Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
180-C/2002.E1
Relator: CRISTINA CERDEIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
VALOR DA CAUSA
Data do Acordão: 12/16/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:

I) - As sentenças de mérito proferidas em acções de simples apreciação não constituem título executivo, porquanto nas mesmas, ao tribunal apenas é pedido que aprecie a existência de um direito ou dum facto jurídico e a sentença nada acrescenta quanto a essa existência, a não ser o seu reconhecimento judicial. Pela sentença, o réu não é condenado ao cumprimento duma obrigação pré-existente, nem sequer constituído em nova obrigação a cumprir. E vigorando o princípio do dispositivo, compreende-se que tal sentença não possa ser objecto de execução.

II) - Tendo o acórdão dado à execução, no seu dispositivo, se limitado a reconhecer a subsistência na esfera jurídica da Autora, ora recorrente, quer do direito potestativo à reversão da parcela doada, quer do direito a exigir à Ré o cumprimento do encargo (construção do parque de repouso ou recreio) mencionado na escritura de doação, não emergindo daquele aresto qualquer condenação à realização de uma prestação, não pode o mesmo constituir título executivo.

III) - Sendo peticionada pela exequente/recorrente, na execução, a prestação de um facto (a saber, a construção do parque de repouso ou recreio), em face do disposto na parte final do nº. 1 do artº. 306º do CPC, o valor da causa corresponderá à quantia em dinheiro equivalente àquele benefício.

IV) - Constando a fls. 87 a 89 dos autos um estudo técnico com a discriminação das obras a realizar e equipamentos necessários e ainda um orçamento para a construção do aludido parque, bem andou o Tribunal “a quo” ao considerar este elemento válido e mais próximo da realidade do que o valor indicativo adiantado pela exequente, fixando, com base nele, o valor da causa.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Integral:

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

O executado Município de BB deduziu oposição à execução comum para prestação de facto, que corre termos no Tribunal Judicial de BB com o nº. 180-B/2002, em que é exequente Sociedade Turística CC, S.A., invocando, em síntese, as seguintes excepções:

- incompetência material da jurisdição cível para conhecer da presente acção executiva, por se encontrar excluída da mesma o conhecimento do pedido formulado pela exequente, nos termos dos artºs 212º, nº. 3 da CRP e 1º do ETAF;

- impossibilidade do objecto da prestação exequenda (construção de um parque de repouso ou recreio), dado o imóvel identificado na acção executiva e no qual a exequente pretende que o executado/oponente cumpra a sua prestação, não corresponder actualmente ao terreno objecto do contrato de doação de 28/05/1963;

- necessidade de um prazo não inferior a 2 anos para a construção do aludido parque municipal, por impossibilidade de execução imediata da obra, devido a limitações do orçamento camarário e a condicionalismos resultantes do Projecto de Requalificação Ambiental e Urbanística;

- o valor da causa indicado no requerimento executivo é manifestamente insuficiente e completamente descabido, atendendo ao custo total da obra estimado no orçamento junto aos autos, devendo o valor processual da acção executiva e respectivo apenso de oposição ser fixado em € 135 900,00, computado como necessário para a prestação do facto objecto da presente execução.

Refere, ainda, que a decisão judicial que serve de título executivo não fixa qualquer sanção pecuniária compulsória, como pretende a exequente, nem tão pouco determina qualquer prazo para a execução da referida obra; no entanto, caso assim não se entenda, considera o montante diário requerido pela exequente manifestamente exagerado, sendo conforme à equidade e razoabilidade que a lei manda atender o valor de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação.

Conclui, pedindo que seja o Tribunal recorrido declarado materialmente incompetente para conhecer da presente acção executiva e o executado/oponente absolvido da instância; ou caso assim não se entenda, seja julgada procedente a excepção inominada de impossibilidade do objecto da prestação exequenda e o executado/oponente absolvido do pedido; ou caso assim não se entenda, seja fixado um prazo para cumprimento da prestação não inferior a 2 anos ou até ao final do ano de 2012 e fixado o valor processual da presente execução em € 135 900,00 e, por último, julgado improcedente o pedido de fixação de uma sanção pecuniária compulsória, ou caso assim não se entenda, seja a mesma fixada no valor máximo de € 50,00 por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação, devida a partir do decurso do prazo que venha a ser fixado pelo Tribunal para a sua realização.

Contestou a exequente, defendendo a competência material dos tribunais comuns para conhecer da presente execução, alegando, para tanto, que quando a competência para a acção declarativa coube a um tribunal de 1ª instância de competência especializada, esse mesmo tribunal é competente para a execução das respectivas decisões, o mesmo valendo para os tribunais de competência genérica e de competência específica.

Acrescenta que deve improceder a alegada excepção de impossibilidade do objecto da prestação exequenda, bem como os fundamentos da oposição no que concerne ao valor da obra e à fixação do prazo para a sua execução, deixando, ainda, ao critério do Tribunal a fixação do valor da sanção pecuniária compulsória.

Termina, pugnando pela improcedência da oposição, designadamente das excepções deduzidas pelo executado, e pela fixação do prazo da prestação nos termos e para os efeitos do disposto no artº. 940º do CPC e do valor da sanção pecuniária compulsória.

Em 20/12/2012 foi proferido despacho saneador no qual foi fixado à causa o valor de € 135 900,00, julgada improcedente a excepção de incompetência absoluta da jurisdição cível, julgada verificada a excepção de falta de título executivo e absolvido o executado da instância executiva, determinando-se a extinção da execução.

Inconformada com tal decisão, a exequente dela interpôs recurso, extraindo das respectivas alegações as seguintes conclusões, que passamos a transcrever:

«1.ª – A sentença proferida na acção declarativa de condenação apensa aos presentes autos pode ser executada em acção executiva para prestação de facto;

2.ª - O título executivo dado à presente instância, a saber, o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que veio a confirmar o Acórdão proferido pela Relação de Évora, ambos a fls…, é, nos termos do art.º 45.º do CPC, título executivo, porquanto contém uma ordem dirigidas às partes;

3.ª - As sentenças condenatórias que art. 46º, al. a) do CPC qualifica como título executivo são aquelas que impõem ao réu um dever de cumprimento de uma prestação, o que se verifica no presente caso, porquanto também condena a r./exctda. no cumprimento de uma obrigação, o que faz delimitando as opções da a./exeqte/apelte: ou executa para prestação de um facto – construção do parque conforme encargo – ou fazer exercer a reversão da parcela doada;

4.ª - Perante a inércia da exectda. na construção do parque, a recte. executou a sentença com vista ao cumprimento da obrigação da r./exectda.;

5.ª - A sentença obtida nos autos de acção declarativa de condenação é título executivo, “bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil da acção”, conforme se dispõe na última parte do n.º 2 do artigo 2º do Código de Processo Civil já referido, pelo que não andou bem a sentença que julgou a inexistência de titulo executivo, fazendo incorrecta aplicação e interpretação do dispostos nos citados preceitos legais;

6.ª - A douta sentença veio fixar à causa o valor de € 135.900, por considerar estar mais perto da realidade, o que, a nosso ver, contende com o disposto no art. 305º, nºs 1 e 2, do C. P. Civil, que rege a disciplina da verificação do valor da causa;

7.ª - Com a propositura da acção, pretendeu a a./exqte. definir a obrigação da r. em face da doação do terreno dos autos, sendo essa a utilidade económica da presente acção executiva, nos termos do que preceitua o citado artigo 305º;

8.ª - Qualquer fixação de valor passará, necessariamente, pela avaliação do tipo de construção que a exctda. pretende erigir, pois, está bem de ver, que existem inúmeros tipos de parques de recreio infantil, o que não chegou a ser discutido nos presentes autos;

9.ª - Assim, e para que o valor da utilidade económica da acção ou da sucumbência do pedido, não fique nem dependente da vontade expressa ou tácita das partes, nem seja o invocado pelo Tribunal, perante a falta de elementos objectivos, deveria aquele Tribunal ter feito funcionar as regras dos art.ºs 317.º, in fine ou as previstas no art.º 318.º, ambos do CPC, a fim de que fosse feita a sindicância do valor da acção.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências a quanto alegado, deve ser dado provimento ao presente recurso e revogada a decisão recorrida, nos termos supra pugnados».

O executado/oponente Município de BB apresentou contra-alegações, concluindo, em relação à invocada inexistência de título executivo, que não emergindo do acórdão apresentado à execução qualquer condenação à realização de uma prestação, limitando-se o mesmo a reconhecer a subsistência de um direito na esfera da recorrente, não pode aquele constituir título executivo como bem decidiu o Tribunal “a quo”.

No que concerne ao valor da causa, alega, em síntese, que a recorrente peticiona na execução a prestação de um facto (a saber, a construção do parque), pelo que, nos termos da parte final do nº. 1 do artº. 306º do CPC, o valor da causa corresponderá à quantia em dinheiro correspondente àquele benefício e constando do processo um estudo técnico com um orçamento para a construção do parque, o Tribunal “a quo” considerou aquele elemento mais que suficiente para fixar o valor.

Refere, ainda, que a recorrente contesta o valor atribuído sem ter avançado qualquer outro valor alternativo ou, pelo menos, requerido quaisquer diligências para esse efeito, manifestando preferência por manter o valor que indicou (€ 30 001,00) que a própria reconhece ser meramente indicativo, ao qual não subjaz qualquer racionalidade ou substrato.

Termina, pugnando pela improcedência do recurso e consequente manutenção da decisão recorrida.

O recurso foi admitido por despacho de fls. 227.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.




II. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, tendo por base as disposições conjugadas dos artºs 660º, nº. 2, 684º, nº. 3 e 685º-A, nº. 1 todos do Código de Processo Civil, na versão anterior à Lei nº. 41/2013 de 26/6, aplicável “in casu”.

Nos presentes autos, o objecto do recurso interposto pela exequente, delimitado pelo teor das suas conclusões, circunscreve-se à apreciação das seguintes questões:

I) - Inexistência de título executivo;

II) - Valor da causa.

Com interesse para a decisão das questões suscitadas no presente recurso, importa considerar a seguinte factualidade que resulta dos elementos constantes dos autos:

1. No Tribunal Judicial de BB correu termos a acção ordinária nº. 180/2002, proposta por Sociedade Turística CC, S.A. contra Câmara Municipal de BB, na qual aquela pedia fosse declarada a manutenção do direito à reversão e consequente imposição à Ré da construção de um parque de repouso ou recreio para uso dos frequentadores da estância balnear de Monte Gordo, como condição da doação feita à Ré de uma parcela de terreno, por escritura de 28/05/1963, alterada por outra de 24/10/1994.

2. Por saneador-sentença proferido em 31/12/2007, foi a referida acção julgada improcedente e a Ré absolvida dos pedidos.

3. No âmbito do recurso de apelação interposto pela Autora, o Tribunal da Relação de Évora, por acórdão datado de 2/10/2008, revogou a decisão proferida pela 1ª instância e julgou a acção procedente, “reconhecendo a subsistência na esfera juridica da Autora quer o direito potestativo à reversão da parcela doada, quer o direito de exigir da Ré o cumprimento do encargo (construção do parque) mencionado na escritura de doação de 28-05-1963 e mantido na escritura de alteração de 24-10-1994”.

4. No âmbito do recurso de revista interposto pela Ré, o STJ, por acórdão proferido em 25/06/2009 e transitado em julgado em 9/07/2009, confirmou na íntegra o acórdão da Relação de Évora.

5. A Sociedade Turística CC, S.A. instaurou a presente execução para prestação de facto contra o Município de BB, com base no mencionado acórdão do STJ, que confirmou o acórdão do Tribunal da Relação de Évora, na qual pede que seja fixado ao executado o prazo de 150 dias para a prestação de facto a que fora condenado e a sanção pecuniária compulsória de € 250,00 por cada dia de incumprimento após aquele prazo.

6. A exequente indicou como valor da execução a quantia de € 30 000, 01.

7. Em 20/12/2012 foi proferida a decisão recorrida com o seguinte teor [transcrição]:

«I – Fixação do valor da causa.

No requerimento executivo, a exequente atribuiu à causa o valor de € 30.000,01 mas fez questão de salientar que este valor era meramente indicativo porquanto não podia avaliar o custo da construção do parque em discussão.

O executado defendeu que o valor em causa é de € 135.900 juntando o estudo técnico de folhas 87 a 89 que discrimina as obras e equipamentos necessários e indica o respectivo custo.

Em nosso entendimento, este elemento é válido e está certamente muito mais próximo da realidade do que o valor indicativo adiantado pelo exequente.

Pelo exposto, por ora, fixo à causa o valor de € 135.900.

Notifique.


*

II – Saneamento.

1. O executado [que entendemos ser o Município de BB e não propriamente a respectiva Câmara Municipal] veio invocar a incompetência absoluta da jurisdição cível para conhecimento da presente acção executiva.

Para apreciarmos esta questão importa delimitar, com rigor, o título executivo e o título executivo é unicamente a sentença proferida nos autos principais.

A acção declarativa correu termos no presente tribunal e a regra da competência em matéria de execução de sentença é a de que a execução compete ao tribunal do lugar em que a causa tenha sido julgada e corre por apenso ao respectivo processo – artigo 90.º n.º 1 e n.º 3 do Código do Processo Civil.

Como estamos unicamente perante a execução de uma sentença, entendemos que existe jurisdição e competência para a acção executiva.

Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência absoluta da jurisdição cível.

Assim, o tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.

2. Antes de avançar com os presentes autos e com a própria execução, importa colocar uma questão essencial que é a questão de saber se, no presente caso, existe título executivo.

A exequente apresentou como título executivo uma sentença condenatória judicial, mais precisamente o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora a folhas 428 a 455 que foi confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de folhas 557 a 566 [as folhas indicadas são do processo principal – acção declarativa].

Nos termos do artigo 46.º n.º 1 alínea a) do Código do Processo Civil, à execução apenas podem servir de base as sentenças condenatórias.

No caso concreto, o dispositivo do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de folhas 428 a 455 acima referido é o seguinte:

«Pelo exposto, procedendo a apelação com a consequente revogação do despacho saneador – sentença, acorda-se nesta Relação em julgar procedente a acção, reconhecendo a subsistência na esfera jurídica da autora e apelante quer do direito potestativo à reversão da parcela doada, quer do direito de exigir à ré o cumprimento do encargo (construção do parque) mencionado na escritura de doação de 28-05-1963 e mantido na escritura de alteração de 24-10-1994».

Em nosso entendimento, não estamos perante uma sentença condenatória mas meramente declarativa da manutenção de determinados direitos na esfera jurídica da exequente.

Os direitos existem e foram declarados mas para os exercer a exequente não pode recorrer à execução desta sentença que não condenou o réu a praticar qualquer facto, sendo que “é pacífico que as sentenças de mérito proferidas em acção de simples apreciação não constituem título executivo” [José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, Coimbra, 1999, página 90].

Por isso, concluímos que não existe título executivo, ou melhor, que a sentença apresentada como título executivo da execução a que esta oposição se refere, não é título executivo.

Pelo exposto, julgo verificada a excepção de falta de título executivo e, em consequência, absolvo o executado da instância executiva, determinando a extinção da execução.

Custas pela exequente.

Registe e notifique».

*

Apreciando e decidindo.

Insurge-se a exequente, ora recorrente, contra o despacho saneador que concluiu pela inexistência de título executivo e, em consequência, absolveu o executado/oponente da instância executiva, determinando a extinção da execução, e que fixou à causa o valor de € 135 900,00.

Passamos a analisar cada uma destas questões.

I) – Da inexistência de título executivo:

Considera a recorrente que o acórdão proferido pelo STJ dado à execução, que confirmou o acórdão proferido pela Relação de Évora, “tem força executiva, porquanto também condena a executada no cumprimento de uma obrigação, o que faz delimitando as opções da exequente: ou executa para prestação de um facto – construção do parque conforme encargo – ou fazer exercer a reversão da parcela doada”.

Entendemos, salvo o devido respeito, que não lhe assiste razão, porquanto do dispositivo do acórdão dado à execução resulta claramente o contrário.

Com efeito, o que este Tribunal da Relação concretamente decidiu (confirmado pelo acórdão do STJ) foi «(…) julgar procedente a acção, reconhecendo a subsistência na esfera jurídica da Autora e apelante quer do direito potestativo à reversão da parcela doada, quer do direito a exigir à Ré o cumprimento do encargo (construção do parque) mencionado na escritura de doação de 28-05-1963 e mantido na escritura de alteração de 24-10-1994».

Contrariamente ao que a recorrente vem agora defender, não subsistem dúvidas de que estamos perante uma decisão que se limita a reconhecer a subsistência de um direito na esfera jurídica daquela.

Esta posição resulta, também, da fundamentação do mencionado aresto desta Relação quando, a dado passo, refere:

«Ao abrigo do art. 965° CC, tem a Autora e apelante legitimidade e direito para exigir da donatária o cumprimento dos encargos.

Não consta que o tivesse feito, nem mesmo pela presente acção em que se limita a peticionar o reconhecimento, na sua esfera jurídica, quer do direito à reversão dos bens, quer da imposição da obrigação de cumprimento do modo (sublinhado nosso).

(…)

Aliás, configurando-se actualmente como obrigação sem prazo, a todo o tempo seria legítima a exigência do seu cumprimento ou a fixação de prazo para tal (art. 777º nº 1 e 2 CC)».

Em consonância com este entendimento está o STJ, ao referir no seu acórdão que confirmou a decisão da Relação, que «o incumprimento poderá determinar, nos termos legais, que os doadores (herdeiros ou representantes) exijam da donatária o cumprimento do encargo ou, nos termos da doação em análise, a reversão dos bens para os doadores ou seus herdeiros ou representantes.

Somos em crer que em relação a estes entendimentos nenhuma questão se levanta nos autos.

A controvérsia reside a jusante deste juízo e consistirá em saber se a cláusula de reversão e o consequente encargo (construção do parque) se mantêm em vigor, face à escritura pública realizada pelos sucessores dos doadores e a R.».

Ora, não emergindo do acórdão dado à execução qualquer condenação à realização de uma prestação, não pode o mesmo constituir título executivo, como, aliás, foi claramente explicado na decisão recorrida.

Concordamos com o Tribunal “a quo” ao considerar que não estamos perante uma sentença condenatória, mas sim uma sentença meramente declarativa da manutenção de determinados direitos na esfera jurídica da exequente.

Como bem refere a decisão recorrida, “os direitos existem e foram declarados, mas para os exercer a exequente não pode recorrer à execução desta sentença, que não condenou o réu a praticar qualquer facto”.

É entendimento pacífico na doutrina que as sentenças de mérito proferidas em acções de simples apreciação não constituem título executivo.

Nesta espécie de acções, ao tribunal apenas é pedido que aprecie a existência de um direito ou dum facto jurídico e a sentença nada acrescenta quanto a essa existência, a não ser o seu reconhecimento judicial. Pela sentença, o réu não é condenado ao cumprimento duma obrigação pré-existente, nem sequer constituído em nova obrigação a cumprir. E vigorando o princípio do dispositivo, compreende-se que tal sentença não possa ser objecto de execução (cfr. José Lebre de Freitas, A acção executiva, 2ª ed., 1997, Coimbra Editora, pág. 34 e José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1, 2ª ed., 2008, Coimbra Editora, pág. 92).

Acresce referir que, nas suas alegações de recurso, a própria recorrente admitiu que «strito sensu, não há, em concreto, um comando de cumprimento de uma prestação (…)».

No entanto, vem a seguir invocar que «(…) importará ter presente o que se pretendeu obter na acção condenatória: o cumprimento da obrigação da executada à construção do parque infantil nos termos melhor exarados na escritura de doação», numa tentativa de transformar em título executivo aquilo que não o é.

Na verdade, não pode a recorrente vir agora tentar substituir o que ficou decidido no acórdão dado à execução, nem pode pretender que o Tribunal tivesse perscrutado as suas alegadas (mas não claras, nem expressas) pretensões quando intentou a acção declarativa.

Importa, ainda, referir que nos termos do artº. 45º do CPC, o objecto da execução é delimitado pelo título executivo, que define o respectivo fim e limites, pelo que, nem o Tribunal “a quo”, nem o Tribunal de recurso, poderão basear a sua decisão ou fazer quaisquer juízos com base no que a recorrente afirma agora ter pretendido, mas que o acórdão dado à execução não reflecte.

Assim sendo, ao tribunal da instância executiva cabe, apenas, analisar os termos do título executivo, sendo com base neste que aferirá da verificação dos pressupostos processuais da instância executiva e os termos em que a mesma se desenrolará.

De acordo com o princípio do dispositivo consagrado no artº. 3º, nº. 1 do CPC, não pode constituir título executivo uma sentença que não condene o réu no cumprimento de uma obrigação ou, pelo menos, que não o constitua numa nova obrigação de cumprir, e se limite a constatar um direito pré-existente, nada acrescentando a essa existência ou realidade mais do que o seu mero reconhecimento judicial (cfr. José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à luz do Código Revisto, 3ª ed., 2001, Coimbra Editora, pág. 34).

Em face do exposto, atendendo aos termos do que foi decidido no título apresentado à execução, terá que se concluir que o acórdão não comporta qualquer comando condenatório, pelo que bem andou o Tribunal “a quo” ao concluir que o acórdão dado à execução não constitui título executivo, sendo de manter, nesta parte, a decisão recorrida.


*

II) – Do valor da causa:

Insurge-se a recorrente contra o valor da causa fixado pelo Tribunal “a quo” (€ 135 900), alegando que não é possível aferir, nesta sede, o valor da construção do parque de repouso ou recreio.

Entendemos que, relativamente a esta matéria, salvo o devido respeito, também não lhe assiste razão.

O pedido formulado pela recorrente na execução é a prestação de um facto (a saber, a construção do parque de repouso ou recreio), pelo que, nos termos da parte final do nº. 1 do artº. 306º do CPC, o valor da causa corresponderá à quantia em dinheiro equivalente àquele benefício.

Dispõe o artº. 317º do CPC que, quando as partes não cheguem a acordo, a determinação do valor da causa (neste caso, do benefício) é efectuada pelo juiz em face dos elementos constantes do processo.

Acontece que a fls. 87 a 89 dos autos consta um estudo técnico com a discriminação das obras a realizar e equipamentos necessários e ainda um orçamento para a construção do aludido parque, tendo o Tribunal “a quo” considerado este elemento válido e mais próximo da realidade do que o valor indicativo adiantado pela exequente, fixando, com base nele, o valor da causa.

Aliás, a própria recorrente reconhece não saber se o valor real é o agora fixado à acção, admite não ter noção dos valores em causa e aceita como possível que o mesmo seja superior a € 30 001,00.

Por outro lado, a recorrente contesta o valor fixado pelo Tribunal “a quo” sem, porém, ter avançado qualquer outro valor alternativo ou, pelo menos, requerido quaisquer diligências para esse efeito, manifestando preferência por manter o valor que indicou (€ 30 001,00) que ela própria reconhece ser meramente indicativo, ao qual não subjaz qualquer racionalidade ou substrato.

É um facto que o valor da construção depende de vários factores que ainda não se encontram concretizados ou definidos.

Mas, a seguir-se o entendimento da recorrente, só seria possível determinar o valor da causa após a conta final da empreitada (isto é, após apuramento do valor de eventuais trabalhos a mais, revisões de preços, multas contratuais, pagamento de eventuais indemnizações, etc.), o que não se coaduna com o disposto no artº. 308º, nº. 1 do CPC que estabelece que, na determinação do valor da causa, deve atender-se ao momento em que a acção é proposta.

Em face do acima exposto, entendemos que a decisão recorrida, também nesta parte, não merece qualquer censura.

Nesta conformidade, terá de improceder o recurso interposto pela exequente.




III. DECISÃO

Em face do exposto e concluindo, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela exequente Sociedade Turística CC, S.A. e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

Évora, 16 de Dezembro de 2014
(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)
(Maria Cristina Cerdeira)
(Maria Alexandra Moura Santos)
(Eduardo José Caetano Tenazinha)