hipoteca que agora executa não lhe estavam hipotecadas”], este facto foi dado como não provado (cf. ponto 6 dos factos não provados da nova sentença), assim como os demais alegados, ou seja, os alegados em 36º, 49º, 52º e 61, referindo o Tribunal recorrido que “configuram factos conclusivos … não tendo resultado da prova que se produziu em sede de reabertura da audiência de julgamento factualidade que permitisse, de alguma forma, concretizá-los”.
E, como já se disse, não houve impugnação da matéria de facto.
Salienta-se que, em relação ao facto dado como não provado enunciado no ponto 6, tido como relevante para a apreciação do abuso de direito, o mesmo foi dado como não provado, não só porque não foi produzida prova que o sustentasse, como também, por se ter entendido que resultava o oposto da certidão predial.
Ou seja, a factualidade referida pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, sobre a qual não havia incidido pronúncia quanto à sua verificação, e que seria susceptível de revelar a ocorrência do abuso de direito, não se provou.
E o facto de na nova formulação da matéria de facto se ter introduzido o facto que agora consta indicado sob o ponto 8, do qual resulta que os embargantes não intervieram no contrato de abertura de crédito, não constitui propriamente matéria inovatória.
Resumindo, como se decidiu no acórdão de 24/09/2020, não se pode sustentar que ocorre abuso de direito, posto que para tal importaria demonstrar outras circunstâncias que no caso não se demonstraram.

9. Deste modo, procede a apelação, e entendendo-se, como se referiu, que persiste o decidido no acórdão de 24/09/2020, quanto à validade e eficácia da hipoteca constituída, englobando as fracções adquiridas pelos embargantes, e que não ocorre abuso de direito, a oposição tinha que improceder, com o consequente prosseguimento da execução, salvo se outro fundamento o impedir.
*
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, julgando-se improcedente a invocada excepção do abuso de direito, com as legais consequências.
Custas a cargo dos Apelados.
*
Évora, 20 de Abril de 2023
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Florbela Moreira Lança
(documento com assinatura electrónica)