Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | MÁRIO BRANCO COELHO | ||
Descritores: | ALIMENTOS A EX-CÔNJUGE MONTANTE DA PENSÃO | ||
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Data do Acordão: | 09/12/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1. A obrigação de alimentos entre ex-cônjuges funda-se no princípio da solidariedade, tendo como finalidade suprir a situação de carência do alimentando. 2. Esta situação de carência alimentar deve ser reconhecida à ex-cônjuge com uma idade que lhe condiciona decisivamente a capacidade de ganho – quase 75 anos de idade – e cujo único rendimento consiste numa pensão de velhice de € 283,28. 3. E deve ser exigida a prestação alimentar se o outro ex-cônjuge dispõe de capacidade económica bastante, e não existem razões de equidade que levem à negação desse direito – art. 2016.º n.º 3 do Código Civil. 4. Não pode ser fixado, a priori, um limite temporal à prestação de alimentos, pois a modificação dessa obrigação ou a sua cessação será verificada se e quando ocorrerem as circunstâncias previstas nos arts. 2012.º e 2013.º do Código Civil. (Sumário elaborado pelo relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam os Juízes da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora: No Juízo de Família e Menores de Setúbal, AA (marido) instaurou acção de divórcio sem consentimento contra BB (mulher). Na contestação, a Ré deduziu pedido reconvencional, pedindo a atribuição de uma pensão de alimentos no valor mensal de € 705,00. Após réplica, na qual o A. pugnou pela improcedência da reconvenção, foi proferido despacho convolando a acção em divórcio por mútuo consentimento e determinando o prosseguimento dos autos para conhecimento do pedido reconvencional. Após julgamento, a sentença decidiu julgar o pedido reconvencional parcialmente procedente e condenar o A. no pagamento de uma prestação de € 225,00 mensais, a título de alimentos devidos à Ré, a pagar até ao dia 8 de cada mês. São as seguintes as conclusões do recurso apresentado pelo A.: (…) A resposta sustenta a manutenção do julgado. Corridos os vistos, cumpre-nos decidir. Os factos julgados provados na sentença recorrida são os seguintes: 1. A Ré/Reconvinte e o Autor/Reconvindo contraíram casamento civil em …/…/2010, na Conservatória do Registo Civil do Seixal. 2. O Autor/Reconvindo nasceu em …/…/1968 e a Ré/Reconvinte em …/…/1949. 3. Autor/Reconvindo e Ré/Reconvinte residiam em união de facto desde 1991. 4. Autor e Ré não têm filhos em comum e, actualmente, não partilham o mesmo leito e habitação. 5. A Ré/Reconvinte, a 22 de Março de 2021, saiu da habitação onde residia com o Autor/Reconvindo, encontrando-se a residir com a prima em habitação arrendada e cuja renda é paga pela última. 6. Nos meses de Março de 2001 e Março de 2007, o Autor/Reconvindo apresentava o seu vencimento parcialmente penhorado. 7. A Ré/Reconvinte não é proprietária de qualquer imóvel. 8. A Ré, actualmente, não exerce qualquer actividade profissional e já exerceu a actividade de cabeleireira numa loja e, posteriormente, em casa. 9. A Ré iniciou a sua actividade com o código 96021, descrição “salão de cabeleireiro” em 02-02-2008 e encerrou-a em 31-12-2008. 10. Em sede de consulta da carreira contributiva da Segurança Social, verifica-se que a Ré registou as seguintes remunerações: a) No ano de 2020: 2.270,12; b) No ano de 2019: € 3.100,00; c) No ano de 2018: € 750,00; d) No ano de 1990: € 399,04; e) No ano de 1989: € 1.995,20. 11. Para efeitos de IRS, Autor e Ré declararam rendimentos no valor global de: a) No ano de 2019: € 29.432,82; b) No ano de 2018: € 25.283,64. 12. Para efeitos de IRS, a Ré, no ano de 2020, declarou rendimentos no valor de € 2.270,12 e não apresentou declarações de IRS, por falta de rendimentos, nos anos de 2021 e 2022. 13. A Ré encontra-se, desde 05 de Julho de 2023, a auferir pensão social de velhice no montante mensal de € 283,28. 14. O Autor é pensionista e aufere uma pensão de reforma no montante mensal ilíquido de € 1.548,15. 15. O Autor exerceu actividade profissional na empresa (…), Lda. desde o dia 09-07-2019 até ao dia 31-12-2023. 16. A remuneração mensal do mês de Dezembro de 2023 ascendeu a € 1.108,63. 17. O Autor procedeu à denúncia do contrato de trabalho invocando motivos de saúde. Aplicando o Direito. Da obrigação alimentar O Recorrente alega, no essencial, que a Recorrida não demonstrou estar impossibilitada de prover ao seu sustento, atenta a actividade profissional que sempre realizou, e que é inaplicável o critério da idade da Recorrida, pois torna vitalícia a obrigação alimentar. Assim, no seu entender, ou deve ser julgado totalmente improcedente o pedido reconvencional, ou deve ser fixada uma prestação inferior, e por um prazo não superior a 2 anos. A sentença recorrida entendeu que obrigação alimentar se justificava, atenta a idade da Recorrida (já com 74 anos) e o facto de se ter demonstrado que aufere apenas uma pensão de velhice no valor de € 283,28, não exercendo já qualquer actividade profissional. Paula Távora Vítor, in “Os Alimentos Pós-Divórcio – Entre a Solidariedade e a Responsabilidade”[1], observa que “O novo regime da obrigação alimentícia pós-divórcio ancora-se hoje num quadro de pressupostos que, pelo menos matricialmente, comunga com a obrigação alimentar comum – o binómio constituído pelas necessidades do alimentando e pelas possibilidades do obrigado. A situação de “necessidade” do obrigado assume, todavia, um significado diferente – é esta que justifica e desencadeia o recurso ao mecanismo alimentar, que, grosso modo, só se efectivará se o chamado tiver “possibilidades” de lhe corresponder. Por isso, não é apenas um dos pressupostos da obrigação alimentícia – é o pressuposto central desta. E é na centralidade da necessidade que se pode apoiar uma primeira conclusão de que a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges tem como finalidade suprir uma carência, assumindo, desta forma, natureza alimentar. Persiste, assim, uma ideia de solidariedade, o fundamento tradicional dos regimes alimentares.” A prevalência desta ideia de solidariedade entre ex-cônjuges também foi afirmada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31.01.2023, com o seguinte sumário: “I – O fundamento último, ético e jurídico, da obrigação de alimentos entre ex-cônjuges encontra-se num princípio de solidariedade pós-conjugal. Não se pode, com efeito, tratar os ex-cônjuges como se nunca houvessem sido casados, pois o divórcio não pode apagar o passado nem obstar ao desenvolvimento actual de determinadas consequências do matrimónio. II – A obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, tem uma natureza sobretudo alimentar, não interferindo a culpa, ficando afastada qualquer carácter indemnizatório do direito, mostrando-se a obrigação alimentar entre ex-cônjuges estribada na necessidade do alimentando/possibilidades do alimentante, num entendimento de ultrapassadas considerações de merecimento ou desmerecimento que estariam traduzidas na declaração de culpa no divórcio. III – Cada ex-cônjuge deve prover à sua subsistência, nesse sentido a obrigação de alimentos assume-se como excepcional e necessariamente transitória, com decorrentes implicações no seu conteúdo, mais restrito, inexistindo o direito a exigir a manutenção de um padrão de vida de que beneficiava na pendência do casamento.”[2] Atentos estes critérios, não temos dificuldade em reconhecer uma situação de carência à Recorrida: tem uma idade que lhe condiciona decisivamente a capacidade de ganho – fará 75 anos de idade já no próximo mês de Outubro – e o único rendimento que lhe é conhecido consiste numa pensão de velhice de apenas € 283,28, reconhecidamente insuficiente para a satisfação digna das necessidades de uma pessoa, face ao actual custo de vida. Quanto às possibilidades do Recorrente, este aufere uma pensão de reforma de € 1.548,15, valor este que, mesmo deduzido o da pensão decretada, se afigura bastante para satisfazer as suas despesas normais com habitação, alimentação, vestuário e saúde. Deste modo, constatamos não apenas a situação de carência da Recorrida, como a existência de uma capacidade económica ao Recorrente bastante para prestar solidariedade à sua ex-cônjuge, motivo pelo qual o direito a alimentos deve ser reconhecido, tanto mais que não ocorrem razões de equidade que levem à negação desse direito – art. 2016.º n.º 3 do Código Civil. Sobre a determinação do montante da pensão, Paula Távora Vítor também escreve que “está excluída uma asséptica determinação da medida da necessidade a satisfazer em função de um “cabaz de compras” de montante mais ou menos generoso. E, nessa medida, cremos que a opção do regime jurídico português não se reporta à adopção de um nível, um referente quantitativo de alimentos, a que se deva aspirar. Os dados do sistema, mais propriamente a enunciação dos critérios do art. 2016.º-A, apontam-nos não para um propósito de definição de um nível de necessidade relevante, de um padrão a impor na fixação do montante dos alimentos, mas para a importância de considerar factores diversos na determinação dos pressupostos da obrigação alimentar e, em particular, da necessidade, que a justifica e modela. Tais factores incluem dados de natureza quantitativa, mas também de natureza qualitativa, que devem concorrer para determinar a necessidade relevante e se há meios para lhe fazer face. Ora, essa fasquia, dependendo do concurso de tais circunstâncias, pode colocar-se em níveis muito distintos, tal como temos vindo a exemplificar. Estes níveis são, portanto, traçados em função da situação concreta dos sujeitos da relação alimentar, sem que sejam compulsivamente determinados por referência a uma medida fixa, exterior a esse processo de modelação – seja o nível de vida do casamento ou o limiar de uma existência condigna. De algum modo, pode ser convocada a ideia de uma medida razoável – razoável porque determinada pela ponderação concreta de uma constelação de factores relevantes. O montante em concreto da pensão alimentícia será fixado tendo em conta a medida desta necessidade, na sua relação com as possibilidades do devedor.”[3] Procurando aplicar os critérios previstos no art. 2016.º-A n.º 1 do Código Civil, a sentença recorrida ponderou que não existiam filhos comuns, que a relação persistiu entre 1991 e 2021 – primeiro como união de facto, depois como casamento – e que não se apuraram especiais responsabilidades que o Recorrente houvesse de satisfazer, a não ser as necessárias ao seu sustento. Deste modo, a sentença fixou a pensão em € 225,00, que permitiria à Recorrida atingir, somando a pensão de velhice já auferida, o valor de referência do indexante dos apoios sociais, actualmente fixado em € 509,26. Não encontramos fundamento para divergir deste valor, pois enquadra-se na situação concreta dos sujeitos da relação alimentar: pode ser suportado pelo Recorrente e é apto a satisfazer a situação de carência em que se encontra a Recorrida. Quanto à limitação temporal pretendida pelo Recorrente, de dois anos, não tem cabimento legal. O art. 2012.º do Código Civil prevê as circunstâncias em que pode ocorrer a modificação da obrigação alimentar, enquanto o art. 2013.º n.º 1 al. a) admite a cessação dessa obrigação “quando aquele que os presta não possa continuar a prestá-los ou aquele que os recebe deixe de precisar deles.” A seu tempo, se tais circunstâncias ocorrerem, o Recorrente poderá peticionar a redução ou cessação da pensão de alimentos. Por ora, não é possível concluir que a situação que determinou a fixação da pensão se vai manter por menos ou mais de dois anos. Por tais motivos, o recurso deve improceder. Decisão. Destarte, nega-se provimento ao recurso e confirma-se a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Évora, 12 de Setembro de 2024 Mário Branco Coelho (relator) Manuel Bargado Maria Adelaide Domingos __________________________________________________ [1] Artigo publicado na Revista Julgar, n.º 40, 2020, págs. 181 e ss., encontrando-se a passagem citada na pág. 184. [2] Proferido no Proc. 242/12.6TMLSB.L1.S1 e publicado em www.dgsi.pt. [3] Loc. cit., págs. 201 e 202. |