Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
667/20.3T8PTM.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: CONTRATO DE COMPRA E VENDA
DIREITO A REPARAÇÃO
REDUÇÃO DO PREÇO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. O Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, tal como a Directiva 1999/44/CE. não confere qualquer elemento para determinar o valor da redução do preço que deve, todavia, corresponder ao valor da desvalorização do bem tendo em conta a desconformidade com o contrato.
II. O valor de referência deve ser o que foi efectivamente pago e não o preço de mercado que o bem tenha à data em que o consumidor se quiser fazer valer do direito.
III. Ainda que não tenha ficado determinado o montante de desvalorização do imóvel em consequência dos vícios que apresentava mas tendo em conta que eram significativos e que comprometiam a sua habitabilidade, é seguro que a desvalorização do imóvel superaria o montante despendido pelo Autor com a sua reparação;
IV. Por conseguinte, à míngua doutros elementos, o montante a reduzir ao preço de aquisição do imóvel em consequência das desconformidades que apresentava não pode ser inferior ao valor necessário à reparação das mesmas - € 12.000,00- valor considerado na sentença e com o qual se concorda, sob pena de uma intolerável aniquilação dos direitos do Autor enquanto consumidor.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I.RELATÓRIO
1. AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma comum, contra “A..., Limitada” pedindo que o tribunal decretasse a redução do preço que foi convencionado no âmbito do contrato de compra e venda que é objecto dos autos, e que foi celebrado entre autor e ré, sendo esta última condenada a entregar ao autor o valor correspondente a essa redução, a fixar em quantia não inferior a €15 506,24 (quinze mil quinhentos e seis euros e vinte e quatro cêntimos), a liquidar em execução de sentença, acrescida de juros, contabilizados à taxa legal, desde da citação ate integral pagamento.
Alegou para tal, em síntese, ter adquirido, a 25 de junho de 2019, pelo valor de €170 000,00 (cento e setenta mil euros), à ora ré, o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...02 e inscrito na matriz sob o artigo ...69 da referida freguesia, com licença de utilização n.º ...8 de 09.01.2018. Que a referida venda foi intermediada pela imobiliária “B... Unipessoal, Limitada”, tendo o réu sido informado de que o imóvel havia sido reabilitado no âmbito da operação urbanística registada na Câmara Municipal sob o n.º ...02/61, e, que reunia todas as condições de habitabilidade a que se destinava. Contudo, em setembro de 2019, tomou conhecimento que o imóvel, que havia adquirido à ré, padecia de deficiências de conservação e de construção, ao nível da sua cobertura, que colocavam em risco a segurança dos seus habitantes, e, também de deficiências ao nível da própria canalização, implicando os trabalhos de reparação, com manutenção e reposição das características originais do imóvel, no que concretamente tange à cobertura, o despendido da quantia de €15 506,24 (quinze mil quinhentos e seis euros e vinte e quatro cêntimos), quantia essa que equivale à desvalorização do imóvel.

Regularmente citada a ré apresentou contestação, articulado no âmbito do qual se defendeu por impugnação e também por excepção invocando a existência de abuso de direito.

Realizou-se audiência final e, subsequentemente, foi proferida sentença que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou a ré A..., Limitada” a pagar ao autor AA, o montante de €12 000,00 (doze mil euros), valor esse que será acrescido de juros mora contabilizados, à taxa de 4% ao ano, desde da citação da ré, até integral e efectivo pagamento, absolvendo a ré do demais foi peticionado.


2. É desta sentença que recorre a ré, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
I. O tribunal a quo julgou mal ao condenar a Ré, parte vendedora, a pagar ao Autor, o montante que este alegadamente despendeu com a reparação dos defeitos apontados, sem precedência, de qualquer pedido de reparação, por falta de fundamentação legal, independentemente da ocorrência ou não de defeitos;
II. Porquanto, o regime do Decreto-Lei 67/2003 não rejeita a hierarquia entre os direitos à reparação, substituição, redução do preço ou resolução, limitando-se a excecioná-la quando razões de boa-fé o justifiquem;
III. Pelo que não podia o Autor, comprador de coisa defeituosa, repará-la por si e vir pedir a condenação da Ré, vendedora, no pagamento do montante despendido na reparação, ainda que sob a pretensão de redução do preço, quando não lha tenha previamente exigido.
Termos em que, deve ser dado provimento ao presente recurso, a douta sentença recorrida revogada, por falta de fundamento legal e em sua substituição proferida outra que decida pela absolvição com as legais consequências assim se fazendo a costumada e objectiva justiça!”.


3. Contra-alegou o Autor defendendo a manutenção do decidido.

4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se apenas à questão de saber se ao Autor assistia o direito de redução de preço do imóvel adquirido à Ré e que era concedido ao consumidor/comprador pelo art. 4.º do DL n.º 67/2003 de 8.4.

II. FUNDAMENTAÇÃO

5. É a seguinte a decisão da matéria de facto inserta na sentença recorrida:
“a. Factos Provados
Realizada audiência final, consideram-se provados e relevantes para a decisão da causa os seguintes factos:
1) A ré é uma sociedade comercial que se dedica à compra e venda e revenda de imóveis.
2) Por escritura pública epigrafada de “compra e venda”, outorgada no dia 25 de Junho de 2019, no Cartório Notarial ..., sito na Av. ..., ..., ..., Loja ..., em ..., constante de 106 a 108 do livro de notas para escrituras diversas n.º ..., a ré declarou vender ao autor, que declarou comprar, pelo preço de € 170 000,00 (cento e setenta mil euros) o prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua ..., com o n.º ... de policia, da freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02 da freguesia ... , e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...69.
3) Em 09.01.2018 foi emitido, pela Presidente da Câmara de ..., em nome de BB, no âmbito do Proc. n.º ...1, o alvará de utilização n.º ...8, que titula a autorização de utilização, para habitação, do prédio descrito em 2).
4) O imóvel descrito em 2) foi adquirido pela ré por escritura pública epigrafada de “Compra e Venda”, outorgada no dia 27 de setembro de 2018, também no Cartório Notarial ..., constante de 62 a 64 do livro de notas para escrituras diversas n.º ...09..., tendo a ora demandada declarado comprar a BB e a CC, pelo preço de € 101 500,00 (cento e setenta mil euros), o prédio urbano identificado em 2).
5) O imóvel descrito em 2) foi adquirido pelo autor para aí fixar a sua habitação própria e permanente e aparentava estar habitável de imediato.
6) O imóvel foi, em momento anterior à sua venda ao ora proponente, melhorado ou renovado pela ora ré, tendo a demandada reformado a cozinha e a casa de banho, promovido a realização de trabalhos de pintura nas paredes e nas portas, pavimentado alguns dos compartimentos do imóvel e alterado as janelas.
7) O autor foi informado, pela mediadora “B... Unipessoal, limitada”, que teve intervenção no negócio referido em 2, que o imóvel havia sido reabilitado e inclusivamente trocadas as próprias canalizações.
8) Entre 15 de agosto e 8 de outubro de 2019, o autor constatou que, por falta de manutenção, e, por acção da água da própria chuva:
a) a estrutura de madeira que suportava as telhas encontrava-se degradada, desalinhada e com fissuras, o que diminua a sua resistência, causando o afastamento das telhas e a entrada de luz solar e de água da chuva, para o interior da habitação;
b) a cumieira do telhado de duas águas apresentava uma deformação significativa causada pelo colapso (fratura) da estrutura edificada em pau redondo, denominada de linha, na zona do pé de galinha.
c) verificava-se ainda degradação da asna, mais concretamente da perna, na zona de apoio.
9) O autor foi ainda confrontado com a queda de estuque no teto da sua habitação, a qual foi potenciada pelos vícios suprarreferidos que afetavam a estrutura de suporte da cobertura.
10) O imóvel apresentava ainda problemas ao nível da canalização (deficiências ao nível da vedação dos canos) que, não havia sito trocada, sendo a canalização original, e que potenciavam, igualmente, a ocorrência de infiltrações.
11) As obras referidas em 6) não tiveram em consideração os vícios descritos em 8), 9 e 10, e, dificultaram, nomeadamente como consequência dos trabalhos de pintura, que ocultaram as infiltrações, a própria perceção de tais vícios.
12) O imóvel em face dos vícios de que padecia não reunia condições mínimas para ser habitado, uma vez que a sua ocupação, por ser iminente o desabamento da cobertura, era apta a colocar em risco a segurança e vida dos seus próprios habitantes.
13) Os trabalhos necessários para eliminar os vícios suprarreferidos, passaram pela:
a) remoção do telhado, da estrutura em madeira e do teto falso danificado pelas infiltrações;
b) pelo reforço ou mesmo pela substituição da estrutura de suporte da cobertura;
c) pela execução de telhado e teto falso na zona intervencionada;
d) pela reparação/substituição da rede de abastecimento de água;
e) reparação das paredes interiores danificadas pelas infiltrações;
f) pintura geral do imóvel.
14) A estimativa orçamental para execução dos trabalhos de recuperação referidos em 13), ascende ao valor de €10 000 (dez mil euros), acrescido de IVA, à taxa legal.
15) O autor promoveu a reparação da cobertura tendo optado pela aplicação de um suporte metálico (em substituição da estrutura de madeira) e painéis sandwich.
16) O autor despendeu cerca de €12 000,00 (doze mil euros) na realização dos trabalhos de reparação da cobertura e da canalização, tendo executado, por si, mesmo os trabalhos de pintura, de molde a obviar a um incremento da despesa.
17) O autor, remeteu à ré, em 04.11.2019, carta registada com aviso de receção, que endereçou para a morada sita na Rua ..., ..., na ..., ..., com vista a denunciar os defeitos por si detetados no imóvel e obter a sua eliminação, missiva essa que foi devolvida com menção “objeto não reclamado”.
18) Em 20/11/2019, o autor remeteu nova missiva à ré, para a mesma morada, desta feita apenas através de carta registada, com o mesmo conteúdo e prosseguindo o mesmo propósito.
19) À data do envio das supra- referidas missivas já o autor, por não ter outro local para residir e perante a aproximação do inverno, e, da época das chuvas, havia iniciado os trabalhos de reparação da cobertura do imóvel.
20) Em 15.08. 2019 a ré alterou a sua sede para na Rua ..., ... ..., ..., em ....
*
b. Factos não provados
Não se provaram quaisquer outros factos com relevância para a decisão, nomeadamente:
1) Que a solução de reparação, para a cobertura, pela qual o autor optou, mediante a colocação de telha sanduíche” ou “telha termo acústica”, fosse uma solução mais económica do que aquela outra que resultaria da reparação da cobertura com recurso a “telha lusa hidrofugada”.
2) Que a estimativa orçamental para execução dos trabalhos de recuperação, com reposição da característica original do imóvel (o que envolveria a reconstrução da asna), ascendesse ao valor de €15 506,24 (quinze mil quinhentos e seis euros e vinte e quatro cêntimos), acrescida de IVA.
3) Que os vícios referidos 8), 9) e 10) tivessem sido potenciados e ou agravados pela execução dos trabalhos que o autor se proponha realizar no imóvel e que passavam pela criação de um mezanino, com aproveitamento do sótão pré-existente.”.


6. Do mérito do recurso

Estamos em presença de um de um contrato de compra e venda, celebrado entre o Autor, como comprador, e a Ré, como vendedora, mediante o qual esta transmitiu aquele a propriedade do prédio urbano, destinado a habitação, sito na Rua ..., com o n.º ... de polícia, da freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...02 da freguesia ... , e inscrito na matriz urbana sob o artigo ...69 mediante o preço de € 170.000 - art. 874º do Cód. Civil.

Porém, como se evidencia, também, com clareza da factualidade enunciada, o contrato de compra e venda em apreço insere-se no âmbito de uma relação jurídica de consumo em que de um lado figura o Autor, pessoa singular, que destinava o prédio a sua habitação própria e permanente e, do outro, a Ré, sociedade comercial que que se dedica à compra e venda e revenda de imóveis..

O contrato de compra e venda no âmbito das relações jurídicas de consumo, tem, designadamente, previsões normativas na Lei de Defesa dos Consumidores (Lei nº 24/96) e no Dec. Lei n.º 84/2001, de 18 de Outubro que transpôs para o Direito Português a Diretiva (UE) 2019/771 e que revogou o Dec.-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, que, por seu turno, havia procedido à transposição, para a ordem jurídica nacional, da Diretiva 1999/44/CE.

Contudo, tendo em consideração que o contrato de compra e venda sub judice foi celebrado em 25 de Junho de 2019, será este último diploma o ainda aplicável tendo em consideração que o Dec. Lei nº 84/2001 só entrou em vigor em 1.1.2022 e as suas disposições em matéria de contratos de compra e venda de bens móveis e de bens imóveis só se aplicam aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor ( cfr. art. 55º e 53º, nº1).

Quer as normas da Lei de Defesa dos Consumidores, quer as do D.L. 67/2003, são normas especiais relativamente às normas do Código Civil que disciplinam o contrato de compra e venda, que são por aquelas derrogadas quando ocorra uma incompatibilidade no seu campo de aplicação perante as relações de consumo.

No regime legal que regula a venda de bens de consumo (o citado D.L. nº 67/2003) o que é designado como “falta de conformidade com o contrato” reconduz-se à noção de “coisa defeituosa”.

Por conseguinte, essa “falta de conformidade” contempla não só os vícios materiais ou físicos da coisa objecto do contrato, quer os vícios de direito ou vícios jurídicos.

Posto isto, vejamos o que se provou.

No caso, ficou provado que a Ré entregou ao Autor um imóvel que não apresentava as qualidades e o desempenho habituais dos imóveis do mesmo tipo e que o consumidor ( ora Autor) poderia razoavelmente esperar , atendendo à natureza do bem e à informação prestada pela mediadora “B... Unipessoal, limitada” no sentido de que o imóvel havia sido reabilitado e inclusivamente trocadas as próprias canalizações ( artº 2º nº2 d) do D.L. 67/2003 de 8 .4. e ponto 7 e seguintes).

Efectivamente, por falta de manutenção, e, por acção da água da própria chuva, a estrutura de madeira que suportava as telhas encontrava-se degradada, desalinhada e com fissuras, o que diminua a sua resistência, causando o afastamento das telhas e a entrada de luz solar e de água da chuva, para o interior da habitação; a cumieira do telhado de duas águas apresentava uma deformação significativa causada pelo colapso (fratura) da estrutura edificada em pau redondo, denominada de linha, na zona do pé de galinha; verificava-se ainda degradação da asna, mais concretamente da perna, na zona de apoio; o imóvel apresentava ainda problemas ao nível da canalização (deficiências ao nível da vedação dos canos) que, não havia sito trocada, sendo a canalização original, e que potenciavam, igualmente, a ocorrência de infiltrações.

Além disso, como também se provou ( cfr., ponto 12) “o imóvel, em face dos vícios de que padecia, não reunia condições mínimas para ser habitado, uma vez que a sua ocupação, por ser iminente o desabamento da cobertura, era apta a colocar em risco a segurança e vida dos seus próprios habitantes”

Em suma: A matéria de facto provada ( cfr. pontos 8, 9 e 10) revela a existência de faltas de conformidade do imóvel entregue pela Ré ao Autor, faltas de conformidade pelas quais tem de responder perante ele ( artº 3º/1 do D.L. 67/2003 de 8 .4.).

A lei concede ao consumidor vários direitos, dentre os quais relevam: o direito de reparação, o de substituição, o de redução do preço ou de resolução do contrato (cfr. art. 4.º, n.º 1 do DL n.º 67/2003).
Como os direitos conferidos ao consumidor são independentes uns dos outros, podendo exercê-los livremente, com respeito pelos princípios da boa-fé e dos bons costumes e da finalidade económico-social do direito escolhido (que se traduz, essencialmente, na satisfação do interesse do respectivo titular no âmbito dos limites legalmente previstos) serão as particularidades do caso concreto que enquadrarão as possibilidades de exercício dos diferentes direitos colocados ao dispor do adquirente consumidor.[1]

Parece-nos inequívoco que, no caso, terá sido o direito à reparação do imóvel o direito que o Autor essencialmente pretendeu exercer (e efectivamente exerceu) perante a Ré – artº 4º/1 do D.L. 67/2003 de 8 .4. ( cfr. pontos 17 e 18).

É certo que se provou que terá iniciado as obras de reparação na parte respeitante à cobertura do imóvel em momento temporal coincidente com o envio das ditas missivas interpelativas. (cfr. ponto 19).

Porém, a circunstância de estar iminente o desabamento da cobertura (ponto 12), o facto de o autor não ter outro local para residir e se estar perante a aproximação do inverno, e, da época das chuvas ( ponto 19) é mais do que justificativo de que tenha dado início a tal reparação sem esperar pela resposta da Ré.

Mas o certo é que não há notícia de que a Ré se tenha predisposto a eliminar os defeitos bem descriminados nas duas missivas referidas no prazo que lhe foi assinado (10 dias) nem posteriormente, sendo inquestionável a sua eficácia interpelativa à luz do disposto no art.º 224º, nº2 do Cód. Civil, posto terem sido remetidas para a morada dada como sede na escritura de compra e venda ( Rua ...) e da qual , também não há notícia, de ter sido dado conhecimento ao Autor da sua alteração.

Perante tal conduta (omissiva) da Ré, nada mais restava ao Autor, querendo manter o contrato, proceder ele próprio, ou com recurso a terceiros, à reparação dos defeitos, ficando-lhe reservado o direito à redução do preço que através da presente acção exerceu.

“O art. 4º, nº 1 do DL 67/2003, confere ainda ao consumidor o direito à redução adequada do preço. Este direito corresponde, à antiga actio quanti minoris. Ao contrário dos últimos dois, não é um direito vocacionado para repor a conformidade com o contrato. Ou seja, apesar de ser uma consequência jurídica da falta de conformidade, apenas atribui uma solução idónea a compensar o consumidor por essa falta, mas não repõe o bem em conformidade com os termos acordados, pois o vendedor já não tem a oportunidade de realizar a prestação a que se encontrava vinculado e o contrato não produz a totalidade dos seus efeitos jurídicos. A redução do preço visa antes repor o equilíbrio negocial entre as partes, pressupondo a vontade do consumidor de ficar com o bem desconforme. Assim, o vendedor deve reduzir proporcionalmente o preço por razões equitativas, pois se não cumpriu devidamente a prestação a que estava vinculado, a contraprestação não deve ser a mesma. No entanto, ainda existe aqui algum aproveitamento do negócio jurídico, pois o direito não possui um escopo extintivo do vínculo contratual apesar de o afetar, e o contrato acaba por ser parcialmente executado.
O DL tal como a Diretiva, não confere qualquer elemento para determinar o valor da redução, mas parece que se deve recorrer a critérios objetivos, e não a avaliações subjetivas por parte do consumidor para determinar o valor da redução adequada do preço. De qualquer modo, face à omissão do DL, deve-se recorrer subsidiariamente às normas gerais do CC que regulam a redução do preço na venda limitada a parte do seu objeto (art. 884º), na venda de bens onerados (art. 911º), e na empreitada defeituosa (art. 884º ex vi do art. 1222º, nº 2). A redução do preço corresponde ao valor da desvalorização do bem tendo em conta a desconformidade com o contrato, sendo que se deve ter como valor de referência o que foi efetivamente pago e não o preço de mercado que o bem tenha à data em que o consumidor se quiser fazer valer do direito.(…)”.[2]

Conquanto não tenha ficado especificado o montante de desvalorização do imóvel em consequência dos vícios que apresentava, uma coisa é certa: o seu preço de aquisição (170.000 €) baseou-se na informação dada pela mediadora “B... Unipessoal, limitada” ao Autor de que o imóvel havia sido reabilitado e inclusivamente trocadas as próprias canalizações ( cfr. ponto 7).

Tendo em conta as significativas desconformidades que o mesmo apresentava mormente ao nível da cobertura que comprometiam a sua habitabilidade, é seguro que a desvalorização do imóvel superaria o montante despendido pelo Autor com a sua reparação (tanto mais que o autor executou, por si mesmo, os trabalhos de pintura, de molde a obviar a um incremento da despesa ( cfr. ponto 16).

Por conseguinte, à míngua doutros elementos, o montante a reduzir ao preço de aquisição do imóvel em consequência das desconformidades que apresentava não pode ser inferior ao valor necessário à reparação das mesmas - € 12.000,00- valor considerado na sentença e com o qual se concorda, sob pena de uma intolerável aniquilação dos direitos do Autor enquanto consumidor.

III. DECISÃO

Por todo o exposto, se acorda em julgar a apelação improcedente e em manter a sentença recorrida.

Custas pela apelante.


Évora, 25 de Janeiro de 2024
Maria João Sousa e Faro (relatora)
José António Moita
Ana Isabel Pessoa

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[1] Assim, Ac.STJ de 17.10.2019 ( Oliveira Abreu).
[2] Assim, Ana Filipa Assunção in “Os direitos do consumidor em caso de desconformidade do bem com o contrato na compra e venda de bens de consumo”, pag. 40 e segs. dissertação de mestrado consultável em https://run.unl.pt/bitstream/10362/18291/1/Assun%C3%A7%C3%A3o_2016.pdf