Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
511/20.T8FAR.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: DESPEDIMENTO COLECTIVO
PRESUNÇÃO DE ACEITAÇÃO DO DESPEDIMENTO PELO TRABALHADOR
ILICITUDE DO DESPEDIMENTO
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – A presunção prevista no n.º 4 do art. 366.º do Código do Trabalho poder ser ilidida, encontrando-se tipificada no n.º 5 desse mesmo artigo a forma de ser ilidida.
II – A expressão “em simultâneo”, prevista no art. 366, n.º 5, do Código do Trabalho, significa que o ato de devolução da compensação terá de ser praticado, em simultâneo, com uma outra ação inequívoca de não aceitação pelo trabalhador do despedimento.
III – Consideram-se que tais ações inequívocas de não aceitação pelo trabalhador do despedimento são a interposição do procedimento de suspensão do despedimento, a interposição da ação de impugnação de despedimento coletivo e a contestação ao articulado do empregador nas ações especiais de impugnação da regularidade licitude do despedimento.
IV – A circunstância de a redação do art. 360.º do Código do Trabalho não ser a mais feliz, não pode permitir interpretações que consagrem a possibilidade de se proceder a um despedimento coletivo, quando não haja comissão de trabalhadores, comissão intersindical, comissões sindicais ou comissões ad hoc, sem possibilitar aos trabalhadores potencialmente despedidos o mínimo de informação sobre o motivo pelo qual se encontram selecionados para o despedimento e sem lhes possibilitar uma fase prévia instrutória, por mais breve que seja.
V – Nos termos do n.º 3 do art. 360.º do Código do Trabalho, a entidade empregadora está obrigada a comunicar aos trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento coletivo, quando inexista comissão de trabalhadores, comissão intersindical ou comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger, todos os elementos previstos no n.º 2 desse mesmo artigo.
VI – A não comunicação de todos os elementos mencionados no n.º 2 do art. 360.º aos trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento coletivo, quando inexista comissão de trabalhadores, comissão intersindical ou comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger; ou a não comunicação de todos esses elementos à comissão representativa ad hoc, determina a ilicitude do despedimento coletivo, nos termos dos arts. 381.º, al. c) e 383.º, al. a), do Código do Trabalho.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
Proc. n.º 511/20.1T8FAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP do ..., QQ, RR, SS, TT e UU, na qualidade de Autores, todos patrocinados pelo Ministèrio Público, vieram interpor ação de despedimento coletivo, em processo especial, contra as Rés “Crewlink Ireland, Ltd.”[2] e “Ryanair Designated Ativity Company (Ryanair Limited)”[3], solicitando, a final, que a presente ação seja declarada procedente, por provada, devendo ser aplicada à presente ação a lei portuguesa; serem considerados nulos os contratos de trabalho temporários e os contratos de utilização de trabalho temporário celebrados com os Autores; ser considerado que os Autores foram cedidos pela Ré “Crewlink” à Ré “Ryanair” por contrato sem termo; ser considerado ilícito o despedimento dos Autores; e ser a Ré “Ryanair” condenada a pagar aos Autores os valores melhor discriminados na petição inicial.
As Rés “Crewlink” e “Ryanair” vieram apresentar contestação, requerendo o chamamento dos trabalhadores, que não sendo Autores, foram abrangidos pelo despedimento, ou seja, de VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL, MMM, NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY, ZZZ, AAAA, BBBB, CCCC, DDDD, EEEE, FFFF, GGGG, HHHH, IIII, JJJJ, KKKK, LLLL, MMMM, NNNN, OOOO, PPPP, QQQQ, RRRR, SSSS e TTTT.
Mais solicitaram, a final, o julgamento como procedente da exceção de ilegitimidade da Ré “Ryanair”, com a sua subsequente absolvição; e a total improcedência da ação.
Por despacho proferido em 14-07-2020, foi determinado o não chamamento a intervir na presente ação do trabalhador EEE, por ter efetuado transação com as Rés.
Apresentaram articulado superveniente os intervenientes YY, AAA, BBB, DDD, ZZ, VV, WW, XX, todos representados pelo Ministério Público.
Por despacho proferido em 03-09-2020, foi homologado o acordo celebrado entre as Rés e os trabalhadores BB, DDD, NN, AA, DD, QQ, CC, FF, RR, OO, GG, SS, MM, UUUU, YY, VV, HH, LL, PP do ... e TT.
Os intervenientes HHH e PPPP vieram declarar que faziam seus os articulados da parte a que se associam.
O interveniente OOOO veio apresentar contestação, solicitando ser declarado parte ilegítima, visto ter celebrado acordo com a Ré “Crewlink”.
As Rés vieram responder à intervenção de HHH e PPPP, solicitando que fosse negada tal intervenção, em face da assinatura, por parte daqueles intervenientes, de uma declaração de remissão abdicativa de créditos adicionais.
A interveniente LLL veio oferecer articulado superveniente.
Os intervenientes XX, ZZ, AAA e BBB vieram requerer a desistência da instância.
Os Autores EE, UU e JJ vieram desistir da instância.
As Rés vieram opor-se à desistência da instância dos Autores EE, UU e JJ.
EE, XX, AAA, UU, BBB, ZZ e JJ, por requerimento de 12-10-2020, vieram requerer a sua permanência na instância.
Por despacho judicial proferido em 13-10-2020, mantiveram-se nos autos EE, XX, AAA, UU, BBB, ZZ e JJ. No mesmo despacho, foi igualmente solicitada para apensação a estes autos os processos nºs. 932/20.... e 996/20...., os quais vieram a ser apensados em 27-10-2020, o primeiro como apenso A e o segundo como apenso B.
A interveniente IIII veio requerer que os autos prossigam sem a sua intervenção, visto ter celebrado acordo com as Rés.
Por requerimento de 24-11-2020 foram juntos pelas Rés dois pareceres.
Em 26-11-2020, o Ministério Público, em representação das Autoras II e VVVV, veio responder a tais pareceres.
EE, XX, AAA, UU, BBB, ZZ e JJ vieram igualmente responder, em 27-11-2020, a tais pareceres.
A interveniente LLL, em 22-09-2021, veio desistir da instância.
As Autoras II e VVVV, representadas pelo Ministério Público, vieram apresentar requerimento de alteração da causa de pedir e pedido e transação efetuada com as Rés, tendo os termos da transação sido homologados por despacho judicial proferido em 21-01-2022.
As Autoras UU e JJ vieram apresentar requerimento de alteração da causa de pedir e pedido e transação efetuada com as Rés, tendo os termos da transação sido homologados por despacho judicial proferido em 03-02-2022.
Em 19-05-2022 foi junto o parecer pelos senhores assessores nomeados pelo tribunal.
Os Autores EE e XX vieram apresentar requerimento de alteração da causa de pedir e pedido e transação efetuada com as Rés, tendo os termos da transação sido homologados por despacho judicial proferido em 21-06-2022.
Por despacho proferido em 10-09-2022 foi homologada a desistência dos intervenientes HHH e PPPP, declarando-se extintos os pedidos, absolvendo-se as Rés dos mesmos, bem como foi homologada a desistência da instância da interveniente LLL.
A Autora ZZ veio apresentar requerimento de alteração da causa de pedir e pedido e transação efetuada com as Rés, tendo os termos da transação sido homologados por despacho judicial proferido em 04-10-2022.
Realizada a ata de audiência prévia, em 19-10-2022, foi requerida a suspensão da instância, de forma a ser possível concretizar um acordo, tendo, em 08-11-2022, sido dado seguimento a tal audiência, sem ter sido obtido qualquer acordo entre as partes.
Por despacho judicial proferido em 20-02-2023 foram notificados os Autores TTTT, CCC, BBB e AAA e as Rés “Crewlink” e “Ryanair” da intenção de vir a ser proferido saneador sentença.
No apenso A foi apresentada petição inicial pelo Autor TTTT contra as Rés “Crewlink” e “Ryanair”, solicitando, a final, que:

Nestes termos, e nos mais de direito, deve:
a) Reconhecer-se a nulidade do contrato de temporário do Autor quer por falta de fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração;
b) Reconhecer-se a nulidade do contrato de utilização a que se reporta o contrato do Autor quer por insuficiência da fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração
c) Reconhecer-se que face à dupla nulidade, o contrato de trabalho do Autor inicialmente celebrado com a 1.ª Ré se converteu num contrato de trabalho por tempo indeterminado com a 2.ª Ré.
d) Reconhecer a ilicitude do despedimento coletivo em virtude de não ter sido promovido pela entidade empregadora e pelos motivos estruturais invocados não corresponderem à realidade;
e) condenar a 2.ª Ré a pagar ao Autor os seguintes montantes € 5.095,73 a título de subsídio de férias, € 5.095,73 a título de subsídio de natal, € 85,26 a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e subsídio de natal do ano da cessação, € 1.650,60 a título de formação contínua não ministrada, € 2.195,01 a título de retribuição ilicitamente não paga durante os períodos de inatividade impostas pela Ré, € 260,06 a título de férias não gozadas e não pagas no valor total, € 113,00 de reembolso do pagamento do cartão de acesso ao aeroporto e € 402,08 de remuneração não paga durante a licença de paternidade, no total de € 14.897,47
f) Condenar a 2.ª Ré ao pagamento da indemnização legalmente prevista no artigo 391 e 390.º ambos do Código do Trabalho devendo o ser valor ser fixado no máximo de 45 dias;
g) Condenar a 2.º Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados, no valor de € 20.000,00.
h) Caso se viesse a entender que a 2.º Ré não é a legítima entidade empregadora, deve em alternativa ser a 1.ª Ré condenada nos pedidos referidos nas alíneas d) a g) do presente artigo.
i) Por último, deve a Ré ser condenada no pagamento das custas e procuradoria.

As Rés apresentaram contestação, solicitando, a final, que fosse julgada procedente a exceção de ilegitimidade da 2.ª Ré, com a sua consequente absolvição, e que a ação fosse declarada totalmente improcedente por não provada.
No apenso B foi apresentada petição inicial pelo Autor CCC contra as Rés “Crewlink” e “Ryanair”, solicitando, a final, que:
Nestes termos, e nos mais de direito, deve:
a) Reconhecer-se a nulidade do contrato de temporário do Autor quer por falta de fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração;
b) Reconhecer-se a nulidade do contrato de utilização a que se reporta o contrato do Autor quer por insuficiência da fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração
c) Reconhecer-se que face à dupla nulidade, o contrato de trabalho do Autor inicialmente celebrado com a 1.ª Ré se converteu num contrato de trabalho por tempo indeterminado com a 2.ª Ré.
d) Reconhecer a ilicitude do despedimento coletivo em virtude de não ter sido promovido pela entidade empregadora e pelos motivos estruturais invocados não corresponderem à realidade;
e) condenar a 2.ª Ré a pagar ao Autor os seguintes montantes € 16.790,08 a título de subsídio de férias, € 16.790,08 a título de subsídio de natal, € 108,51 a título de proporcionais de férias, subsídios de férias e subsídio de natal do ano da cessação, € 1.932,00 a título de formação contínua não ministrada, € 10.073,98 a título de retribuição ilicitamente não paga durante os períodos de inatividade impostas pela Ré e € 3.309,38 a título de férias não gozadas e não pagas no valor total de € 49.004,03;
f) Condenar a 2.ª Ré ao pagamento da indemnização legalmente prevista no artigo 391 e 390.º ambos do Código do Trabalho devendo o ser valor ser fixado no máximo de 45 dias;
g) Condenar a 2.º Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados, no valor de € 5.000,00.
h) Caso se viesse a entender que a 2.º Ré não é a legítima entidade empregadora, deve em alternativa ser a 1.ª Ré condenada nos pedidos referidos nas alíneas d) a g) do presente artigo.
i) Por último, deve a Ré ser condenada no pagamento das custas e procuradoria.

As Rés apresentaram contestação, solicitando, a final, que fosse julgada procedente a exceção de ilegitimidade da 2.ª Ré, com a sua consequente absolvição, e que a ação fosse declarada totalmente improcedente por não provada.
Em 21-06-2023 foi proferida sentença com o seguinte teor decisório:
Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se;
A) Declarar existir erro parcial na forma do processo relativamente ao peticionado pelos AA. de reconhecimento da nulidade do contrato de trabalho temporário por falta de fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração; a nulidade do contrato de utilização a que se reporta o contrato do Autor quer por insuficiência da fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração; que face à dupla nulidade, o contrato de trabalho do Autor inicialmente celebrado com a 1.ª Ré se converteu num contrato de trabalho por tempo indeterminado com a 2.ª Ré; condenar a 2.ª Ré a pagar-lhes montantes a título de subsídio de férias, subsídio de natal, proporcionais de férias, subsídios de férias e subsídio de natal do ano da cessação, formação contínua não ministrada, retribuição ilicitamente não paga durante os períodos de inatividade impostas pela mesma a título de férias não gozadas e não pagas; condenar a 2.ª Ré ao pagamento da indemnização legalmente prevista no artigo 391 e 390.º ambos do Código do Trabalho devendo o ser valor ser fixado no máximo de 45 dias; condenar a 2.º Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados. Bem como, caso se viesse a entender que a 2.º Ré, no caso a Ryanair Designated Ativity Company, DAC (Ryanair Limited) não é a legítima entidade empregadora, ser a 1.ª Ré condenada em tais pedidos, que constitui uma exceção dilatória inominada por cumulação ilegal de causas de pedir e pedidos, nos termos da alínea e) do número 1 do artigo 278.º do Código de Processo Civil, e, em consequência, absolvem-se as RR. Crewlink Ireland Ltd, e Ryanair Designated Ativity Company, DAC (Ryanair Limited) da instância quanto aos mesmos;
B) Determinar-se a extinção do direito do A. TTTT na presente acção de impugnação de despedimento colectivo, absolvendo-se a R. Crewlink Ireland Ltd do pedido formulado pelo mesmo;
C) Declarar a ilicitude do despedimento dos AA. BBB, AAA e CCC, efectuado pela R. Crewlink Ireland Ltd;
D) Condena-se a R. Crewlink Ireland Ltd a pagar aos AA. BBB, AAA e CCC, respectivamente, os montantes de € 8.800,08, € 8.327,98 e € 12.186,92 a título de indemnização, bem como as retribuições vencidas (incluindo subsídio de férias e de natal), desde o 30.º dia que antecedeu a propositura da acção até à data da prolação da presente sentença, acrescidas das que se vencerem até ao trânsito ao julgado da mesma (descontando nas retribuições devidas remunerações ou subsídio de desemprego que os AA. hajam auferido neste período);
Fixo de remuneração aos assessores nomeados pelo Tribunal e assessora e técnica dos AA. com apoio judiciário: - WWWW € 15 Ucs; - XXXX 18 Ucs; - YYYY 11 Ucs.
Fixa-se o valor da causa em € 1.127.534,00.
Custas pelos AA. e R. Crewlink Ireland Ltd na proporção do decaimento/vencimento.
Registe, notifique e comunique aos Processos Nº. 6905/21.... e 6974/21...., com cópia da presente sentença.
Inconformado com tal sentença, o Autor TTTT veio interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
A. Em sede de sentença, o Tribunal veio a julgar improcedente o pedido de impugnação do despedimento, determinando a extinção do direito do A, absolvendo a Ré do pedido formulado pelo mesmo.
B. Declarou tal extinção no seguimento do facto de o Autor apenas ter devolvido o valor da compensação 125 dias depois da data do despedimento.
C. Concluindo, assim, que o trabalhador não ilidiu a presunção prevista no artigo 366.º do Código do Trabalho, o que não se pode aceitar.
D. Ora, o comportamento do Autor foi sempre compatível com a não-aceitação daquela compensação, não fazendo suas as quantias recebidas, nem as integrando no seu património, recusando-as e recusando aquele despedimento que sempre invocou como ilícito, tendo por várias vezes demonstrando claramente a sua oposição ao despedimento, contestado em tempo a comunicação de intenção do mesmo por parte da Ré, e pugnando, desde logo, pela sua ilicitude, sendo dos poucos trabalhadores da base de ... sindicalizado, no SNPVAC.
E. Saliente-se que a ação entrou em juízo no dia 30 de Março de 2020, sendo certo que, se a devolução daquela quantia não foi realizada em prazo mais célere, tal deve-se a todo o contexto social, cultural e sanitário vivido em tal período, não se podendo ignorar que no lapso temporal em que esta devolução é feita ocorre uma situação pandémica que dificultou não só a comunicação, como também a deslocação, em geral, e a entidades bancárias, em particular, atendendo quer ao horário reduzido, quer às restrições de movimentação impostas por lei, quer o risco de contaminação especialmente acentuado nessa altura do ano.
F. Ainda assim, o Recorrente colocou aquela quantia à disposição da entidade patronal, em menos de dois meses após a impugnação judicial, e como tal, dentro de um prazo razoável, atendendo ao circunstancialismo do caso concreto, ocorrido no seu todo num manifesto reduzido espaço de tempo.
G. Isto posto, temos que, estamos perante uma decisão prematura do Tribunal “a quo”, que não concedeu ao Autor a possibilidade de ilidir tal presunção, desconsiderando ab initio todos os factos invocados, aptos a demonstrar a razoabilidade do prazo decorrido.
H. Também a quantia atribuída pela Ré não corresponde sequer ao valor a que o Autor teria legalmente teria direito, questionando-se por isso se aquele valor equivale efetivamente à compensação por despedimento.
I. Quando a lei não prevê um prazo específico para devolução do valor da compensação, considerar que 121 dias não ilide a presunção, tornar-se-ia num encurtamento absolutamente intolerável dos prazos judiciais, uma vez que o prazo judicial para impugnação do despedimento é de 6 meses.
J. Sendo a presunção da aceitação do despedimento uma presunção ilidível, atenta a sua natureza relativa, sempre seria permitida prova em contrário, motivo pelo qual os presentes autos, aquando da decisão recorrida, não reuniam ainda todos os elementos necessários à decisão imediata do mérito, devendo os mesmos prosseguir para tal efeito.
Inconformada com tal sentença, a Ré “Crewlink” veio interpor recurso de Apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
I. Vem o presente Recurso interposto da matéria de facto e direito da sentença proferida pelo Tribunal a quo que declarou a ilicitude do despedimento dos Apelados e condenou a Apelante a pagar a estes uma indemnização e salários intercalares.
II. A sentença padece de erro de julgamento de Direito no que respeita às conclusões em que assentou dado que fundou a decisão de ilicitude em motivo não alegado pelos Apelados, declara a ilicitude do despedimento com base no mapa de pessoal não conter as vagas disponíveis em todas as bases europeias e desconsidera que a comissão de trabalhadores ad hoc representa todos os trabalhadores.
III. Quanto à matéria de facto, entende-se como necessário que sejam aditados à matéria dada como provada factos que constam de documentos juntos ao processo e que corroboram a posição defendida pela Apelante.
Com efeito,
DA MATÉRIA DE FACTO
IV. Como exposto nas Alegações, deve ser aditado à matéria de factos provados que a comissão representativa questionou, em reunião de informações e negociação, se a Apelante teria vagas fora de ... que pudessem ser preenchidas pelos trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo, tendo a Apelante respondido que iria enviar uma lista com as vagas existentes, propondo-se a seguinte redação sob um facto GG-1):
“No dia 24 de outubro de 2019, em reunião de informações e negociação, a comissão representativa questionou a R. Crewlink sobre se esta teria vagas fora de ... que pudessem ser preenchidas pelos trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo, tendo a R. Crewlink respondido que iria enviar uma lista com as vagas existentes”.
V. Como exposto nas Alegações, deve ser aditado à matéria de factos provados que a Apelante enviou à comissão representativa dos trabalhadores, em 29.10.2019 e 31.10.2019, emails com as vagas existentes em bases estrangeiras, propondo-se a seguinte redação sob um facto GG-2):
Na sequência do compromisso assumido pela Apelante em 24.10.2019, na reunião de informações e negociação, esta enviou à comissão representativa dos trabalhadores emails em 29.10.2019, a informar que teria vagas nas bases estrangeiras de LBA, MAN e HHN e em 31.10.2019, a informar que teria vagas nas bases estrangeiras de BRS, DUB, LTN, NRN, SEM, SNN e STN”.
VI. Como exposto nas Alegações, deve ser aditado à matéria de factos provados que no decurso do procedimento de despedimento coletivo 5 trabalhadores foram transferidos para uma base estrangeira, propondo-se a seguinte redação sob um facto GG-3):
“No decurso do procedimento de despedimento coletivo foi acordado com os trabalhadores ZZZZ, AAAAA, BBBBB, CCCCC e DDDDD que estes seriam transferidos para a base de ... – ..., em 01.11.2019”.
DA ALEGADA ILICITUDE DO DESPEDIMENTO COLETIVO POR INCUMPRIMENTO DO FORMALISMO LEGAL EXIGIDO
(i)
VII. O Tribunal a quo defende que a ilicitude do despedimento coletivo assenta no não envio do quadro de pessoal a cada um dos trabalhadores, posição que não tem amparo no entendimento maioritário da jurisprudência.
VIII. Inexistindo comissão de trabalhadores, comissão intersindical ou comissões sindicais o empregador não é obrigado, na comunicação de intenção de proceder ao despedimento enviada aos trabalhadores, de remeter os elementos constantes no número 2 do artigo 360.º do CT, sendo a constituição de uma comissão ad hoc é um ónus mínimo dos trabalhadores que, se não for cumprido, não os habilita a um conjunto de informações e à fase de negociações.
IX. Na verdade, interpretação mais criativa que faz o Tribunal a quo, sem amparo na letra da lei, viola o número 4 do artigo 360.º do CT que esclarece que, no caso de constituição de comissão ad hoc, as informações previstas no número 2 são enviadas a esta o que, obviamente, significa que caso não exista esta comissão as informações não têm de ser obrigatoriamente enviadas, entendimento que também é perfilhado por Pedro Furtado Martins, cfr. citação feita nas Alegações.
X. O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou sobre este tema num acórdão (decidido por unanimidade) amplamente citado pela melhor jurisprudência, onde se pode ler:
“Tudo para concluir que, na falta de comissão de trabalhadores, comissão intersindical ou comissões sindicais, a circunstância do empregador não proceder ao envio das informações aludidas no n.º 2 do artigo 360.º aos trabalhadores que possam ser abrangidos pelo despedimento colectivo e estes não designem a comissão ad hoc prevista nos n.os 3 e 4 do artigo 360.º, não constitui motivo determinante da ilicitude do despedimento colectivo.” (Ac. do STJ de 19.12.2012, Proc. n.º 1222/10.1TTVNG-A.P1.S1, Relator: Pinto Hespanhol)
XI. Ora, não existindo à data do envio da comunicação inicial com a intenção de despedimento estruturas representativas dos trabalhadores, a Apelante não enviou a estes, nem a tal estava obrigada, as informações constantes no número 2 do artigo 360.º do CT, sendo certo que após ter sido constituída a comissão ad hoc as referidas informações foram prontamente enviadas (Factos Provados EE) e EF)), razão pela qual foram cumpridas todas as formalidades do despedimento coletivo, devendo a sentença recorrida ser revogada e o despedimento coletivo promovido pela Apelante ser declarado lícito, absolvendo-se esta do pagamento de indemnizações e salários intercalares.
(ii)
XII. O Tribunal a quo defende ainda que o não envio à DGERT e Comissão Representativa dos trabalhadores de um quadro de pessoal que incluísse a informação relativa às vagas em todas as bases onde a Apelante opera, por toda a europa, determina a ilicitude do despedimento.
XIII. Ora, o procedimento de despedimento coletivo não acolhe a necessidade de verificar se o empregador tem outros postos disponíveis, como ocorreria no procedimento de despedimento por extinção do posto de trabalho, por aplicação do disposto no artigo 358.º n.º 1, b) e n.º 4 do CT.
XIV. Acresce que, o quadro de pessoal deve conter informações relevantes para que se possa desenvolver a fase de negociações prevista no número 1 do art. 360.º do CT e para que possa ser controlada a aplicação dos critérios objetivos de seleção dos trabalhadores a despedir, neste não se incluindo, nem faria sentido que incluísse, as vagas existentes na empresa.
XV. Ainda assim, resulta da ata da reunião da fase de informações e negociações realizada no dia 24.10.2019 e dos factos provados aditados GG-1 e GG-2 que no decorrer do processo negocial a Apelante informou a comissão de trabalhadores sobre a existência das vagas disponíveis na sua estrutura fora de ....
XVI. O objetivo da fase de informações e negociação é a eventual tomada de medidas que possam visar a redução do número de trabalhadores a despedir, pelo que se a informação prestada à comissão representativa dos trabalhadores não chegou a todos os trabalhadores tal representa uma vicissitude à qual a Apelante é alheia, não podendo esta determinar a ilicitude do despedimento.
XVII. Entende ainda o Tribunal a quo que o quadro de pessoal deveria conter informações referentes a todos os trabalhadores da Apelante, em todas as bases, quer ..., quer europeias.
XVIII. Ora, considerando que o despedimento coletivo em causa foi localizado, abrangendo apenas os trabalhadores da base de ..., é desprovido de qualquer sentido útil a alegada necessidade de envio de mapa de pessoal referente a trabalhadores alocados a bases estrangeiras, com os quais os trabalhadores de ... não se comparam, sendo que esse mapa não tem informação, nem poderia ter, informação sobre postos disponíveis porque simplesmente não é esse o conteúdo de um mapa de pessoal.
XIX. Neste sentido já se pronunciou o Tribunal da Relação de ... em 30 de abril de 2014, Proc. n. 388/12...., devendo, por isso, a sentença recorrida ser revogada e o despedimento coletivo promovido pela Apelante ser declarado lícito.
(iii)
XX. Mas mesmo que se admitisse, por mero dever de patrocínio e à cautela, que o empregador deveria enviar a todos os trabalhadores abrangidos os elementos previstos no artigo 360.º n.º 2 do CT – apesar de os Apelados não terem invocado essa suposta falta nas petições de impugnação do despedimento - não se poderia concluir pela ilicitude do despedimento sem mais.
XXI. Com efeito, apesar de a Apelante não ter enviado a todos os trabalhadores o mapa de pessoal, enviou esse mapa à DGERT e à Comissão Representativa dos Trabalhadores pelo que, S.M.O., nunca se poderá afirmar que a Apelante não fez a comunicação inicial da intenção de despedimento de molde a fazer operar o artigo 383.º a) do CT.
XXII. Na verdade, a falta de um qualquer elemento menor na comunicação inicial dificilmente poderá sustentar a ilicitude de um despedimento coletivo, razão pela qual o próprio Tribunal a quo não menciona a norma legal que sustenta a decisão de considerar o despedimento ilícito.
XXIII. E nem se diga que as informações alegadamente em falta no mapa de pessoal eram vitais à fase de negociações, ao ponto de as ter comprometido, como defende o Tribunal a quo já que, como acima se demonstrou, mesmo num cenário em que os trabalhadores pretendessem negociar ou solicitar ser transferidos o mapa de pessoal não nem lhes conferiria qualquer informação útil a esse fim, o que é perfeitamente notório por qualquer pessoa que tenha alguma vez lidado com um despedimento coletivo.
DA ALEGADA INCONSTITUCIONALIDADE POR NÃO ENVIO DO QUADRO DE PESSOAL A CADA UM DOS TRABALHADORES
XXIV. O Tribunal a quo entendeu que a posição da Apelante sobre a não obrigação de enviar o quadro de pessoal a cada um dos trabalhadores é inconstitucional, no entanto, concorde-se, ou não, certo é que não resulta da lei que o empregador seja obrigado a proceder ao envio aos trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo os elementos constantes do número 2 do artigo 360.º do CT.
XXV. E desta omissão ou interpretação não resulta qualquer inconstitucionalidade por ofensa do princípio constitucional da segurança no emprego já que este direito não é absoluto e como o Tribunal Constitucional já deixou claro a Constituição não veda formas de despedimento do trabalhador com fundamento em motivos objetivos.
XXVI. Na falta das estruturas representativas dos trabalhadores, e posto que a constituição da comissão ad hoc consubstancia um ónus dos trabalhadores, a sua não constituição determina a inexistência de obrigatoriedade do envio das referidas informações (como também já vimos), pelo que a explicitação dos motivos justificativos do despedimento fica reservada para a decisão final do despedimento a comunicar a cada um dos trabalhadores e ao ministério responsável pela área laboral (números 1 e 3 do artigo 363.º).
XXVII. Ao contrário do que alega o Tribunal a quo, a não existência de uma comissão ad hoc (que nem sequer é o caso) não determina que possa operar um despedimento instantâneo dado que existe um procedimento que tem de ser seguido, e o facto deste procedimento ser encurtado, devido à inércia dos próprios trabalhadores, não provoca a violação das mencionadas garantias constitucionais.
DA CONDENAÇÃO NO PAGAMENTO DE SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL
XXVIII. A Apelante foi condenada, sob o ponto D), a pagar aos Apelados uma indemnização pelo despedimento ilícito “bem como as retribuições vencidas (incluindo subsídio de férias e de natal)”.
XXIX. O Tribunal a quo decidiu que a ação especial de impugnação de despedimento coletivo não é adequada a avaliar outros pedidos não relacionados concretamente com o despedimento coletivo, tendo absolvido a Apelante de diversos pedidos, entre outros, de condenação no pagamento de subsídios de férias e Natal.
XXX. Este pedido é controverso dado que a Apelante entende que o salário anual acordado englobava estes subsídios e os Apelados entendem que não, razão pela qual não tendo o Tribunal a quo analisado esta questão e não tendo sequer a Apelante tido a oportunidade de produzir prova testemunhal sobre o tema, é evidente que a condenação, ainda que entre parêntesis, no pagamento dos subsídios de férias e de natal configura uma nulidade por contradição entre a decisão de absolvição A) e a decisão de condenação D), por contradição entre a condenação D) e os fundamentos que presidiram à absolvição dos vários pedidos e por violação do direito da Apelante ao contraditório, na medida que foi impedida de produzir prova quanto às suas alegações, omissão que é suscetível de influir no exame e na decisão da causa.
XXXI. Pelo exposto, caso a sentença não seja revogada conforme exposto supra, o que se refere por mera cautela de patrocínio, deverá a condenação D) ser alterada removendo-se a condenação “(incluindo subsídio de férias e natal)”.
Termos em que deve ser concedido provimento ao presente Recurso, devendo ser revogada a douta Sentença recorrida na parte em que declarou a ilicitude do despedimento coletivo e condenou a Apelante ao pagamento de indemnizações e salários intercalares, fazendo-se, assim, JUSTIÇA!
O Autor CCC veio apresentar contra-alegações relativamente ao recurso interposto pela Ré “Crewlink”, terminando com as seguintes conclusões:
A. Em sede de sentença, o Tribunal veio a julgar o despedimento ilícito, em virtude de a Recorrida não ter enviado o quadro de pessoal completa, considerando que a Ré opera em vários países, mas só identificou o pessoal da base de ..., ..., ... e ....
B. No ponto de vista do Julgador, esta omissão é susceptível de colocar em causa a eficácia da fase das negociações, o que se verificou, efetivamente, no caso concreto.
C. Assim, em consequência, julgou ilícito o julgamento, condenando a Recorrida no pagamento de uma indemnização no valor de 35 dias por cada ano de antiguidade.
D. Não se conformando com tal decisão, a Recorrida recorreu da mesma.
E. Com o devido respeito que temos pela posição da Recorrida, o Autor não poderia discordar mais deste entendimento, concordando, em absoluto, com a decisão proferida, conforme ao diante se demonstrará.
F. A Recorrida não cuidou de facultar à Comissão de Trabalhadores toda a documentação legalmente necessária para tornar válida a fase de negociações.
G. O quadro de pessoal anexo à carta de despedimento apenas continha a indicação dos trabalhadores das bases de ..., ..., ... e ..., sendo omissa relativamente a todas as outras bases, pela Europa.
H. Esta informação era imprescindível e a sua violação acarreta a nulidade da fase de negociações o que se traduz na ilicitude do despedimento.
I. Assim sendo, a sentença em crise não merece qualquer censura.
A Ré “Crewlink” veio apresentar contra-alegações relativamente ao recurso interposto pelo Autor TTTT, terminando com as seguintes conclusões:
A. DO VALOR DO RECURSO
I. O Apelante indicou como valor do recurso € 1.127.534,00, o que terá sido um mero erro de escrita posto que o valor da PI foi de € 34.897,47, pelo que deverá ser este o valor do recurso.
B. INTROITO
II. Inconformado, o Apelante apresenta recurso argumentando que não lhe foi permitido ilidir a presunção de aceitação do despedimento, já que, no seu entendimento, devolveu a compensação num prazo razoável, e que o despedimento sempre seria ilícito em razão de a Apelada não lhe ter pagado o valor correto de compensação e créditos finais.
III. Ora, o Apelante não colocou em crise na PI o valor que recebeu de compensação e nem sequer recorreu da decisão quanto à matéria de facto.
C. DA AMPLIAÇÃO DA MATÉRIA DO RECURSO - FACTOS A ADITAR
IV. Devem ser aditados, nos temos do artigo 636.º n.º 2 do CPC factos admitidos ou não impugnados pelo Apelante e/ ou resultantes de prova documental no processo, relevantes ao Thema Decidendum.
V. Na comunicação de decisão final de despedimento, enviada no dia 8 de novembro de 2019, foi solicitado ao Apelante que se pronunciasse caso detetasse lapso nos cálculos finais, cfr. doc. n. 2 junto com a contestação.
VI. O despedimento do Apelante produziu efeitos em 08.01.2020 e nesse dia foi-lhe paga a quantia de € 5.051,48 a título de compensação pelo despedimento.
VII. Em 30.03.2020, o Apelante intentou a ação de impugnação do despedimento coletivo, apenas tendo devolvido a compensação em 12.05.2020, cfr. doc. n. 1 junto com a contestação
VIII. Assim, requer-se o aditamento à matéria assente dos seguintes factos:
• “Na comunicação de decisão de despedimento, enviada a 08 de novembro de 2019, a R. Crewlink solicitou aos trabalhadores, entre os quais o A. TTTT, que sinalizassem qualquer lapso que detetassem nos montantes a pagar, sem que este autor tenha apontado qualquer erro.”
• “Em 08.01.2020, cessou o contrato de trabalho do A. TTTT por despedimento coletivo, tendo, na mesma data, a Apelada pago ao Apelante a quantia de € 5.051,48 a título de compensação pelo despedimento”.
• “Em 30.03.2020, o A. TTTT, intentou ação de impugnação do despedimento coletivo, não tendo impugnado o valor pago a título de compensação.”
• “Em 12.05.2020, o Apelante devolveu à Apelada, por transferência bancária, o valor de € 5.051,48 que esta lhe pagou a título de compensação pelo despedimento coletivo.”.
D. DO RECURSO DO APELANTE
a. Da elisão da presunção e prazo para a devolução da compensação do despedimento
IX. Começa o Apelante por alegar que o Tribunal a quo deveria ter realizado a audiência de discussão e julgamento para ser produzida prova que lhe permitisse ilidir a presunção de que aceitou o despedimento, no entanto, não recorreu da matéria de facto e a matéria assente não suporta as suas alegações.
X. Acresce que, o Apelante alega, pela primeira vez, factos que no seu entender são aptos a justificar um atraso de 125 dias na devolução da compensação.
XI. Ora, o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre a matéria de facto que não foi alegada pelas partes na instância recorrida, ou sobre os pedidos que nela não foram formulados, e a indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5/3 CPC), terá sempre por objeto os factos dados como provados.
XII. Manifestamente não há coincidência entre os factos alegados na petição inicial e no âmbito do recurso, pelo que não pode o Apelante pretender que se realize uma sessão de discussão e julgamento para ser produzida prova quanto a uma “justificação” cujos factos só agora alegou.
XIII. Dos factos provados apenas resulta que o Apelante demorou 125 dias a devolver a compensação, e a sua tentativa de justificar a demora na devolução da compensação com o facto de à data se viver uma situação de pandemia que limitou a deslocação aos bancos além de não ter suporte nos factos provados, não tem qualquer racional lógico, posto que o Apelante recebeu a compensação 70 dias antes de ser decretado o primeiro confinamento obrigatório.
XIV. Ainda quanto à alegação da dificuldade de deslocação ao banco devido à pandemia, note-se que o Apelante devolveu a compensação através de transferência que fez online (cfr. facto aditado supra e Doc. n. 1 junto com a contestação), o que demonstra a irracionalidade da sua alegação.
XV. Acresce que, após impugnar o despedimento coletivo o Apelante ainda levou 43 dias a devolver a compensação, prazo que é inaceitável e incompatível com o requisito da simultaneidade previsto no art. 366.º do CT.
XVI. Para tentar suportar a sua tese o Apelante invoca jurisprudência do STJ (acórdão de 27.03.2014, Proc. n.º 940/09.1TTLSB.L1.S1) onde se refere que a devolução da compensação não é indispensável para que o trabalhador possa ilidir a presunção de aceitação do despedimento.
XVII. Ora, o acórdão citado foi proferido ao abrigo do código de trabalho de 2003 e neste não se previa, expressamente, a necessidade de devolução simultânea da compensação (ao contrário do CT2009), para além de que lá se defende uma posição contrária à do Apelante: o trabalhador nunca poderá impugnar o despedimento ao mesmo tempo que mantém a compensação.
XVIII. Não se ficando por aqui, o Apelante alega semelhanças entre o presente caso e o discutido pelo TRL em 26 de Fevereiro de 2020, Proc. n.º 10840/19.1T8LSB.L1-4, para justificar que a devolução da compensação foi feita em prazo razoável, no entanto, no referido aresto a compensação foi devolvida 14 dias após ter sido disponibilizado o NIB, prazo que não é, de todo, minimamente comparável ao presente caso (e que, a nosso ver, já é excessivo e não cumpre o art. 366/5).
XIX. Quanto ao prazo para devolução da compensação, à parte da discussão sobre o que é um prazo razoável face ao “em simultâneo” e a cada caso concreto, certo é que a jurisprudência é unânime no sentido de que o trabalhador que pretenda ilidir a presunção de aceitação do despedimento terá de colocar à disposição do empregador a compensação que deste recebeu, no máximo, até à data da interposição da respetiva ação judicial, neste sentido: Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/03/2016, processo n.º 1274/12.0TTPRT.P1.S1, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/06/2015, processo n.º 962/05.1TTLSB.L1.S1, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 10/04/2013, processo n.º 940/09.1TTLSB.L1-4, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 1/07/2017, processo n.º 1845/16.5T8BRG.G1, Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 10/7/2018, processo n.º 7816/15.1T8GMR.G1 e Acórdão da Relação do Porto de 05/02/2018, proc.º n.º 21737/16.7T8PRT.P1.
XX. O Apelante alega, ainda, que a sentença peca por não indicar ou fundamentar aquilo que considera ser um prazo razoável, mas tal apontamento é totalmente infundado já que o Tribunal a quo aprecia esse ponto:
“Pese embora o conceito de devolução “num curto espaço de tempo” careça de concretização, estaremos sempre a falar num período de alguns dias, umas semana, no limite! Nunca seria passível de comportar um período de 125 dias.”.
b. Do valor da compensação e créditos laborais
XXI. Na comunicação final de despedimento foi solicitado ao Apelante que se pronunciasse caso detetasse algum lapso nos cálculos finais (dado que, obviamente, sempre podem existir erros de cálculos, de perceção ou mesmo meros enganos inadvertidos); O Apelante não apontou quaisquer lapsos na liquidação efetuada e acabou por receber a compensação e créditos indicados, no dia 08 de janeiro de 2020.
XXII. Na petição inicial o Apelante não alegou que o montante que recebeu a título de compensação não correspondia ao valor a que tinha direito nem alegou que o não pagamento dos créditos que reclamou consubstanciava ilicitude do despedimento, pelo que não será agora, em sede de recurso, que o poderá fazer.
XXIII. Na verdade, estando uma eventual decisão sobre este tema sujeita a matéria de facto que simplesmente não existe nos factos provados, e não tendo o Apelante pedido a alteração ou aditamento de quaisquer factos, não existe qualquer base que corrobore a alegação do Apelante.
XXIV. Acresce que, resulta da economia das peças processuais que os créditos peticionados são controvertidos, entendendo a Apelante que não são devidos face à escolha das partes em aplicar a lei irlandesa ao contrato de trabalho, pelo que não pode do seu não pagamento resultar qualquer conclusão de ilicitude do despedimento, conforme citações de Furtado Martins e Bernardo da Gama Lobo Xavier feitas nas alegações.
XXV. Caso assim não se entendesse, não seria possível efetivar um despedimento coletivo em ... já que bastaria aos trabalhadores reclamar o pagamento de créditos inexistentes para que a empresa não os pagasse e assim o despedimento coletivo fosse considerado ilícito.
XXVI. Por tudo o que foi exposto, não poderá considerar-se que exista ilicitude no despedimento pela alegada não disponibilização da compensação devida ou por não pagamento de créditos alegadamente devidos.
***
Nestes termos, e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deve a Sentença em crise ser mantida na íntegra, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.
O tribunal a quo admitiu ambos os recursos como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos, tendo atribuído efeito suspensivo ao recurso em face da caução prestada pela Ré.
Subido os presentes autos a este tribunal, foi dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do art. 87.º do Código de Processo do Trabalho, pugnando a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta no seu parecer pela improcedência de ambos os recursos.
A Ré “Crewlink” respondeu a tal parecer pugnando pela procedência do seu recurso.
Manteve-se o recurso da Ré “Crewlink” nos seus precisos termos e alterou-se o efeito do recurso do Autor TTTT para devolutivo. Após, foram colhidos os vistos, cumprindo agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões dos Apelantes, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:[4]
(Recurso do Autor TTTT)
1) Ilidida a presunção do art. 366.º do Código do Trabalho;
2) Despacho-saneador prematuro;
3) Insuficiência da quantia atribuída a título compensatório;
(Recurso da Ré “Crewlink”)
4) Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a condenação;
5) Violação do princípio do contraditório;
6) Impugnação da matéria de facto;
7) Licitude do despedimento; e
8) Constitucionalidade do não envio do quadro de pessoal a cada um dos trabalhadores constantes do despedimento coletivo.
III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
A) O Autor CCC foi admitido ao serviço da Ré Crewlink, por um acordo de trabalho que teve início a 27 de Fevereiro de 2008 e em ..., mais em concreto, no Aeroporto ... a 25.01.2011 e no âmbito do qual o Autor exerceu funções de Tripulante de Cabine para a Ryanair ininterruptamente, até 08.01.2020;
B) À data da cessação do acordo de trabalho, o Autor desempenhava as funções de Tripulante de Cabine, na base aérea do Aeroporto ..., sob ordens e instruções e de acordo com o horário de trabalho, adstrito à base aérea do Aeroporto ...;
C) O Autor fixou a sua residência habitual em ..., sendo este o local onde habitualmente gozava as suas folgas e onde tem inserido o seu centro de vida e família;
D) Para desempenhar as suas funções, o Autor apresentava-se, todos os dias em que prestasse trabalho, junto da competente Sala dos Tripulantes (usualmente denominada “Crew Room”), no referido Aeroporto, em ...;
E) Os aviões da Ryanair encontravam-se estacionados no referido Aeroporto ..., ...;
F) Na referida Sala dos Tripulantes, o Autor registava a sua entrada ao serviço em computador destinado para o efeito, bem como, registava a sua saída no final de cada dia de trabalho;
G) Nos dias em que o serviço do Autor consistisse em voos programados, a mesma deveria apresentar-se e registar a sua entrada 45 minutos antes de cada voo;
H) Reunindo com a restante tripulação nos 45 minutos que antecediam o voo, com vista a programar e configurar o dia de trabalho;
I) Bem como, consultando tabelas de objetivos de vendas das rotas a operar previamente definidos pelos Supervisores da Base e documentos publicados periodicamente, constantes em arquivos existentes em tal Sala;
J) Nos dias em que se encontrasse de prevenção presencial deveria permanecer em tal Sala durante oito horas, executando diversas tarefas, tais como, preparação de documentos, recolha de correio interno, arrumação e reabastecimento de material;
K) Nos dias em que se encontrasse de prevenção não presencial, o Autor não era remunerado se não fosse chamado a prestar trabalho, mas também não era obrigado a comparecer no Aeroporto;
L) Tendo, antes, de permanecer, em determinado período de tempo (normalmente onze horas), alerta e atento ao telemóvel, pronto para receber chamada de urgência e disponível para se apresentar na mencionada Sala em 60 (sessenta) minutos;
M) O Autor recebia as instruções de trabalho dos seus superiores hierárquicos – Supervisores da Base;
N) As quais podiam ser fornecidas diária ou esporadicamente, de forma verbal ou escrita, e consistiam, designadamente, na proposta de organização do serviço a bordo da aeronave, na indicação dos produtos a destacar no dia e na receção e discussão dos resultados e relatórios do dia;
O) Recebendo, também, diariamente, instruções dos seus superiores hierárquicos Chefes de Cabine, que igualmente, se encontravam em ... e operavam o voo juntamente com o Autor.
P) Tais instruções e supervisão iniciavam-se na referida Sala dos Tripulantes, passavam pelo avião e terminavam na mencionada Sala, no final do dia;
Q) Após a aterragem e o regresso à referida Sala, o Autor redigia os relatórios necessários, depositando os mesmos em local destinado para o efeito ou introduzindo-os eletronicamente em computador existente na Sala, de acordo com a categoria de cada um dos relatórios;
R) É, ainda, no referido computador sito na crewroom que é feito o sign-in do trabalhador, bem como é ali que se encontra disponível a ferramenta de avaliação TOP CLASS;
S) Bem como, depositava, em cofre existente na referida Sala, o dinheiro faturado durante o dia e o transportava, sendo caso disso, para ...;
T) Caso o Autor se encontrasse incapacitado de prestar trabalho, deveria disso dar conhecimento ao Supervisor da Base e à Central de Controlo de Tripulação;
U) Em caso de atraso ou falta ao serviço o Autor era chamado para uma reunião com o Supervisor da Base, na Sala da Tripulação, em ...;
V) Todas as trocas de horário acordadas entre tripulantes, bem como, os requerimentos de licença sem vencimento do Autor eram submetidos à aprovação do Supervisor da Base, em ..., superior hierárquico da Autor;
W) No seu clausulado encontra-se expressamente previsto que a sua contratação, sem quebra da vinculação jurídica se destina da sua cedência pela R. Crewlink à Ryanair para o exercício as funções de assistente de bordo nos aviões da Ryanair na Base de ...;
X) O acordo de trabalho manter-se-ia em vigor até que fosse atingida a data limite aposta nos contratos ou até que fosse cessado o contrato de prestação de serviços estabelecido entre a Ré Crewlink e a Ryanair;
Y) O Autor celebrou com a Ré Crewlink, em ..., um primeiro acordo individual de trabalho a termo certo por três anos, com inicio a 06 de Março de 2011 e termo a 05 de Março de 2024;
Z) Durante a execução ininterrupta desse acordo, o Autor celebrou ainda os seguintes acordos de trabalho: - acordo por três anos com inicio a 28.03.2012 e termo a 27.03.2015; - acordo por três anos com inicio a 05.03.2014 e termo a 04.03.2017; - acordo por três anos com inicio a 27.03.2015 e termo a 26.03.2018; - acordo por três anos com inicio a 28.03.2018 e termo a 27.03.2021;
AA) No dia 4 de outubro de 2019, a R. Crewlink enviou aos AA. as comunicações da intenção de proceder ao despedimento coletivo, com as seguintes indicações: - Descrição dos motivos invocados para o despedimento coletivo; - Critérios para seleção dos trabalhadores a despedir; - Número de trabalhadores a despedir e das categorias profissionais abrangidas; - Período de tempo no decurso do qual se pretende efetuar o despedimento; - Método de cálculo de qualquer eventual compensação genérica a conceder aos trabalhadores a despedir, para além da indemnização referida no artigo 366.º do Código do Trabalho;
BB) Em tal comunicação consta da Descrição dos motivos invocados para o despedimento coletivo o seguinte: “O motivos para o despedimento colectivo são os que se encontram descritos no Anexo I. Conforme aí se expõe, o presente despedimento colectivo assenta em motivos estruturais, concretizados na reestruturação da organização produtiva, nomeadamente o encerramento total das operações desta Empresa na base de ... – ...”;
CC) No Anexo I consta da descrição mais detalhada dos motivos o seguinte: “(…) A Crewlink é uma agência de trabalho temporário com presença em diversos mercados internacionais. A Crewlink é parte em contrato de prestação de serviços de cedência de trabalhadores temporários à Ryanair Ireland, Ltd. (…) Assim, em ..., a Crewlink presta o serviço de disponibilização de trabalho temporário sob um contrato de prestação de serviços que permite à Ryanair preencher postos de trabalho disponíveis, nas condições legalmente admissíveis para este tipo contratual, sendo, por sua vez, esta a única cliente do grupo Crewlink no mercado Português. Neste âmbito, a empresa presta serviços de cedência de trabalhadores temporários à Ryanair nas seguintes bases aéreas: ... – Aeroporto ...; ... – Aeroporto ...; ... – aeroporto ...; e ... – Aeroporto .... Ocorre que a Ryanair informou que: - tem vindo a sofrer uma redução acentuada de resultados, tendo emitido já dois profit warnings, devido a redução do preço dos bilhetes e ao atraso na entrega dos aviões Boeing Max que resultou numa escassez de aeronaves disponíveis para a Ryanair e que a leva a reduzir a sua presença em ou a encerrar diversas bases durante o inverno; e em acréscimo, a Ryanair – única cliente da empresa, tem registado grandes aumentos de custos devido ao aumento do preço dos combustíveis e custos com pessoal, que se somam à incerteza criada pelo Brexit. Em resultado desta motivação, a Cliente comunicou à Crewlink a cessação do contrato de prestação de serviços com a Crewlink relativo à cedência de trabalhadores na sua base de ... - .... A perda da prestação de serviços para a cedência de trabalhadores com o seu único cliente em ... e, na verdade, em ..., a empresa não tem a possibilidade de manter qualquer dos contratos de trabalho neste local, não tendo cientes aos quais alocar os seus trabalhadores da base de .... (…) Em face do exposto no capítulo anterior, a Crewlink deixará de ter qualquer operação destinada a ceder trabalhadores em ..., sendo que não tem quaisquer vagas disponíveis nas demais bases em ..., que se encontram também a reduzir os postos de trabalho. Nenhum dos contratos de trabalho temporário que a empresa tem em vigor para o exercício de trabalho temporário em ... se manterá em vigor após a conclusão do processo de reestruturação que motiva este procedimento de despedimento colectivo. Segundo as informações prestadas pelo cliente Ryanair, as necessidades de execução do trabalho temporário contratado cessarão cumulativamente, prevendo-se a cessação de toda a prestação de serviço de cedência de trabalhadores temporários, entre 15 de novembro de 2019 e 08 de janeiro de 2020. Em função do exposto: os contratos de trabalho temporário a termo existentes na base de ..., que caducam até 08 de janeiro de 2020, não serão renovados. Cessarão desta forma 15 contratos de trabalho; os restantes 80 contratos de trabalho temporário existentes alocados à prestação de trabalho a partir da base de ..., são abrangidos pelo presente despedimento colectivo e cessarão expectavelmente em 08 de janeiro de 2020. (…)”;
DD) Na mesma data, 4 de outubro de 2019, a R. Crewlink enviou à DGERT cópias das comunicações da intenção de proceder ao despedimento coletivo enviadas aos trabalhadores, bem como o mapa de pessoal da empresa relativo às A..., ..., ... e ...;
EE) No dia 11 de outubro de 2019, os trabalhadores informaram a R. que tinham designado uma comissão representativa;
FF) No dia 14 de outubro de 2019, a R. Crewlink enviou à comissão representativa dos trabalhadores cópias das comunicações da intenção de despedimento, bem como o mapa de pessoal da empresa relativo às bases ... de ..., ..., ... e ..., anteriormente enviado à DGERT;
GG) No dia 24 de outubro de 2019, foi realizada a reunião de informações e negociação, na qual esteve presente um funcionário da DGERT, e da qual foi elaborada a respetiva ata;
HH) A Ré Crewlink iniciou o procedimento de abertura de uma representação permanente em ... – a Crewlink ... Lda. e enviou uma carta a todos os seus trabalhadores a informar que a partir de 01 de Fevereiro de 2019 todos seriam cedidos à referida empresa;
II) A Ryanair tem outras 3 bases em ... (..., ... e ...) e todas as bases funcionam, em grande parte, com trabalhadores da Ré Crewlink;
JJ) Os AA., pela 1ª vez assinaram contrato de trabalho com a R. Crewlink, o A. AAA, em 12 de maio de 2011, BBB, em 12 de Agosto de 2011;
KK) AAA em 1 de novembro de 2011, celebra com a R., acordo a termo com términus a 11 de maio de 2014, em 1 de abril de 2013, celebra com a R., acordo a termo, com términus a 11 de maio de 2014, em 12 de março de 2014, celebra com a R., acordo a termo, com términus a 11 de maio de 2017, em 12 de maio de 2017, celebra com a R., acordo a termo, com términus a 11 de maio de 2020;
LL) BBB em 1 de abril de 2013, celebra com a R., acordo a termo com términus a 11 de agosto de 2014, em 12 de agosto de 2014, celebra com a R., acordo a termo, com términus a 17 de agosto de 2017, em 12 de agosto de 2017, celebra com a R., acordo a termo, com términus a 11 de agosto de 2020;
MM) A retribuição base dos AA., no último ano (2019) foi de:
AAA, € 823,65, BBB, € 896,19; CCC € 1.182,56;
NN) Os AA. devolveram a compensação que a R. lhes depositou nas respectivas contas bancárias, em 13 de janeiro de 2020, BBB e em 14 de janeiro de 2020, AAA;
OO) Em 23 de janeiro de 2019, as RR. tomaram a decisão de fazer aplicar a lei portuguesa a todos os seus tripulantes colocados nas Bases ... da Ryanair;
PP) Essa decisão foi comunicada aos AA. através de “memorandum”, designado de ...44, enviado por net45, a todos os trabalhadores, da R. destacados nas Bases ... da Ryanair, informando-os que a partir de 1 de fevereiro de 2019, aos respectivos contratos de trabalho, passava a aplicar-se a lei laboral portuguesa, colocado e depositado em dossiê próprio, designado EEEEE, na sala de tripulantes das Bases ... da Ryanair, e também na de ..., sendo a sua consulta obrigatória para todos os tripulantes antes de embarcar em qualquer voo;
QQ) A existência dessa directiva interna era constantemente relembrada aos trabalhadores colocados nas Bases ... da 2ª R., como aconteceu com os AA., através do MEMO de 24 de setembro de 2019, em cuja segunda folha, 1º parágrafo, expressamente se recordava que desde 1 de fevereiro de 2019 a lei aplicável aos respetivos contratos era a portuguesa;
RR) Nenhum trabalhador, incluindo os AA., se opôs a essa directiva das R.;
SS) A R. procedeu ao pagamento ao A. CCC de € 9.224,78 a título de compensação, que o mesmo devolveu;
TT) CCC auferiu em 2020 rendimentos brutos no valor de € 2.925,00 em 2020, em 2021 no valor de € 16.949,82; É Membro de Órgão Estatutário na entidade ...42 - B... - UNIPESSOAL LDA, com Sede/Domicílio profissional em R DO ... N ...23 ... - ..., desde 2022-03-25, auferindo a remuneração base de € 705,00, referente ao último mês de 2022-10, relativo a 30,0 dias. Esteve a receber o Subsídio Desemprego de 2020-02-03 a 2020-12-02, no valor diário de € 23,17, por um período de 300 dias.
UU) BBB auferiu rendimentos brutos em 2020 no valor de € 39,01 e em 2021 no valor de € 672,53. Auferiu subsidio de desemprego de 2020-01-21 a 2021-04-20, no valor diário de € 21,31, por um período de 450 dias, e de 2021-04-21 a 2021-10-20, no valor diário de € 21,31, por um período de 180 dias. É trabalhador(a) por conta de outrem na entidade empregadora ...76 - C... UNIPESSOAL LDA, com Sede/Domicílio profissional em ... N ...6 ... ... - ... ..., desde 2021-12-06, auferindo a remuneração base de € 705,00, referente ao último mês de 2022-10, relativo a 30,0 dias;
A) AAA iniciou a sua atividade de Cat. B –trabalhador Independente em 2022-05-03, tendo emitido recibos no valor de € 7.655,00; É trabalhador(a) por conta de outrem na entidade empregadora ...08 - D..., UNIPESSOAL LDA, com Sede/Domicílio profissional em ZONA INDUSTRIAL ... ... ... - ... ..., desde 2022-11-14, sem registo de remunerações por motivo da obrigação contributiva da empresa e trabalhador apenas ocorrer no período de 01 a 10-12-2022. Consta qualificado(a) como trabalhador(a) independente, com início em 2022-05-03, e com o último mês de registo de remunerações em 2022-09, tendo declarado como base de incidência contributiva o valor de € 93,46, referente a 30,0 dias. Esteve a receber o Subsídio Desemprego de 2020-01-20 a 2021-04-19, no valor diário de € 23,90, por um período de 450 dias, e de 2021-04-20 a 2021-10-19, no valor diário de € 23,90, por um período de 180 dias.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.

1) Ilidida a presunção do art. 366.º do Código do Trabalho
Considera o Autor TTTT que ilidiu a presunção prevista no art. 366.º do Código do Trabalho, visto que o seu comportamento foi sempre compatível com a não-aceitação daquela compensação, não fazendo suas as quantias recebidas, nem as integrando no seu património, recusando-as e recusando aquele despedimento, que sempre invocou como ilícito, tendo, por várias vezes, demonstrando claramente a sua oposição ao despedimento, contestado, em tempo, a comunicação de intenção do mesmo por parte da Ré, e pugnando, desde logo, pela sua ilicitude.
Mais mencionou que a ação entrou em juízo no dia 30 de Março de 2020, sendo certo que, se a devolução daquela quantia não foi realizada em prazo mais célere, tal deve-se a todo o contexto social, cultural e sanitário vivido em tal período, não se podendo ignorar que no lapso temporal em que esta devolução é feita ocorre uma situação pandémica, que dificultou não só a comunicação, como também a deslocação, em geral, e às entidades bancárias, em particular, atendendo quer ao horário reduzido, quer às restrições de movimentação impostas por lei, quer o risco de contaminação especialmente acentuado nessa altura do ano, sendo que o Apelante colocou aquela quantia à disposição da entidade patronal, em menos de dois meses após a impugnação judicial, e como tal, dentro de um prazo razoável, atendendo ao circunstancialismo do caso concreto, ocorrido no seu todo num manifesto reduzido espaço de tempo.
Dispõe o art. 366.º, nºs. 4 e 5, do Código do Trabalho, que:
4 - Presume-se que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe do empregador a totalidade da compensação prevista neste artigo.
5 - A presunção referida no número anterior pode ser ilidida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação paga pelo empregador à disposição deste último.

Considera o Apelante que ilidiu a presunção prevista no n.º 4 do art. 366.º do Código do Trabalho, invocando algumas situações que determinaram o atraso na devolução da compensação à entidade empregadora, a Ré “Crewlink”.
Relativamente às situações invocadas pelo Apelante que lhe determinaram um atraso na devolução da compensação à Ré, é inegável que tais factos não foram invocados pelo Apelante na sua petição inicial, nem posteriormente, pelo que este tribunal de recurso se encontra vedado à sua apreciação.[5]
Relativamente à circunstância de não ter sido ilidida a presunção constante no citado art. 366.º, n.º 4, do Código do Trabalho, vejamos a parte mais significativa da fundamentação constante de sentença recorrida:
No caso dos autos, a partir do momento que os Autores tomaram conhecimento da efetivação da transferência bancária do valor da compensação na respetiva conta bancária, preencheu-se o facto integrativo da presunção de aceitação do despedimento, ou seja, o recebimento daqueles quantitativos.
Ora essa transferência ocorreu no caso de TTTT no dia 08 de janeiro de 2020.
A partir desse momento, tinha o ónus de demonstrar que o recebimento não implicava a aceitação do despedimento, ou seja, tinham de afastar o efeito probatório daquele facto decorrente da presunção em causa.
Se era intenção do A. impugnar o despedimento, deveriam, de imediato, devolver à Ré o valor da compensação. Nada foi alegado no sentido de comprovar de que tivessem sido impedidos de o fazer, designadamente por necessidades financeiras.
Uma reação tão tardia como a do A. não cumpre, certamente, os ditames da boa-fé, até porque não seria expectável que, após ter a disponibilidade daquele valor por tanto tempo, viesse impugnar o seu despedimento.
Por estas razões, face à omissão, por parte daquele A., de qualquer comportamento contemporâneo ou imediatamente a seguir ao recebimento da compensação, que pudesse ser interpretado como discordante da aceitação do despedimento coletivo, decorrente da presunção estabelecida com tal recebimento, teremos de concluir que não demonstrou ter afastado, com o aludido recebimento, a presunção de aceitação do mencionado despedimento.
Na verdade, decorre do disposto no artigo 363º., nº. 5 do Código do Trabalho que o pagamento da compensação, dos créditos vencidos e dos exigíveis por efeito da cessação do contrato de trabalho deve, em regra, ser efetuado até ao termo do prazo de aviso prévio.
Por sua vez, o artigo 366º., nº. 5 dispõe que se presume que o trabalhador aceita o despedimento quando recebe a compensação legal.
Nada permite, pois, concluir que o limite temporal para a devolução da compensação é o prazo previsto para a impugnação do despedimento coletivo, ou seja, de seis meses a contar da data da cessação do contrato de trabalho.
Claramente não é essa a intenção legislativa.
Do mesmo modo, em presença destes dispositivos legais, também não é viável a conclusão segundo a qual sempre o prazo para a devolução da compensação apenas pode ter início após a data de cessação do contrato de trabalho e nunca durante a vigência do mesmo.
Não faria sentido, então, a norma decorrente do nº. 6 do artigo 366º., que permite a ilisão da presunção referida desde que, em simultâneo, o trabalhador entregue ou ponha, por qualquer forma, a totalidade da compensação pecuniária recebida à disposição do empregador.
O facto de a lei não estabelecer um específico prazo para o trabalhador expressar a não aceitação do despedimento e devolver a compensação prevista no artigo 366º do Código do Trabalho, de modo a evitar a atuação da presunção legal associada ao recebimento desta não autoriza a que, para tanto, se convoque o prazo de seis meses, uma vez que tal prazo foi estabelecido para uma finalidade diversa e que pela sua dilação não se coaduna manifestamente com a exigência de simultaneidade expressa no nº. 5 do artigo 366º, não correspondendo, também, ao objetivo de rápida estabilização e pacificação das relações jurídicas que esteve na base da previsão da referenciada presunção.
Pode dizer-se que a presunção legal de aceitação do despedimento é injustificada, na medida em que forçando o trabalhador a recusar a oferta da compensação de antiguidade para que possa conservar intacta a faculdade de contestar judicialmente o seu despedimento é irrazoável.
Neste sentido, Leal Amado, em Contrato de Trabalho, 2ª edição, Coimbra Editora, 403. Tese também sufragada por Júlio Gomes, que considera a opção legislativa infeliz (Direito do Trabalho, Vol. I, Coimbra Editora, 986).
Contudo, tendo sido esta a opção legal, não poderemos deixar de a aplicar.
E nem se diga que tal resulta numa inconstitucionalidade.
Na verdade, não há direitos absolutos e a Constituição não proíbe, antes consente, que se estabeleçam limites ao exercício dos direitos.
Designadamente limites de natureza temporal. Sendo que o princípio constitucional da segurança no emprego proíbe, isso sim, os despedimentos imotivados, o que não é o caso do despedimento coletivo que deve assentar em razões de ordem objetiva legalmente definidas.
O Tribunal Constitucional assim o declarou a partir do Ac. 64/91, assumindo “que a Constituição não veda em absoluto ao legislador ordinário a consagração, ao lado da justa causa (disciplinar), de certas causas de rescisão unilateral do contrato de trabalho pela entidade empregadora “com base em motivos objetivos”…” (Jorge Miranda e Rui
Medeiros Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 506).
Embora o despedimento ilícito consubstancie a violação de um direito fundamental com a natureza dos previstos artigo 18º da Constituição da República Portuguesa, é admissível a sujeição da impugnação a um prazo razoável.
Do que não se abdica é da garantia de um controlo destes despedimentos, razão pela qual os mesmos estão sujeitos também a “procedimentos adequados de comunicação, informação, negociação, tendentes à obtenção de soluções justas…” (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 710).
E, se bem atentarmos na norma contida nos artigos 366º., nº. 5 e 6 do Código do Trabalho, a presunção que ali se enuncia é ilidível sem que a lei estabeleça o concreto prazo de devolução da compensação o que permitirá ajuizar de eventuais razões para uma devolução menos atempada.
Essas razões não vêm alegadas no caso dos autos.
A evolução legislativa que se registou a partir da LCCT aprovada pelo DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, instrumento no qual se estabelecia, no seu artigo 23.º, n.º 3, uma presunção inilidível, ao consignar que o recebimento pelo trabalhador da compensação a que se refere o presente artigo vale como aceitação do despedimento.
Após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003 passou a admitir-se que o trabalhador pudesse demonstrar que a aceitação da compensação devida pelo despedimento não traduz a aceitação do mesmo, ou seja, estabelecendo-se, embora, uma presunção, esta passou a ser ilidível. Situação mantida pelo Código do Trabalho de 2009.
É assim que, no regime atual, e por força de quanto se estabelece no artigo 350º., nº. 1 do Código Civil, a presunção liberta aquele a quem ela beneficia da prova do facto que a ela conduz. Ou seja, “demonstrado o pagamento, o recebimento da compensação faz operar a presunção legal de aceitação do despedimento, a qual pode ser ilidida, não ficando precludida a possibilidade de impugnação do despedimento” (Ac. STJ de 16/06/2015, Procº 962/05.1TTLSB).
Donde, em tese geral, cabe ao visado demonstrar “que o recebimento da compensação não significou, no seu caso específico, aceitação do despedimento.
A questão que se coloca é a de saber em que circunstâncias se há-de ter por aceite essa demonstração.
Temos por adquirido que não bastará, para o efeito, a simples declaração do trabalhador no sentido de que questiona a compensação disponibilizada nem, muito menos, uma ulterior instauração da ação de impugnação do despedimento.
Se assim fosse “... de pouco ou nada valeria a presunção legal, solução esta que, atento o ... art. 9.º n.º 3 do Código Civil, nos parece não ter sido a pretendida pelo legislador.
Aliás, refira-se que a aludida presunção tem a sua razão de ser centrada naquela que nos parece ser a estabilidade e pacificação das relações jurídicas que, certamente, resultaria prejudicada caso assumissem tais comportamentos do trabalhador fundamento de facto para considerar ilidida a presunção.
Uma eventual declaração repulsiva da compensação, por banda do trabalhador, há-de ser acompanhada, por necessário, de comportamentos com ela compatíveis.
Nesse sentido, não sendo necessariamente exigível que o trabalhador devolva de imediato a verba disponibilizada – hipótese em que a própria disciplina legal não cobraria sequer aplicação por não ser de vislumbrar no caso, tão pouco, uma situação de recebimento – já não poderá aceitar-se, por regra, que o trabalhador venha a dispor da compensação em seu proveito.
Uma tal atitude contraditaria frontalmente o avançado propósito de recusa do despedimento.
Da jurisprudência do STJ emerge, pois, a possibilidade de retenção da compensação, o que permite afirmar que não ficam postergados os direitos de acesso ao direito e aos tribunais. O que não poderá é o trabalhador ficar na respetiva disponibilidade por um período de tempo no qual não se vê razoabilidade, designadamente consonante com a eventual ponderação, que terá que efetuar, acerca da conformação com o despedimento.
Circunstâncias que nos levam a concluir que a opção legislativa em apreciação não é incompatível com a Constituição da República.
Assim, o A. TTTT só devolve a compensação em 12 de maio de 2020.
Não logrando o A. provar, nem tão pouco o alegou, qualquer motivo atendível e idóneo que justificasse a devolução da compensação passados 125 dias, presume-se que aceitou o despedimento.
Pelo exposto, determina-se a extinção do direito do A. TTTT na presente acção de impugnação de despedimento colectivo, absolvendo-se a R. Crewlink Ireland Ltd do pedido formulado pelo mesmo, nos termos do n.º 3 do artigo 576.º do CPC ex vi alínea a) do número 2 do artigo 1.º do Código de Processo do Trabalho.

Apreciemos.
Na realidade, apesar de a presunção prevista no n.º 4 do art. 366.º do Código do Trabalho poder ser ilidida, a forma de ser ilidida encontra-se tipificada pelo n.º 5 desse mesmo artigo.
A interpretação daquilo que significa a expressão “em simultâneo”, constante do referido n.º 5, tem causado grandes dificuldades ao intérprete e permitido um conjunto diversificado de soluções.
Depois de a maioria da jurisprudência ter interpretado tal expressão como significando que a presunção de aceitação do despedimento apenas poderia ser ilidida quando o trabalhador devolvesse ao empregador a totalidade da compensação recebida em momento imediato ou temporalmente próximo do momento em que recebera tal compensação,[6] mais recentemente passou a entender-se que à “expressão “em simultâneo”, que significa “ao mesmo tempo”, tem de ser atribuída a maleabilidade necessária (prazo razoável) para poder abarcar um conjunto de situações que exigem uma apreciação flexível respeitante a eventuais factos que poderão ser alegados pelo trabalhador para afastar a presunção da aceitação do despedimento”[7]. Neste sentido, entende-se que “Caso o trabalhador pretenda ilidir a presunção, o lapso de tempo entre a data em que o empregador efetuou o pagamento do montante da compensação e a data em que o trabalhador procedeu à devolução terá de ser sempre apreciado judicialmente no sentido de se determinar se é ou não razoável, tendo em conta todo o contexto dinâmico do caso concreto”.[8]
Por fim, conforme jurisprudência mais recente, à qual aderimos, a expressão “em simultâneo” significa, segundo o Dicionário Enciclopédico de Língua Portuguesa, “coincidente com, ao mesmo tempo, diz-se de duas ou mais acções que se realizam ao mesmo tempo, mas não “de imediato”, directo, sem intervalo de tempo, urgente, que actua instantaneamente”.[9]
Efetivamente, conforme bem refere o já mencionado acórdão do STJ proferido em 12-10-2022:
A interpretação dos n.ºs 4 e 5 do citado artigo 366.º, no que respeita à presunção aí estabelecida e à sua ilisão, deve respeitar as regras consagradas no artigo 9.º do C. Civil, com relevo para a letra da lei, a sua razão de ser e a unidade do sistema jurídico, tendo sempre como escopo fulcral o “evitar arbitrariedade das decisões em concreto com vista a uma maior segurança jurídica e confiança no sistema judiciário”, dado que “a questão da presunção do despedimento do trabalhador ou, afastamento dessa presunção, insere-se na temática da segurança do emprego e proibição dos despedimentos sem justa causa”[cf. Acórdão Formação do STJ de 17.03.2022].
Desígnios estes, diga-se, de relevância constitucional.
Assim, importa convocar as normas do Código do Trabalho que dispõem sobre os meios processuais de reação em juízo pelo trabalhador e os respetivos prazos - o procedimento cautelar de suspensão preventiva do despedimento e a impugnação do despedimento -, meios processuais e prazos esses que o legislador considerou razoáveis numa ponderação dos interesses do trabalhador e do empregador com vista à pacificação social - cf. artigos 386.º e 387.º, ambos do CT e artigo 98.º-C do CPT.
Dos citados normativos do Código do Trabalho e do Código de Processo do Trabalho, decorre que a declaração expressa de não aceitação do despedimento, por parte do trabalhador, se consubstancia com a apresentação em juízo do (i)procedimento cautelar de suspensão preventiva do despedimento e (ii)da declaração de oposição ao despedimento: a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento.
E fixando a lei laboral apenas dois procedimentos de reacção em juízo do trabalhador à comunicada decisão de despedimento por parte do empregador, incluindo o despedimento por extinção do posto de trabalho, não pode o intérprete considerar qualquer outro, não só porque os elementos gramatical e racional da lei não o permitem, mas ainda para garantir as necessárias certeza e segurança jurídicas e a confiança no sistema judiciário, e, assim, evitando arbitrariedade das decisões no concreto, que a “tese do conhecimento pelo trabalhador” poderá causar, a avaliar pelas dúvidas doutrinais e jurisprudenciais supra exemplificadas.
Além disso, a expressão “em simultâneo” significa que o fim prosseguido pelo legislador ao elaborar a norma - a “ratio legis” -, se concretiza na prática simultânea de dois actos: a devolução da totalidade da compensação e outro acto associado, e não no imediatismo dessa devolução, como alguma doutrina defende.

Conclui, por fim, este acórdão, que:
III- A ilisão da presunção legal, prevista no artigo 366.º n.º 5 do CT para o despedimento por extinção do posto de trabalho, consubstancia-se com a devolução da totalidade da compensação, simultaneamente, com a apresentação em juízo de um dos dois procedimentos legais previstos nos artigos 386.º e 387.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

Sobre a necessidade de simultaneidade entre dois atos, em que um deles terá de ser necessariamente o da devolução da compensação pelo trabalhador ao empregador, Bernardo da Gama Lobo Xavier[10] discorreu sobre esta problemática nos seguintes moldes:
Em simultâneo com o quê? Será uma posição extremista exigir ao trabalhador a devolução imediata da compensação para impedir que se estabeleça a presunção. O que nos parece certo e seguro é que a devolução terá de ocorrer como requisito mínimo para afastamento da presunção da aceitação, sendo obviamente necessários outros factos. Sendo relevantes necessariamente para consolidar ou afastar a presunção o maior ou menor tempo decorrido, a devolução em simultâneo terá de ocorrer desde o momento em que judicial ou extrajudicialmente o trabalhador pretenda demonstrar que o recebimento não correspondeu a uma aceitação. Em juízo, o trabalhador poderá devolver a compensação conjuntamente com o procedimento de suspensão, com a acção de impugnação de despedimento colectivo, ou com a contestação ao articulado do empregador, no primeiro destes momentos que ocorrer. Não parece indispensável que o trabalhador devolva em simultâneo com a entrega do requerimento/formulário de impugnação, pois a iniciativa da acção será do empregador (art.º 98.º-J do CPT) e as coisas podem ficar por aí (art.º 98.º-J, 3, do CPT). E não podemos excluir que o trabalhador apenas faça a devolução no articulado a que responda à invocação pelo empregador por acção ou excepção da presunção da aceitação. De qualquer modo, a elisão da presunção é fundamentalmente judicial e a posse do quantitativo da compensação é apenas algo que obsta que o trabalhador ponha em marcha – através de articulado – os meios que permitem roubar significado à presunção de aceitação.

Tem vindo a ser o entendimento mais recente desta seção social,[11] que a expressão “em simultâneo” implica a prática pelo trabalhador de dois atos inequívocos por parte do trabalhador de não aceitação do despedimento, em que um deles terá necessariamente de se traduzir na entrega da compensação ao empregador, sendo que o outro ato terá de se traduzir num ato de manifesta oposição ao despedimento, como o são a interposição do procedimento de suspensão ou a interposição da ação de impugnação de despedimento coletivo ou a contestação ao articulado do empregador nas ações especiais de impugnação da regularidade licitude do despedimento.
A eventual admissão da devolução da compensação por parte do trabalhador em momento posterior ao destes atos judiciais, como forma de ilidir, nos termos do n.º 5 do art. 366.º do Código do Trabalho, a presunção prevista no seu n.º 4, terá sempre de ser suficientemente fundamentada, e provada, pelo trabalhador, de forma a permitir ao julgador concluir, segundo critérios de razoabilidade e de proporcionalidade, que, apesar de já terem ocorrido os citados atos judiciais, a não devolução da compensação nessas alturas não resultou de responsabilidade do trabalhador ou qualquer outra situação que se possa enquadrar dentro de tais critérios. Interpretar de outro modo o n.º 5 do art. 366.º do Código do Trabalho implicaria um total esvaziamento do seu conteúdo.
No caso concreto, o trabalhador TTTT recebeu a compensação em 08-01-2020, vindo a devolvê-la em 12-05-2020, tendo interposto a ação de impugnação de despedimento coletivo com processo especial em 31-03-2020, pelo que é manifesto que aquando da interposição da respetiva ação de impugnação do despedimento coletivo o trabalhador não procedeu, em simultâneo, à devolução da referida compensação, vindo a fazê-lo cerca de mês e meio depois. Quanto aos motivos pelos quais apenas procedeu à devolução da compensação nessa altura, o trabalhador TTTT nada alegou, nem em sede de petição inicial, nem em sede de resposta à contestação aquando da audiência prévia.
Nesta conformidade, ainda que por fundamentação diversa da explanada na sentença recorrida, não se mostra ilidida a presunção prevista no n.º 4 do art. 366.º do Código do Trabalho, improcedendo, nesta parte, a pretensão do Autor TTTT.

2) Despacho-saneador prematuro
Considera o Apelante que o despacho saneador-sentença foi prolatado prematuramente, uma vez que nele não foram considerados ab initio todos os factos invocados, aptos a demonstrar a razoabilidade do prazo decorrido para a devolução da compensação.
Ora, conforme já se mencionou, aquando da petição inicial, nem posteriormente, a não ser em sede recursiva, o Autor não invocou qualquer facto relativo à razão pela qual apenas devolveu a compensação em 12-05-2020, pelo que apenas poderá improceder a sua pretensão, visto que ao tribunal a quo não era exigível a apreciação de factos não alegados.
Deste modo, improcede também aqui a pretensão do Autor.

3) Insuficiência da quantia atribuída a título compensatório
O Apelante entende que a quantia a si atribuída pela entidade empregadora, a título de compensação, era insuficiente.
Acontece que o Autor nunca abordou esta questão na sua petição inicial, nem posteriormente, a não ser em sede recursiva, pelo que o tribunal ad quem não a pode apreciar.
Cita-se a este propósito o sumário do acórdão deste Tribunal da Relação, proferido em 12-03-2015:[12]
I- Os recursos, por natureza, visam a reapreciação de decisões judiciais (visam uma alteração do decidido), pelo que não podem ser um meio de introduzir questões novas e assim obter decisões diferentes com base numa fundamentação que não podia ter sido considerada na instância recorrida.

Cita-se igualmente o acórdão do STJ, proferido em 17-11-2016:[13],:
II - Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais através dos quais se visa reapreciar e modificar decisões já proferidas que incidam sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, e não criá-las sobre matéria nova, não podendo confrontar-se o Tribunal ad quem com questões novas, salvo aquelas que são de conhecimento oficioso.

Assim, tratando-se de uma questão nova, não invocada pelo Apelante na 1.ª instância, e não se tratando de questão de conhecimento oficioso, encontra-se a mesma vedada para apreciação por este Tribunal.
Nesta conformidade, por este Tribunal se encontrar impossibilitado de proceder à apreciação desta nova questão, não a iremos apreciar.

4) Nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a condenação
Considera a Apelante “Crewlink” que existe uma nulidade por contradição entre a decisão de absolvição A) e a decisão de condenação D), por contradição entre a condenação D) e os fundamentos que presidiram à absolvição dos vários pedidos, uma vez que o tribunal a quo, por um lado, considerou que a ação especial de impugnação de despedimento coletivo não é adequada a avaliar pedidos não relacionados concretamente com o despedimento coletivo, razão pela qual absolveu a Ré da condenação no pagamento de subsídios de férias e de Natal; e, por outro, condenou a Ré no pagamento, ainda que entre parêntesis, dos subsídios de férias e de natal.
Conforme resulta dos ensinamentos de Lebre de Freitas em A Acção Declarativa Comum: À Luz do Código de Processo Civil de 2013:[14]
(…) se na fundamentação da sentença o julgador segue determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição é causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica, ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade.

De igual modo, como bem sustentaram Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil,[15] esta nulidade reporta-se “à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão. (…) Nestes casos (…), há um vício real de raciocínio do julgador (e não um simples lapsus calami do autor da sentença): a fundamentação aponta num sentido; a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente”.
Cita-se ainda a este propósito o acórdão do STJ, proferido em 30-05-2013:[16]
I- A contradição a que a lei impõe o efeito inquinatório da sentença como nulidade, é a oposição entre os fundamentos e a decisão – art.º 668º, nº 1, al. d) do CPC.
II- Porém, para que tal ocorra, não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, pois tal divergência pode consubstanciar um mero erro de julgamento (error in judicando) sem a gravidade de uma nulidade da sentença. Como escreve Amâncio Ferreira «a oposição entre os fundamentos e a decisão não se reconduz a uma errada subsunção dos factos à norma jurídica nem, tão pouco, a uma errada interpretação dela. Situações destas configuram-se como erro de julgamento» (A. Ferreira, Manual de Recursos em Processo Civil, 9ª edição, pg. 56).
III- A contradição entre os fundamentos e a decisão prevista na alínea c) do nº 1 do art.º 668º, ainda nas palavras do citado autor, verifica-se quando «a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo Juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente»

Apreciemos, então.
Consta da parte decisória A) e D) que:
A) Declarar existir erro parcial na forma do processo relativamente ao peticionado pelos AA. de reconhecimento da nulidade do contrato de trabalho temporário por falta de fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração; a nulidade do contrato de utilização a que se reporta o contrato do Autor quer por insuficiência da fundamentação quer por ultrapassagem dos prazos legalmente previstos de duração; que face à dupla nulidade, o contrato de trabalho do Autor inicialmente celebrado com a 1.ª Ré se converteu num contrato de trabalho por tempo indeterminado com a 2.ª Ré; condenar a 2.ª Ré a pagar-lhes montantes a título de subsídio de férias, subsídio de natal, proporcionais de férias, subsídios de férias e subsídio de natal do ano da cessação, formação contínua não ministrada, retribuição ilicitamente não paga durante os períodos de inatividade impostas pela mesma a título de férias não gozadas e não pagas; condenar a 2.ª Ré ao pagamento da indemnização legalmente prevista no artigo 391 e 390.º ambos do Código do Trabalho devendo o ser valor ser fixado no máximo de 45 dias; condenar a 2.º Ré no pagamento de uma indemnização pelos danos não patrimoniais causados. Bem como, caso se viesse a entender que a 2.º Ré, no caso a Ryanair Designated Ativity Company, DAC (Ryanair Limited) não é a legítima entidade empregadora, ser a 1.ª Ré condenada em tais pedidos, que constitui uma exceção dilatória inominada por cumulação ilegal de causas de pedir e pedidos, nos termos da alínea e) do número 1 do artigo 278.º do Código de Processo Civil, e, em consequência, absolvem-se as RR. Crewlink Ireland Ltd, e Ryanair Designated Ativity Company, DAC (Ryanair Limited) da instância quanto aos mesmos;
[…]
D) Condena-se a R. Crewlink Ireland Ltd a pagar aos AA. BBB, AAA e CCC, respectivamente, os montantes de € 8.800,08, € 8.327,98 e € 12.186,92 a título de indemnização, bem como as retribuições vencidas (incluindo subsídio de férias e de natal), desde o 30.º dia que antecedeu a propositura da acção até à data da prolação da presente sentença, acrescidas das que se vencerem até ao trânsito ao julgado da mesma (descontando nas retribuições devidas remunerações ou subsídio de desemprego que os AA. hajam auferido neste período);

É evidente que inexiste qualquer contradição entre os fundamentos que levaram à absolvição constante da alínea A) e a condenação constante da alínea D).
Na realidade, o tribunal a quo apenas decidiu não averiguar se os subsídios de férias e de Natal, peticionados pelos Autores, durante a pendência do contrato de trabalho, por os considerarem não pagos, se encontravam em dívida ou, pelo contrário, pagos, conforme alegado pela Ré, na sua contestação. Daí não resultou, nem consta da fundamentação da sentença, que os Autores não tinham direito a subsídio de férias e de Natal. O que está em causa, em face da contestação da Ré, é o valor do subsídio de férias e de Natal (ou seja, o valor da retribuição base, a partir da qual se determina o valor desses subsídios), já não a sua existência. E, deste modo, os Autores, durante o período que medeia o 30.º dia que antecedeu a propositura da presente ação até à data do trânsito em julgado, têm direito às retribuições vencidas, incluindo-se nelas o subsídio de férias e de Natal, e isto independentemente de se encontrar, ou não, apurado o valor mensal auferido pelos Autores, visto que se trata de um direito decorrente da circunstância de o despedimento coletivo ter sido considerado ilícito.
Acontece que, nos termos do facto provado MM), não impugnado pela Ré, mostra-se apurada a retribuição base dos Autores no último ano ao serviço da Ré, pelo que o cálculo a efetuar terá de atender a tal valor.
Pelo exposto, improcede, nesta parte, a pretensão da Ré.

5) Violação do princípio do contraditório
Considera a Apelante que a sua condenação nas retribuições vencidas, incluindo subsídio de férias e de natal, desde o 30.º dia que antecedeu a propositura da ação até à data da prolação da presente sentença, acrescidas das que se vencerem até ao trânsito em julgado da mesma, descontando nas retribuições devidas as remunerações ou subsídio de desemprego que os Autores hajam auferido neste período, violou o princípio do contraditório, por a Ré entender que o salário anual acordado englobava já os subsídios de férias e de Natal e os Autores entenderem diferentemente. Ou seja, a Ré entende que o não apuramento, em concreto, do valor da remuneração base dos Autores (sendo sempre a partir da remuneração base que se calculam os subsídios de férias e de Natal) impediria a sua condenação no pagamento dos subsídios de férias e de natal relativamente às retribuições intercalares existentes entre o despedimento (declarado ilícito) e o trânsito da decisão condenatória. No entanto, e como já referimos supra, mesmo que tal fosse a situação, o não apuramento do rendimento base não impediria tal condenação, sendo, nesse caso, o valor concreto da condenação apurado em sede de incidente de liquidação de sentença.
Porém, não é sequer essa a situação dos Autos, visto que, em face do que consta do facto provado MM), não impugnado pela Ré, mostra-se apurado o valor de remuneração base dos Autores.
Pelo exposto, inexistindo qualquer violação do princípio do contraditório, improcede, nesta parte, a pretensão da Ré.

6) Impugnação da matéria de facto
Considera a Ré, em sede de recurso, que devem ser acrescentados à matéria de facto provada, em face do documento 1 junto com a contestação e do relatório pericial junto em 15-03-2022, os seguintes factos:
GG-1)
“No dia 24 de outubro de 2019, em reunião de informações e negociação, a comissão representativa questionou a R. Crewlink sobre se esta teria vagas fora de ... que pudessem ser preenchidas pelos trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo, tendo a R. Crewlink respondido que iria enviar uma lista com as vagas existentes”.
GG-2)
“Na sequência do compromisso assumido pela Apelante em 24.10.2019, na reunião de informações e negociação, esta enviou à comissão representativa dos trabalhadores emails em 29.10.2019, a informar que teria vagas nas bases estrangeiras de LBA, MAN e HHN e em 31.10.2019, a informar que teria vagas nas bases estrangeiras de BRS, DUB, LTN, NRN, SEM, SNN e STN”.
GG-3)
“No decurso do procedimento de despedimento coletivo foi acordado com os trabalhadores ZZZZ, AAAAA, BBBBB, CCCCC e DDDDD que estes seriam transferidos para a base de ... – ..., em 01.11.2019”.

Pretende ainda a Ré, em sede de contra-alegações, que sejam acrescentados à matéria de facto provada, em face da existência de acordo entre as partes e dos documentos 1 e 2 juntos com a contestação, os seguintes factos:
• Na comunicação de decisão de despedimento, enviada a 08 de novembro de 2019, a R. Crewlink solicitou aos trabalhadores, entre os quais o A. TTTT, que sinalizassem qualquer lapso que detetassem nos montantes a pagar, sem que este autor tenha apontado qualquer erro.
• Em 08.01.2020, cessou o contrato de trabalho do A. TTTT por despedimento coletivo, tendo, na mesma data, a Apelada pago ao Apelante a quantia de € 5.051,48 a título de compensação pelo despedimento.
• Em 30.03.2020, o A. TTTT, intentou ação de impugnação do despedimento coletivo, não tendo impugnado o valor pago a título de compensação.
• Em 12.05.2020, o Apelante devolveu à Apelada, por transferência bancária, o valor de € 5.051,48 que esta lhe pagou a título de compensação pelo despedimento coletivo.

Apreciemos.
Relativamente aos factos que a Ré pretende ver acrescentados, no recurso que interpôs, importa referir que os dois primeiros factos (GG-1 e GG-2) não foram por esta alegados nas contestações que apresentou, pelo que não é possível a este tribunal proceder à apreciação dos mesmos.
Já relativamente ao facto GG-3), efetivamente o mesmo mostra-se parcialmente alegado nos arts. 17.º e 18.º das suas contestações, pelo que passaremos à sua apreciação.
Consta do art. 17.º das contestações da Ré que:
17.º
No âmbito da possibilidade de realocação de trabalhadores a vagas disponíveis, foram garantidas transferências a 7 trabalhadores, para as seguintes base:
NameTransfer New Base
DDDDD... – ...
ZZZZ... – ...
DDD... – ...
AAAAA... – ...
BBBBB... – ...
CCCCC... – ...
JJJ... – ...

Consta, por sua vez, do art. 18.º das contestações da Ré que:
18.º
Dois dos trabalhadores acima referidos, JJJ e DDD, acabaram por solicitar o cancelamento das suas transferências.

Acontece, porém, que, a menção que consta do parecer elaborado pelos assessores, onde se refere que a Ré terá informado que, dos 80 trabalhadores constantes do procedimento de despedimento coletivo, cinco deles foram transferidos para uma base estrangeira, não constitui, por si só, prova do alegado facto.
Assim, inexistindo qualquer outra prova, não será este facto acrescentado ao elenco dos factos provados.
Relativamente aos factos que a Ré pretende que sejam acrescentados, em sede de contra-alegações, onde requereu a ampliação da matéria do recurso quanto à matéria de facto, não só tais factos resultavam de forma evidente do despacho prévio que determinou a extinção do direito do Autor TTTT e a consequente absolvição da Ré “Crewlink”, como é manifesta a inutilidade em acrescentar tais factos, perante a total improcedência do recurso daquele Autor. Ora, nos termos do art. 130.º do Código de Processo Civil os atos inúteis não são lícitos.
Pelo exposto, improcede na íntegra a impugnação factual pretendida pela Ré.

7) Licitude do despedimento
Entende a Apelante que não é obrigatório o envio do quadro de pessoal a cada um dos trabalhadores que integram o despedimento coletivo, quando inexiste comissão de trabalhadores, comissão intersindical ou comissões sindicais, sendo a constituição de uma comissão ad hoc um ónus mínimo dos trabalhadores, que, se não for cumprido, não os habilita a um conjunto de informações e à fase de negociações.
Alegou ainda que assim que a comissão ad hoc foi criada, a Ré enviou-lhe prontamente as referidas informações.
Esclareceu também que o não envio à DGERT e Comissão Representativa dos trabalhadores de um quadro de pessoal com as vagas existentes em todas as bases não implica a ilicitude do despedimento, sendo que, de qualquer modo, no decurso do processo negocial a Ré informou a comissão de trabalhadores sobre a existência das vagas disponíveis na sua estrutura fora de ....
Alegou igualmente que não tem a obrigação de, no quadro de pessoal enviado, prestar informações referentes a todos os seus trabalhadores, em todas as bases onde operam, sendo-lhe apenas exigível que preste tais informações quanto aos trabalhadores na base onde o despedimento coletivo ocorreu.
Por fim, concluiu que mesmo que fosse obrigatório enviar a todos os trabalhadores abrangidos pelo despedimento coletivo os elementos previstos no n.º 2 do art. 360.º do Código do Trabalho, a violação dessa obrigação, por si só, não implicaria a ilicitude do despedimento, tanto mais que a Ré enviou tais elementos à DGERT e à comissão representativa dos trabalhadores, bem como a falta de um qualquer elemento menor na comunicação inicial, dificilmente poderá sustentar a ilicitude de um despedimento coletivo, tanto mais que tais informações não eram vitais à fase de negociações.
Dispõe o art. 359.º do Código do Trabalho que:
1- Considera-se despedimento colectivo a cessação de contratos de trabalho promovida pelo empregador e operada simultânea ou sucessivamente no período de três meses, abrangendo, pelo menos, dois ou cinco trabalhadores, conforme se trate, respectivamente, de microempresa ou de pequena empresa, por um lado, ou de média ou grande empresa, por outro, sempre que aquela ocorrência se fundamente em encerramento de uma ou várias secções ou estrutura equivalente ou redução do número de trabalhadores determinada por motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos.
2 - Para efeitos do disposto no número anterior consideram-se, nomeadamente:
a) Motivos de mercado - redução da actividade da empresa provocada pela diminuição previsível da procura de bens ou serviços ou impossibilidade superveniente, prática ou legal, de colocar esses bens ou serviços no mercado;
b) Motivos estruturais - desequilíbrio económico-financeiro, mudança de actividade, reestruturação da organização produtiva ou substituição de produtos dominantes;
c) Motivos tecnológicos - alterações nas técnicas ou processos de fabrico, automatização de instrumentos de produção, de controlo ou de movimentação de cargas, bem como informatização de serviços ou automatização de meios de comunicação.

Estipulava, por sua vez, o art. 360.º do Código do Trabalho[17] que:
1 - O empregador que pretenda proceder a um despedimento colectivo comunica essa intenção, por escrito, à comissão de trabalhadores ou, na sua falta, à comissão intersindical ou às comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger.
2 - Da comunicação a que se refere o número anterior devem constar:
a) Os motivos invocados para o despedimento colectivo;
b) O quadro de pessoal, discriminado por sectores organizacionais da empresa;
c) Os critérios para selecção dos trabalhadores a despedir;
d) O número de trabalhadores a despedir e as categorias profissionais abrangidas;
e) O período de tempo no decurso do qual se pretende efectuar o despedimento;
f) O método de cálculo de compensação a conceder genericamente aos trabalhadores a despedir, se for caso disso, sem prejuízo da compensação estabelecida no artigo 366.º ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.
3 - Na falta das entidades referidas no n.º 1, o empregador comunica a intenção de proceder ao despedimento, por escrito, a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos, os quais podem designar, de entre eles, no prazo de cinco dias úteis a contar da recepção da comunicação, uma comissão representativa com o máximo de três ou cinco membros consoante o despedimento abranja até cinco ou mais trabalhadores.
4 - No caso previsto no número anterior, o empregador envia à comissão neste referida os elementos de informação discriminados no n.º 2.
5 - O empregador, na data em que procede à comunicação prevista no n.º 1 ou no número anterior, envia cópia da mesma ao serviço do ministério responsável pela área laboral com competência para o acompanhamento e fomento da contratação colectiva.
6 - Constitui contra-ordenação grave o despedimento efectuado com violação do disposto nos n.os 1 a 4 e constitui contra-ordenação leve o efectuado com violação do disposto no n.º 5.

Estatui ainda o art. 381.º do Código do Trabalho que:
Sem prejuízo do disposto nos artigos seguintes ou em legislação específica, o despedimento por iniciativa do empregador é ilícito:
a) Se for devido a motivos políticos, ideológicos, étnicos ou religiosos, ainda que com invocação de motivo diverso;
b) Se o motivo justificativo do despedimento for declarado improcedente;
c) Se não for precedido do respectivo procedimento;
d) Em caso de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante ou de trabalhador durante o gozo de licença parental inicial, em qualquer das suas modalidades, se não for solicitado o parecer prévio da entidade competente na área da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres.

Determinava, por fim, o art. 383.º do Código do Trabalho[18] que:
O despedimento colectivo é ainda ilícito se o empregador:
a) Não tiver feito a comunicação prevista nos n.os 1 ou 4 do artigo 360.º ou promovido a negociação prevista no n.º 1 do artigo 361.º;
b) Não tiver observado o prazo para decidir o despedimento, referido no n.º 1 do artigo 363.º;
c) Não tiver posto à disposição do trabalhador despedido, até ao termo do prazo de aviso prévio, a compensação por ele devida a que se refere o artigo 366.º e os créditos vencidos ou exigíveis em virtude da cessação do contrato de trabalho, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 5 do artigo 363.º

Em face dos artigos citados, e diferentemente do que considera alguma doutrina[19] e jurisprudência,[20] afigura-se-nos que a melhor interpretação a dar ao art. 360.º do Código do Trabalho consiste no entendimento de que na comunicação da intenção de proceder a um despedimento coletivo a entidade empregadora deve sempre fazer constar todos os elementos mencionados no n.º 2 do art. 360.º do Código do Trabalho, visto que se faz menção expressa que “Da comunicação a que se refere o número anterior devem constar:”. Ora, a comunicação da intenção de proceder ao despedimento coletivo referida, por sua vez, no n.º 3, afigura-se-nos idêntica à referida no n.º 1, não resultando da letra da lei nada que nos faça considerar de modo diverso. Ou seja, estamos sempre perante a comunicação da intenção de proceder a um despedimento coletivo. O que se pretende com o n.º 3 é apenas acentuar que, inexistindo comissão de trabalhadores, comissão intersindical ou comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger, essa comunicação tem de ser efetuada, por escrito, a cada um dos trabalhadores que possam ser abrangidos pelo despedimento. E nessa comunicação, por ser a mesma comunicação, devem constar os mesmos elementos mencionados no n.º 2 do citado artigo 360.º. Por sua vez, nos termos do n.º 4 do art. 360.º, se os trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento designarem, posteriormente a essa comunicação, uma comissão representativa, a esta comissão deverá a entidade empregadora remeter, igualmente, os elementos constantes do n.º 2 do art. 360.º, ou seja, os elementos sem os quais a comunicação prevista nos n.ºs 1 e 3 não poderá ser considerada completa. Na realidade, bastaria, em nosso entendimento, que o legislador tivesse determinado nos nºs. 3 e 4 do art. 360.º que se procedesse, por escrito, ao envio da comunicação mencionada no n.º 1 aos trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento coletivo e à comissão representativa ad hoc. Porém, a circunstância de a redação do artigo não ser a mais feliz, não pode permitir interpretações que consagrem a possibilidade de se proceder a um despedimento coletivo, quando não haja comissão de trabalhadores, comissão intersindical, comissões sindicais ou comissões ad hoc, sem possibilitar aos trabalhadores potencialmente despedidos o mínimo de informação sobre o motivo pelo qual se encontram selecionados para o despedimento e sem lhes possibilitar uma fase prévia instrutória, por mais breve que seja. Tal entendimento é, aliás, manifestamente contrário à unidade e coerência do sistema laboral português. Atente-se que a não ser obrigatória a comunicação prevista no n.º 2 do art. 360.º, os trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento coletivo nem sequer teriam conhecimento dos motivos invocados pela entidade empregadora para promover tal despedimento, o que viola os mais elementares direitos à informação e à defesa.
Cita-se, a este propósito, o acórdão do TRP, proferido em 18-01-2016:[21] [22]
Em nossa modesta opinião, a tese segundo a qual, na inexistência prévia de estruturas de representação colectiva de trabalhadores, a constituição de uma comissão representativa ad hoc constitui um ónus dos trabalhadores, sob pena de não se encontrar apoio literal para defender a obrigatoriedade de comunicação dos elementos de informação constantes do nº 2 do artigo 360º, bule com a unidade e coerência do sistema e com o princípio do direito de defesa, fundamento básico da legitimidade democrática. Se tais informações não têm de ser dadas, se com essa negação se suprime a fase de informação e negociação, o procedimento resume-se então à mera comunicação da intenção de despedir e mais tarde à confirmação desta intenção, remetendo os trabalhadores apenas para a defesa judicial. O que se verifica então é a supressão duma fase essencial da defesa, supressão que aliás é inadmissível no caso do despedimento individual por justa causa, como o Tribunal Constitucional recordou na pretensão de eliminação da obrigatoriedade de proceder às diligências de instrução requeridas pelo trabalhador na versão proposta da revisão de 2009 do Código do Trabalho. Acresce que não se vê qualquer razão para descriminar os trabalhadores que previamente constituíram estruturas representativas ou que as constituem ad hoc, dos que o não fazem, a partir do princípio da liberdade sindical e da não obrigatoriedade de constituição de comissões de trabalhadores. E de resto, se o legislador quisesse ter onerado os trabalhadores com a constituição de uma comissão ad hoc, seguramente, porque se presume que bem se exprime e encontra as melhores soluções, e com recurso à tradição da técnica legiferante, que não ignora, então teria expressamente declarado que a constituição dessa comissão ad hoc era obrigatória ou, não o sendo, que a sua consequência representaria a renúncia tácita ao direito de defesa em sede negocial. Por outro lado, a unidade do sistema exige um tratamento paralelo entre as situações de justa causa subjectiva e de justa causa objectiva. Finalmente, a judicialização completa e exclusiva da resolução de litígios laborais também não é coerente com a natureza social dos litígios, a demandar soluções mais prontas.
Entendemos assim alinhar com a jurisprudência que defende a obrigatoriedade da comunicação das menções constantes do nº 2 do artigo 360º do Código do Trabalho aos trabalhadores individualmente considerados no caso de não terem constituído comissão ad hoc e não existirem as estruturas de representação colectiva previstas no nº 1 do preceito.

Com igual relevo, cita-se igualmente o acórdão do TRP, proferido em 04-06-2012:[23] [24]
Existe, porém, corrente no sentido de que, não havendo na empresa ERT, mesmo ad hoc, deve o empregador remeter aos trabalhadores, abrangidos pela medida de despedimento coletivo, os elementos constantes das várias alíneas do n.º 2 do Art.º 360.º do CT2009 e promover a fase de informações e negociação com cada um dos trabalhadores envolvidos, sob pena de tais medidas serem insindicáveis. Na verdade, a não se entender assim, para além de se desprezar o princípio da defesa, permitir-se-ia o despedimento instantâneo, o que é inaceitável.

Aliás, Pedro Furtado Martins, no livro Cessação do Contrato de Trabalho, onde defende que a lei não determina que na comunicação a efetuar aos trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento coletivo seja obrigatório fazer constar os elementos previstos no n.º 2 do art. 360.º do Código do Trabalho, afirma que o resultado a que conduz esta solução legislativa “não se afigura aceitável”.[25]
Efetivamente, se os trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento não vierem a constituir a comissão representativa ad hoc, só após a decisão final de despedimento terão conhecimento de alguns (e, ainda assim, não de todos) dos elementos constantes no referido n.º 2 do art. 360.º, o que se revela manifestamente violador das mais elementares regras de um estado de direito democrático.
Deste modo, a entidade empregadora encontra-se obrigada a comunicar aos trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento coletivo, quando inexista comissão de trabalhadores, comissão intersindical ou comissões sindicais da empresa representativas dos trabalhadores a abranger, todos os elementos previstos no n.º 2 do art. 360.º do Código do Trabalho.
Não procedendo a entidade empregadora a tal procedimento, importa apurar qual é a consequência jurídica desse incumprimento.
Entendemos na esteira dos acórdãos do TRP invocados que estamos perante uma situação de ilicitude do despedimento coletivo.
É verdade que, mesmo para quem entenda existir obrigatoriedade de comunicar aos trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento coletivo os elementos constantes do referido n.º 2 do art. 360.º, a consequência jurídica a retirar pode não consistir na ilicitude do despedimento coletivo em caso de incumprimento dessa obrigação,[26] em face do disposto na al. a) do art. 383.º do Código do Trabalho, uma vez que, à data do presente despedimento, não era feita menção à comunicação prevista no n.º 3.[27]
Na realidade, no caso em apreço, estão em causa informações essenciais para a compreensão da natureza do despedimento coletivo a efetuar pela entidade empregadora, designadamente se é ou não discricionário ou discriminatório tal despedimento, pelo que determinar a obrigatoriedade da comunicação de elementos essenciais para essa compreensão e não cominar o incumprimento dessa obrigatoriedade com uma sanção particularmente gravosa, tal traduzir-se-ia na violação dos mais elementares direitos à informação e à defesa, permitindo, uma vez mais, a realização de despedimentos instantâneos e sem qualquer procedimento prévio, o que se revela inaceitável num estado de direito democrático, como é o nosso.
Citando, uma vez mais, o acórdão do TRP proferido em 04-06-2012:
Pois, como acima se referiu, se a omissão de quase todas as formalidades procedimentais do despedimento coletivo não o tornam ilícito, estaremos perto do despedimento sem procedimento, assim permitindo despedimentos individuais através da invocação de despedimentos coletivos, deixando sair pela janela o que se proibiu pela porta.
Por isso é que, a propósito dos despedimentos coletivos já se entendeu que “Essas situações devem ser, de igual forma, suficientemente fundadas em causas adequadamente determináveis e submetidas a um apropriado procedimento de controlo (não bastando a decisão da entidade patronal), de modo a impedir que a via dos despedimentos coletivos se transforme, através de discriminações individualizadas, em instrumento de despedimentos individuais.

Deste modo, dada a gravidade do não cumprimento da comunicação prevista no n.º 3 do art. 360.º, apesar de a cominação de ilicitude do despedimento não constar expressamente da al. a) do art. 383.º do Código do Trabalho, sempre a mesma integraria o disposto na al. c) do art. 381.º do mesmo Diploma Legal, ou seja, o despedimento coletivo sempre seria ilícito por não ter sido precedido pelo respetivo procedimento. E atente-se que a comunicação prevista no n.º 3 apenas se revela eficaz se nela constarem todos os elementos constantes do n.º 2 do art. 360.º do Código do Trabalho.
Vejamos, então, o caso concreto.
Consta dos factos provados AA) que a entidade empregadora, aquando da comunicação que efetuou aos Autores BBB, AAA e CCC, não lhes enviou o quadro de pessoal da entidade empregadora, discriminado por sectores organizacionais da empresa, pelo que incumpriu com a obrigação imposta na al. b) do n.º 2 do art. 360.º e consequentemente não procedeu ao envio da comunicação nos moldes legais expressamente consignados. Tal circunstância implica que o despedimento relativo àqueles três trabalhadores é ilícito.
De igual modo se considera, na esteira da sentença recorrida, que a imposição constante da al. b) do n.º 2 do art. 360.º do Código do Trabalho, se reporta ao quadro de pessoal da entidade empregadora, discriminado por sectores organizacionais, ou seja, ao seu quadro de pessoal completo e não seccionado por zonas territoriais, segundo o entendimento arbitrário da entidade empregadora.
De acordo com o facto provado FF), a Ré, aquando do cumprimento das obrigações previstas no n.º 4 do art. 360.º do Código do Trabalho, enviou à comissão representativa ad hoc o mapa de pessoal da empresa relativo apenas às bases ... de ..., ..., ... e .... Ora, tal envio parcial do mapa de pessoal não preenche os requisitos impostos pela mencionada al. b) do n.º 2 do art. 360.º, pelo que, em face de tal incumprimento, o despedimento coletivo mostra-se ilícito nos termos do art. 383.º, al. a) do Código do Trabalho.
Nesta conformidade, improcede, nesta parte, a pretensão da Ré, confirmando-se a bem fundamentada sentença.

8) Constitucionalidade do não envio do quadro de pessoal a cada um dos trabalhadores constantes do despedimento coletivo
Entende a Apelante que a não obrigatoriedade legal de envio dos elementos constantes do n.º 2 do art. 360.º do Código do Trabalho aos trabalhadores potencialmente abrangidos pelos despedimentos coletivo, nos termos do n.º 3 desse artigo, não enferma de qualquer inconstitucionalidade, visto que recai sobre esses trabalhadores o ónus de constituírem uma comissão representativa ad hoc, sendo que a sua não constituição determina a inexistência de obrigatoriedade do envio das referidas informações, ficando os motivos justificativos do despedimento reservados para a decisão final do despedimento a comunicar a cada um dos trabalhadores que vierem a ser efetivamente despedidos.
Apreciemos.
É nosso entendimento que a violação de direitos fundamentais, no caso do despedimento coletivo, como o são o direito à informação e à defesa, implicam, em interpretações que os violem, inconstitucionalidade, nos termos do art. 53.º da Constituição da República Portuguesa. Na realidade, a consagração legal de despedimentos instantâneos, sem necessidade de promover qualquer tipo de procedimento prévio, através do qual, por um lado, se dê conhecimento aos trabalhadores que venham a ser abrangidos por tal despedimento dos motivos que o determinam; e, por outro, se dê a possibilidade de audição e defesa a esses trabalhadores, viola a garantia constitucional de segurança no emprego e de proibição de despedimentos sem justa causa, prevista no referido art. 53.º.
Cita-se, uma vez mais, o acórdão do TRP, proferido em 04-06-2012:
Assim o exige o princípio da segurança no emprego e da proibição dos despedimentos sem justa causa, ínsito no Art.º 53.º da Constituição da República.
Daí que consideremos inconstitucional a interpretação que a R. faz das normas dos Art.ºs 360.º e ss. do CT2009 quando entende que, inexistindo na empresa ERT, o empregador está dispensado de remeter a cada um dos trabalhadores a despedir os elementos elencados nas várias alíneas do n.º 2 do Art.º 360.º do CT2009 e de promover a fase de informações e negociação com cada um deles. Na verdade, tal entendimento, junto com o da falta da obrigatoriedade da remessa da comunicação da intenção de despedir e da decisão de despedimento, como acima se equacionou, deixariam um trabalhador não representado, ainda que por comissão ad hoc, completamente desprotegido, perante um despedimento sem procedimento prévio, portanto, insindicável, ad nutum.

Assim, a interpretação que considera não ser obrigatório o envio pela entidade empregadora dos elementos constantes do n.º 2 do art. 360.º do Código do Trabalho aos trabalhadores potencialmente abrangidos pelo despedimento coletivo na situação consagrada no n.º 3 desse artigo, é, a nosso ver, efetivamente inconstitucional.
Pelo exposto, também nesta parte improcede a pretensão da Ré.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar:
- o recurso do Autor TTTT totalmente improcedente, ainda que por fundamentação parcialmente diferente; e
- o recurso da Ré “Crewlink Ireland, Ltd.” totalmente improcedente.
Custas de cada um dos recursos a cargo de quem recorreu (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 25 de janeiro de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
Paula do Paço
Mário Branco Coelho

__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.ª Adjunta: Paula do Paço; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho.
[2] Doravante “Crewlink”.
[3] Doravante “Ryanair”.
[4] A questão relativa ao valor do recurso do Autor TTTT foi apreciada no despacho de admissão do recurso.
[5] Acórdãos do TRE proferidos em 15-04-2021 no âmbito do processo n.º 570/20.7T8EVR.E1; e em 10-03-2022 no âmbito do processo n.º 1746/20.2T8PTM.E1; consultáveis em www.dgsi.pt.
[6] Designadamente, os acórdãos do STJ proferidos em 17-03-2016 no âmbito do processo n.º 1274/12.0TTPRT.P1.S1; e em 16-11-2017 no âmbito do processo n.º 9224/13.0T2SNT.L1.S1, consultáveis em www.dgsi.pt.
[7] Acórdão do STJ proferido em 23-09-2020 no âmbito do processo n.º 10840/19.1T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[8] Do já citado acórdão do STJ.
[9] Acórdão do STJ proferido em 12-10-2022 no âmbito do processo n.º 1333/20.5T8LRA.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[10] In “Compensação por despedimento”, texto publicado na Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LIII – XXVI, 2.ª série – n.º 1-2, págs. 91/92.
[11] Designadamente, acórdãos do TRE proferidos em 23-09-2021 no âmbito do processo n.º 104/21.6T8SNS.E1; e em 12-10-2023 no âmbito do processo n.º 1731/22.0T8BJA-B.E1, consultáveis em www.dgsi.pt.
[12] No âmbito do processo n.º 55/14.0TBAVS.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[13] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S2, consultável em www.dgsi.pt.
[14] 3.ª ed., p. 333.
[15] 2.ª ed., pp. 689-690.
[16] No âmbito do processo n.º 660/1999.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[17] Na versão da Lei n.º 23/2012, de 25-06.
[18] Na versão da Lei n.º 23/2012, de 25-06.
[19] Pedro Furtado Martins em Cessação do Contrato de Trabalho, 4.ª edição, 2017, Principia; Bernardo da Gama Lobo Xavier em O Despedimento Coletivo no Dimensionamento da Empresa, 2000, Verbo; e Júlio Manuel Vieira Gomes em Direito do Trabalho, Relações Individuais de Trabalho, Volume I, 2007, Coimbra Editora.
[20] Acórdão do STJ proferido em 19-12-2012 no âmbito do processo n.º 1222/10.1TTVNG-A.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[21] No âmbito do processo n.º 233/13.0TTSTS-A.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[22] Neste sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho em Tratado de Direito do Trabalho, Situações Laborais Individuais, Parte II, 6.ª edição, 2016, Almedina, pp. 890 e 891.
[23] No âmbito do processo n.º 1222/10.1TTVNG-A.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[24] Veja-se igualmente o acórdão do TRP proferido em 21-11-2011 no âmbito do processo n.º 816/09.2TTVNF.P2, consultável em www.dgsi.pt.
[25] 4.ª edição, 2017, Principia, p. 333.
[26] Acórdão do TRG proferido em 05-11-2015 no âmbito do processo n.º 1004/13.9TTPNF, consultável em www.dgsi.pt.
[27] Atualmente tal menção já consta da referida alínea.