Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
157/17.1T8ORQ.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: PROCESSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
FALTA DE PROCURAÇÃO
OMISSÃO DE NOTIFICAÇÃO
NULIDADE PROCESSUAL
Data do Acordão: 11/22/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Face a um requerimento de “defesa escrita”, apresentado em processo de contraordenação e subscrito por Advogado que não juntou procuração da arguida, a autoridade administrativa, antes de proferir decisão final no processo contraordenacional (ou seja, antes de decidir sobre a aplicação de sanções - coima e/ou sanções acessórias -), tem de convidar a arguida (na sua pessoa) a juntar, num prazo que indicar, procuração, com ratificação do processado, em obediência ao preceituado no artigo 50.º do RGCO, de forma a garantir, adequadamente, o exercício dos direitos de audição e de defesa, não bastando, para o efeito, a notificação do Ilustre advogado que subscreve o referido requerimento de “defesa escrita”.

II – Essa omissão da notificação à arguida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 48.º, nº 2, do C. P. Civil, configura a verificação de uma nulidade processual, tal como previsto no artigo 195.º, nº 1, do mesmo diploma legal, nulidade que é atacável por via do presente recurso, porquanto foi coberta por decisão judicial (a sentença recorrida).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

No recurso de contraordenação nº 157/17.1T8ORQ, que corre termos no Juízo de Competência Genérica de Ourique, o tribunal decidiu, mediante pertinente sentença, nos seguintes termos:

“Pelo exposto:
- Julgo improcedente a impugnação da recorrente R., S.A., devendo manter-se a decisão do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., nos seus precisos termos;

- Condeno a recorrente R…, S.A., no pagamento das custas do processo, que se fixam em 1,5 UC's (artigos 93º, nº 3, e 94º, nº 3, do D.L. n.º 433/82, de 27/10)”.

Desta decisão foi interposto pela arguida o presente recurso, extraindo a arguida da motivação do recurso as seguintes (transcritas) conclusões:

“1- O presente recurso tem como fundamento:

1.1 - O incorreto julgamento da nulidade da decisão administrativa recorrida, ao considerar sem efeito todo o processado nos autos pelo mandatário, sem que a parte fosse notificada do despacho que ordenou a junção da procuração, violando o disposto no artigo 48º, nº 2, do Código de Processo Civil.

1.2 - A omissão da notificação ao mandatário no que concerne à cominação pela falta de junção de procuração.

1.3 - Para além da citada violação de disposição processual, a sentença, ao decidir como decidiu, não considerou a verificação da nulidade prevista no artigo 195º, nº 1, do CPC, e, consequentemente, não decretou a nulidade da decisão administrativa.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Ex.as doutamente suprirão, deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a nulidade da decisão administrativa por não consideração da defesa escrita apresentada, assim se fazendo a costumada Justiça”.

Notificada da interposição do recurso, a Exmª Magistrada do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância apresentou resposta, concluindo da seguinte forma (em transcrição):

“1. Tendo por referência as disposições conjugadas dos artigos 195º, 48º e 49º do Código de Processo Civil, entende-se que não assiste razão à Recorrente ao invocar que a decisão administrativa incorreu numa nulidade ao não notificar a parte para juntar procuração aos autos e ratificar o processado (para além do mandatário), devendo, por conseguinte, tal nulidade ter sido conhecida pelo Mmº Juiz do Tribunal "a quo" na sentença ora em crise.

2. Tal assim é, em síntese, porque é nosso entendimento (pese embora conscientes de que não se trata de posição unânime na jurisprudência) que o artigo 48º, nº 2, do Código Processo Civil não exige, contrariamente ao nº 2 do artigo 49º do mesmo diploma legal a propósito das situações de patrocínio a título de gestão de negócios, que a parte seja notificada com vista a regularizar a situação, ratificando o processado.

3. Ora, "in casu", se atentarmos nos elementos constantes dos autos, verifica-se que estamos perante uma situação não de gestão de negócios, mas sim de um Advogado subscritor que agiu como mandatário, protestando juntar procuração e sem nunca invocar a sua atuação a esse título.

4. Sendo que, por se tratar, inclusivamente, de mandatário até seria, em princípio, quem estaria em melhores condições para o fazer, não só por conhecer melhor a lei, como também por conhecer o estado do próprio processo, e, consequentemente, poder mais facilmente diligenciar pela junção dos elementos em falta, ou, no limite, caso não conseguisse fazê-lo em tempo, requerendo prorrogação do prazo para o efeito.

5. Pelo que, deve improceder o primeiro fundamento invocado pela Recorrente no sentido de que da omissão da notificação à parte, nos termos e para os efeitos do artigo 48º, nº 2, do Código de Processo Civil, decorre a nulidade processual prevista no artigo 195º do mesmo diploma legal, aqui aplicável subsidiariamente.

6. Finalmente, e quanto ao segundo fundamento invocado, parece-nos que a posição assumida pela Recorrente deve, igualmente, improceder, na medida em que todas as consequências cominadas no artigo 48º, nº 2, do Código de Processo Civil, decorrem da lei e não teriam que constar da notificação que havia sido efetuada, note-se, não a qualquer outra pessoa, mas sim na pessoa do Exmº Advogado subscritor.

Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se dessa forma a sentença recorrida, só assim se fazendo Justiça”.

Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, no qual conclui que o recurso deve ser julgado procedente.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que fosse o presente recurso julgado em conferência.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.
Como é jurisprudência pacífica, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas da respetiva motivação (artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal).

Assim, e seguindo as “conclusões” acima enunciadas pela recorrente, a questão a apreciar por este tribunal, e em muito breve resumo, consiste em saber se ocorre nulidade processual, por falta de notificação da arguida para juntar aos autos procuração ao advogado que subscreveu a defesa apresentada nos termos do disposto no artigo 50º do RGCO e, ainda, pela não especificação de qualquer cominação na notificação dirigida ao mandatário para o mesmo efeito, tal como previsto nos artigos 48º, nº 2, e 195º, nº 1, do C. P. Civil.

2 - A decisão recorrida.

É do seguinte teor (integral) a sentença revidenda:

I - RELATÓRIO
Veio a arguida R…, S.A., com nº de matrícula e de pessoa coletiva…, e sede…, Vila Franca de Xira, impugnar judicialmente a decisão administrativa do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., que a condenou no pagamento de uma coima de 400,00 € (quatrocentos euros) pela prática da contraordenação prevista e punida pelos artigos 3º, n.º 2, aI. b), e 7.º, n.º 4, aI. a), ambos do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31 de Julho.

A Recorrente começa por dizer que não lhe foi assegurado na íntegra o direito de defesa, uma vez que não foram ouvidas as testemunhas que indicou no seu requerimento de defesa apresentado junto da entidade administrativa, pelo que a decisão administrativa padece de nulidade por violação do exercício do direito de defesa.

Reconhece que, por lapso, não procedeu à verificação periódica obrigatória do tacógrafo imposta pelo art. 3.º, n.º 2, aI. b), do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31/07, mas, ainda assim, não concorda com a sanção aplicada, porque não retirou benefício económico da infração.

Termina pugnando pela revogação da decisão administrativa e a sua absolvição do processo contraordenacional.

O recurso ora interposto foi admitido por despacho de fls. 36.

A Recorrente opôs-se a que o processo fosse decidido por despacho (fls. 38).

Foi designada data para a inquirição de testemunhas (fls. 46).

Na data da audiência, a Recorrente não compareceu e prescindiu da inquirição das testemunhas arroladas no seu recurso de impugnação judicial (fls. 71).

II - SANEAMENTO
O Tribunal é competente internacionalmente, em razão da matéria, da hierarquia e do território.

Da Nulidade da decisão administrativa por preterição do direito de audição:

Vem a Recorrente invocar que o seu direito de audição, previsto no art. 50º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, não foi totalmente cumprido.

Alegou, para o efeito, que não foram ouvidas as testemunhas que arrolou na sua defesa perante a entidade administrativa.

Cumpre apreciar e decidir:
Nos termos do art.° 50.° do Decreto-Lei nº 433/82, de 27/10, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14/09, não é permitida a aplicação de uma coima ou de uma sanção acessória sem antes se ter assegurado ao arguido possibilidade de, num prazo razoável, se pronunciar sobre a contraordenação que lhe é imputada e sobre a sanção ou sanções em que incorre.

A própria Constituição da República dispõe, no n.º 8 do seu art.° 32.°, que nos processos por contraordenação serão assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa. Aliás, a Lei Nº 13/95, de 05/05 (autorização ao Governo para rever o regime do ilícito de mera ordenação social) expressamente previa, na aI. l) do seu art. 1º, a clarificação da consagração dos direitos constitucionais de audiência e defesa do arguido.

Tal desiderato foi, depois, concretizado pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14/09, que conferiu ao art. 50.° acima referenciado a sua atual redação.

O conteúdo de tais direitos integra, inequivocamente, a faculdade de o arguido intervir no processo, oferecendo provas e requerendo as diligências que se afigurarem necessárias - art.° 61º, n.º 1, al. g), do Código de Processo Penal, aplicável, mutatis mutandis, ao processo de contraordenação, ex vi do art. 41.° do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10 -, como emanação básica do princípio do contraditório.

Por seu turno, a preterição do direito de audição do arguido com o conteúdo acima exposto, acarreta a nulidade da decisão administrativa nos termos dos arts. 50.° do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, e 120.°, nºs 1 e 2, al. d) do Código de Processo Penal, aplicável ex vi do art. 4º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10.

Interessa, pois, saber se a inquirição das testemunhas requeridas pela Recorrente era imprescindível à descoberta da verdade e realização da justiça.

No caso vertente, o mais importante até é saber se a entidade administrativa tinha que inquirir as testemunhas arroladas pela Recorrente. Vejamos.

Por ofício enviado por carta registada e aviso de receção, datado de 10/11/2016, foi a ora Recorrente notificada para se pronunciar por escrito, no prazo de 20 dias, sobre a matéria constante do auto de notícia, tendo sido informada que podia estar em causa uma infração ao disposto no art. 3.°, n.º 2, al. b) do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31/07, punido nos termos do art. 7.°, n.º 4, aI. a), do mesmo diploma (fls. 7).

O aviso de receção está assinado com a data de 14/11/2016 (fls. 7v.).

Assim, o prazo de 20 dias para deduzir toda a sua defesa perante a entidade administrativa terminava no dia 4 de Dezembro de 2016.

Por e-mail de 14/12/2016, foi enviado para a entidade administrativa um requerimento de defesa da Recorrente subscrito por Sr. Advogado que protestava juntar a necessária procuração forense (fls. 8 a 11).

Por ofício de 23/01/2017, foi o Sr. Advogado subscritor do requerimento notificado para juntar, no prazo de 10 dias, a procuração forense que protestara juntar (fls. 13 e 14).

Decorrido o prazo de 10 dias, nenhuma procuração foi junta aos autos.

Face ao exposto, não havendo qualquer prova de que o subscritor da defesa estava devidamente mandatado para atuar em representação da aqui Recorrente, a entidade administrativa não admitiu o requerimento apresentado. E, como tal, não procedeu à inquirição das testemunhas arroladas nesse requerimento.

Pois bem, a decisão tomada pela entidade administrativa não merece qualquer censura. O mandato judicial está sujeito a forma especial (art. 43.º do Código de Processo Civil). A falta de procuração forense implica a falta de poderes de representação (art. 48.º do CPC). Assim, não tendo sido junta procuração da Recorrente a favor do Sr. Advogado subscritor da defesa escrita, não restava outra alternativa que não fosse a não admissão daquele articulado de defesa. E, obviamente, a não admissão do articulado de defesa abrange necessariamente o requerimento probatório apresentado juntamente com esse articulado.

Face ao exposto, é forçoso concluir que a entidade administrativa, ao decidir - e bem - não admitir a defesa apresentada em nome da Recorrente por falta de procuração forense, também não estava obrigada a produzir a prova requerida nesse mesmo requerimento que não tinha sido admitido.

Por todo o exposto, concluímos que não se verificou qualquer violação do direito de audição e defesa previsto no art. 50.º do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27/10, pelo que se julga improcedente a nulidade da decisão administrativa por preterição do direito de audição do Recorrente.

Não se verificaram nulidades, exceções ou questões prévias que obstem à apreciação do mérito da causa, mantendo-se a validade da instância.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos Provados
O Tribunal julga provados os seguintes factos, com relevo para a decisão da causa:

1) No dia 12 de Julho de 2016, pelas 16:25 horas, ao quilómetro 675,500 do IC 1, na Aldeia de Palheiros, Ourique, circulava um veículo pesado especial de transporte de automóveis, de matrícula -0T-, peso bruto de 19000,00 Kg, da propriedade da sociedade arguida.

2) O veículo era conduzido por AF, trabalhador da sociedade arguida.

3) O veículo estava equipado com um tacógrafo digital de marca "Siemens AG", modelo "SV", com o n.º 13811052300008.

4) O conta-quilómetros do veículo registava 689555 quilómetros percorridos.

5) Há mais de dois anos que o tacógrafo não era sujeito a verificação periódica.

6) A arguida agiu com manifesta falta de cuidado e diligência por não ter submetido o tacógrafo à verificação periódica obrigatória.

7) A arguida agiu de forma livre e consciente.

8) Até à presente condenação, a arguida nunca havia sido condenada pela prática de qualquer contraordenação grave ou muito grave.

Factos Não Provados
Não há factos não provados.

IV - MOTIVAÇÃO DE FACTO
A convicção do tribunal quanto aos factos provados formou-se com base no teor do auto de contraordenação de fls. 5, o qual faz fé quanto aos factos presenciados pela entidade autuante, quando levantado nos termos do art. 170º, nºs 1 e 2, do Código da Estrada; e nos talões retirados do tacógrafo, a fls. 6.

Importa apenas esclarecer que a Recorrente não impugnou o facto de o tacógrafo do veículo de matrícula -0T-, da sua propriedade, não ter sido submetido à verificação periódica obrigatória nos termos do art. 3.º, n.º 2, al. b), do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31/07.

V - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
O Regulamento (CE) n.º 56112006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Março, relativo à harmonização de determinadas disposições em matéria social no domínio dos transportes rodoviários, que altera o Regulamento (CEE) n.º 3821/85, do Conselho, de 20 de Dezembro, relativo à introdução de um aparelho de controlo no domínio dos transportes rodoviários, estabeleceu a obrigatoriedade de equipar os veículos colocados em circulação pela primeira vez a partir de Maio de 2006 com um aparelho de controlo, denominado tacógrafo digital.

O Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31 de Julho, estabelece o regime contraordenacional aplicável ao incumprimento das regras relativas à instalação e uso do tacógrafo, estabelecidas nos Regulamentos acima referidos.

O tacógrafo, que pode ser analógico ou digital, é o equipamento destinado a ser instalado a bordo dos veículos rodoviários para indicação, registo e memorização automática ou semiautomática de dados sobre a marcha desses veículos, assim como sobre tempos de condução e de repouso dos condutores (art. 2.°, al. a), do Decreto-Lei nº 169/2009, de 31/07).

O veículo de matrícula 44-0T-01, da propriedade da Recorrente, sendo um veículo pesado afeto ao transporte rodoviário de mercadorias está obrigado ao uso de tacógrafo.

As condições de instalação e utilização do tacógrafo estão previstas no art. 3.° do referido diploma. Aí se estabelece que as verificações para comprovação do bom funcionamento e exatidão do tacógrafo se efetuam periodicamente, devendo ser observado um intervalo máximo de dois anos entre cada verificação periódica (art. 3.°, n.º 2, al. b), do diploma).

Portanto, comete uma infração ao disposto no art. 3º, nº 2, al. b), do Decreto-Lei n.º 169/2009, de 31/07, quem colocar em circulação veículo pesado de transporte de mercadorias com o tacógrafo sem a verificação periódica obrigatória.

Por sua vez, o art, 7.°, nº 4, al. a), do mesmo diploma estatui que a falta de verificação do tacógrafo nos termos do art. 3.°, n.º 2, constitui uma contraordenação grave, punível com coima de 400,00 € a 1200,00 €, para as pessoas singulares, e de 400,00 € a 2000,00 €, para as pessoas coletivas.

Ora, no caso dos autos, o tacógrafo do veículo pesado de transporte de mercadorias de matrícula -0T- tinha ultrapassado este prazo de dois anos a contar da última verificação periódica a que foi submetido.

A lei consagra um dever de garantia da segurança dos transportes rodoviários para que não resultem danos para pessoas e bens.

Pune-se a título de contraordenação o mero incumprimento desses deveres, independentemente do resultado danoso para os bens jurídicos protegidos e do benefício económico porventura obtido pelo agente infrator.

Traçando um paralelo com as categorias de classificação do crime, diríamos que se trata de uma contraordenação de mera atividade (dispensa o resultado de dano para o bem jurídico) e de perigo abstrato (dispensa a afetação do objeto da ação).

Por conseguinte, não releva para o preenchimento do tipo de ilícito saber se o agente infrator obteve ou não benefícios económicos da sua conduta ilícita. Essa circunstância só poderia relevar para efeitos de determinação da medida concreta da sanção a aplicar (o que neste caso nem se coloca visto que foi aplicada uma coima pelo valor do limite mínimo da moldura legal- 400,00 €).

Dito isto, consideramos que a coima de 400,00 € é proporcional à medida da ilicitude e da culpa da Recorrente, não merecendo censura a medida concreta da coima aplicada pela entidade recorrida.

Por conseguinte, improcede a impugnação da Recorrente, devendo manter-se a decisão do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P.

VI - DISPOSITIVO
Pelo exposto:

- Julgo improcedente a impugnação da recorrente R…, S.A., devendo manter-se a decisão do Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., nos seus precisos termos;

- Condeno a recorrente R…, S.A., no pagamento das custas do processo, que se fixam em 1,5 UC's (artigos 93º, nº 3, e 94º, nº 3, do D.L. n.º 433/82, de 27/10).
Notifique.

Após trânsito, comunique a presente decisão ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., nos termos do artigo 70º, nº 4, do Decreto-Lei nº 433/87, de 27/09.
Registe e deposite”.

3 - Factos relevantes para a decisão das invocadas nulidades.

Compulsados os autos, e com interesse para a decisão das nulidades invocadas na motivação do recurso, verifica-se o seguinte:

1º - O Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., ordenou a notificação da arguida para, no prazo de 20 dias, querendo, se pronunciar, por escrito, sobre a matéria constante do auto de notícia em causa nestes autos, bem como para juntar documentos probatórios e arrolar testemunhas (cfr. fls. 07).

2º - Feita essa notificação (cfr. fls. 07 vº), foi apresentado, tempestivamente, um requerimento de “defesa escrita”, em nome da arguida, mas subscrito por Ilustre Advogado (e apenas por este), o qual “protestou juntar” procuração forense (cfr. fls. 09 a 11).

3º - Verificando que o referido requerimento de “defesa escrita” estava apenas subscrito por Ilustre Advogado, sem procuração, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., ordenou a “notificação da arguida” para, no prazo de 10 dias, “vir aos autos juntar procuração” (cfr. fls. 13).

4º - Essa notificação foi efetuada ao Ilustre Advogado (e apenas ao mesmo) que subscreveu o aludido requerimento de “defesa escrita” (cfr. fls. 14 a 16).

5º - Decorrido o prazo para que a procuração em falta tivesse sido junta, não o foi, tendo, logo depois, o Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P., proferido a decisão que condenou a arguida em coima, na qual não atendeu à aludida “defesa escrita”, por esta não estar subscrita pela arguida nem por representante mandatado com poderes para esse ato (cfr. fls. 17 a 19).

6º - Essa decisão da autoridade administrativa foi objeto de impugnação judicial, para o tribunal de primeira instância, impugnação na sequência da qual foi proferida a sentença revidenda.

4 - Apreciação do mérito do recurso.
Alega o recorrente, em apertada síntese, que, estando em causa uma situação que se pode repercutir tanto na esfera jurídica do mandatário como da própria arguida, a notificação prevista no artigo 48º, nº 2, do C. P. Civil (notificação da arguida para, no prazo de 10 dias, “vir aos autos juntar procuração”) deve ser efetuada tanto ao Ilustre advogado como à própria arguida, o que não sucedeu no presente caso, tendo apenas sido notificado o Ilustre advogado para proceder à junção da procuração em falta.

Esta omissão, no entender da recorrente, configura nulidade processual.

Mais alega a recorrente que a sanção cominada no artigo 40º, nº 2, do C. P. Civil (ficar sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo Ilustre advogado que interveio sem procuração) só pode ser aplicada após a notificação, à própria arguida, da advertência que decorre do texto da referida disposição legal, sendo que, nos presentes autos, e por um lado, não foi feita qualquer notificação à arguida e, por outro lado, a notificação ao Ilustre advogado em causa, para juntar procuração em 10 dias, não incluía a menção de nenhuma cominação ou advertência.

A ausência dessa cominação, no entendimento da recorrente, acarreta também a nulidade da notificação em causa.

Por último, pede a recorrente que se considerar a decisão da autoridade administrativa nula, por violação do direito de defesa (ao não atender à “defesa escrita” apresentada e por omissão das diligências probatórias requeridas nessa “defesa escrita”).

Cumpre apreciar e decidir.

Sob a epígrafe “falta, insuficiência e irregularidade do mandato”, preceitua o artigo 48º do C. P. Civil:

1 - A falta de procuração e a sua insuficiência ou irregularidade podem, em qualquer altura, ser arguidas pela parte contrária e suscitadas oficiosamente pelo tribunal.

2 - O juiz fixa o prazo dentro do qual deve ser suprida a falta ou corrigido o vício e ratificado o processado, findo o qual, sem que esteja regularizada a situação, fica sem efeito tudo o que tiver sido praticado pelo mandatário, devendo este ser condenado nas custas respetivas e, se tiver agido culposamente, na indemnização dos prejuízos a que tenha dado causa.

3 - Sempre que o vício resulte de excesso de mandato, o tribunal participa a ocorrência ao respetivo conselho distrital da Ordem dos Advogados”.

Por sua vez, estabelece o artigo 49º do mesmo diploma legal (“patrocínio a título de gestão de negócios”):

1 - Em casos de urgência, o patrocínio judiciário pode ser exercido como gestão de negócios.

2 - Porém, se a parte não ratificar a gestão dentro do prazo fixado pelo juiz, o gestor é condenado nas custas que provocou e na indemnização do dano causado à parte contrária ou à parte cuja gestão assumiu.

3 - O despacho que fixar o prazo para a ratificação é notificado pessoalmente à parte cujo patrocínio o gestor assumiu”.

Dispõe, ainda, o artigo 195º do C. P. Civil (“regras gerais sobre a nulidade dos atos”):
1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.

3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo”.

Perante as transcritas disposições legais (aplicáveis ao processo penal, de harmonia com o disposto no artigo 4º do C. P. Penal, e, face ao preceituado no artigo 41º do RGCO, aplicáveis também ao processo contraordenacional), e com o devido respeito pelo entendimento perfilhado, quanto a esta matéria, na sentença revidenda, afigura-se-nos, desde logo, que, in casu, ocorre a primeira nulidade invocada na motivação do presente recurso.

Com efeito, independentemente da questão de determinarmos se o caso em apreço se enquadra na previsão legal do artigo 48º do C. P. Civil (falta de procuração) ou na previsão normativa do artigo 49º do mesmo diploma legal (patrocínio a título de gestão de negócios), entendemos, de todo o modo, que, na situação posta nestes autos, não foi observado o regime estabelecido em tais preceitos.

É que, a nosso ver, em qualquer dos aludidos casos (falta, insuficiência ou irregularidade do mandato; ou patrocínio a título de gestão de negócios) é necessário, como procedimento prévio para proceder à invalidação do “processado” sem mandato, que a própria parte seja notificada para ratificar a gestão, ou o “processado”, e para emitir a procuração.

Como bem se escreve no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 20-10-2011 (relatora Rosa Barroso, in www.dgsi.pt), “no caso em que o Exmº Advogado subscritor protesta juntar procuração deve, além do mais, a notificação da parte para suprir a falta e ratificar o processado ser pessoal, como reclama o recorrente, não por se estar perante patrocínio a titulo de gestão de negócios, mas porque se entende que quer se esteja perante o estatuído no artigo 41º do CPC, quer perante o estatuído no artigo 40º do mesmo diploma, a parte deve ser notificada pessoalmente, antes de ser declarada a ineficácia do processado em causa” (note-se que os preceitos legais referidos neste acórdão - artigos 40º e 41º do C. P. Civil então vigente - têm redação idêntica ao disposto nos artigos 48º e 49º do C. P. Civil atualmente em vigor, pelo que as considerações expendidas em tal acórdão mantêm inteira validade e atualidade).

Se o que vimos de dizer vale em geral, tal entendimento mais se impõe numa situação, como a destes autos, em que está em causa um processo contraordenacional, na fase processual em que é concedido à arguida (por expressa imposição legal) o direito de se pronunciar sobre os factos que lhe são imputados, sobre a previsão normativa de tais factos e sobre a coima abstratamente aplicável, e em que é ainda concedido à arguida o direito de, em prazo certo e preclusivo, juntar prova documental e arrolar testemunhas (ou seja, o direito de a arguida exercer, numa primeira fase e cabalmente, os seus direitos de audição e de defesa - tal como previsto no artigo 50º do RGCO -).

Dito de outro modo: face a um requerimento de “defesa escrita”, subscrito por Advogado que não juntou procuração da arguida, a autoridade administrativa, antes de proferir decisão final no processo contraordenacional (ou seja, antes de decidir sobre a aplicação de sanções - coima e/ou sanções acessórias -), tem de convidar a arguida (na sua pessoa) a juntar, num prazo que indicar, procuração, com ratificação do processado, em obediência ao preceituado no artigo 50º do RGCO, de forma a garantir, adequadamente, o exercício dos direitos de audição e de defesa, não bastando, para o efeito, a notificação do Ilustre advogado que subscreve o referido requerimento de “defesa escrita”.

A notificação em análise deve, pois, ser feita também à arguida (independentemente de o poder ser também ao Ilustre advogado), porquanto, e manifestamente (a nosso ver), a situação não apenas se pode repercutir tanto na esfera jurídica do Ilustre advogado como na esfera jurídica da própria arguida, como, por outro lado, estão aqui em causa, diretamente, direitos fundamentais da arguida (o direito de audição e de defesa), que, pela primeira vez, tem a possibilidade e a oportunidade de ser confrontada com os factos imputados, com o seu enquadramento contraordenacional e com as sanções aplicáveis, e que, também pela primeira vez no processo, pode pronunciar-se e indicar prova.

A autoridade administrativa devia, por isso, ter notificado a arguida (o que não fez) para que a mesma procedesse ao suprimento da falta de mandato, através da outorga da necessária procuração, e, se necessário, com ratificação do anteriormente processado pelo Ilustre advogado que subscreveu o requerimento de “defesa escrita” em análise.

Conforme decidido no acórdão deste Tribunal da Relação de Évora de 13-01-2011 (relator Alves Duarte, in www.dgsi.pt - onde esteve em apreciação uma situação similar à colocada nestes autos, ou seja, situação respeitante, também, a processo contraordenacional -), “impugnada judicialmente a decisão proferida num procedimento contraordenacional subscrita por advogado que não juntou procuração do Arguido, deve o Tribunal convidar aquele a juntar procuração e a ratificar o processado? ou antes deve fazê-lo ao Arguido? (…) pese embora conheçamos jurisprudência em sentido não exatamente coincidente, estamos seguros de que o procedimento que a Mmª Juíza deveria ter seguido era o de notificar tanto a Arguida como a Ilustre advogada para que a procuração em falta fosse junta e, quanto àquela, também para ratificasse o que por esta fora processado. Com efeito, sabemos que a lei estabelece que diz-se procuração o ato pelo qual alguém atribui a outrem, voluntariamente, poderes representativos, o que no caso sub iudicio vale por dizer que é o ato pelo qual a Arguida conferiu ou virá a conferir poderes de patrocínio à Ilustre advogada no recurso da coima que àquela foi aplicada pela Câmara Municipal de Loulé. Já a ratificação é o ato pelo qual, na representação sem poderes ou com abuso no seu exercício, a pessoa em nome de quem o negócio é concluído declara aprovar tal negócio, que doutro modo seria ineficaz em relação a ele. Pelo que se impõe a conclusão que no caso se tratará de uma declaração por parte da Arguida segundo a qual aprova a atuação da Ilustre advogada em questão, caso em que o recurso interposto se torna plenamente eficaz. Ora, neste como em similares, uma de duas coisas pode ter acontecido: ou a procuração já fora outorgada pela Arguida à Ilustre advogada ou ainda não. Naquele, a junção poderia desde logo ser feita por esta, bastando que fosse notificada para o fazer. Mas em todo o caso teria que ser notificada a própria Arguida para ratificar o processado. Caso ainda não tivesse sido outorgada a procuração por parte da Arguida à Ilustre advogada, naturalmente que também aquela teria que ser notificada, isto porque está para além de qualquer dúvida que o ato de outorga da procuração teria que ser praticada pela Arguida. (…) Não sabendo nem podendo saber o juiz se a procuração já fora ou não conferida ao advogado e sabido que esse como o de ratificar são atos pessoais do arguido, não só porque este poderá ou não já ter praticado aquele ato, mas, sobretudo, porque em qualquer dos casos o advogado terá sempre um interesse autónomo em saber que o juiz afirmou conhecer da existência daquela nulidade como também determinou que fosse sanada pelo patrocinado, interesse esse traduzido na possibilidade de poder vir a sofrer uma sanção caso aquele não venha a ratificar o ato, isso fundamenta a nossa opção pela tese que, com alguma propriedade, poderemos considerar como mais rigorista, exigindo, por conseguinte, que a notificação em causa seja efetuada quer ao patrocinado, quer ao advogado”.

Em suma: competia à arguida proceder ao suprimento da falta de mandato através da outorga da necessária procuração e, se necessário, da ratificação do anteriormente processado pelo mandatário, pelo que a notificação prevista no artigo 48º, nº 2, do C. P. Civil, deveria ter sido efetuada tanto ao mandatário como à própria arguida (o que, no presente caso, não sucedeu, tendo apenas sido notificado o mandatário para proceder à junção da procuração em falta).

Essa omissão da notificação à arguida, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 48º, nº 2, do C. P. Civil, configura a verificação de uma nulidade processual, tal como previsto no artigo 195º, nº 1, do mesmo diploma legal, nulidade que é atacável por via do presente recurso, porquanto foi coberta por decisão judicial (a sentença recorrida).

Na verdade, a omissão da formalidade em causa, que a lei prescreve (conforme por nós acima decidido), produz uma nulidade, na medida em que a irregularidade cometida influi, claramente, no exame e na decisão da causa (cfr. o disposto no acima transcrito artigo 195º, nº 1, do C. P. Civil), contendendo, como também acima dito, com os direitos de audição e de defesa no processo contraordenacional, direitos que são inerentes, no nosso sistema legal, a qualquer tipo de processo (os direitos de audição e de defesa, em processo contraordenacional, estão expressamente consagrados, entre outros normativos, no artigo 50º do RGCO e no artigo 32º, nº 10, da Constituição da República Portuguesa).

Em jeito de síntese: existe, in casu, nulidade por violação dos direitos de audição e de defesa.

A consequência da ocorrência da apontada nulidade é, evidentemente, a necessidade de repetição de tudo aquilo que, posteriormente à sua verificação, haja sido processado, porquanto todo esse processado posterior está absolutamente dependente da prática do ato inquinado pelo apontado vício (conforme estabelecido no artigo 195º, nº 2, do C. P. Civil).

Atenta a procedência da invocada nulidade, fica prejudicado o conhecimento das outras questões suscitadas no recurso.

Em face de tudo o que ficou dito, e nos seus precisos termos e âmbito, o recurso é de proceder.

III - DECISÃO
Nos termos expostos, concede-se provimento ao recurso e, em consequência, declara-se a nulidade de todos os atos e termos do processo subsequentes ao processado constante de fls. 13 a 16 dos autos (cfr. pontos 3º e 4º dos “Factos relevantes para a decisão das invocadas nulidades”, a fls. 11 do presente acórdão), determinando-se a remessa do processo à autoridade administrativa, para que faça notificar a arguida (ela própria) para juntar aos autos procuração forense e, se necessário, ratificar o processado, proferindo tal autoridade, depois, e em conformidade, nova “Decisão” (em substituição daquela que consta de fls. 17 a 19 dos autos).

Sem tributação.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 20 de novembro de 2018
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(João Manuel Monteiro Amaro)
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(Laura Goulart Maurício)