Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
662/21.5T8TMR.E1
Relator: MANUEL BARGADO
Descritores: PROCEDIMENTO CAUTELAR
PERICULUM IN MORA
Data do Acordão: 09/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – A situação de perigo que releva, para efeitos do preenchimento do requisito do periculum in mora de que depende o decretamento da tutela cautelar, deverá ser atual e iminente.
II – Visando a providência requerida – desobstrução pelos requeridos de todos os obstáculos existentes no caminho/estrada que dá acesso ao seu prédio - evitar que a demora inerente à normal tramitação de ação, destinada a obter o acesso àquele imóvel, venha a impedir o efeito útil da decisão a proferir, não se verifica a atualidade do periculum in mora se os requerentes, tendo tomado conhecimento da situação existente e das limitações daí decorrentes há cerca de 12 anos, se conformaram com estes factos, só agora tendo instaurado o presente procedimento cautelar. (sumário do relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
C… e mulher M…, instauraram o presente procedimento cautelar comum contra Ma… e marido Man…, pedindo que os requeridos sejam condenados a:
a) retirarem o portão e a rede que se encontra a ocupar o caminho/estrada com a designação de Rua Joaquim de Almeida, em toda a largura do mesmo;
b) desimpedirem e limparem em toda a sua extensão a referida estrada, permitindo o livre acesso dos requerentes ao seu prédio rústico;
c) permitirem a livre circulação dos requerentes, a pé e de carro, retirando todos os obstáculos que impedem tal circulação.
Alegaram, em síntese, que são proprietários de um prédio urbano e de um prédio rústico que identificam, e que os réus são proprietários de um prédio misto que também identificam, e que o único acesso ao seu prédio se faz através de uma rua, sendo que requerida, há cerca de 12 anos, começou a impedir a passagem de pessoas e veículos pela referida rua, primeiro com um portão, depois com uma corrente e cadeado, mais tarde atravessou um pinheiro, depois colocou uma grade em ferro e, por último, colocou uma rede, o que impossibilita a entrada dos requerentes no seu prédio rústico, ao qual até aquela data sempre acederam pela referida rua.
Mais alegaram que existem várias árvores de fruto no seu prédio, no qual cultivam também favas, ervilhas, tremoços e outros bens hortícolas, que se encontram impedidos de fazer, a que acresce o facto de o terreno se encontrar coberto de mato e silvas, cuja limpeza os requerentes pretendem realizar, a fim de darem cumprimento às obrigações legais relativas ao Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios, tanto mais que existem várias casas de habitação nas redondezas.
Dispensada a audição dos requeridos, foram inquiridas as testemunhas arroladas pelos requerentes e, a final, foi proferida decisão que julgou «improcedente por não provada a providência requerida».
Inconformados, os requerentes apelaram do assim decidido, tendo finalizado a respetiva alegação com as conclusões que a seguir se transcrevem:
«A - Conforme resulta dos autos, os requerentes intentaram o presente procedimento cautelar com vista à proteção de danos próximos e imediatos, que se encontram descritos de forma objetiva na petição inicial e provados na douta sentença proferida, tendentes a evitar que tais danos se concretizem de forma grave e irreparável. Assim e em suma, pretendem os recorrentes que os recorridos sejam condenados a:
- retirarem o portão e a rede que se encontra a ocupar o caminho/estrada com a designação de Rua Joaquim de Almeida, em toda a largura do mesmo;
- que desimpeçam e limpem em toda a sua extensão a referida estrada, permitindo o livre acesso dos requerentes ao seu prédio rústico e que permitam a livre circulação dos mesmos, a pé e de carro, retirando todos os obstáculos que impeçam tal circulação.
B- Isto porque os requerentes são donos e legítimos proprietários do artigo rústico, sito na Rua Joaquim de Almeida, no lugar …, freguesia de Beco, concelho de Ferreira do Zêzere, composto de cultura arvense, citrinos, oliveiras, castanheiros, cerejeiras, macieiras, inscrito na matriz rústica sob o art. … da secção B, encontrando-se impedidos de aceder ao mesmo, devido à conduta dos recorridos, supra descrita.
C – Os recorrentes pretendem cultivar e colher os frutos do seu prédio, sendo que se aproxima a época da apanha da azeitona e colheita da castanha, e necessitam de limpar o seu terreno. Necessitam ainda de aceder ao prédio para efetuar o cultivo dos produtos hortícolas da época.
D- Por outro lado, pretendem fazer a limpeza do terreno, constituindo contraordenação o incumprimento do mesmo, cfr. DL 124/2006 de 28 de junho, que prevê as medidas relativas ao Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra Incêndios. Com efeito, os requerentes preocupados com tal incumprimento, já em 2019, se deslocaram ao Posto Territorial de Ferreira do Zêzere da GNR, dando conhecimento e justificando tal incumprimento, a fim de evitar eventuais coimas e responsabilização em caso de incêndio, tanto mais que existem várias casas de habitação nas redondezas.
E - O art. 395 º do CPC dispõe que “ao possuidor que seja esbulhado ou perturbado no exercício do seu direito, sem que ocorram as circunstâncias previstas no art. 393 º é facultado, nos termos gerais, o procedimento cautelar comum”.
Este preceito veio permitir a defesa da posse mediante procedimento cautelar comum quer nos casos em que o esbulho não foi violento, quer quando houve uma mera turbação da posse, quer ainda – ao que parece – mesmo após o decurso do prazo de ano fixado no art. 128 º do Código Civil. In Código processo Civil anotado.
Os requisitos do procedimento cautelar comum para defesa da posse são séria probabilidade de existência do direito e o fundado receio de que outrém lhe cause lesão grave ou dificilmente reparável que não seja manifestamente inferior ao prejuízo que daquele procedimento deriva para o requerido.
No caso sub judice ficou devidamente provado que os recorrentes são titulares de direito de propriedade sobre o prédio em causa, que se encontram impedidos de aceder ao mesmo devido à conduta dos recorridos e impossibilitados de colher os frutos do seu terreno, pretendendo fazê-lo a curto prazo.
F - Como refere o Prof. Caetano Nunes, em “Providências Cautelares”,
“o procedimento cautelar é o processo judicial instaurado como preliminar a uma ação, ou na pendência desta como seu incidente, destinado a prevenir ou a afastar o perigo resultante da demora a que está sujeito o processo principal. Através de uma indagação rápida e sumária, o juiz assegura-se da plausibilidade da existência do direito do requerente e emite uma decisão de caráter provisório, destinada a produzir efeitos até ao momento em que se forma a decisão definitiva.
A tutela cautelar é um corolário do acesso à tutela jurisdicional (artigo 2º) efetiva uma vez que se houver perigo na demora de decisão final, só se consegue ter efetivamente tutela jurisdicional se houver uma decisão provisória que assegura a situação, caso contrário a decisão final apenas servirá para “emoldurar” o caso concreto.
G - Os requerentes não pretendem continuar a verem-se privados de um imóvel que é seu, continuando a sofrer com a privação do mesmo, o que lhes tem acarretado graves danos materiais, devido ao facto de não retirarem os frutos inerentes ao cultivo do mesmo, bem como, profundo desgosto, pois os requerentes são reformados, têm morada no Seixal, passando no entanto, longas temporadas na aldeia, onde gostam de efetuar tarefas agrícolas, obtendo deste modo produtos hotícolas para si e para os seus filhos, bem como, ao desempenharem tais tarefas, ocupam de forma saudável o seu tempo.
H – Refere ainda o Prof. Caetano Antunes que
“Para as providências cautelares interessa sobretudo o artigo 20º/4, CRP – principio do processo equitativo e da decisão em prazo razoável: “Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo”.
A ideia de efetividade é ainda reforçada pelo artigo 20º/5, “Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efetiva e em tempo útil contra ameaças ou violação desses direitos. Aqui faz-se referência à celeridade e prioridade, de modo a obter a tutela efetiva em tempo útil
I - Nas situações em que há uma urgência extrema que nos impede de esperar pela decisão do processo principal, se não houver acesso à tutela cautelar, não há também o acesso a uma tutela com efetividade como é garantida. É deste modo que o artigo 20º, CRP é a base para as normas sobre tutela cautelar, tornando-se a tutela cautelar um corolário básico do principio geral do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva.
J - O princípio da efetividade está estreitamente relacionado com o direito à decisão da causa em prazo razoável (nº4). O direito à decisão da causa em tempo razoável pressupõe, desde logo, uma formatação processual temporalmente adequada feita pelo legislador (prazos, recursos). Além disso, o sentido da razoabilidade do prazo aponta para a necessidade de a tutela jurisdicional dever assegurar-se em prazo côngruo.
L – Os recorrentes na qualidade de titulares de um direito de propriedade pretendem aceder ao seu prédio, de modo a usufruir e retirar do mesmo o rendimento e as potencialidades que o mesmo lhes proporciona, sendo certo que a situação atual tem causado graves prejuízos e danos quer materiais, quer ainda a nível psicológico, sendo certo que os mesmos se sentem profundamente desgostosos e angustiados com a conduta dos recorridos.
Entendemos assim e salvo melhor opinião que se encontram reunidos todos os pressupostos para que seja decretado o presente procedimento cautelar, de modo a acautelar os direitos dos recorrentes, só assim se fazendo JUSTIÇA!»

Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II - ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), a única questão a decidir é a de saber se o presente procedimento cautelar comum deve ser julgado procedente por se verificarem os respetivos requisitos, designadamente o periculum in mora, com o consequente decretamento das providências requeridas.

III – FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Na 1.ª instância foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos[1]:
1. Os requerentes são donos e legítimos proprietários do prédio urbano sito em Carraminheira, freguesia de Beco, concelho de Ferreira do Zêzere, inscrito na matriz urbana sob o art. …, composto de casa de habitação de rés do chão com três quartos, sala, cozinha, corredor e arrecadação, inscrito na Conservatória do Registo Predial a favor dos requerentes sob o número … da dita freguesia, inscrição G- dois [cfr. docs. 1 e 2].
2. Os requerentes são ainda donos e legítimos proprietários do artigo rústico, sito na Rua Joaquim de Almeida, …, freguesia de Beco, concelho de Ferreira do Zêzere, composto de cultura arvense, citrinos, oliveiras, castanheiros, cerejeiras, macieiras, inscrito na matriz rústica sob o art. … da secção B, descrito na Conservatória sob o nº … [cfr. docs. 3 e 4].
3. Os referidos prédios advieram à sua posse através de escritura de partilha por óbito de Mari…, falecida a 27 de março de 1999, tendo o referido prédio urbano sido deixado à requerente mulher, através de legado, cfr. escritura junta [cfr. doc. 5].
4. Os requeridos são proprietários do prédio misto composto de casa de habitação de rés do chão e logradouro e terra de cultura arvense, com oliveiras, citrinos e macieiras, inscrito na matriz sob o artigo urbano … e rústicos … todos da secção B, sitos em Carraminheira, freguesia de Beco, concelho de Ferreira do Zêzere, descritos na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere [cfr. docs. 6, 7, 8, 9 e 10].
5. O único acesso ao prédio rústico dos requerentes, artigo …, faz-se através da Rua António Simões, numa extensão de cerca de 300 metros de comprimento, assinalada a verde na planta que constitui o documento 11 junto, estando a entrada naquela rua assinalada a vermelho na mesma planta.
6. A parcela urbana dos requeridos, inscrito na matriz sob o art. …, encontra-se implantada no artigo … rústico dos mesmos, e constitui o local onde estes têm a sua morada fiscal.
7. A requerida há cerca de 12 anos, começou a impedir a passagem de pessoas e veículos pela referida via pública.
8. Primeiro com um portão, depois com uma corrente e cadeado, mais tarde atravessou um pinheiro, depois colocou uma grade em ferro e por último colocou uma rede.
9. Tal comportamento da requerida tem vindo a impossibilitar a entrada dos requerentes no seu prédio rústico.
10. Ao qual, até aquela data, sempre acederam pela referida rua, sendo esta o único acesso para a propriedade dos requerentes.
11. A referida rua foi intervencionada pela Junta de Freguesia do Beco, que procedeu à limpeza da mesma já em 1990 [cfr. doc. 12].
12. Os requerentes têm no seu terreno várias árvores de fruto, nomeadamente castanheiros, cerejeiras, oliveiras.
13. De onde sempre obtiveram rendimento, nomeadamente dos cerca de 15 castanheiros, 2 cerejeiras, 7 ou 8 oliveiras, 1 pereira e uma macieira.
14. Os requerentes cultivavam habitualmente no referido terreno, favas, ervilhas, tremoços e outros bens hortícolas.
15. Atualmente o referido prédio encontra-se coberto de mato e silvas.
16. Os requerentes pretendem proceder à limpeza do mesmo nas próximas semanas, como faziam habitualmente.
17. Necessitando para o efeito de passar com um trator de grande porte e máquinas de limpeza do terreno.
19. Os requerentes pretendem retirar do seu prédio rentabilidade máxima, cultivando e cuidando das suas árvores.
20. A época da colheita de cereja encontra-se a decorrer.
21. A colheita da castanha aproxima-se e os requerentes pretendem colher as mesmas.
22. O prédio dos requerentes encontra-se próximo de várias habitações, entre outras, a sua própria habitação, bem como, a habitação dos requeridos.
23. O prazo para efetuar a limpeza de terrenos terminou no dia 15 de maio.
24. Eliminado pela razão acima referida.
25. Os requerentes preocupados por não poderem efetuar aquela limpeza, já em 2019 se deslocaram ao Posto Territorial de Ferreira do Zêzere da GNR [cfr. doc. 13].
26. Dando conta de que pretendiam proceder à limpeza do seu terreno, para se prevenir quanto à ocorrência de incêndios, bem como, a qualquer autuação por parte das autoridades, por não poderem proceder à gestão de combustíveis.
27. Tendo inclusive na altura contratado um individuo para efetuar tal serviço.
28. Mas quando o mesmo chegou ao local (acedendo por vários prédios confinantes), a requerida tinha colocado uma rede no local.
29. Confrontada com a situação, a requerida afirmou não ceder a passagem a ninguém.
30. Eliminado pelas razões referidas supra.
31. Os requerentes pretendem fazer a colheita da castanha no próximo Outono, com inicio no mês de outubro, necessitando para o efeito de preparar e limpar o terreno de imediato.
32. Pretendem ainda, rentabilizar o cultivo durante o mês de maio de produtos como melão, melancia, feijão, tomate, abóbora, não só para si, como para os seus filhos.
33. Sendo este um mês de cultivo por excelência de várias culturas.
34. Pretendem colher a cereja nos próximos dias.
35-36. Os requerentes sofrem com o facto de não retirarem os frutos inerentes ao cultivo do seu prédio e sentem profundo desgosto, pois são reformados, têm morada no Seixal, mas passam longas temporadas na aldeia.
37-38. Os requerentes gostam de efetuar tarefas agrícolas, obtendo deste modo produtos hortícolas para si e para os seus filhos, bem como, ao desempenharem tais tarefas, ocupam de forma saudável o seu tempo.

O DIREITO
Os requisitos do procedimento cautelar comum são os que decorrem do preceituado no art. 362º, nº 1, do CPC[2], onde se prescreve que “sempre que alguém mostre fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável ao seu direito, pode requerer a providência conservatória ou antecipatória concretamente adequada a assegurar a efetividade do direito ameaçado[3].
O nº 1 do art. 368º[4], por sua vez, prescreve que «a providência é decretada desde que haja probabilidade séria da existência do direito e se mostre suficientemente fundado o receio da sua lesão».
Os requisitos legais do procedimento cautelar comum podem assim resumir-se ao fumus boni juris (probabilidade séria do direito), periculum in mora e a proporcionalidade, embora se discuta se esta (proporcionalidade) é requisito constitutivo da causa de pedir ou antes facto negativo cujos ónus impende sobre o requerido[5].
Não está em causa no recurso a probabilidade séria da existência do direito, a qual foi, aliás, reconhecida pelo Tribunal a quo, mas apenas o periculum.
A lei exige um fundado receio de que outrem “cause lesão grave e dificilmente reparável”, enquanto manifestação do periculum in mora. O critério para aferir a gravidade da lesão parte da repercussão negativa ou desvantajosa que a situação determina na esfera jurídica do interessado, avaliada objetivamente.
O fundado receio deve ser atual e pressupõe a ameaça do direito, e já não uma lesão consumada, que lhe retiraria o efeito útil cautelar, a menos que seja o indício ou prelúdio de outras violações futuras, caso em que se verifica o “estado de perigo de ingerência” a justificar a função preventiva da tutela cautelar[6].
O periculum in mora tem de provir de factos que atestem perigos reais e certos, relevando tudo de uma apreciação ponderada regida por critérios de objetividade e de normalidade.
Por outro lado, como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[7], «a gravidade e a difícil reparabilidade da lesão receada apontam para um excesso de risco relativamente àquele que é inerente à pendência de qualquer ação; trata-se de um risco que não seria razoável exigir que fosse suportado pelo titular do direito».
Escreveu-se na decisão recorrida:
«(…), os factos provados não se afiguram suficientes para preencher o requisito do fundado receio de lesão grave e dificilmente reparável (periculum in mora), sendo certo que nada é alegado no que respeita à (in)capacidade dos requeridos em ressarcir os prejuízos eventualmente causados ao direito de propriedade do requerente.
É que para se obter “o deferimento de uma providência cautelar não especificada, não basta provar que o requerente goza do direito de propriedade sobre a coisa, é necessário demonstrar que da ofensa do direito resulta um prejuízo irreparável ou dificilmente reparável, e que a situação económica do requerido torna inviável a sua responsabilização pelos danos emergentes do seu comportamento ilícito” (Ac. Rel. Porto, 24/06/99, proc. 9921614, www.dgsi.pt).
Ademais, no caso vertente a situação descrita e indiciada já ocorre há cerca duma década, pelo que se afigura flagrante a inexistência do periculum in mora.
In casu, na acção principal a instaurar pode obter-se a satisfação dos interesses dos requerentes, dado que aquela não está sujeita aos mesmos requisitos que os procedimentos cautelares.»
Subscrevemos, no essencial, este entendimento.
Na verdade, não decorre da factualidade provada qualquer elemento demonstrativo de que a demora inerente à normal pendência da ação a intentar seja suscetível de lesar de forma grave e dificilmente reparável o direito de propriedade dos requerentes sobre o imóvel em causa. Não se encontra indiciariamente provado qualquer facto recente, o qual tenha agravado a situação existente desde há mais de uma década, período durante o qual não foi intentada pelos requerentes qualquer ação tendente a obter a restituição do aludido imóvel.
A situação de perigo que releva, para efeitos do preenchimento do aludido requisito de que depende o decretamento da tutela cautelar, deverá ser, além de atual, iminente, o que não se verifica no presente caso.
No que respeita à iminência do perigo, Marco Carvalho Gonçalves[8] distingue dois tipos de situações: «o evento danoso já se verificou, mas os seus efeitos prolongam-se no tempo, agravando a lesão do direito do requerente; o evento danoso ainda não se verificou, mas é previsível que venha a verificar-se mediante um conjunto de indícios que demonstram a iminência da lesão»
Afirma ainda este autor que «a providência cautelar deve ser indeferida, porque injustificada, nos casos em que o requerente se tenha conformado com a situação de perigo que ameaça afetar o seu direito, assumindo uma conduta inerte e passiva perante esse facto», acrescentando que «só assim não sucederá se se tiver verificado alguma superveniência objetiva ou subjetiva que, pela sua natureza ou pelas consequências dela resultantes para a esfera jurídica do titular do direito ameaçado, justifique a adoção urgente de uma providência cautelar»[9].
No caso em apreço, os requerentes encontram-se impedidos de aceder ao seu prédio rústico há cerca de 12 anos, em virtude da atuação da requerida, estando assim há muito impossibilitados de o usufruírem como proprietários, mas a verdade é que só agora, decorridos todos estes anos, instauraram o presente procedimento cautelar, pelo que não se pode dizer que exista um qualquer elemento superveniente suscetível de alterar a descrita situação[10].
Ademais, nada foi alegado ou demonstrado que só agora se tenha justificado a instauração do presente procedimento cautelar, tanto mais que, como resultou provado, os requerentes gostam de efetuar tarefas agrícolas, obtendo deste modo produtos hortícolas para si e para os seus filhos, bem como, ao desempenharem tais tarefas, ocupam de forma saudável o seu tempo.
Mas se assim é, então porque permaneceram em total passividade durantes todos estes anos?
O mesmo se diga quanto à obrigação de limpeza do prédio dos requerentes, que existe desde a entrada em vigor do DL nº 124/2006, de 28 de junho.
Dispõe a este respeito o artigo 21º do referido diploma legal, sob a epígrafe “Incumprimento de medidas preventivas”:
«1 - Os proprietários, os produtores florestais e as entidades que a qualquer título detenham a administração dos terrenos, edificação ou infra-estruturas referidas no presente decreto-lei são obrigados ao desenvolvimento e realização das acções e trabalhos de gestão de combustível nos termos da lei.
2 - Sem prejuízo do disposto em matéria contra-ordenacional, em caso de incumprimento do disposto no artigo 12.º, nos n.os 1, 2, 8, 9 e 11 do artigo 15.º e no artigo 17.º, as entidades fiscalizadoras devem, no prazo máximo de seis dias, comunicar o facto às câmaras municipais, no âmbito de incumprimento do artigo 15.º, e à Direcção-Geral dos Recursos Florestais, no âmbito dos artigos 12.º e 17.º
3 - A câmara municipal ou a Direcção-Geral dos Recursos Florestais, nos termos do disposto no número anterior, notifica, no prazo máximo de 10 dias, os proprietários ou as entidades responsáveis pela realização dos trabalhos, fixando um prazo adequado para o efeito, notifica ainda o proprietário ou as entidades responsáveis dos procedimentos seguintes, nos termos do Código do Procedimento Administrativo, dando do facto conhecimento à Guarda Nacional Republicana.
4 - Decorrido o prazo referido no número anterior sem que se mostrem realizados os trabalhos, a câmara municipal ou a Direcção-Geral dos Recursos Florestais procede à sua execução, sem necessidade de qualquer formalidade, após o que notifica as entidades faltosas responsáveis para procederem, no prazo de 60 dias, ao pagamento dos custos correspondentes.
5 - Decorrido o prazo de 60 dias sem que se tenha verificado o pagamento, a câmara municipal ou a Direcção-Geral dos Recursos Florestais extrai certidão de dívida.»
Ora, não alegaram os requerentes que alguma vez tenham sido notificados para proceder a trabalhos de gestão de combustível previstos naquele diploma legal, pelo que não se vislumbra a “urgência” de proceder agora a tais trabalhos, quando é certo que tudo o que se provou, foi que os requerentes se deslocaram ao Posto Territorial de Ferreira do Zêzere da GNR em 2019, dando conta de que pretendiam proceder à limpeza do seu terreno.
Em suma, no caso em apreço, em que os requerentes, tendo tomado conhecimento da impossibilidade de acederem ao seu prédio há mais de uma década com as limitações ao exercício do seu direito de propriedade daí decorrentes, conformando-se com tal situação, só agora tendo instaurado o presente procedimento cautelar, e inexistindo qualquer elemento superveniente suscetível de alterar a descrita situação, não se encontra demonstrada a atualidade do periculum in mora.
Como tal, não decorrendo da factualidade indiciariamente provada o preenchimento de um dos requisitos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida, cumpre concluir pela improcedência da pretensão dos requerentes, como bem se ajuizou na decisão recorrida.
Por conseguinte, o recurso improcede.

Vencidos no recurso, suportarão os requerentes/recorrentes as respetivas custas - artigo 527º, nºs 1 e 2, do CPC.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a douta sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
*
Évora, 9 de setembro de 2021
(Acórdão assinado digitalmente no Citius)
Manuel Bargado (relator)
Francisco Xavier (1º adjunto)
Maria João Sousa e Faro (2º adjunto).
_______________________________________________

[1] Manteve-se a sequência dos factos constantes da decisão recorrida, nalguns casos retocados na sua redação, e eliminaram-se os pontos 24 e 30, o primeiro por constituir exclusivamente matéria de direito, e o segundo por se tratar de matéria já contemplada noutros factos e revestir feição conclusiva.

[2] Serão deste diploma todas as referências normativas sem menção de origem.

[3] Este preceito manteve inalterada a redação que constava do art. 381º, nº 1, do CPC revogado.

[4] Que manteve também inalterada a redação do nº 1 do art. 387º do CPC revogado.

[5] Cfr., por ex., Rui Pinto, in Questão de Mérito na Tutela Cautelar, p. 653.

[6] Rui Pinto, ob. cit., p. 382 e ss.; Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, III, 2ª edição, p. 88 e ss..

[7] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 3ª edição, p. 8.

[8] Providências Cautelares, 3.ª edição, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 202-203.

[9] Ibidem.

[10] Cfr., neste sentido, o Acórdão desta Relação de 10.09.2020, proc. 1207/20.0T8PTM.E1, in www.dgsi.pt.