Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
73036/20.3YIPRT.E1
Relator: MARIA JOÃO SOUSA E FARO
Descritores: INJUNÇÃO
HONORÁRIOS DE ADVOGADO
PRESCRIÇÃO PRESUNTIVA
Data do Acordão: 10/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Estando aqui em causa a reclamação do pagamento da quantia de €7687,50 a título de honorários por serviços prestados pelo autor advogado, no âmbito de contrato de mandato celebrado com o réu, é inequívoco que o apelado poderia ter lançado mão de tal procedimento de injunção, como efectivamente o fez;
II. As afirmações feitas pelo réu na oposição no sentido de que não reconhece a existência de tais créditos e que o autor nunca lhe comunicou ou apresentou quaisquer notas de honorários, são incompatíveis com o (presumido) pagamento dos honorários e impedem que o mesmo beneficie da prescrição a que alude a alínea c) do art.º 317º do Cód. Civil.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
I. RELATÓRIO
1. AA intentou, em 15.09.2020, acção declarativa de condenação, inicialmente tramitada como injunção, contra BB, peticionando a condenação do réu no pagamento da quantia €7687,50 (sete mil seiscentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos), acrescido do montante de €102,00 (centos euros) a título de taxa de justiça.
Para tanto alegou em síntese que na qualidade de advogado teve intervenção no âmbito do Proc. n.º 951/16.0T8OLH do Juízo de Comércio de Lagoa e respetivos apensos, tendo reunido com o cliente, reclamado créditos no valor de €142 500,00, procedido à análise dos despachos, do plano, à votação do PER. Motivo pelo qual reclama a título de honorários o valor de €3000,00 (três mil euros).
Mais alegou, que nessa mesma qualidade de advogado, teve igualmente intervenção no âmbito do Proc. de execução n.º 900/09.2TBPTM: tendo, no que se reporta a tais autos, acompanhado tais autos, o apenso de reclamação de créditos e requerido a habilitação do réu e elaborado o contrato de cedência de créditos, reclamando pelo acompanhamento do apenso de reclamação o valor de €350,00, pela instauração do apenso de habilitação o valor de €1000,00 (mil euros) e pelo acompanhamento do processo de execução desde da habilitação do réu, o valor de €1500,00 (mol e quinhentos euros) e pelo contrato de cedência de créditos o valor de €400,00 (quatrocentos euros).
O réu na sua contestação invocou a prescrição dos créditos cujo pagamento é reclamado pelo autor; prazo prescricional esse que começou a correr desde “do trânsito em julgado de tais processos”, sendo que já decorreu mais de dois anos contados desde da cessação dos serviços e a da instauração da injunção. Mais referiu que o autor nunca comunicou, nem lhe apresentou qualquer nota de honorários e que o mesmo prestou, no âmbito do processo de execução n.º 900/09.2TBPTM, serviços jurídicos a CC, exequente no âmbito de tais autos, tendo sido enquanto mandatário daquele que celebrou o contrato de permuta e cedência do crédito.

Realizada audiência final foi, subsequentemente, proferida sentença na qual se conheceu da excepção de prescrição no sentido da sua improcedência e se considerou a acção totalmente procedente condenando o réu BB a pagar ao autor AA a quantia de € 6250,00 (seis mil duzentos e cinquenta euros), acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

2. É desta sentença que, desaprazido, recorre o réu, formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
A. Por via da presente acção, pretende o recorrido ser ressarcido dos serviços jurídicos prestados ao recorrente, no âmbito do mandato conferido em dois processos judiciais, cujo valor computou em € 6.250,00, obrigação que decorre do contrato de mandato.
B. Não se tratando de uma obrigação emergente de transacção comercial, está afastada a aplicação dos DL. 32/09 e DL. 62/2013.
C. Não se subsumindo a acção intentada pelo recorrido, aos requisitos exigidos no DL. 269/98, s.m.o. afastado está, o recurso ao processo de injunção para obter um título executivo com vista à obtenção do cumprimento coercivo da obrigação pecuniária, emergente da prestação de serviços jurídicos por advogado.
D. A cobrança de alegadas dívidas de honorários, tem um meio processual próprio e uma acção própria - a acção de honorários - que impede o aproveitamento de qualquer acto nesta praticado, por a tramitação (injunção) não defender, nem acautelar as garantias de defesa do requerido/apelante (réu), devendo o requerente/apelado (autor) ter lançado mão da acção declarativa comum.
E. Esse erro manifesto da forma de processo é de conhecimento oficioso, o que não foi convocado e apreciado pelo Tribunal a quo, que considerou que o processo era o próprio - erro de julgamento - que deve ser considerado verificado, com todas as consequências legais.
F. O AECOP visa a apreciação de obrigações pecuniárias emergentes de um contrato- transação comercial.
G. In casu, não houve acordo sobre o conteúdo de uma obrigação principal, nem está o mesmo corporizado em qualquer suporte físico ou troca de comunicações, não existia qualquer razão para considerar existir um acordo quanto à obrigação pecuniária a constituir, facto que é um pressuposto necessário do recurso ao procedimento especial de injunção.
H. Para além do mais, os honorários de advogado, pela sua especificidade, têm sido considerados pela doutrina e jurisprudência, como uma prestação não meramente pecuniária, que depende de vários factores, não exclusivamente ligados à mera execução material do serviço, sendo na tradição do foro, peticionados em acção declarativa comum.
I. Razão pela qual, se considera que, ocorreu de forma manifesta - erro na forma do processo - tendo as partes de dirimir o litígio na forma comum, forma processual onde terão a amplitude necessária para a discussão o conteúdo dos contratos celebrados e apurar a existência obrigação de pagamento.
J. Facto que era do conhecimento oficioso do Tribunal a quo - erro manifesto da forma do processo - que como tal devia ser declarado, não podendo o processado ser aproveitado para forma comum, atento o seu carácter sucinto e a inevitável limitação do direito de acção e de defesa uma vez que a tramitação (injunção) não defende, nem acautela as garantias de defesa dos requeridos/apelados (réus), devendo os apelantes socorrer-se da acção declarativa comum.
Por outro lado,
K. O crédito de honorários relativos a um mandato forense e de reembolso de despesas realizadas na execução desse mandato, não tendo sido acordado um outro prazo para a sua satisfação, só deve ocorrer após ter cessado a prestação do mandatário, devendo para o efeito este apresentar ao mandante a respectiva conta de honorários com descriminação dos serviços prestados (art.º 105º, n.º 2 do Estatuto da Ordem dos Advogados).
L. O prazo de prescrição deste tipo de crédito - inicia a sua contagem - quando, por qualquer causa, cessa a prestação do mandatário.
M. A partir desse momento e durante um prazo de dois anos, presume a lei que o credor procurou obter e o devedor pagou a retribuição dos serviços prestados e o reembolso das despesas efectuadas.
N. Não tendo as notas de honorários, em violação ao disposto no art. 105.º, n.º 2 do EOA sido apresentadas ao recorrente, estas não são devidas, não podendo o mesmo ser condenado no pagamento.
O. Estando em causa, uma relação jurídica estabelecida entre um advogado e um particular, sendo o tipo de serviços referente ao exercício de uma profissão liberal, decorrente dos serviços jurídicos prestados pelo recorrido que patrocinou o aqui recorrente em duas acções judiciais.
P. Dúvidas não restam que estamos perante um crédito resultante dos serviços prestados no exercício de profissão liberal, pelo que lhe é aplicável o regime da prescrição presuntiva estabelecido na citada al. c) do art. 317º do CC.
Q. Do que resulta que, decorreu o prazo da prescrição presuntiva, que não foi interrompido, não tendo o recorrente a ela renunciado, mas sim invocado tal prescrição presuntiva a seu favor.
Para além do mais,
R. Os factos 11 e 12 considerados provados pelo Tribunal a quo, estão em contradição com os factos não provados, designadamente com o facto não provado 2.
S. Concretamente, não foi considerado provado pelo Tribunal que as notas de honorários tenham sido notificadas ao autor, facto que de per si, inquinava todo o pedido formulado.
T. Porquanto, o advogado tem a obrigação legal de notificar a nota de honorários ao mandante para que este dela tome conhecimento, conforme preceitua o art. 105.ºn.º 2 do EOA, que estatui expressamente que “Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.”
U. Não podendo accionar o recorrido com base em notas de honorários que nunca foram apresentadas em violação legal e estatutária, invocando com manifesto abuso de direito, que, notificou o recorrido das notas de honorários e o interpelou para o pagamento, quando não o fez e não provou ter feito como o próprio Tribunal assim considerou facto não provado n.º 2.
V. Facto que não foi devidamente valorado pelo Tribunal a quo e, que impunha, como impõe, uma outra valoração da alegada prova, atendendo a que, não tendo sido notificadas as notas de honorários, nem tendo sido interpelado para o pagamento, a obrigação de pagamento não existe e, consequentemente, o recorrido não se encontra em falta.
W. Excepção que devia ter sido apreciada e não o foi ocorrendo erro de apreciação e falta de pronúncia sobre factos que o Tribunal não podia deixar de conhecer.
X. Esse erro de apreciação e falta de pronúncia pelo Tribunal a quo, não ocorre, perante um facto minor ou um elemento desnecessário ou complementar, mas sim, perante o facto basilar para a constituição da obrigação.
Y. Pois, a obrigação de pagar, só emerge, só se inicia, com a apresentação das notas de honorários, isto é, com a comunicação das notas de honorários do mandatário ao mandante, o que o tribunal, a contrario, considerou provado não ter ocorrido.
Consequentemente,
Z. Não tendo sido apresentadas as notas de honorários ao recorrente, este delas não pôde conhecer e, consequentemente, viu-se impedido de poder tomar posição sobre as mesmas.
AA. Tudo isto o Tribunal a quo desvalorizou, ou melhor, nem sequer considerou, não se tendo pronunciado sobre essa excepção que inquinava o peticionado pelo recorrido e obrigava a que a decisão recorrida fosse diferente.
Termos em que sempre com o Mui Douto suprimento de V. Exas., Venerandos Desembargadores, deve ser proferido Acórdão que revogue a sentença recorrida e absolva o Réu da instância.
Assim se fazendo a Costumada Justiça!”.


3. Contra-alegou o recorrente defendendo a improcedência do recurso.


4. O objecto do recurso, delimitado pelas enunciadas conclusões (cfr.artºs 608º/2, 609º, 635º/4, 639º e 663º/2 todos do CPC) reconduz-se à apreciação das seguintes questões:

4.1. Da (in) existência de erro na forma do processo;

4.2. Se o crédito de honorários ora reclamado prescreveu;

4.3. Em caso negativo, se os factos 11 e 12 considerados provados estão em contradição com os factos não provados, designadamente com o facto não provado 2.

4.4. Se o crédito de honorários não é exigível.

II. FUNDAMENTAÇÃO
5. É o seguinte o teor da decisão da matéria de facto inserta na sentença recorrida:
“A) Factos Provados
1.º O autor exerce a atividade de advogado, encontrando-se inscrito na Ordem dos Advogados com a cédula profissional n.º ... F e tem o seu domicílio profissional na Rua ..., ..., em Portimão.
2.º O réu, através de procurações datadas de 21.04.2011 e de 28.11.2016 conferiu ao autor os mais amplos poderes forenses em direito permitidos.
3.º O réu, com o patrocínio do ora autor, requereu, por apenso aos autos de execução n.º 900/09.2TBPTM, que correram ter no Tribunal Judicial da Comarca de Faro -Juízo de Execução de Silves - Juiz 2, a sua habilitação na qualidade de adquirente do crédito exequendo, incidente esse que foi julgado procedente por decisão datada de 04.12.2012.
4.º A referida habilitação teve por base o contrato de “Permuta e Cedência de Créditos” datado de 26.11.2010 (cfr. fl. 160), que foi elaborado pelo autor, tendo o réu, por via da celebração de tal contrato, adquirido, pelo valor de €100 000,00 (cem mil euros), um crédito no valor de €116 824,00.
5.º O autor acompanhou, em representação do réu, quer os autos de execução mencionados em 3), que chegaram à fase da venda (incluindo por negociação particular), quer o apenso de reclamação de créditos, no seio do qual foram apresentadas reclamações por outros credores, melhor identificados a fls. 98, e que correu por apenso a tais autos, apenso este último no âmbito do qual foi proferida sentença em 27.04.2017.
6.º O réu apenas constituiu nova mandatária, no âmbito dos autos de execução mencionados em 3), em 05.12.2019.
7.º O autor teve ainda, em representação do réu e na qualidade de advogado, intervenção no âmbito do Processo Especial de Revitalização que sob o n.º 951/16.0T8OLH correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Faro- Juízo de Comércio de Lagoa, e que viria a suspender a tramitação dos autos, no âmbito dos quais reclamou, em representação, do réu, créditos no valor de €142 544,48.
8.º Ainda no âmbito dos autos referidos em 7.º o autor, atuando em representação do réu, impugnou a lista de créditos apresentadas pelo Administrador Judicial Provisório, reclamação essa que foi julgada procedente por decisão datada de 27.04.2017.
9.º Também em representação do réu, o autor votou, em 13.07.2017, contra o Plano de Recuperação do “Portimonense Sporting Clube” (cfr. 139).
10.º O réu foi notificado, na pessoa do autor, através de notificação datada de 21.03.2019, da conta de custas que foi elaborada no âmbito do processo mencionado em 7, para que querendo dela reclamasse.
11.º Pelos serviços jurídicos que foram por si prestados no âmbito do Processo de Execução, e ou com conexão com tais autos, o autor, conforme nota de honorários que emitiu em 01.09.2020, reclama do réu, o pagamento dos seguintes valores:
a) pelo acompanhamento processual do apenso de reclamação de créditos o valor de €350,00 (trezentos e cinquenta euros);
b) pela instauração do apenso de habilitação (petição inicial e demais atos processuais), o valor de €1000,00 (mil euros);
c) pelo acompanhamento efetuado desde a habilitação (04.12.2012) até um 01.09.2020 (requerimentos, reclamações, análise de notificações e despachos – 12 -pag), o valor de €1500,00 (mil e quinhentos euros);
d) pela elaboração do contrato de cedência de créditos, o valor de €400,00 (quatrocentos euros).
12.º Pelos serviços prestados no âmbito do Processo de Especial de Revitalização o autor reclama do réu, a título de honorários, também conforme nota de honorários que emitiu em 01.09.2020, o pagamento do valor de €3 000,00 (três mil euros), que justifica com a realização de reuniões com o cliente, pedido de reclamação de créditos, análise de despachos, votação do PER (25 páginas).
B) Factos não provados
Não ficaram por provar quaisquer outros factos relevantes para a boa decisão da causa, nomeadamente:
1.º - Que o autor no âmbito do processo de execução n.º 900/09.2TBPTM apenas tenha prestado serviços jurídicos a CC, exequente no âmbito de tais autos, tendo sido também enquanto mandatário deste que tenha celebrado o contrato mencionado no ponto 4.º dos factos provados.
2.º - Que a nota de honorários mencionada nos pontos 11.º e 12.º dos factos tenha sido notificada ao réu em data anterior à instauração destes autos.”.

6. Do mérito do recurso

6.1. Da (in) existência de erro na forma do processo.

Entende o apelante que estava vedado ao apelado o recurso ao processo de injunção para obter o reconhecimento do seu crédito emergente da prestação de serviços jurídicos por advogado, o que configura, no seu entender, “erro na forma do processo” que, a proceder, deve conduzir à sua absolvição (da instância).

Diga-se, desde já, que não lhe assiste a menor razão.

O procedimento especial de injunção regulado pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro tem por fim conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000 euros ou das obrigações emergentes de transacções comerciais abrangidas pelo D.L. 32/2003 de 17 de Fevereiro (art.º 7ºdo mesmo diploma)

Por consequência, estando aqui em causa a reclamação do pagamento da quantia de €7687,50 a título de honorários por serviços prestados pelo autor advogado, no âmbito de contrato de mandato celebrado com o réu, é inequívoco que o apelado poderia ter lançado mão de tal procedimento de injunção, como efectivamente o fez[1].

Não ocorre assim qualquer “erro na forma do processo” – caso fosse de qualificar como tal a situação de o apelado não dispor de um crédito sobre o apelante que lhe permitisse fazer uso do procedimento de injunção[2] - e, por conseguinte, não haveria fundamento legal para censurar a opção do credor de a ele recorrer.


6.2. Da prescrição do crédito de honorários
Reitera o apelante o seu entendimento de que o crédito em apreço prescreveu nos termos do disposto na alínea c) do artº 317º do Cód. Civil que assim dispõe:
“Prescrevem no prazo de dois anos :
a) (…);
b) (…)
c) Os créditos pelos serviços prestados no exercício de profissões liberais e pelo reembolso das despesas correspondentes.

Sucede que tal prazo de prescrição, ao contrário do que sucede com a prescrição ordinária, funda-se na presunção de cumprimento: trata-se de uma prescrição presuntiva – art.º 312º do Cód.Civil.

O efeito da prescrição presuntiva não é, propriamente, a extinção da obrigação, mas antes a inversão do ónus da prova que deixa de onerar o devedor que, por isso, não tem de provar o pagamento, para ficar a cargo do credor, que terá de demonstrar o não pagamento.

Porém, a elisão da presunção pode também ter lugar mediante confissão expressa do devedor ou tácita traduzida na prática em juízo de actos incompatíveis com a presunção de cumprimento – artºs 313º e 314º do Cód.Civil.

“É o que manifestamente acontece – diz Joaquim de Sousa Ribeiro – quando o réu, para além de excepcionar por prescrição, impugna também directamente os factos constitutivos do direito do autor, negando a existência, em si mesmo ou no seu montante, ou a validade do débito. Assim procedendo, ele está a reconhecer implicitamente que o crédito não foi satisfeito, uma vez que o cumprimento pressupõe, como é óbvio, a existência e eficácia de um vínculo obrigacional que o torne exigível.
Estão, assim, em absoluto contraste com a presunção de cumprimento meios de defesa tais como: a negação da originária existência do débito; a discussão do seu montante, ou a remissão da sua fixação para o tribunal; a invocação de uma causa de nulidade ou anulabilidade; a contestação da solidariedade da dívida, reivindicando o benefício da divisão; a alegação do pagamento de importância inferior à reclamada, pretextando que ele corresponde à liquidação integral do débito (o que vale por um reconhecimento tácito de não ter pago a diferença); a invocação da gratuitidade dos serviços, etc. […] O mesmo se passa, segundo cremos, quando ele, invocando embora o decurso do prazo prescricional, não se coíbe de especificar uma outra causa exoneratória incompatível com aquela presunção.
[…S]endo o cumprimento incompatível com a verificação cumulativa de outra qualquer causa extintiva, a simples invocação de uma delas vale como reconhecimento tácito de que tal acto não foi levado a cabo. Alegando a extinção por um processo que, por mera indução lógica, exclui o cumprimento, o devedor fornece prova segura, insusceptível de qualquer manipulação – provém dele próprio, e resulta de um acto processual – de que, contra o que se presumia, aquele não efectuou a prestação a seu cargo […]” (Prescrições presuntivas…, publicado na Revista de direito e economia, Ano V, n.º 2, Julho/Dezembro de 1979, Universidade de Coimbra, págs. 397-398 e 401; no mesmo sentido, por exemplo, Brandão Proença, no Comentário ao CC, Parte Geral, Universidade Católica Editora, 2014, págs. 761-762; Rita Canas da Silva, no CC anotado, vol. I, 2017, Almedina, págs. 384-385)”.[3]

Lendo a oposição do apelante logo se constata estar aí completamente arredada a hipótese de ter ocorrido o pagamento peticionado (ou qualquer outro) : afirma-se desde logo que “não se reconhecem existir” tais créditos (art.º 2º) e que o apelado “nunca comunicou nem apresentou, ao Requerido, quaisquer notas de honorários” ( art.º 6º).

Estas afirmações porque incompatíveis com o (presumido) pagamento dos honorários impedem que o apelante beneficie de tal prescrição presuntiva.

E, por isso, a sua pretensão de a ver proceder não tem, também, qualquer fundamento.

4.3. Da apontada contradição entre pontos da matéria de facto
O apelante invoca contradição entre pontos da matéria de facto e não contradição entre os fundamentos e a decisão.
Ora, o primeiro dos vícios, a ocorrer, não acarreta a nulidade da sentença, antes constitui erro de julgamento e fundamento de impugnação da matéria de facto a trilhar pelo recorrente em estrita obediência com o art.º 640º nº1 do CPC, caminho que decisivamente o apelante não seguiu.

Sem embargo, não nos coibiremos de nos certificar da sua (in) existência.

Mais uma vez é patente que não lhe assiste razão: Provou-se com clareza que o Autor emitiu a nota de honorários e que o fez antes da propositura da acção. O que não se provou é que a tenha dado a conhecer ao Réu antes dessa data (15.9.2020).

Portanto, nenhuma incongruência existe entre os factos em causa.

4.3. Se o crédito de honorários não é exigível.

Argumenta, por último, o apelante que “não tendo as notas de honorários, em violação ao disposto no art. 105.º, n.º 2 do EOA sido apresentadas ao recorrente, estas não são devidas, não podendo o mesmo ser condenado no pagamento”.
Cremos que não será assim.
Não nos podemos olvidar que estamos em presença de um mandato judicial que se configura como um contrato de mandato oneroso e com representação - arts. 1157º, 1158º, n.º 1, e 1178º do Cód. Civil.
No que respeita à remuneração, o n.º 2 do art.º 1158º do Cód. Civil manda, antes de mais, atender à convenção (prévia ou posterior) das partes.

No caso dos autos, tal convenção não terá existido.

Todavia, o princípio da independência do advogado perante o seu cliente implica também o direito de fixar, com plena autonomia, o montante dos honorários correspondentes à actividade que desenvolveu, o que deverá ser feito de harmonia com os critérios estabelecidos no Estatuto da Ordem dos Advogados (aplicando-se ao caso sub judice o aprovado pela Lei n.º 145/2015 de 9 de Setembro) doravante designado de EOA.

Sob a epígrafe “Honorários” dispõe o art.º 105º:
“1 - Os honorários do advogado devem corresponder a uma compensação económica adequada pelos serviços efetivamente prestados, que deve ser saldada em dinheiro e que pode assumir a forma de retribuição fixa.
2 - Na falta de convenção prévia reduzida a escrito, o advogado apresenta ao cliente a respetiva conta de honorários com discriminação dos serviços prestados.
3 - Na fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.”.

É inequívoco que cessada a prestação de serviços, tem o advogado direito de ser remunerado pelo trabalho desenvolvido. De outro modo, haveria trabalho sem remuneração, o que violaria os art.s 1158º, n.º 2 e 1167º, alínea b), do Cód. Civil e 105º, nº1 do EOA.

António Arnault, na sua obra “Iniciação à Advocacia”, pág. 99 e ss, que mantém perfeita actualidade, define pormenorizadamente cada um dos critérios previstos na norma do então art.º 65º n.º 1 do EOA ( o tempo gasto, dificuldade do assunto, as posses do cliente, os resultados obtidos e a praxe do foro e estilo da comarca) concluindo que os mesmos não são taxativos, devendo o advogado proceder conscienciosamente, com moderação e especial sensibilidade, conjugando todos os factores, mas dando prevalência ao tempo gasto e às posses do cliente. Diz este autor e ilustre advogado, que causas idênticas podem justificar honorários diferentes, e é justo que os ricos paguem mais do que os menos favorecidos.

Quanto aos resultados obtidos o mesmo autor entende que serão atendíveis quando o cliente viu significativamente aumentado o seu património, ou quando, num processo criminal de certa gravidade logrou ser absolvido ou foi condenado em pena não privativa de liberdade.

Daí que os honorários sejam devidos independentemente do resultado da demanda, mesmo quando o cliente perde a acção na totalidade, devendo em tais casos o advogado ser mais moderado (cfr. Revista da Ordem dos Advogados, n.º 43, pág. 227 e n.º 35, pág. 294 e n.º 51, pág. 611).

No caso, a nota de honorários foi, como salientado na sentença, emitida antes da instauração destes autos e ainda que não se tenha provado ter sido recebida pelo Réu antes da sua citação, é inequívoco que na pendência destes passou a ter conhecimento da mesma e não alegou sequer a sua excessividade.

A relevância da prova da notificação da nota de honorários antes da propositura da acção conexiona-se apenas com a interpelação para o seu pagamento e com a mora ( art.º 805º, nº1 do Cód. Civil).

Na verdade, não se tendo provado que o réu tenha sido interpelado para proceder ao seu pagamento antes da propositura da acção não entrou então em mora quanto à prestação a que estava adstrito ( artº 805º do Cód. Civil).

Mas isto não significa que não tenha de pagar a dívida de honorários que lhe foi reclamada. Apenas o exime de pagar juros já que só passa a estar adstrito a tal obrigação a partir do momento em que foi interpelado para a pagar (art.º 805º, nº1 e art.º 806º do Cód. Civil).


III. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar totalmente improcedente a presente apelação, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pelo apelante.

Évora, 13 de Outubro de 2022
Maria João Sousa e Faro (relatora)
Florbela Moreira Lança
Elisabete Valente

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[1] Cfr. neste mesmo sentido, Ac.Rel. Lisboa de 13.5.2021 consultável na Base de Dados do IGFEJ.

[2] Cremos , todavia, que tal uso indevido, a existir, configura uma excepção dilatória inominada que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição do Réu da instância, nos termos do n.º 2 do art.º 576º (e art.º 577º), do CPC. Cfr. dentre outros Ac. Rel. Lisboa, 23.11.2021.

[3] Apud Ac. Rel. Lisboa de 11.7.2019 consultável na Base de Dados do IGFEJ.