Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1061/08.0TBSLV-B.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: HONORÁRIOS DE ADVOGADO
ORDEM DOS ADVOGADOS
LAUDO
Data do Acordão: 09/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Apesar de o laudo de honorários elaborado pela Ordem dos Advogados não ter um valor vinculativo, mas o de um parecer a atender livremente pelo tribunal, no entanto com a força própria de parecer técnico que é, elaborado por profissionais experientes, com idoneidade e especial qualificação para o efeito, só deve ser afastado perante fortes motivos que nesse sentido apontem.
Decisão Texto Integral: Apelação 1061/08.0TBSLV-B.E1 (2ª secção Cível)


ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

Na Comarca de Faro (Juízo Central Cível de Portimão – J2) corre termos, acção declarativa de condenação, com processo sumário, pela qual (…), que usa o nome abreviado de (…), advogada, com domicílio profissional no Edifício (…), 1.º I, Rua do (…), Cerro de Alagoa, 8200-139 Albufeira, demanda (…), divorciado, contribuinte fiscal n.º (…), natural da freguesia de Santa Isabel, Lisboa, residente no Bairro dos (…), E-3, 8200 Albufeira, (…), solteiro, contribuinte fiscal n.º (…), natural da freguesia e concelho de Faro, residente no Bairro dos (…), E-3, 8200 Albufeira, representado por seus pais, (…) e (…), aos quais incumbe o exercício do poder paternal, e Fundo de Garantia Automóvel, pessoa colectiva n.º (…), com sede na Avenida de Berna, n.º 19, 1050-037 Lisboa, peticionando:
- a condenação dos dois primeiros réus a pagar-lhe a quantia de € 30 000 (trinta mil euros), com IVA incluído e calculado à taxa legal em vigor, montante acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, contados desde a data da instauração da acção e até integral e efetivo pagamento;
- a condenação do terceiro réu a reter o montante de € 30 000 (trinta mil euros) que foi arrestado no âmbito da procedimento cautelar de arresto apenso, quantia que lhe deverá entregar, assim que seja proferida sentença nesse sentido.
Como sustentação do peticionado alega, em síntese:
– É uma advogada que se dedica, onerosamente, ao aconselhamento jurídico, procuradoria, exercício de mandato judicial e demais actos próprios da profissão de advogado;
– No âmbito dessa mesma actividade, no decurso do ano de 2005, o primeiro réu, por si e em representação do segundo réu, concedeu-lhe poderes para os representar na Acção que viria a instaurar, que foi distribuída sob o n.º 1061/08.0TBSLV (acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação) e correu os seus termos pelo então 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Silves;
– No âmbito desse processo, a autora reuniu várias vezes com o primeiro réu, efectuou várias deslocações ao tribunal, telefonemas, enviou faxes e cartas, vindo a instaurar em 22-12-2008 a respectiva acção em tribunal e a assegurar a respetiva tramitação da acção.
– Finalizada a sua intervenção, e apesar de instados para o efeito, os réus não procederam ao pagamento dos honorários devidos e às despesas suportadas em cumprimento da tarefa que lhe foi confiada.
Citados os réus vieram contestar.
- O réu (…), por si e, conjuntamente com (…), em representação de (…), fazendo-o por excepção e por impugnação.
Em primeiro lugar, invocou a exceção perentória de prescrição no que respeita à quantia de € 1 404, montante que diz ter entregue em mão à autora, concluindo que, tendo pago tudo quanto esta lhe pediu, nada mais deve à autora no âmbito da relação contratual estabelecida;
Em segundo lugar, impugna parte dos serviços alegados na petição inicial, nomeadamente no que respeita a reuniões, encontros e a aconselhamento jurídico prestado, que na sua óptica não ocorreram.
Conclui pela total improcedência da acção.
- O réu Fundo de Garantia Automóvel, fazendo-o por excepção e por impugnação.
Em primeiro lugar, sustentou que nenhuma relação jurídica ou responsabilidade tem com os alegados serviços jurídicos prestados pela autora aos demais réus.
Em segundo lugar, afirma que, desses serviços de advocacia referidos na petição inicial, apenas sabe o que consta das peças processuais que ingressaram nos autos, impugnando o demais alegado.
Conclui pela total improcedência da ação no que a si diz respeito e pela sua absolvição do pedido formulado.
Na resposta a autora concluiu como na petição.
Saneado o processo e realizada audiência de julgamento veio a ser proferida sentença que dispõe o seguinte:
Em face do exposto, julga-se a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo sumário, instaurada por (…) contra (…), (…) e “Fundo de Garantia Automóvel”, parcialmente procedente e, por via disso:
a) Absolve-se o réu “Fundo de Garantia Automóvel” do pedido contra este deduzido pela autora;
b) Condenam-se os réus (…) e (…) a pagarem à autora a quantia de € 13 530 (treze mil, quinhentos e trinta euros), acrescida de juros mora, à taxa de legal 4%, contados desde 28-12-2012 e até integral e efetivo pagamento;
c) Absolvem-se os réus (…) e (…) do demais peticionado pela autora;
d) Condenam-se a autora e os réus (…) e (…) no pagamento das custas, na proporção do respetivo vencimento, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido a estes últimos.”
+
Não se conformando com a decisão foi interposto pela autora o presente recurso de apelação tendo apresentado alegações, terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
I – A. e aqui apelante que é advogada por profissão, dedicando-se onerosamente ao aconselhamento jurídico, procuradoria, exercício de mandato judicial e demais atos próprios da profissão de advogado,
II – No ano de 2005, o 1º apelado por si e em representação do 2º apelado, concedeu-lhe poderes para os representar na ação judicial que viria a instaurar a que foi atribuída o nº 1061/08.0TBSLV, cujos termos correram no então 2º juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Silves.
III - A ora apelante reuniu várias vezes com o 1º apelado, efetuou várias deslocações ao tribunal, efetuou telefonemas, enviou faxes e cartas, tendo dado entrada em juízo da aludida ação judicial em 22.12.08 e assegurado a sua tramitação durante cerca de 4 (quatro) anos, ou seja, até 12.03.2012,
IV – A apelante remeteu em 15.05.2012 carta registada com aviso de recepção aos apelados, solicitando o pagamento dos honorários e das despesas, carta essa recebida em 17.05.2012, o que nunca lograram fazer.
V – O Laudo de Honorários junto aos autos e o qual veio fixar o montante de € 20.000,00, acrescidos do IVA à taxa legal em vigor sobre os serviços jurídicos prestados pela apelante deveria ter sido considerado documento autentico, tal como vem definido no artº 369º do C.C. e a sua força probatória conduz-nos á prova plena dos factos que se referem como praticados – Cfr. artº 371º do C.C.
VI – Verifica-se uma violação do disposto nos artºs 369º e 371º, ambos do C.C.
VII - Verifica-se uma violação do princípio da interdisciplinariedade na apreciação feita pelo Mmo. Juiz a quo do Laudo de Honorários sub judice, o qual se trata de um parecer técnico, do qual os Tribunais devem recorrer nos casos em que seja relevante para a boa decisão da causa, o que no caso em apreço não foi tido em consideração.
VIII – Aliás, o Mmo. Juiz a quo apenas deve pôr em causa o laudo/parecer técnico com recurso a argumentação técnica ou científica, eventualmente baseado noutros meios de prova divergentes, de igual ou superior credibilidade, o que não logrou fazer.
IX – verifica-se uma violação do disposto no artº 389º do C.C., porquanto e pese embora o julgador possa pôr em causa o relatório técnico dos peritos, deve fazê-lo fundamentadamente o que no caso em apreço não se verifica.
X - Os apelados uma vez notificados do teor do relatório de perícia/Laudo de Honorários, não apresentaram qualquer razão para discórdia, pedido de esclarecimentos e/ou solicitaram uma 2ª perícia, mostrando-se assim tacitamente concordantes com o teor do mesmo.
+

Cumpre apreciar e decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.
Em face do teor das conclusões a única questão a decidir traduz-se em quantificar os honorários devidos pelos réus à autora, pelos serviços a eles prestados no âmbito do contrato de mandato existente entre eles.
+
No tribunal “a quo” foi considerada assente a seguinte matéria de facto:
1. A autora é advogada, com domicílio profissional no concelho de Albufeira, fazendo da advocacia a sua profissão habitual e onerosa.
2. No contexto dessa mesma actividade, no decurso do ano de 2005, o primeiro réu, por si e em representação do segundo réu, concedeu à autora poderes para os representar na Acção, que veio a ser proposta e distribuída sob o n.º 1061/08.0TBSLV (acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação), que correu os seus termos pelo então 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Silves.
3. No âmbito desse processo e da sua preparação a autora efectuou, entre outros, deslocações ao tribunal, telefonemas, enviou faxes, cartas, reuniões com colegas, contactos com o “Fundo de Garantia Automóvel” e junto da segurança social, para efeitos de concessão do benefício de apoio judiciário.
4. A autora instaurou em 22-12-2008 a acção judicial em tribunal, na qual pediu a condenação do “Fundo de Garantia Automóvel” e do “(…) - Banco de Crédito (…), S.A.” no pagamento, aos dois primeiros réus, da quantia global de € 197 417,91 (cento e noventa e sete mil, quatrocentos e dezassete euros e noventa e um cêntimos), e acompanhou a respectiva tramitação até que, por requerimento de 12-03-2012, o primeiro réu revogou a procuração forense que outorgara a seu favor.
5. Na decorrência dos poderes forenses concedidos pelo primeiro réu, a autora:
 Foi notificada das contestações apresentadas pelos réus;
Deduziu o articulado de «réplica»;
 Foi notificada do convite formulado pelo tribunal para suscitar o incidente de intervenção principal provocada dos responsáveis pelo acidente de que os réus foram vítimas, tendo respondido positivamente a tal convite;  Subscreveu diversos requerimentos e alegações de recurso respeitante a questão interlocutória;
 Foi notificada do despacho saneador e apresentou requerimento probatório (nos termos do artigo 512.º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho);
 Foi notificada do despacho judicial que apreciou os requerimentos probatórios;
 Foi notificada de vários requerimentos e articulados apresentados por outros mandatários intervenientes no processo.
6. Por articulado de 29-10-2012 os aqui réus (…) e (…), representados pela Dra. (…), e o “Fundo de Garantia Automóvel”, representado pelo Dr. (…), mediante o pagamento da quantia global de e 100 000 (cem mil euros) por este último aos primeiros, celebraram transacção, que foi homologada por Sentença de 15-11-2012, por fim ao litígio que os opunha nesses autos.
7. Em 15-05-2012 a autora remeteu aos primeiros dois réus uma carta registada com aviso de recepção, que foi recebida por estes em 17-05-2012, solicitando o pagamento dos honorários e das despesas que indicou.

O tribunal recorrido considerou não provado que a autora tivesse reunido várias vezes com o primeiro réu, para efeitos de preparação da instauração e do acompanhamento da Acção n.º 1061/08.0TBSLV.
+

Conhecendo da questão
Como resulta da factualidade provada e decidiu a sentença recorrida, que não foi posta em causa nesta parte, é indiscutível estarmos perante um contrato de mandato oneroso, conferido e exercido por advogada, residindo a discordância da recorrente apenas no que respeita ao critério a seguir na fixação dos honorários como remuneração.
No respeitante aos honorários dos advogados, temos de ter em conta a constante dos artºs 105º e ss. do actual Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pelo Decreto-Lei nº 145/2015, de 9/9), que regula os limites e as formas de pagamento dos honorários.
No caso em apreço, a recorrente reclamou dos réus o pagamento da quantia de € 30.000, com IVA incluído e calculado à taxa em vigor, acrescido de juros de mora, à taxa legal em vigor, contados desde a data da instauração da acção e até integral pagamento.
No caso em apreço, foi solicitado laudo de honorários ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados sobre os serviços jurídicos prestados pela recorrente, tendo estes fixado o montante de € 20.000,00 como o valor a retribuir pela atividade desenvolvida pela recorrente, acrescido do valor das despesas e o do IVA, à taxa legal em vigor
Na sentença sob recurso, o Mº Juiz “a quo”, pela actividade desenvolvida pela recorrente, fixou o montante de honorários em € 10.000,00.
Sustentando que o valor atribuído pelo laudo de honorários era elevado e desproporcionado, em face da natureza e da complexidade do serviço prestado, da dificuldade e da urgência do assunto, do grau de criatividade interveniente, do tempo em que durou o mandato e do resultado obtido. Tendo em conta que contrariamente ao afirmado na petição inicial, não se demonstraram contactos estreitos e frequentes entre a recorrente e os seus patrocinadores/representados, tendo em vista a instauração e o acompanhamento da acção.
Por outro lado, apesar do tempo que durou o mandato, a recorrente não concluiu o processo, cabendo referir que a negociação e a celebração da transação, foi assegurada por outra Advogada.
Não podemos corroborar tal entendimento.
Conforme resultou provado, a recorrente instaurou a presente acção em 22/12/2008 (tratava-se de uma acção de responsabilidade civil emergente de acidente de viação), deduziu o articulado de “réplica”, suscitou o incidente de intervenção provocada dos responsáveis pelo acidente, subscreveu diversos requerimentos e alegações de recurso respeitantes a questão interlocutória, foi notificada do despacho saneador e apresentou requerimento probatório.
O mandato conferido durou quase quatro anos.
Para a recorrente realizar todos os trabalhos referidos, a mesma teria de reunir com os recorridos, pois necessariamente seriam estes que lhe facultaram os pormenores do acidente, pois a recorrente não ia adivinhar o que havia sucedido no respetivo acidente.
Ora, como se decidiu no Acórdão do S.T.J. de 15/04/2015 (proc.4538/09.6TVLSB.B.L1.S1), pese embora “o laudo da Ordem dos Advogados esteja sujeito à livre apreciação do julgador, para determinação do seu valor probatório não pode deixar de se tomar em conta que foi elaborado por profissionais do mesmo ramo de actividade, eleitos pela assembleia geral da mesma Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir, sob o ponto de vista económico, sobre o montante dos honorários devidos. A credibilidade que merece o laudo de honorários, só deve ser posta em causa quando ocorram factos suficientemente fortes que abalem aquela credibilidade”.
No mesmo sentido se pronunciou o S.T.J. no seu aresto de 20/01/2010 (proc,2173/06.OTVPRT.P1.S1.), afirmando que apesar do laudo não ter “um valor vinculativo, mas o de um parecer a atender livremente pelo tribunal, no entanto com a força própria de parecer técnico que é elaborado por profissionais experientes, com idoneidade e especial qualificação para o efeito, e por isso merecedor de só ser afastado perante fortes motivos que nesse sentido apontem”.
Com efeito, e perante a factualidade provada, verifica-se que o laudo ponderou a importância dos serviços prestados pela autora/recorrente aos recorridos, teve em conta a dificuldade do assunto, o tempo despendido com as peças processuais elaboradas, sendo que o assunto se considera de importância relativa não obstante a sua complexidade, uma vez que não subsiste nada de especial a assinalar quanto ao grau de criatividade intelectual no mesmo.
Por outro lado, está igualmente demonstrado que não houve ajuste prévio de honorários.
Assim, o laudo/parecer realizado pela Ordem dos Advogados, não obstante estar sujeito à livre apreciação do julgador, merece-nos toda a credibilidade, enquanto valor probatório, atenta a elevada qualificação profissional de quem o elaborou, sujeitos do mesmo oficio que a autora (Ilustre advogado ...), possuindo naturalmente os conhecimentos técnicos específicos para avaliar da razoabilidade dos honorários devidos, tendo sido aprovado por unanimidade pela 3ª Secção do Conselho Superior da AO, na sessão de 13/05/2016.
O pagamento dos honorários pelos serviços jurídicos prestados pela autora, constitui uma obrigação a que os réus se vincularam com a celebração do contrato de mandato, obrigação que se mantém durante a sua vigência, como flui dos artºs 1157º, 1158º, nº 2 e 1167, alínea b) do C. Civil.
Ora, como resultou provado a autora /recorrente instaurou a acção judicial em tribunal no dia 22/12/2008 e acompanhou a respetiva tramitação até 12/03/2012, data em que o 1º réu revogou a procuração forense que outorgara a seu favor.
Assim, não podemos deixar de reconhecer justo e equilibrado o montante de honorários que o laudo da Ordem dos Advogados apresentou, ou seja o montante de € 20.000,00.
Em face do referido, será de conceder procedência ao recurso da recorrente.

Decisão:
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida, na parte referente ao quantitativo de honorários a pagar, fixando-se o mesmo em € 20 000,00, acrescida de juros mora, à taxa de legal 4%, contados desde 28-12-2012 e até integral e efetivo pagamento.
Custas pelos apelados.
Évora, 28-09-2017
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Mário António Mendes Serrano