Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2862/21.9T8PTM.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACTO INÚTIL
AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
FACTO NÃO ARTICULADO
CADUCIDADE DO CONTRATO DE TRABALHO
PENSÃO DE INVALIDEZ
Data do Acordão: 10/27/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Se um determinado facto alegado se revela absolutamente inócuo para a boa decisão da causa, o mesmo não deve ser objeto de reapreciação da prova, atento o princípio geral da economia processual, consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil.
II - Os poderes conferidos pelo artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho são exclusivos da 1.ª instância.
III - Não compete ao Tribunal da Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.ª instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados.
IV - Recebendo a empregadora uma comunicação da Segurança Social a informar que foi deferida a pensão de invalidez ao trabalhador, a comunicação da caducidade do contrato de trabalho, ao abrigo da alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho, dirigida ao trabalhador, não constitui um despedimento ilícito.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
Na presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, instaurada por AA contra “Infraestruturas de Portugal, S.A.”, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
« Em face do exposto, julga-se a presente ação declarativa comum, instaurada por AA contra “Infraestruturas de Portugal, S.A.” totalmente improcedente e consequentemente:
a) Absolve-se a ré de todos os pedidos contra ela formulados;
b) Condena-se o autor nas custas do processo, sem prejuízo da isenção de que beneficia (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).»
Não se conformando com a improcedência da ação, veio o Autor, patrocinado pelo Ministério Público, interpor recurso para esta Relação, formulando no final das suas alegações, as seguintes conclusões:
«1. O presente recurso incide sobre a decisão do Tribunal que julgou a ação instaurada pelo Autor AA contra a sua entidade empregadora “Infraestruturas de Portugal, S.A.” totalmente improcedente, absolvendo a Ré de todos os pedidos contra ela formulados.
2. O Recorrente entende que a sua situação, que resulta clara da matéria de facto fixada na douta sentença, deveria ter implicado uma decisão diferente, designadamente no que se refere ao seu pedido de reintegração na empresa de onde considera ter sido ilegalmente despedido.
3. A referida matéria de facto considerada assente na douta sentença (a qual se dá aqui por integralmente reproduzida) espelha corretamente a situação que se passou com o Recorrente, a qual não tem como a resolver sem a ajuda dos Tribunais.
4. Tal como ficou provado, o autor foi admitido em 22-08-1988, ao serviço da então “CP – Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.” e, posteriormente, foi integrado na “Refer, E.P.”, a qual em 2015, foi redenominada “Infraestruturas de Portugal, S.A.”.
5. Com data de 27-11-2020, o Centro Nacional de Pensões comunicou à ré que «relativamente ao trabalhador acima referido [AA], foi deferida a pensão de invalidez a partir de 2020-10-01», e que «o pagamento da referida pensão tem início a partir de 2021-01».
6. Em 23-12-2020 o autor recebeu uma carta da ré nos seguintes termos: «Na sequência da comunicação da Segurança Social, recebida no dia 14-12-2020, através da qual a IP SA teve conhecimento do deferimento da sua pensão por invalidez cabe-nos comunicar a caducidade do seu contrato de trabalho por tempo indeterminado, com efeitos a 31 de dezembro de 2020, sendo este o seu último dia de prestação de trabalho, nos termos da alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho».
7. Em resposta, o autor dirigiu uma comunicação à ré com o seguinte texto:
«Relativamente à v/comunicação supra identificada, datada de 2020-12-21 e contendo a declaração da caducidade do contrato de trabalho com fundamento na obtenção de pensão por invalidez, cumpre informar que o subscritor não requereu qualquer pensão por Invalidez, nem reúne os requisitos da facto e de direito para a sua concessão. A comunicação recebida da Segurança Social só pode, portanto, dever-se a lapso, cuja retificação o subscritor se encontra já a providenciar, comprometendo-se a manter V. Exa. ao corrente da situação. Em face do exposto, não pode, portanto, operar a caducidade do contrato de trabalho, por falta do respetivo pressuposto legal.
8. Em 29-12-2020 a ré respondeu ao autor que «considerando o teor da comunicação da Segurança Social, recebida no dia 14-12-2020, através da qual a IP, SA, teve conhecimento do deferimento da sua pensão por invalidez, a IP mantém que considera a cessação do seu contrato de trabalho por caducidade, com efeitos a 31 de dezembro de 2020, sendo este o seu último dia de prestação de trabalho, nos termos da alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho».
9. O Autor apresentou diversos requerimentos e reclamações presenciais junto da Segurança Social e do Centro Nacional de Pensões com vista a que a decisão de atribuição da referida pensão por invalidez fosse revogada.
10. Após várias insistências, em 30-08-2021, o autor recebeu do Centro Nacional de Pensões uma comunicação, onde se referia que «a anulação da pensão está condicionada à devolução integral dos valores já pagos, que perfazem, à data de hoje, € 13.525,76».
11. Com a data de 21-10-2021 e tendo por referência o Autor, o “Instituto da Segurança Social, I.P.” emitiu uma «declaração» com o seguinte alcance: «Declaramos que o beneficiário acima indicado não está a receber qualquer pensão do “Instituto da Segurança Social, I.P.”».
12. Na posse da declaração referida, que remeteu em anexo, em 29-10-2021, o autor dirigiu aos recursos humanos da Ré a seguinte comunicação «serve a presente para informar V. Exa. que o trabalhador, supervisor de Infraestruturas de Portugal, AA, não é nem nunca foi pensionista, porque nunca a solicitou ou requereu nem lhe poderia ter sido atribuída, face à Lei vigente, sendo um absoluto equívoco por parte da SS/CNP, com um declarado ilícito de cessação contratual perpetrado pela IP ao afastar o Trabalhador do seu posto de trabalho. Em anexo a Declaração da SS. Espero da sua parte, uma adequada resposta ao exposto».
13. No mês de dezembro de 2020 a Ré, através de acerto de contas, regularizou alguns pagamentos junto do Autor e, a partir daí, este passou a viver com a pensão de reforma da esposa, passando por algumas dificuldades de ordem financeira, no que se refere ao pagamento dos encargos e despesas familiares com alimentação, vestuário e transportes, o que lhe causa sofrimento, angústia, tristeza e desânimo, levando mesmo a que tivesse que receber tratamento e acompanhamento médico-psiquiátrico.
14. O Autor pretende que a sua situação laboral seja esclarecida, sendo reposta a sua posição como trabalhador na empresa de acordo com o que a lei permite e impõe, evitando que continue nesta situação em que a entidade empregadora não o aceita como trabalhador (por considerar que o mesmo é pensionista) e a Segurança Social não lhe paga qualquer pensão, considerando que a sua situação como pensionista se encontra “suspensa” até que devolva/pague o valor que recebeu durante o tempo em que (por lapso dos serviços da Segurança Social) lhe foram indevidamente processadas pensões.
15. Assim, desde o final do ano de 2020 o Autor/Recorrente encontra-se nesta situação kafkiana em que:
- Não recebe qualquer retribuição da entidade empregadora;
- Não recebe qualquer pensão por parte da Segurança Social/CNP.
- Não sabe como continuar a sobreviver.
16. A Ré “Infraestruturas de Portugal, S.A.” considerou que o contrato de trabalho do Autor caducou em consequência da atribuição ao trabalhador de uma pensão por invalidez relativa, mas, conforme o Autor insistentemente fez ver em várias comunicações que dirigiu à Ré, à Segurança Social e ao Centro Nacional de Pensões, ele não requereu a atribuição de qualquer pensão, pelo que não existia fundamento para a atribuição daquela pensão (pois tratava-se de um erro da Segurança Social) e, consequentemente, também não havia fundamento para a subsequente extinção do seu vínculo laboral com a Ré “Infraestruturas de Portugal, S.A.”.
17. Porém, porque a “Infraestruturas de Portugal, S.A.” não ligou aos seus pedidos (os quais o Autor fez por escrito e direta e pessoalmente à sua chefia), o Autor veio pedir ao Tribunal que determinasse a sua reintegração no seu anterior posto de trabalho, com todos os benefícios e regalias inerentes, condenando a Ré no pagamento dos valores necessários para indemnizar todos os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu.
18. Embora se concorde com toda a factualidade considerada assente na douta sentença, existem dois factos que ficaram omissos, apesar de resultaram evidentes dos depoimentos prestados na audiência de julgamento.
19. O primeiro facto, que devia constar nos factos provados a seguir ao facto provado n.º 16, é o seguinte:
Como não concordava com a caducidade do seu contrato de trabalho, no dia 04 de janeiro de 2021, o Autor AA apresentou-se para trabalhar nas instalações da “Infraestruturas de Portugal, SA”, em Tunes, mas o seu chefe informou-o de que devia abandonar o local, entregando o computador e os restantes pertences da empresa, não tendo, assim, sido admitido ao trabalho, tendo procedido à entrega dos referidos bens e abandonado as instalações como lhe ordenaram.
20. O segundo facto, que devia constar nos factos provados a seguir ao facto provado n.º 21, é o seguinte:
A Ré Infraestruturas de Portugal, SA” recebeu a comunicação que o Autor lhe enviou em 29-10-2021, mas não deu qualquer resposta, nem diligenciou junto da Segurança Social no sentido de apurar o exato alcance da declaração que lhe estava anexa.
21. Tal como resulta dos factos assentes na douta sentença, apesar das múltiplas diligências e requerimentos apresentados pelo Autor junto da Segurança Social e do Centro Nacional de Pensões, só em outubro de 2021 é que AA conseguiu que a Segurança Social emitisse uma «declaração» no sentido de que não estava a receber qualquer pensão do “Instituo da Segurança Social, I.P.”.
22. Porém, apesar de o Autor ter remetido aquela declaração à sua entidade empregadora, solicitando que reponderassem a sua reintegração, a Ré não deu qualquer resposta ao Autor e continua a não aceitar reintegrá-lo no seu posto de Trabalho.
23. A Segurança Social / Centro Nacional de Pensões mantém a situação da pensão do Autor suspensa, mas isso não o converte num pensionista. Pensionista é quem recebe uma pensão, e, como a Segurança Social informou e declarou por escrito, AA não está a receber qualquer pensão.
24. O Tribunal a quo reconheceu que o Recorrente se encontra numa situação anómala que há que resolver, realçando o percurso sinuoso da atribuição da pensão ao Autor e as limitadas, escassas e pouco esclarecedoras informações prestadas pelos vários departamentos da segurança social, perante as suas insistentes e repetitivas interpelações, e mesmo a solicitação do Tribunal. Esta constatação redunda em apreensão quando, no próprio processo administrativo de atribuição de pensão constam alusões, em simultâneo, a «desistência da pensão», «anulação da pensão», «pensão excluída», «suspensão provisória da pensão até à devolução das quantias já pagas», «revogação do ato de atribuição da pensão após a devolução das quantias pagas», figuras de equívoco significado jurídico que, como se sabe, têm pressupostos e efeitos jurídicos diversos
25. Porém, o Tribunal concluiu que não lhe compete apreciar ou sindicar os fundamentos, a validade ou a regularidade do complexo processo de atribuição da pensão ao autor, achando-se essa competência deferida à jurisdição administrativa, sendo perante esta que o Autor terá de suscitar a análise da legalidade e da regularidade do processo administrativo de atribuição de pensão e, uma vez reconhecida a sua ilegalidade, extrair as devidas consequências jurídicas, se necessário em termos indemnizatórios para ressarcimento de todos os danos que tenha sofrido.
26. Refere ainda o Tribunal na sua douta sentença, que a entidade empregadora não pode ser responsabilizada a qualquer nível pela atuação de terceiros, designadamente da Segurança Social, pelas vicissitudes ocorridas no processo de atribuição da pensão do Autor, mas não foi isso que se pediu que o Tribunal apreciasse.
27. O que se requereu foi que o Tribunal aferisse se o comportamento da Ré “Infraestruturas de Portugal, S.A.” perante as reclamações do Trabalhador, ignorando as suas exposições e, aceitando como certa a informação do Centro Nacional de Pensões, para com isso considerar que o contrato do Autor caducou, merecia, ou não, censura.
28. Porém, o Tribunal não abordou e não extraiu quaisquer consequências do facto de a entidade empregadora do Autor desde o início ter ignorado as reclamações do Trabalhador e os diversos alertas que este lhe fez chegar sobre a irregularidade na atribuição da referida pensão de invalidez. E esta atitude da Ré é uma questão do foro laboral e não do foro administrativo.
29. Era obrigação da Ré aferir se efetivamente havia alguma irregularidade na atribuição da referida pensão de invalidez ao Autor
30. Se a Segurança Social tivesse comunicado à “Infraestruturas de Portugal, S.A.” a morte do Recorrente, e ele se apresentasse ao serviço, revelando que estava vivo, alertando para o erro da entidade administrativa, a Ré poderia considerar que o contrato de trabalho havia caducado porque o artigo 343.º, alínea b), do Código do Trabalho, impõe a caducidade do contrato de trabalho com a impossibilidade superveniente de o trabalhador prestar o seu trabalho?
31. Se, como defende a Ré (e o Tribunal a quo parece concordar), o que tem valor jurídico é o teor do ato administrativo, ao qual o empregador deve obediência cega, então que importava que o Trabalhador reclamasse e informasse que estava vivo se a administração tinha informado que ele morreu?
32. Ora, o Recorrente continua a considerar que o comportamento da Ré, ao contrário do que foi decidido pelo Tribunal, é censurável, porque, ao ignorar os seus alertas e reclamações, não atendeu ao erro que estava e está na base da comunicação do Centro Nacional de Pensões quando informou que havia sido atribuída uma pensão por invalidez ao Trabalhador, a qual, como se veio a confirmar, nunca foi requerida por AA e, entretanto, já foi revogada (ou pelo menos suspensa até que ele consiga devolver o valor das pensões recebidas).
33. A situação do Autor junto da Segurança Social ainda não está clara pois as informações que foi possível obter estão longe do rigor jurídico que se esperava daquela instituição. As alusões que o Tribunal cita e qualifica de “figuras de equívoco significado jurídico”, como a «desistência da pensão», «anulação da pensão», «pensão excluída», «suspensão provisória da pensão até à devolução das quantias já pagas», «revogação do ato de atribuição da pensão após a devolução das quantias pagas» mostram bem como a situação está a ser tratada pela Segurança Social.
34. Porém, a Ré “Infraestruturas de Portugal, S.A.” não duvidou da informação avulsa e mal fundamentada prestada pelo Centro Nacional de Pensões, e, perante os alertas e reclamações do Trabalhador, nada fez, ignorando-o por completo, aproveitando para despedi-lo com efeitos imediatos, alegando que o contrato havia caducado.
35. Compreende-se a decisão da Ré de considerar que o contrato de Trabalho do Autor caducou, uma vez que foi informada pela Segurança Social da atribuição da referida pensão. Com efeito, o artigo 343.º, alínea c), do CT, prescreve que o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, com a reforma do trabalhador por velhice ou invalidez.
36. O que não se compreende, nem se aceita, é a atitude omissiva da Ré face às reclamações e alertas do Autor sobre o erro que estaria na origem da atribuição da referida pensão.
37. O trabalhador, logo que se apercebeu da situação comunicou de imediato, verbalmente e por escrito à Segurança Social que não pretendia aquela pensão e comunicou também de imediato à empregadora que a situação assentava num erro da Segurança Social, o qual estava a tentar resolver.
38. O Autor esperava que a Segurança Social oportunamente lhe comunicasse que não efetivamente não era pensionista, mas só em outubro de 2021 é que conseguiu que a Segurança Social emitisse uma «declaração» no sentido de que não estava a receber qualquer pensão do “Instituo da Segurança Social, I.P.”.
39. Contudo, a Ré decidiu de forma imediata fazer caducar o contrato de trabalho, apesar de estar informada do que se passava, sem que se tivesse informado previamente junto da Segurança Social /Centro Nacional de Pensões se a decisão sobre a atribuição da referida pensão era definitiva.
40. Ora, a extinção do contrato de trabalho por caducidade prevista na referida alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho, pressupõe que a decisão de atribuição da pensão é definitiva e o Autor, através dos múltiplos requerimentos que apresentou na Segurança Social e Centro Nacional de Pensões, impediu que a decisão fosse ou viesse a tornar-se definitiva, o que a Ré “Infraestruturas de Portugal, S.A.” sabia, mas não quis saber.
41. A Ré, enquanto entidade empregadora, antes de fazer cessar o contrato de trabalho com fundamento na sua caducidade por reforma do trabalhador, perante as dúvidas suscitadas, das quais tinha conhecimento, deveria ter aguardado pela consolidação jurídica definitiva da decisão de atribuição da referida pensão.
42. Como foi decidido por esse Venerando Tribunal da Relação de Évora no acórdão de 06.12.2017 (processo n.º 388/16.1T8STC.E1, relator Moisés da Silva, disponível em www.dgsi.pt): i) A extinção do contrato de trabalho por caducidade decorrente de reforma do trabalhador, só é definitiva se for também definitiva a decisão que a proferir. ii) Sendo declarada antes de ser definitiva, a parte que a invocar fica sujeita às consequências decorrentes da decisão que eventualmente alterar a decisão anterior de reforma. iii) A invocação da caducidade do contrato de trabalho com fundamento na reforma antecipada do trabalhador, quando a empregadora sabia que o trabalhador tinha desistido de tal pedido por motivos legítimos ligados ao valor da pensão proposta e que o pedido de reforma poderia ser, como foi, revogado pela segurança social e ficar sem efeito, sem aguardar pela confirmação da situação de reforma, a qual ainda não se tinha convertido em definitiva em face da posição assumida de forma transparente e de boa-fé pelo trabalhador, constitui uma forma ostensiva, grosseira, que choca fortemente a consciência jurídica geral sobre o exercício do direito de utilizar o direito em proveito próprio com base numa situação jurídica não consolidada e, por isso, incerta, onde avulta a posição vulnerável do trabalhador, quer em face da segurança social quer em face da empregadora. (Sumário do relator)
43. Como se pode ler naquele douto aresto, relativo a uma situação muito similar à que está em causa nos presentes autos, a empregadora, antes de fazer cessar o contrato de trabalho com fundamento na sua caducidade por reforma do trabalhador, perante as dúvidas suscitadas e de que tinha conhecimento, deveria ter aguardado pela consolidação jurídica definitiva da decisão de reforma. A comunicação ao trabalhador da caducidade do contrato de trabalho constitui uma decisão sujeita à condição resolutiva consistente na eventual alteração da decisão anteriormente tomada pela segurança social. Desta forma, a empregadora colocou-se voluntariamente na situação de ter de arcar com as consequências jurídicas decorrentes da decisão da segurança social que revogou a anterior decisão de reforma do autor. Tudo se passa como se nunca tivesse sido deferida a reforma do trabalhador, em face do despacho que alterou e revogou a decisão anterior de forma fundamentada.
44. Ora, a Ré sabia que em 31 de dezembro de 2020, data da invocação da caducidade do contrato de trabalho do Autor, a situação deste junto da Segurança Social não estava ainda definitivamente decidida, tal como se veio a confirmar.
45. Como a existência desta decisão definitiva é condição essencial de que depende a eficácia jurídica deste facto extintivo do contrato de trabalho, a Ré “Infraestruturas de Portugal, S.A.” não deveria ter despedido o sinistrado usando a capa da caducidade do contrato.
46. Tendo-o feito, pelo menos quando o seu trabalhador lhe comunicou o teor da «declaração» da Segurança Social no sentido de que ele não estava a receber qualquer pensão do “Instituto da Segurança Social, I.P.” (o que equivale a dizer que ele não é pensionista), a Ré deveria ter dado sem efeito a referida declaração de caducidade de modo a que o contrato de trabalho do Autor voltasse a vigorar, de acordo com a vontade manifestada pelo trabalhador.
47. Temos, assim que a declaração de caducidade do contrato de trabalho do Autor por parte da entidade empregadora é inválida e a circunstância de a Ré não ter permitido que o Autor continuasse a trabalhar a partir de 31 de dezembro de 2020, consubstancia um despedimento ilícito por falta de fundamento que o justificasse.
48. O referido despedimento ilícito confere ao Autor o direito a ser reintegrado no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos termos previstos na alínea b) do n.º1 do artigo 389.º do Código do Trabalho, garantindo todos os seus direitos anteriores, incluindo a reativação do seguro de saúde “Multicare”, do qual o Autor beneficiava antes de ser despedido (como beneficiam os restantes trabalhadores da empresa), a receber as retribuições que deixou de auferir desde o trigésimo dia anterior ao da propositura da ação até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal (artigo 390.º, n.º1 e n.º2, alínea b), do Código do Trabalho), incluindo o valor relativo aos proporcionais das férias não gozadas, do subsídio de férias e do subsídio de Natal (artigos 263.º e 264.º do Código do Trabalho) e a receber uma indemnização por todos os danos sofridos em consequência do despedimento, patrimoniais e não patrimoniais, nos termos previstos na alínea a) do n.º1 do artigo 389.º, do Código do Trabalho.
49. Acresce que o Autor não pode ser prejudicado na sua carreira, designadamente nos efeitos remuneratórios e estes valores poderão ter que ser corrigidos pela Ré de acordo com o que o Autor efetivamente auferiria se não tivesse sido despedido.
50. Quanto aos danos não patrimoniais, o Autor pediu a condenação da Ré no pagamento de uma quantia não inferior a € 20.000,00.
51. Este valor não paga todo o sofrimento, angústia, tristeza e desânimo que a situação tem causado ao Autor, que o levou a ter que receber tratamento e acompanhamento médico-psiquiátrico, mas pelo menos compensará o referido sofrimento, angústia e inquietação por ter tido que passar tantos meses de carência económica por não receber o seu salário que era o seu principal meio de sustento, ao qual tinha e teve direito até que lhe foi ilicitamente retirado pela Ré.
52. Tudo isto, com a agravante de que a Segurança Social / Centro Nacional de Pensões pretende que o Autor devolva o valor que recebeu relativo às pensões que processou, o que este não pode fazer porque se encontra sem rendimentos que lhe permitam pagar aquela quantia, ainda que de forma faseada.
53. Daí que, atendendo a todas as circunstâncias do caso, o Autor tenha peticionado, para compensação dos seus danos morais que a situação lhe causou, uma quantia não inferior a € 20.000,00.
54. Ao decidir como decidiu, absolvendo a Ré dos diversos pedidos formulados pelo Autor, o Tribunal a quo violou o disposto na referida alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho, bem como nas alíneas a) e b) do n.º1 e n.º2 do artigo 389.º e no artigo 390.º todos do Código do Trabalho e demais dispositivos legais invocados relativos aos direitos do Autor.
Consequentemente, requer-se a V. Exas., Venerandos Juízes Desembargadores, que determinem a revogação da douta sentença recorrida e a sua substituição por outra que decida que o despedimento do Autor AA pela Ré “Infraestruturas de Portugal, S.A.” foi ilícito, condenando, consequentemente a Ré a:
1. Reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, nos termos previstos na alínea b) do n.º1 do artigo 389.º do CT.
2. Pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir, desde o trigésimo dia anterior ao da propositura da ação até à data do trânsito em julgado da decisão do tribunal (sem que o Autor seja prejudicado na sua carreira, designadamente nos efeitos remuneratórios, o que implica as devidas correções na retribuição como aconteceria se o Autor não tivesse sido despedido);
3. Pagar ao Autor o valor relativo aos proporcionais do subsídio de férias e subsídio de Natal desde os 30 dias anteriores à data da instauração da ação até à data do trânsito em julgado da decisão do Tribunal (artigos 263.º e 264.º do Código do Trabalho);
4. Pagar ao Autor a quantia de € 20.000,00 de indemnização por todos os danos não patrimoniais causados, nos termos previstos na alínea a) do n.º1 do artigo 389.º, do Código do Trabalho.
5. Reativar o direito do Autor ao seguro de saúde “Multicare”, do qual o mesmo beneficiava antes de ser despedido (como beneficiam os restantes trabalhadores da empresa);
Requer-se ainda que a Ré seja condenada a pagar juros de mora, à taxa supletiva legal de 4% sobre todas as quantias em dívida e até ao seu integral pagamento.».
Contra-alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso.
Apresentou as seguintes conclusões:
«A. Além da prolação de legítima comunicação da caducidade do contrato de trabalho, por motivo de reforma por invalidez ao abrigo do Código do Trabalho, a R. estava obrigada a comunicá-la ao A., porquanto, enquanto empresa pública e do sector empresarial do Estado, a R. não pode manter ao seu serviço trabalhadores reformados ou aposentados.
B. A isso obriga a observância do princípio da legalidade, na expressão das disposições conjugadas dos artigos 78.º e 79.º, do Estatuto da Aposentação aprovado pelo Decreto-Lei n.º 498/72, que são aplicáveis ao A., trabalhador sujeito ao regime do contrato individual de trabalho, por força do disposto no n.º 1 do artigo 5.º da Lei n.º 11/2014, que estabelece mecanismos de convergência do regime de proteção social da função pública com o regime geral da segurança social.
C. Assim, ao contrário do sugerido pelo A., a conduta da R. encontrava-se adstrita, nos termos das disposições citadas, a invocar a caducidade dos contratos de trabalho quanto tem conhecimento do deferimento de pensões de reforma (por velhice ou invalidez), como foi o caso do A., o que fez.
D. Note-se que em sua reclamação o A. não alegou qualquer circunstância de molde a permitir ou justificar a não cessação do contrato, inexistindo lei especial que o abranja e não se revestindo o seu caso particular (leia-se, as suas competências específicas ou a função por si assegurada) de “interesse público excecional”.
E. A verdade é que só posteriormente à comunicação da caducidade o A. remeteu à R. a carta datada de 28.12.2020, alegando “A comunicação recebida da Segurança Social só pode, portanto, dever-se a lapso, cuja retificação o subscritor se encontra já a providenciar, comprometendo-se a manter V. Exa. ao corrente da situação.” (vide doc. n.º 9, da p.i.), conforme ficou provado sob o ponto 15, dos factos provados.
F. Sendo certo que a R. lhe respondeu, prontamente, mantendo a sua decisão de comunicação da caducidade do contrato do A., perante a comunicação do definitivo deferimento da pensão de invalidez que antes havia recebido em 14/12/2020 da Segurança Social (vide doc. n.º 10 da p.i.), conforme facto provado sob o ponto 16;
G. Não se consegue vislumbrar pelos elementos juntos aos autos, onde o deferimento daquela pensão de invalidez incorre em lapso ou irregularidade como defendida pelo A..
H. São pacíficos os pressupostos do seu oficioso procedimento pela própria Segurança Social, de acordo com os requisitos da legislação referida, conforme previsto nos n.º 1 e n.º 2, do artigo 68.º, do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, ou seja, estar “... o período máximo de 1095 dias de registo de remunerações por incapacidade temporária e se mantenha a incapacidade par o trabalho.” e ser sujeito “... oficiosamente a exame pelas comissões de verificação de incapacidade ...”, o que se verificou.
I. Assim o A. foi convocado para realizar exame médico, pelos Serviços do Sistema de Verificação de Incapacidade Permanente da Segurança Social, ao qual terá comparecido.
J. Sendo que, por essa altura, já lhe havia sido comunicado pela Segurança Social, por carta datada de 01.10.2020, a atribuição de uma pensão provisória de invalidez, antecipando se que o A. seria oficiosamente sujeito a exame médico pela comissão de verificação de incapacidades permanentes (conforme constante do doc. n.º 4 junto à p.i.)-
K. Nessa missiva de 01.10.2020 da Segurança Social, também se informava o A. que se não fosse então verificada a incapacidade permanente no exame médico — cuja verificação ocorreu em 13.10.2020 — haveria lugar à restituição dos valores da pensão provisória.
L. Porém, na sequência, a verdade é que a pensão foi deferida pela Segurança Social, tendo ao A. sido atribuída a pensão de invalidez de Eur. 1.036,22 mensais, em consequência do exame realizado no dia 13.10.2020 concluir pela verificação da sua incapacidade permanente (conforme doc. n.º 7.1 da p.i., datado de 27.11.2020).
M. Consequentemente, tendo sido verificada e confirmada a incapacidade permanente do A. na sequência do exame médico realizado (com a inerente conversão da pensão provisória de Eur. 211,79 em pensão definitiva de Eur. 1.036,22) e não tendo sido este sido objeto de recurso ou reclamação pelo A. em sede própria para a Comissão de Recurso, não há motivo alegar a invalidade da atribuição da pensão de invalidez (vide pontos 7, 8, 11e 13, dos factos provados), ficando esse ato consolidado.
N. Isto, independentemente de todas as vicissitudes depois acontecidas em resultado do desacordo e da rejeição dessa pensão pelo A. (e não por existir qualquer erro da Segurança Social na sua atribuição) que degeneraram no não pagamento da correspondente prestação de invalidez e no pedido pela Segurança Social de restituição das prestações entretanto pagas ao A. (vide pontos 17 a 26, dos factos provados), mas cujo motivo a R. é alheia e, em rigor, o A. também não esclareceu.
O. É, pois, bom de ver que não existe qualquer nos autos qualquer equívoco a apontar à segurança social e de nada serve o descabido exemplo trazido à liça pelo Digníssimo Procurador de um necessário renascimento do contrato de trabalhador erradamente “declarado morto pelo segurança social” (ou, acrescentamos nós, como de nada serviria o exemplo de uma absurda atribuição ao A. de subsídio por interrupção da gravides ), pois, tal não se verificou e não tem mínimo paralelo com o caso dos autos.
P. Aliás, como bem ensina a lição de PEDRO FURTADO MARTINS, mesmo no caso extremo da Segurança Social proferir uma posterior decisão de aptidão para o trabalho — o que não é o caso dos autos, porque a causa que se invoca é a recusa e falta de pagamento da pensão e não a falta de verificação da sua incapacidade permanente —esta não tem o efeito de reposição do vínculo laboral, conforme ponto 22, das Alegações acima;
Q. As insólitas circunstâncias da causa do pedir que o A. carreia à demanda estão longe de ser esclarecedoras e, ainda menos, fundamento para a sua pretensão proceder contra a R. que, por seu turno, fez cessar o contrato daquele com motivo patentemente válido e lícito perante a alínea c), do artigo 343º, do Código do Trabalho, não consubstanciando um despedimento ilícito à luz do artigo 381.º, desse código.
R. Perante tais circunstâncias de incerteza e insegurança, decorrido já quase um ano sobre a comunicação pela R. da caducidade do contrato de trabalho ao A., nenhuma alteração impetrava diferente conclusão sobre a verificação da incapacidade permanente do A. e manutenção da sua condição de pensionista por invalidez.
S. Nunca poderia ter efeito revogatório da atribuição da pensão de invalidez o simples escrito da Segurança Social referindo que «Declaramos que o beneficiário acima indicado não está a receber qualquer pensão do “Instituto da Segurança Social, I.P.”», o qual foi dado a conhecer à R. mediante comunicação do A., datada de 29.10.2021, alegando que nunca ter sido pensionista e ter-se verificado um equívoco da Segurança Social (vide os pontos 20 e 21, do Factos Provados), como reconheceu o segmento da sentença referido sob o ponto 26, das Alegações acima;
T. Como, aliás, a esse propósito bem reconheceu a sentença ao aceitar que “… de acordo com as últimas informações que constam do processo, emitidas já na pendência da causa, perante a segurança social, o autor continua a figurar como pensionista e, apesar da suspensão cautelar do pagamento da pensão, o ato administrativo de atribuição da pensão não foi revogado ou por qualquer forma modificado ou alterado quanto aos seus efeitos.” (vide 2.º§, pág. 17, da sentença) (sic).
U. Desde a resposta dada ao A. pela R., datada de 29.12.2020, mantendo a comunicação da caducidade do contrato de trabalho (vide ponto 16, dos Factos Provados), aquele não mais deu conhecimento à R. da troca de expediente com a Segurança Social, nem voltou a comunicar com a R. sobre o que estava a diligenciar quanto ao deferimento da sua pensão de invalidez.
V. O A. somente cerca de quase um ano depois, ou seja, em 29/10/2021, remeteu à R. uma mensagem de correio eletrónico (vide ponto 16, dos Factos Provados), dando conta da cópia daquela declaração da Segurança Social atestando que o R. “- não está a receber qualquer pensão do Instituo da Segurança Social, I.P.” (vide doc. n.º 15, da p.i.), conforme ponto 21, dos Factos Provados) e seguidamente, em 07.12.2021, interpôs a presente ação.
W. Perante o teor dessa declaração da Segurança Social e não se tratando de uma comunicação formal desse instituto para com a R., é perfeitamente compreensível ter-se entendido não existir qualquer obrigação de reconsiderar a sua posição para com o A., designadamente, porque desconhecia, de entre os muitos motivos possíveis, quais os que determinariam o não pagamento da pensão de invalidez;
X. Muito menos, lhe seria exigível à luz do princípio da boa-fé que, quase um ano depois, diligenciasse de sua iniciativa junto da Segurança Social uma explicação cabal para imbróglio da lavra do A. e no interesse deste (i.e., o motivo e efeito da recusa do recebimento da pensão de invalidez), aquando carecia da legitimidade para tal em virtude de já não constar da Segurança Social como entidade empregadora do A..
Y. Ao contrário do pretendido pelo Ilustre Magistrado do Ministério Público, a citada jurisprudência da Relação de Évora no processo n.º 388/16.1T8STC.E1 não é transponível para o distinto caso dos autos, desde logo, por três diferente e essenciais circunstância.
Vejamos:
Z. Primeiro, no caso Relação de Évora tratava-se de atribuição de pensão antecipada por velhice a requerimento do beneficiário e, no caso dos autos, trata-se da atribuição de pensão de invalidez oficiosamente pela Segurança Social;
AA. Segundo, esse Acórdão consta que a comunicação da caducidade do contrato de trabalho foi posterior à reclamação realizada pelo trabalhador mas, no caso dos autos, a comunicação da caducidade do contrato de trabalho do A. foi anterior à sua reclamação;
BB. Por fim, em sentido decisivo, na invocada jurisprudência verifica-se existir um ato expresso de revogação da atribuição da pensão pela Segurança Social que foi comunicado ao empregador mas, no caso presente, não existe qualquer ato de revogação daquela atribuição pela Segurança Social que houvesse sido por esta comunicado à R..
CC. Consequentemente, não era exigível à R. conduta diferente da comunicação de caducidade que então assumiu perante o A (pontos 14 e 16, dos Factos Provados), fosse aquando da reclamação por este apresentada à R. (ponto 15, dos Factos Provados) ou, cerca de um ano depois, após apresentação pelo A. da “declaração” da Segurança Social (ponto 21, dos Factos Provados), pelo que não se verifica p despedimento ilícito reclamado pelo A., não merecendo censura a sentença em recurso.»
A 1.ª instância admitiu o recurso, com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito meramente devolutivo.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos e dispensaram-se os vistos legais, com a anuência dos Exmos. Adjuntos.
Cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:
- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
- Existência de fundamento para julgar a ação totalmente procedente.
*
III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. O autor foi admitido, em 22-08-1988, ao serviço da então “CP –Caminhos de Ferro Portugueses, E.P.”.
2. Posteriormente, foi integrado na “Refer, E.P.”.
3. A “Refer, E.P.”, em 2015, foi redenominada “Infraestruturas de Portugal, S.A.”.
4. Em 31-12-2020 o autor tinha a categoria profissional de supervisor de infraestruturas.
5. Desde 2017 que o autor se encontrava em situação de “baixa médica”.
6. O autor foi convocado pelos serviços do “Instituto da Segurança Social, I.P.” para, no dia 13-10-2020, sujeitar-se a um exame médico, para efeitos de verificação de incapacidade permanente.
7. Em 21-10-2020, o autor recebeu uma carta da Segurança Social a informar que em 01-10-2020 tinha atingido o período máximo de concessão de subsídio de doença legalmente previsto, pelo que de acordo com o disposto no artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de Maio, ia ser-lhe concedida uma pensão provisória de invalidez, no montante de € 211,79, até ser sujeito oficiosamente a exame pela Comissão de Verificação das Incapacidades Permanentes.
8. No dia 05-11-2020 o autor regressou ao trabalho, ao serviço da ré.
9. Em 07-11-2020, o autor dirigiu à Segurança Social um requerimento em que solicitava «a anulação do pedido que me foi atribuído da pensão provisória de invalidez porque, de acordo com o Decreto-Lei n.º 187/2007, artigo 69.º 1, não há lugar à atribuição da referida pensão, porque não decorreu 1 ano de acordo com a última Junta Médica de Avaliação de Incapacidade».
10. Em 20-11-2020 o autor foi presente à medicina do trabalho da ré, tendo sido dado como apto para o trabalho, com acentuadas restrições, e expressa menção de que «devia usar cadeira ergonómica no posto de trabalho», devia «desempenhar apenas funções administrativas e de apoio à gestão» e não devia efetuar condução automóvel, nem trabalho noturno.
11. Com data de 27-11-2020, o Centro Nacional de Pensões comunicou à ré que «relativamente ao trabalhador acima referido [AA], foi deferida a pensão de invalidez a partir de 2020-10-01.
O pagamento da referida pensão tem início a partir de 2021-01».
12. Em 09-12-2020 o autor dirigiu um requerimento ao Centro Nacional de Pensões do seguinte teor: «(…) vem por este meio declarar que não aceita, nem pretende, a Pensão de Invalidez atribuída em Novembro de 2020.
Porque findo o período em CIT (5.11.2020) voltei ao serviço dia 06.11.2020, com aptidão para as funções profissionais que antecederam o período dos 1095 dias.
Também informar que nunca houve qualquer junta médica com a intenção de avaliar a incapacidade como definitiva.
Neste sentido solicito a anulação da referida pensão de invalidez, uma vez que pretendo requerer a pensão de velhice no decorrer do ano de 2021 (…)».
13. Em 17-12-2020 o autor rececionou uma comunicação do “Instituto da Segurança Social, I.P.” dando nota que «(…) o requerimento de pensão oportunamente apresentado foi deferido (…)» e que «a pensão por invalidez relativa tem início em 2020-10-01, sendo o seu valor atual 1.036,22 euros».
14. Em 23-12-2020 o autor recebeu uma carta da ré nos seguintes termos:
«Na sequência da comunicação da Segurança Social, recebida no dia 14-12-2020, através da qual a IP SA teve conhecimento do deferimento da sua pensão por invalidez cabe-nos comunicar a caducidade do seu contrato de trabalho por tempo indeterminado, com efeitos a 31 de Dezembro de 2020, sendo este o seu último dia de prestação de trabalho, nos termos da alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho».
15. Em resposta, o autor dirigiu uma comunicação à ré com o seguinte texto:
«Relativamente à v/comunicação supra identificada, datada de 2020-12-21 e contendo a declaração da caducidade do contrato de trabalho com fundamento na obtenção de pensão por invalidez, cumpre informar que o subscritor não requereu qualquer pensão por Invalidez, nem reúne os requisitos de facto e de direito para a sua concessão.
A comunicação recebida da Segurança Social só pode, portanto, dever-se a lapso, cuja retificação o subscritor se encontra já a providenciar, comprometendo-se a manter V. Exa. ao corrente da situação.
Em face do exposto, não pode, portanto, operar a caducidade do contrato de trabalho, por falta do respetivo pressuposto legal.
Com os melhores cumprimentos.
(assinatura)».
16. Em 29-12-2020 a ré respondeu ao autor que «considerando o teor da comunicação da Segurança Social, recebida no dia 14-12-2020, através da qual a IP, SA, teve conhecimento do deferimento da sua pensão por invalidez, a IP mantém que considera a cessação do seu contrato de trabalho por caducidade, com efeitos a 31 de Dezembro de 2020, sendo este o seu último dia de prestação de trabalho, nos termos da alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho».
17. Com data de 06-08-2021 o autor dirigiu ao Centro Nacional de Pensões o seguinte pedido: «questiono os serviços se assumindo o compromisso de pagar integralmente o montante pago indevidamente, se começando a pagar, se posso pedir a reforma de velhice por carreira contributiva muito longa.
Tenho 62 anos.
50 de descontos.
Comecei os descontos em 1971(…)»-
18. Após várias insistências, em 30-08-2021, o autor recebeu do Centro Nacional de Pensões uma comunicação, onde se refere que «a anulação da pensão está condicionada à devolução integral dos valores já pagos, que perfazem, à data de hoje, € 13.525,76».
19. Em 24-10-2021 o autor dirigiu ao Centro Nacional de Pensões a seguinte comunicação:
«Eu, AA, venho mais uma vez solicitar uma resposta face à situação atual.
Não sendo pensionista desde 01/10/2020, vi o meu contrato de trabalho cessado pela empregadora a IP, Infraestruturas de Portugal, após a Informação da SS em 14/12/2020, com cessação contratual em 31/12/2020.
Neste momento estou sem qualquer rendimento, quando a reforma da minha mulher não dá para pagar as contas inadiáveis e obrigatórias. Já fiz vários pedidos e neste momento, volto a pedir que enviem essa informação de que não sou pensionista desde a data acima indicada, à IP, para que a situação laboral se reverta e possa regularizar a minha situação perante a SS/CNP, porque de outra forma não poderei, se já o fizeram peço que me enviem cópia da comunicação.
Também que procedam à atualização das remunerações pagas, face às irregularidades da não Declaração de Rendimentos a que a entidade empregadora a IP estava obrigada a fazer e não o fez nem nas datas devidas nem à posteriori, ou seja depois dos meus pedidos que a IP, ignora sistematicamente.
Realçar que os cálculos para apuramento do valor da pensão que posteriormente pedirei, não podem basear-se em dados insuficientes e incompletos como constam atualmente na base da SS.
Já enviei Boletins de vencimento assim como extratos bancários onde são esclarecidos alguns anos, mas não todos.
Peço que comuniquem à IP com caráter de urgência, porque não posso continuar assim.
Desde já agradecido
Cumprimentos».
20. Com a data de 21-10-2021 e tendo por referência o autor, o “Instituto da Segurança Social, I.P.” emitiu uma «declaração» com o seguinte alcance:
«Declaramos que o beneficiário acima indicado não está a receber qualquer pensão do “Instituto da Segurança Social, I.P.”».
21. Na posse da declaração referida, que remeteu em anexo, em 29-10-2021, o autor dirigiu aos recursos humanos da ré a seguinte comunicação «serve a presente para informar V.Exa. que o trabalhador, supervisor de Infraestruturas de Portugal, AA, não é nem nunca foi pensionista, porque nunca a solicitou ou requereu nem lhe poderia ter sido atribuída, face à Lei vigente, sendo um absoluto equívoco por parte da SS/CNP, com um declarado ilícito de cessação contratual perpetrado pela IP ao afastar o Trabalhador do seu posto de trabalho.
Em anexo a Declaração da SS.
Espero da sua parte, uma adequada resposta ao exposto».
22. Em 01-11-2021 o autor dirigiu ao Centro Nacional de Pensões a seguinte comunicação:
«Eu, AA, venho solicitar ao CNP que tenha a gentileza de fazer uma simples comunicação à IP- Infraestruturas de Portugal, a explicar que o beneficiário nunca foi nem é pensionista.
Com uma comunicação do CNP á empregadora, esta endereçou ao trabalhador carta recebida a 23-12-2020 onde dizia “Na sequência da comunicação da Segurança Social, recebida no dia 14-12-2020, através da qual a IP S.A. teve conhecimento do deferimento da sua pensão por invalidez, ...” assim a IP cessou o contrato de trabalho com 32 anos, foi nisso que deu.
Foi simples, assim como será simples a SS/CNP comunicar à IP que, desde o mês de Outubro de 2020, foi atribuída uma pensão indevida ao beneficiário, AA, com o NISS 11071579365, que nunca a requereu e que o CNP, por erro, por engano, por equívoco, como o CNP achar que se deve autocriticar pelo que fez, deve fazê-lo com a maior brevidade possível, é simples.
Com acertos a fazer na SS Faro das DR por atualizar, apresentadas que já foram as provas na posse quer do CNP e posteriormente já encaminhadas para o CDSS de Faro, sem este esclarecimento por parte do CNP, não posso tomar qualquer iniciativa, por esta falta do CNP, onde passados 10 meses conseguiram finalmente reconhecer e perceber que o que tinham feito não fazia sentido e que não podia continuar, mas parado como está também, não pode ficar.
Além da pensão que existia não ter lugar em parte nenhuma, desde o primeiro dia que quis regularizar o equívoco, pagando o que me estariam a pagar indevidamente, não me foi permitido fazê-lo.
Neste momento realçar que estou sem qualquer remuneração desde Setembro de 2021 e esta situação não pode continuar, está a ficar insuportável, não são 635 € que a minha mulher recebe de reforma que pagam mais que esse valor em despesas obrigatórias e inadiáveis.
Espero que essa declaração/comunicação saia o mais célere e que me enviem cópia da mesma, para poder continuar a viver.
Os melhores cumprimentos».
23. Com a data de 04-11-2021 o Centro Nacional de Pensões, tendo como assunto «PENSÃO EXCLUÍDA», dirigiu uma comunicação ao autor, onde se afirma que «(…) a situação se encontra regularizada, com efeitos para o processamento de Novembro».
24. Em 03-12-2021 o autor dirigiu ao Centro Nacional de Pensão o seguinte pedido;
«Assunto: Pedido de declaração a enviar à IP e confirmação do pedido de anulação de pensão de velhice, desde o dia 01.10.2020 até à presente data.
Solicito que seja enviado à minha empresa, em como nunca fui nem sou pensionista.
Solicito mais uma vez que seja anulado o pedido de pensão datado de 07-10-2021.
Solicito se possível cópia da declaração a enviar.
(…)».
25. Em 15-12-2021 o “Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões” comunicou ao autor que:
«Relativamente ao seu pedido por carta datada de 2021/12/03, (…), vimos informar que não poderemos comunicar à sua entidade patronal que não é pensionista, dado que no nosso sistema consta como pensionista.
Só poderemos excluí-lo de pensionista e proceder à informação da entidade patronal que não é pensionista, quando proceder à devolução das pensões que recebeu».
26. Em 27-01-2022 o “Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Nacional de Pensões” remeteu uma nova comunicação ao autor nos seguintes termos:
«Assunto: Desistência de Pensão.
Na sequência da carta em referência, (…), na qual informou pretender desistir da pensão atribuída em 2020-10-01, ao abrigo do regime de invalidez relativa, informamos que o pedido de V.Exa. será tomado em consideração, desde que nos devolva o total de € 12.286,76 relativo aos montantes pagos a título de pensão, no período de 2020/10/01 a 2020/08/31, bem como qualquer outro pago além desta data.
(…).
Esclarece-se ainda que, provisoriamente, a sua pensão será suspensa até concretizar esta devolução.
Quando a mesma se encontre efetivada, será revogado o ato de atribuição da pensão».
27. No mês de Dezembro de 2020 a ré, através de acerto de contras, regularizou alguns pagamentos junto do autor.
28. A partir de então o autor passou a viver com a pensão de reforma da esposa, no valor de € 635,00.
29. Passando por algumas dificuldades de ordem financeira, no que se refere ao pagamento dos encargos e despesas familiares com alimentação, vestuário e transportes.
30. O que lhe causa sofrimento, angústia, tristeza e desânimo.
31. Levando o autor a receber tratamento e acompanhamento médico-psiquiátrico.
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IV. Impugnação da decisão fáctica
O recorrente concorda com a factualidade considerada assente na sentença recorrida, mas entende que, no elenco dos factos provados, dois factos ficaram omissos, apesar de resultarem evidentes dos depoimentos prestados em audiência de julgamento.
Na sequência, propõe que seja aditado a seguir ao facto n.º 16, a seguinte factualidade:
- Como não concordava com a caducidade do seu contrato de trabalho, no dia 04 de janeiro de 2021, o Autor AA apresentou-se para trabalhar nas instalações da “Infraestruturas de Portugal, SA”, em Tunes, mas o seu chefe informou-o de que devia abandonar o local, entregando o computador e os restantes pertences da empresa, não tendo, assim, sido admitido ao trabalho, tendo procedido à entrega dos referidos bens e abandonado as instalações como lhe ordenaram.
E que a seguir ao ponto factual n.º 21, se acrescente o seguinte facto:
- A Ré Infraestruturas de Portugal, SA” recebeu a comunicação que o Autor lhe enviou em 29-10-2021, mas não deu qualquer resposta, nem diligenciou junto da Segurança Social no sentido de apurar o exato alcance da declaração que lhe estava anexa.
Ora, relativamente ao primeiro facto indicado, trata-se de um facto inócuo para a boa decisão da causa.
Na petição inicial, o recorrente alega que o seu “despedimento” ocorreu em 31/12/2020, com a comunicação da caducidade do contrato de trabalho, feita pelo empregador.
A pretensão deduzida não se baseia em qualquer despedimento verbal ocorrido em janeiro de 2021.
Como tal, o primeiro facto que o recorrente pretende ver aditado não tem qualquer utilidade para o desfecho da lide, pois do mesmo não é possível extrair qualquer consequência jurídica.
Por conseguinte, este tribunal não se deve pronunciar sobre o mesmo. Assim o impede o princípio geral da economia processual, que impõe que o resultado processual seja atingido com a maior economia de meios, devendo, por isso, comportar só os atos e formalidades, indispensáveis ou úteis[2]. Tal princípio encontra-se consagrado no artigo 130.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Nesta conformidade, decide-se não tomar conhecimento da impugnação, nesta parte, uma vez que tal conhecimento se traduziria num ato perfeitamente inútil para a solução do pleito, o que se mostra proibido por lei.
No que concerne ao segundo facto enunciado supra, o mesmo não foi totalmente alegado na petição inicial.
Nesta peça processual apenas foi referido:
«O email que o Autor dirigiu à Ré (ao cuidado da Sra. Diretor de Capital Humano, Dra. Inês Albuquerque), não mereceu qualquer resposta por parte da Ré[3]» - artigo 19.º da petição inicial.
E, ainda:
«Acresce que, quando finalmente conseguiu que a Segurança Social cancelasse a atribuição da referida pensão por invalidez e emitissem e lhe entregassem uma declaração a confirmar que deixou de receber a referida pensão (doc. nº 15), o Autor tentou que a sua situação fosse resolvida junto da Ré, a quem remeteu cópia dessa declaração (doc. nº 16), mas não obteve qualquer resposta[4] e o assunto continua por resolver.»- artigo 48.º da petição inicial.
Ora, no que respeita à matéria alegada (falta de resposta à comunicação de 29-10-2021), a mesma mostra-se admitida por acordo, conforme resulta do teor do artigo 1.º da contestação, pelo que deverá ser aditada ao conjunto dos factos provados.
Quanto à factualidade não alegada, e que o recorrente pretende que seja acrescentada, é certo que o artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho permite a consideração de factos essenciais não articulados, desde que os mesmos sejam relevantes para a boa decisão da causa e sobre eles tenha incidindo discussão.
Todavia, os poderes conferidos pelo aludido artigo são exclusivos do julgamento em 1.ª instância, não competindo à Relação ampliar o elenco dos factos provados com outros, que não tendo sido alegados, adquira por força da reapreciação da prova, nem pode ordenar à 1.º instância que o faça, na medida em que o poder de reenviar o processo à 1.ª instância para ampliação da matéria de facto está reservado para as situações em que os factos foram alegados[5].
Em face do exposto, não havendo fundamento para aditar a materialidade não alegada abrangida pela impugnação, improcede, nesta parte, a impugnação.
Em suma, a impugnação da decisão fáctica apenas procede parcialmente e, em consequência, acrescenta-se ao conjunto dos factos provados o ponto 21.A, com o seguinte teor:
21.A – Esta comunicação não mereceu qualquer resposta da Ré.
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V. Da alegada existência de fundamento para a procedência da ação
A segunda questão suscitada no recurso, enunciada em epígrafe, visa a reapreciação jurídica do caso concreto.
A 1.ª instância julgou a ação improcedente, com a seguinte fundamentação:
«Da matéria de facto provada resulta que entre o autor e a ré, com início em 1988 e termo em 31-12-2020, vigorou um contrato de trabalho sem termo, em virtude do qual o primeiro desempenhava, ao serviço da segunda, as funções de «supervisor de infraestruturas de sinalização», mediante o pagamento de determinada retribuição mensal, acrescida de outros benefícios financeiros e sociais (artigo 11.º do Código do Trabalho).
Sustenta o autor que o contrato de trabalho caducou em consequência da atribuição de uma pensão por invalidez relativa. Contudo, conforme insistentemente fez ver em várias comunicações que dirigiu à ré, à segurança social e ao Centro Nacional de Pensões, não requereu a atribuição de qualquer pensão, pelo que não existia fundamento para a sua atribuição e, consequentemente, para a subsequente extinção do vínculo laboral.
Assim, com a revogação da decisão de atribuição de pensão, deve ser reintegrado no seu anterior posto de trabalho, com todos os benefícios e regalias inerentes, e a ré deve ser condenada no pagamento dos valores necessários para indemnizar todos os danos de natureza patrimonial e não patrimonial que sofreu e que especifica.
Distintamente, para a ré a atribuição de pensão provisoria ao autor ocorreu na sequência de um exame médico realizado pelos serviços do sistema de verificação de incapacidade permanente da segurança social. Deste modo, quando em 14-12-2020 foi informada da passagem do autor à situação de pensionista, limitou-se a proceder à comunicação da caducidade do contrato de trabalho, nos termos do artigo 343.º, alínea c), do Código do Trabalho.
De facto, só em 29-10-2021, através de comunicação eletrónica, o autor a informou que não se encontrava a receber qualquer pensão por parte do Instituto da Segurança Social, I.P., comunicação que era manifestamente insuficiente para rever a sua posição e readmiti-lo ao seu serviço.
Em conclusão, afirma que atuou em observância da lei, inexistindo qualquer fundamento para a procedência da ação e para a sua condenação nos vários pedidos contra si formulados.
Identificados os termos da demanda, vejamos dos seus fundamentos jurídicos.
Conforme se provou, em 27-11-2020, o Centro Nacional de Pensões comunicou à ré que tinha sido deferida a pensão de invalidez do autor, a partir de 01-10-2020, e que o seu pagamento teria início em Janeiro de 2021.
Com base nesta informação, em 23-12-2012, a ré deu nota ao autor da informação recebida da segurança social, acerca do deferimento da pensão de invalidez, e comunicou-lhe a caducidade do contrato de trabalho, de harmonia com a alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho, com efeitos a 31-12-2020.
Defende o autor que nunca requereu qualquer pensão inexistindo, portanto, qualquer fundamento para a sua atribuição por parte da segurança social, facto que, oportunamente, deu conhecimento à sua entidade patronal que, ainda assim, manteve a caducidade do contrato de trabalho.
Com efeito, resulta dos autos que, em 29-12-2020, a ré respondeu-lhe que «considerando o teor da comunicação da Segurança Social, recebida no dia 14-12-2020, através da qual a IP, SA, teve conhecimento do deferimento da sua pensão por invalidez, a IP mantém que considera a cessação do seu contrato de trabalho por caducidade, com efeitos a 31 de Dezembro de 2020, sendo este o seu último dia de prestação de trabalho, nos termos da alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho».
Em face dos termos da lei e perante a comunicação de uma entidade oficial, proferida no âmbito das suas competências, não se vê como poderia a ré proceder de forma diferente.
Na verdade, o artigo 343.º, alínea c), do Código do Trabalho, impõe a caducidade do contrato de trabalho com a reforma do trabalhador, por velhice ou invalidez, pelo que a demandada se limitou a dar estrito cumprimento a este dispositivo legal.
É certo que, desde 07-11-2020, o autor se vem insurgindo contra o processo de atribuição da sua pensão, defendendo perante a segurança social existir erro, lapso ou engano nos seus pressupostos.
Como é bom de ver, a ré é totalmente alheia a tal questão, cabendo-lhe apenas dar a devida sequência às comunicações da segurança social que tenham implicações nos contratos de trabalho dos seus trabalhadores.
Por outro lado, de acordo com as últimas informações que constam do processo, emitidas já na pendência da causa, perante a segurança social, o autor continua a figurar como pensionista e, apesar da suspensão cautelar do pagamento da pensão, o ato administrativo de atribuição da pensão não foi revogado ou por qualquer forma modificado ou alterado quanto aos seus efeitos.
Acresce, também, que até à recente data a ré não rececionou da segurança social ou do Centro Nacional de Pensões qualquer comunicação formal que invalide os termos da comunicação de 14-12-2020, da qual constava o deferimento da pensão de invalidez do autor.
De tudo isto resulta, a nosso ver, que mesmo nesta data, a ré não dispõe de legitimidade para, em face dos elementos que lhe são fornecidos pelas várias entidades oficiais envolvidas, rever a sua posição, desconsiderando a caducidade do contrato de trabalho e readmitindo o autor no seu posto de trabalho.
Não se ignora que dos autos resulta evidente o percurso sinuoso da atribuição da pensão ao autor e as limitadas, escassas e pouco esclarecedoras informações prestadas pelos vários departamentos da segurança social, perante as suas insistentes e repetitivas interpelações, e mesmo a solicitação do tribunal.
Esta constatação redunda em apreensão quando, no próprio processo administrativo de atribuição de pensão constam alusões, em simultâneo, a «desistência da pensão», «anulação da pensão», «pensão excluída», «suspensão provisória da pensão até à devolução das quantias já pagas», «revogação do ato de atribuição da pensão após a devolução das quantias pagas», figuras de equívoco significado jurídico que, como se sabe, têm pressupostos e efeitos jurídicos diversos.
Não obstante, o certo é que, nesta sede, não compete apreciar ou sindicar os fundamentos, a validade ou a regularidade do complexo processo de atribuição da pensão ao autor, achando-se essa competência deferida à jurisdição administrativa.
Significa isto que, será perante a jurisdição administrativa que o autor terá de suscitar a análise da legalidade e da regularidade do processo administrativo de atribuição de pensão e, uma vez reconhecida a sua ilegalidade, extrair as devidas consequências jurídicas, se necessário em termos indemnizatórios para ressarcimento de todos os danos que tenha sofrido.
De facto, neste tribunal apenas tem lugar a apreciação dos litígios de natureza privada, e a ré só poderia ser responsabilizada se tivesse agido em prejuízo do autor, violando a lei o que, pelas razões apontadas e à luz dos factos provados, manifestamente não ocorreu, tendo-se limitado a atuar de acordo com as informações que lhe foram transmitidas pela segurança social e em observância das normas legais em vigor, que determinam a caducidade do contrato de trabalho com a passagem do trabalhador à condição de pensionista.
Não pode, portanto, ser responsabilizada a qualquer nível pela atuação de terceiros, designadamente da segurança social pelas vicissitudes ocorridas no processo de atribuição da pensão do autor.
Em suma, por falta de fundamento legal, improcede a ação, absolvendo-se a ré de todos os pedidos contra si deduzidos.»
Argumenta o recorrente que é compreensível que a empregadora depois de ter recebido a comunicação da Segurança Social a informar que havia sido atribuída uma pensão ao recorrente, com efeitos a partir de 01-01-2021, tivesse comunicado ao trabalhador a caducidade do contrato de trabalho, ao abrigo do artigo 343.º, alínea c) do Código do Trabalho.
Todavia, tendo a empregadora tido conhecimento das reclamações e alertas do trabalhador sobre a existência de erro na atribuição da pensão, já não se justifica que nada tenha feito para averiguar se havia alguma irregularidade na atribuição da pensão.
Sustenta o recorrente que o comportamento omissivo da empregadora é censurável e que a declarada caducidade do contrato constitui um despedimento ilícito, com as legais consequências.
Em apoio da sua posição, invoca o Acórdão proferido por esta Secção Social, em 06-12-2017, no P. 388/16.1T8STC.E1[6].
Vejamos o que se escreveu neste Acórdão:
«O art.º 343.º, alínea c), do CT, prescreve que o contrato de trabalho caduca nos termos gerais, com a reforma do trabalhador por velhice ou invalidez.
Além do mais, com interesse para esta questão está provado que:
“- Em janeiro de 2016, o A. e a R. receberam comunicação da Segurança Social, de que ao A. fora deferida a pensão de velhice com data de início em 2015-11-12. Esta comunicação foi recebida pela empregadora ré em 27.01.2016;
- Assim que recebeu a comunicação referida, o A. dirigiu-se aos serviços da Segurança Social em…, explicando que não tinha sido notificado para optar ou não pela reforma, não pretendendo esta;
- O A. foi então esclarecido de que poderia apresentar resposta;
- Por escrito datado de 29.01.2016, entregue nos Serviços da Segurança Social em 02.02.2016, o A. comunicou a esta “não estar ainda em condições para avançar para a aposentação, mediante os valores do pedido de aposentação que me foram apresentados”;
- Após aquela deslocação, em reunião, o A. informou o Diretor de Recursos Humanos da R. que não pretendia a reforma e que a R. iria receber comunicação da Segurança Social nesse sentido;
- O Diretor de Recursos Humanos da R. afirmou que iria analisar o assunto;
- Em 26.02.2016, o A. foi chamado aos Recursos Humanos da R. tendo sido confrontado pelo representante da R. com o facto de se encontrar reformado, pretendendo que assinasse uns papéis;
- Em 26.02.2016, o A. explicou ao representante da R. não estar reformado, existindo um erro da Segurança Social que seria comunicado por esta à R.;
- Como tal, o A. informou pretender continuar ao serviço da R.;
- Em 01.03.2016, o A. dirigiu-se aos serviços da Segurança Social em Lisboa, tendo-lhe sido confirmado o lapso;
- O A. foi informado que a Segurança Social iria avisar a R. de que não estava reformado;
- No dia 02.03.2016, o A. apresentou-se ao serviço da R., tendo-lhe sido comunicado que não poderia retomar o mesmo e que teria de abandonar as suas instalações, pois o seu contrato teria caducado, situação que se mantém; e
- Por ofício dirigido à R. por referência a comunicação desta de 16.03.2016, a Segurança Social informou que o A., em 10.11.2015, solicitara pensão de velhice com recurso a antecipação de idade, todavia, por lapso dos serviços, o cálculo fora concluído sem que o beneficiário tivesse sido notificado do valor da pensão para se pronunciar sobre a aceitação ou não da mesma com a indicação da cessação de atividade, tendo o cálculo sido concluído e enviada notificação automática para a entidade patronal, mas tendo o beneficiário enviado uma carta datada de 02.02.2016, a solicitar a desistência do pedido de pensão, a revogação do ato de atribuição da pensão fora superiormente autorizado confirmando que o beneficiário não é pensionista do Centro Nacional de Pensões nem lhe foram processados quaisquer valores a título de pensões”.
Esta factualidade mostra de forma clara que o trabalhador requereu a antecipação da reforma nos termos legais, a qual foi deferida e comunicada ao trabalhador e à empregadora, mas aquele não concordou em virtude de não ter sido informado previamente do valor da pensão e este não lhe convir.
O contexto em que ocorreu o pedido de reforma antecipada, a sua revogação e a caducidade do contrato de trabalho, exigem uma análise ponderada do caso à luz das regras de direito e dos princípios jurídicos que enformam o nosso ordenamento jurídico, nomeadamente o do Estado de Direito Democrático, plasmado expressamente no art.º 2.º da Constituição da República Portuguesa.
O trabalhador ao aperceber-se do valor da pensão que lhe seria atribuída comunicou de imediato, verbalmente e por escrito, à segurança social que não pretendia a reforma e comunicou também de imediato à empregadora que não pretendia a reforma e que a segurança social lhe iria comunicar que não estava reformado, tendo a empregadora dito ao trabalhador que iria analisar o assunto.
A segurança social, efetivamente, decidiu revogar a decisão de atribuir a pensão de velhice com recurso a antecipação de idade e comunicou tal facto à empregadora através de ofício datado de 16.03.2016.
O conhecimento do valor da pensão de velhice com recurso a antecipação de idade é essencial para que o trabalhador possa tomar uma decisão informada e ponderada sobre esta forma de saída voluntária do mercado do trabalho, dadas as consequências gravosas e definitivas que acarreta. Mesmo que a lei na altura do pedido não exigisse expressamente que a segurança social informasse o trabalhador sobre qual seria o valor da pensão, decorre do princípio da boa-fé previsto no n.º 2 do art.º 266.º com referência ao princípio do estado de direito democrático ínsito no art.º 2.º, ambos da Constituição da República Portuguesa, que a verdade, a informação e a transparência imanente a toda a atuação da administração pública impõem que esta ao proferir decisões que afetem de forma significativa a vida dos cidadãos esteja obrigada a informá-los previamente, esclarecê-los e a dar-lhes a oportunidade de se pronunciarem antes de as tomar, evitando decisões surpresa.
Este aspeto da questão é muito importante para apreciar a bondade da desistência do trabalhador em relação ao pedido de reforma antecipada por causa do valor da pensão que lhe foi proposta.
Face aos factos provados, a desistência do pedido de reforma não é leviano ou infundado, mas tem uma razão de ser substancial, objetivamente considerada.
O trabalhador comunicou de imediato à segurança social e à empregadora a sua decisão de desistir da reforma em face do valor da pensão proposta, e esta última ficou de analisar a situação.
Contudo, a empregadora decidiu de forma inesperada fazer caducar o contrato de trabalho, apesar de estar informada do que se passava e da oposição do trabalhador e sem que se tivesse informado previamente junto da segurança social se a decisão sobre a reforma era definitiva.
A extinção do contrato de trabalho por caducidade prevista no art.º 343.º, alínea c), do CT, pressupõe que a decisão de reforma é definitiva. O trabalhador, através do requerimento que apresentou na segurança social, impediu que a decisão fosse já definitiva no momento em que a empregadora fez cessar o contrato de trabalho.
A empregadora, antes de fazer cessar o contrato de trabalho com fundamento na sua caducidade por reforma do trabalhador, perante as dúvidas suscitadas e de que tinha conhecimento, deveria ter aguardado pela consolidação jurídica definitiva da decisão de reforma. A comunicação ao trabalhador da caducidade do contrato de trabalho constitui uma decisão sujeita à condição resolutiva consistente na eventual alteração da decisão anteriormente tomada pela segurança social.
Desta forma, a empregadora colocou-se voluntariamente na situação de ter de arcar com as consequências jurídicas decorrentes da decisão da segurança social que revogou a anterior decisão de reforma do autor.
Tudo se passa como se nunca tivesse sido deferida a reforma do trabalhador, em face do despacho que alterou e revogou a decisão anterior de forma fundamentada.
Em 26 de fevereiro de 2016, data da invocação da caducidade pela empregadora, não estava ainda definitivamente decidido que o trabalhador estava reformado. A existência desta decisão definitiva é condição essencial de que depende a eficácia jurídica deste facto extintivo do contrato de trabalho.
Assim, a empregadora não deveria ter comunicado ao trabalhador a caducidade do contrato de trabalho para produzir efeitos em 26.02.2016 ou, tendo-o feito, quando foi notificada pela segurança social de que afinal o trabalhador não estava reformado, deveria ter dado também sem efeito a referida declaração de caducidade de modo a que o contrato de trabalho continuasse a vigorar, conforme era vontade manifesta do trabalhador. Ao não proceder deste modo, a declaração de caducidade da empregadora é inválida e consubstancia um despedimento ilícito do trabalhador.»
Será a situação dos presentes autos semelhante à que foi analisada pelo citado acórdão?
Atentemos aos factos relevantes no contexto da relação laboral, que resultaram provados:
- O recorrente foi admitido em 22-08-1988, tendo, porém, em 2017, ficado numa situação de “baixa médica”.
- No dia 05-11-2020, regressou ao trabalho, ao serviço da recorrida.
- Em 20-11-2020, o recorrente foi presente à medicina do trabalho da empregadora, tendo sido dado apto para o trabalho, com acentuadas restrições e expressa menção de que «devia usar cadeira ergonómica no posto de trabalho», e devia «desempenhar apenas funções administrativas e de apoio à gestão», e não devia efetuar condução automóvel, nem trabalho noturno.
- Com data de 27-11-2020, o Centro Nacional de Pensões comunicou à recorrida que «relativamente ao trabalhador acima referido [AA], foi deferida a pensão de invalidez a partir de 2020-10-01.
O pagamento da referida pensão tem início a partir de 2021-01».
- Em 23-12-2020, o recorrente recebeu uma carta da recorrida, com o seguinte teor:
«Na sequência da comunicação da Segurança Social, recebida em 14-12-2020, através da qual a IP SA teve conhecimento do deferimento da sua pensão por invalidez cabe-nos comunicar a caducidade do seu contrato de trabalho por tempo indeterminado, com efeitos a 31 de dezembro de 2020, sendo este o seu último dia de prestação de trabalho, nos termos da alínea c) do artigo 343.º do Código de Trabalho».
- Em resposta, dirigiu à recorrida a seguinte comunicação:
«Relativamente à v/comunicação supra identificada, datada de 2020-12-21 e contendo a declaração de caducidade do contrato de trabalho com fundamento na obtenção de pensão por invalidez, cumpre informar que o subscritor não requereu qualquer pensão por Invalidez, nem reúne os requisitos de facto e de direito da sua concessão.
A comunicação recebida da Segurança Social só pode, portanto, dever-se a lapso, cuja retificação o subscritor se encontra já a providenciar, comprometendo-se a manter V. Exa. Ao corrente da situação.
Em face do exposto, não pode, portanto, operar a caducidade do contrato de trabalho, por falta do respetivo pressuposto legal.
Com os melhores cumprimentos
(assinatura)».
- Em 29-12-2020, a recorrida respondeu que «considerando o teor da comunicação da Segurança Social, recebida no dia 14-12-2020, através da qual a IP, SA, teve conhecimento do deferimento da sua pensão por invalidez, a IP mantém que considera a cessação do seu contrato de trabalho por caducidade, com efeitos a 31 de Dezembro de 2020, sendo este o seu último dia de prestação de trabalho, nos termos da alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho».
- Com data de 21-10-2021 e tendo por referência o recorrente, o “Instituto da Segurança Social, I.P.” emitiu uma «declaração» com o seguinte alcance:
«Declaramos que o beneficiário acima indicado não está a receber qualquer pensão do “Instituto de Segurança Social, I.P.”»
- Na posse desta declaração, que remeteu em anexo, em 29-10-2021, o recorrente dirigiu aos Recursos Humanos da recorrida a seguinte comunicação: «serve a presente para informar V. Exa. Que o trabalhador, supervisor de Infraestruturas de Portugal, AA, não é nem nunca foi pensionista , porque nunca a solicitou ou requereu nem lhe poderia ter sido atribuída, face à Lei vigente, sendo um absoluto equivoco por parte da SS/CNP, com um declarado ilícito de cessação contratual perpetrado pela IP ao afastar o Trabalhador do seu posto de trabalho.
Em anexo segue Declaração da SS.
Espero da sua parte, uma adequada resposta ao exposto.»
- Esta comunicação não mereceu qualquer resposta da recorrida.
Do conjunto destes factos, infere-se que na sequência da comunicação da Segurança Social, recebida pela recorrida no dia 14-12-2020, através da qual se informava que havia sido deferida a atribuição de pensão de invalidez ao recorrente, com pagamento a iniciar-se em 01-01-2021, a empregadora atuou como lhe era exigível, atento o preceituado na alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho, ou seja, comunicou ao recorrente, em 23-12-2020, a caducidade do seu contrato de trabalho, com efeitos no último dia do ano de 2020 (que seria o último dia de trabalho do recorrente).
Não resulta dos factos provados que até ao momento da comunicação da caducidade do contrato, a recorrente tivesse, por alguma via, tido conhecimento de que o trabalhador questionava a decisão que lhe havia atribuído a pensão de invalidez.
Só depois de ter recebido a comunicação da caducidade do contrato, ainda antes de finalizar o ano de 2020, o recorrente informou a recorrida de que não havia requerido qualquer pensão por invalidez e que não reunia os requisitos de facto e de direito para a sua concessão, pelo que a comunicação da Segurança Social só poderia dever-se a um lapso, cuja retificação já estava a providenciar, pelo que, não poderia operar a caducidade do contrato por falta do respetivo pressuposto legal.
Não juntou o recorrente qualquer documento que demonstrasse a apresentação de qualquer reclamação, recurso ou reação junto da Segurança Social.
Ora, perante tais circunstâncias a única informação verdadeiramente objetiva e oficial, na posse da empregadora, era a comunicação que lhe havia sido feita pela Segurança Social e que foi recebida em 14-12-2020.
Acresce que tal comunicação também não seria, à partida, duvidosa ou inesperada, pois o trabalhador já estava em situação de “baixa médica” há mais de 1095 dias – artigo 68.º do Decreto-Lei n.º 187/2007, de 10 de maio.
Ademais, é a Segurança Social que atribui o direito às pensões previstas no mencionado diploma legal – artigo 75.º - sendo sua obrigação realizar a comunicação da atribuição da pensão e da data a que o início das mesmas se reporta, ao beneficiário e à sua entidade empregadora – artigo 88.º.
É certo que os serviços de medicina do trabalho da recorrida, em 20-11-2020, declararam o recorrente apto para o trabalho, com restrições.
Todavia, a declaração destes serviços não releva para efeitos de atribuição (ou não atribuição) da pensão de invalidez, pois só a Comissão de Verificação de Incapacidade Permanente pode declarar que a incapacidade temporária para o trabalho verificada durante 1095 dias se converteu em incapacidade permanente.
Em suma, a declaração emitida pelo trabalhador na comunicação supramencionada, face aos demais elementos referidos, não era suficiente para gerar uma dúvida fundada e consistente sobre a comunicada verificação da reforma do trabalhador por invalidez.
Daí que a resposta da recorrida, em 29-12.2020, reiterando a posição assumida quanto à caducidade do contrato de trabalho, não é censurável.
Acresce que o trabalhador só volta a dar notícias à recorrida em 29-10-2021, isto é, praticamente dez meses após a cessação do contrato de trabalho, apresentando um documento do qual apenas se extrai que não está a receber qualquer pensão. Neste, não é feita qualquer referência a uma eventual revogação da decisão que atribuiu a pensão por invalidez.
Deste modo, comparativamente, o caso dos autos é diferente do caso apreciado no Acórdão proferido no P. 388/16.1T8STC.E1, em que estava em causa uma pensão de velhice antecipada, não decidida em termos definitivos, requerida pelo trabalhador.
Em consequência, com arrimo nos factos assentes, entendemos que não era exigível à empregadora uma atitude diferente da que assumiu ao declarar a caducidade do contrato de trabalho, nos termos previstos pela alínea c) do artigo 343.º do Código do Trabalho, com efeitos no último dia do ano de 2020.
A cessação do contrato de trabalho operada é, pois, válida e legal.
Logo, todos os pedidos formulados, que se apoiavam no alegado despedimento ilícito, que não ficou demonstrado, foram, corretamente, julgados improcedentes.
Concluindo, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida que julgou a ação totalmente improcedente.
*
VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Sem custas, por delas estar isento o recorrente.
Notifique.
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Évora, 27 de outubro de 2022

Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Moisés Silva (2.º Adjunto)

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[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Emília Ramos Costa; 2.ª Adjunto: Moisés Silva
[2] Cf. José Lebre de Freitas, “Introdução ao Processo Civil”, Coimbra Editora, 3.ª edição, pág. 203.
[3] Realce da nossa responsabilidade.
[4] Idem.
[5] Hermínia Oliveira e Susana Silveira no VI Colóquio sobre Direito do Trabalho, realizado no Supremo Tribunal de Justiça em 22/10/2014, in “Colóquios”, disponível em www.stj.pt.
Também, Acórdãos da Relação de Évora de 31/10/2018, P. 2216/15.6T8PTM.E1 e de 26/04/2018, P. 491/17.0T8EVR.E1, acessíveis em www.dgs.pt.
[6] Acessível em www.dgsi.pt.