Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1280/10.9TBVNO-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: INVENTÁRIO PARA SEPARAÇÃO DE MEAÇÕES
REGIME DE COMUNHÃO DE ADQUIRIDOS
PARTILHA
Data do Acordão: 06/27/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I – Face ao regime estatuído pelo artigo 1790.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, em caso de divórcio, ainda que o regime de bens adotado seja a comunhão geral, nenhum dos cônjuges pode receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos;
II - Esta regra impõe se determine o valor que caberia a cada um dos cônjuges no regime da comunhão de adquiridos, o qual constituirá um limite quantitativo, isto é, constituirá o valor que caberá a cada um dos cônjuges receber na partilha, após o que se procederá ao preenchimento dos quinhões;
III - A origem dos bens relacionados releva para efeitos da determinação do valor da quota-parte que caberá a cada um dos cônjuges na partilha.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Nos presentes autos de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, em que é requerente BB e requerido CC, o qual foi nomeado cabeça de casal, foi proferido em 22-05-2018 despacho determinativo da forma da partilha, nos termos seguintes:
Nos presentes autos de inventário procede-se a partilha de bens pertencentes ao casal formado por BB e CC.
Os mesmos eram casados no regime de comunhão geral de bens.
Os bens e direitos a considerar são os que constam da relação de fls. 10 a 13, com as alterações acordadas em diligência de tentativa de conciliação de 05-07-2017 e conferência de interessados de 11-10-2017 e determinadas na primeira parte do despacho de 06-11-2017.
De harmonia com o artigo 1790.º do Código Civil, deve determinar-se o valor que corresponde ao quinhão de cada um dos interessados nos bens comuns a partilhar sobre cada um dos regimes: comunhão geral; e comunhão de adquiridos.
Então, caso o valor sobre aquele regime (comunhão geral) exceda o deste, deve reduzir-se a este (comunhão de adquiridos), aumentando correspondentemente a quota do outro interessado, procedendo-se então ao preenchimento dos quinhões (vide Ac. TRP de 06-02-2014, Rel. Aristides Rodrigues de Almeida, dgsi.pt).
Em vista de tal determinação deve observar-se, quanto ao regime de comunhão de bens, o seguinte: somam-se os valores dos bens que se mantiveram relacionados, com o aumento proveniente das licitações (verba n.º 29, consome a verba n.º 1 de passivo, tendo por referência o valor de licitação), abate-se apenas o passivo relativo à verba n.º 2 de passivo – as demais verbas de passivo constituem créditos entre os interessados, pelo que devem ser suportados pelas respectivas meações no património comum (artigo 1689.º, n.º 3, do Código Civil). Após, divide-se o restante em duas partes iguais, adjudicando-se uma à requerente e outra ao cabeça-de-casal (artigo 1689.º, n.º 1, do Código Civil). O preenchimento destas será realizado em conformidade com a composição dos quinhões resultante da conferência de interessados, imputando-se o valor das verbas n.º 3 a 6 de passivo sobre o quinhão do cabeça-de-casal e as verbas 7 a 9 de passivo sobre o quinhão da requerente, fazendo suportar a meação de cada um pelas dívidas (recebem, respectivamente, menos bens comuns) – artigo 1689.º, n.º 3, do Código Civil.
Em conformidade com o regime de comunhão de adquiridos aos valores dos bens que se mantiveram relacionados com o aumento proveniente das licitações deve subtrair-se o correspondente ao valor do terreno (€ 29.000,00 – esclarecimento à avaliação de fls. 650) em que se encontra a construção da verba n.º 29, porquanto de harmonia com o referido regime seria um bem próprio, e em seguida realizar as mesmas operações acima referidas.
Uma vez apurada a diferença de quinhões em cada um dos regimes, cada um dos interessados não poderá receber valor superior ao que resultar das operações relativas ao regime de comunhão de adquiridos, pelo que apenas haverá tornas tendo por limite o valor correspondente a tal regime.
Após, cumpra o disposto no artigo 1375.º do Código de Processo Civil.
Foi elaborado pela secretaria mapa informativo em que se fez constar que a quota que cabe a cada um dos interessados é, no regime de comunhão geral, no montante de € 117 550,615 e, no regime da comunhão de adquiridos (em cujo cálculo se subtraiu ao valor dos bens a partilhar a quantia de € 29 000 relativa ao valor do terreno constante da verba n.º 29), no montante de € 103 050,615, o qual veio a ser considerado nas operações subsequentes; considerou-se que foram adjudicados ao cabeça de casal na conferência de interessados bens no valor total de € 162 437,355, o que se entendeu exceder a respetiva quota de € 103 050,615, tendo-se concluído serem devidas tornas à requerente no montante de € 58 410,05.
A requerente reclamou o pagamento de tornas, as quais foram depositadas.
Foi organizado o mapa da partilha, datado de 11-02-2019, no qual se consignou, além do mais, o seguinte:
i - bens a partilhar:
Móveis/Direito de Créditos:- Verbas nºs 1, 2, a 4 a 28 e aditadas (As que se mantiveram e foram adjudicadas)
10.798,56 €
Imóveis:- Verbas nºs 29 a 31 (de acordo com os valores resultantes das licitações):
235.050,00 €
Valor do Terreno da Verba n.º 29: - Valor indicado pela avaliação constante de fls. 650:
29.000,00 €
Passivo Comum: - Valor aceite na conferência de interessados, fls. 489:
10.747,33 €
Total dos Valores a Partilhar após redução dos Passivos:
206.101,23 €
Créditos/Compensações sobre o quinhão da Requerente (verbas 3 a 6):
1.486,13 €
Créditos/Compensações sobre o quinhão do Cabeça de Casal (verbas 7 a 9):
2.462,82 €
ii - operações da partilha:
Ao valor do imóvel licitado sob a verba n.º 29, subtrai-se o valor do terreno, segundo o indicado na avaliação de fls. 650 (190.000,00€ – 29.000,00€ = 161.000,00€), sendo esse o valor a considerar para o total dos bens a partilhar, subtraindo-se de seguida o passivo comum da herança, (10.747,33€, ou seja 5.373,665 € para cada uma dos interessados), no total de 206.101,23 €, sendo que este valor divide-se em duas partes iguais, valor que cabe a cada um dos interessados:103.050,615€
Findas estas operações, há que ter em conta os acréscimos/decréscimos por parte da requerente e do cabeça-de-casal ao valor dos seus quinhões, devido à imputação dos créditos/compensações conforme indicado no douto despacho, no valor de 1.486,13€ e 2.462,82€ respectivamente
iii - resumo e pagamentos:
- requerente: receberá a verba n.º 1 no valor de € 3037,54, a verba n.º 2 no valor de € 1000 e a verba n.º 30 no valor de € 45 000, o que perfaz o montante de € 49 037,54, ao qual será deduzido o montante de € 5373,665 relativo a metade do passivo, obtendo-se o montante de € 43 663,875; tendo direito a um quinhão no montante de € 103 050,615, ficará em falta a quantia de € 59 386,74; procedendo às compensações de € 1486,13 € a favor da requerente e de € 2.462,82 a favor do cabeça de casal, deverá receber tornas do cabeça de casal no valor de € 58 410,05;
- cabeça de casal: receberá as verbas n.ºs 4 a 28 no valor de € 5000, a verba n.º 29 no valor de € 161 000 (tendo em conta a subtração da quantia de € 29 000 relativa ao valor do terreno), a verba n.º 31 no valor de € 50, a verba aditada (utensílios) no valor de € 1000 e a verba aditada (saldo bancário no BIC) no valor de € 761,02, o que perfaz o montante de € 167 811,02, ao qual será deduzido o montante de € 5373,665 relativo a metade do passivo, obtendo-se o montante de € 162 437,355; tendo direito a um quinhão no montante de € 103 050,615, recebe a mais o montante de € 59 386,74; procedendo às compensações de € 1486,13 € a favor da requerente e de € 2.462,82 a favor do cabeça de casal, deverá dar tornas à requerente no valor de € 58 410,05.
Não foram apresentadas reclamações ao mapa da partilha.
Foi proferida sentença em 13-03-2019, a qual homologou a partilha constante do mapa e adjudicou aos interessados os bens que compõem os respetivos quinhões ali descritos, condenando-os ao pagamento do passivo.
Inconformada, a requerente interpôs recurso da sentença da partilha, no qual impugnou o despacho determinativo da forma da partilha, formulando as seguintes conclusões:
«1.ª - Nos presentes autos de inventário procedeu-se à partilha de bens comuns pertencentes ao ex-casal formado pela Requerente/Recorrente, BB e pelo Cabeça de Casal, CC.
2.ª - O despacho determinativo da forma à partilha traduz uma clara violação do disposto no Art. 1.790.º do Código Civil.
3.ª - Nos autos consta que,
a) A Requerente, BB e o Cabeça de Casal, CC, casaram em 03-05-2003, sob o regime da comunhão geral de bens.
b) No dia 05-03-2001, foi doado à BB, então solteira, pelos seus pais, um terreno para construção urbana, com a área total de 2.600 m2, inscrito na matriz predial rústica sob o Artigo …, da freguesia de Atouguia, concelho de Ourém, por escritura lavrada no Cartório Notarial de Ourém.
c) Sobre este terreno foi edificada a habitação, que foi casa de morada de família dos interessados enquanto casados, com a área bruta de construção de 553,45 m2 e área bruta privativa de 183,45 m2, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo … da freguesia de Atouguia, concelho de Ourém.
d) Consta da verba n.º 29 da relação de bens:
“Prédio urbano sito em Terra Fria, lugar de Alvega, freguesia de Atouguia, concelho de Ourem, composto de casa destinada a habitação com a frente a norte composta de cave para arrumos, R/c com 4 assoalhadas, 1 cozinha e 2 wc, inscrito na respetiva matriz predial urbana da dita freguesia sob o art. …, que teve a sua origem nos artigos rústicos n.ºs … e … (doação de seus pais à BB, ainda em solteira, em 05-03-2001) e no urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, não descrito na Conservatória do Registo Predial com o valor patrimonial de 106.180,00€.”
e) A verba n.º 29 foi adjudicada, tal como se encontra descrita na relação de bens, composta pelo terreno e pela casa de habitação, ao Cabeça de Casal pelo valor de 190.000,00€ em conferência de interessados realizada no passado dia 11-10-2017.
f) Por decisão judicial de 29-11-2017 (Ref.ª 76782151), foi determinada a avaliação do terreno que se cifrou em 29.000,00€ (cfr. Fls. 650), montante que foi subtraído ao valor da licitação.
g) A Requerente BB e o Cabeça de Casal CC divorciaram-se no âmbito do Processo de Divórcio convertido em mútuo consentimento no Proc. 1280/10.9TBVNO, por requerimento que deu entrada no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém em 01-04-2011, com decisão proferida em 05-05-2011 e já transitada em julgado.
4.ª - Com a entrada em vigor da Lei nº 61/2008, de 31 de Outubro, estabeleceu-se a abolição da declaração de culpa no divórcio, assistindo-se assim, a uma profunda mudança de paradigma do sistema jurídico do divórcio que, necessariamente, teve reflexos no regime subsequente de partilhas.
5.ª - Desde então, ao abrigo do disposto no artigo 1.790º do Código Civil, as partilhas subsequentes a divórcio - mesmo quando no casamento vigorava o regime de comunhão geral – obrigatoriamente, passaram a reger-se pelo regime de comunhão de adquiridos.
6.ª - “In casu”, tendo o divórcio sido decretado em maio de 2011, para o efeito de partilha, nenhum dos cônjuges podia receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos.
7.ª - Tendo, a doação sido celebrada apenas a favor da Requerente BB, por força do seu estado de solteira, o valor (29.000,00€) do prédio doado (terreno - Artigo …) pertence, unicamente, à Requerente BB.
8.ª - O valor da doação deve ser considerado de forma autónoma ou, pelo menos, um bem comum por efeito do regime de bens adotado no casamento, tal como a Requerente BB o alegou quando manifestou a sua oposição ao desenhado mapa informativo (Ref.ª 30873162 de 03-12-2018), nos termos do disposto no n.º 1, do Art. 1.373.º do Cód. Proc. Civil.
9.ª - Conforme Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido em 06-02-2014, a regra do Art. 1.790.º do Cód. Civil, define a partilha estipulando que, “Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.“
10.ª - Tendo sido adjudicada a verba n.º 29 ao Cabeça de Casal pelo montante de 190.000,00€, a mesma que foi avaliada em 191.000,00€, não faz qualquer sentido vir descontar o valor do terreno que, no regime da comunhão de adquiridos, sempre seria pertença da Requerente BB.
11.ª - A douta sentença homologatória dos termos do mapa de partilha, incorre em desacerto, uma vez que, o douto despacho determinativo da forma à partilha e, consequentemente, o respetivo mapa, viola o disposto no Art. 1.790.º do Cód. Civil.
12.ª - O tribunal “a quo”, em respeito pelo disposto no Art. 1.790.º do Cód. Civil, no douto despacho determinativo da forma à partilha e, consequentemente, o mapa da partilha, devia ter tido em conta o valor (29.000,00€) do terreno (Art. …) que foi doado à Requerente BB considerando que, o mesmo, pertence em exclusivo, àquela, por partilha subsequente a divórcio, segundo o regime de comunhão de adquiridos aplicável.
13.ª - Os bens que até ao divórcio faziam parte da comunhão de bens, devem manter-se como bens comuns, sujeitos à partilha e a todas as operações próprias do processo de inventário, designadamente nas licitações e no modo de compor os respetivos quinhões de cada um dos ex-cônjuges.
14.ª - Assim sendo, constata-se que não foi adotado o procedimento correto:
No caso da comunhão geral de bens:
- O valor total dos bens a adjudicar são: ------------------------------- 245.848,56€
- Pertence a cada um dos interessados: --------------------------------- 117.550,62€
No caso da comunhão de adquiridos
- O valor total dos bens a adjudicar são: ------------------------------- 245.848,56€
- Pertence a cada um dos interessados: ---------------------------------- 103.050,23€
A cabeça de casal CC foram-lhe adjudicados os bens no valor de 191.437,35€ (196.811,02€ - 5373,67€) e não 162.437,36€, como indica o mapa de partilhas.
Excede, por isso, a quantia correspondente ao regime da comunhão de adquiridos em 88.387,12€ (191.437,35€ - 103.050,62€) e não 59.386,74€, como refere o mapa de partilhas:
Procedendo às compensações de créditos entre ambos os interessados: 976,69€, resulta que o Cabeça de Casal CC deverá pagar tornas à Recorrente BB no valor de 87.410,43€.
E nunca 58.410,05€ como foi calculado no mapa informativo.»
Não foram apresentadas contra-alegações.
Face às conclusões das alegações da recorrente e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar a questão da determinação do valor da meação que cabe a cada um dos cônjuges e do valor dos bens adjudicados ao cabeça de casal, bem como as respetivas consequências.
Corridos os vistos, cumpre decidir.


2. Fundamentos

2.1. Fundamentação de facto
Com interesse para a apreciação das questões suscitadas, extraem-se dos autos os elementos seguintes:
a) BB e CC casaram um com o outro a 03-05-2003, com convenção antenupcial, na qual estipularam como regime de bens a comunhão geral;
b) em 24-09-2010, BB instaurou ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge contra CC;
c) em 01-04-2011, BB e CC requereram a conversão dos autos em divórcio por mútuo consentimento,
d) por sentença de 05-05-2011, foi decretado o divórcio entre BB e CC, com a consequente dissolução do respetivo casamento;
e) a sentença a que alude a alínea d) foi registada a 06-05-2011 e transitou em julgado a 08-06-2011;
f) o presente processo de inventário foi intentado por BB a 12-08-2011;
g) constam da relação de bens apresentada pelo cabeça de casal, entre outras verbas, as descritas nos termos seguintes:
i - no âmbito dos bens imóveis integrados no ativo:
Verba Vinte e Nove
Prédio urbano sito em Terra Fria, lugar de Alvega, freguesia de Atouguia, concelho de Ourem, composto de casa destinada a habitação com a frente a norte composta de cave para arrumos, R/c com 4 assoalhadas, 1 cozinha e 2 wc, inscrito na respectiva matriz predial urbana da dita freguesia sob o artigo …, com a superfície coberta de 204,75 m2, e um armazém com a área aproximada de 150 m2, que teve a sua origem nos artigos rústicos n.ºs … e … e no prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …, não descrito na Conservatória do Registo Predial com o valor patrimonial de 69.246,90 € a que atribui o valor de ------------------------200.000 €
ii - no âmbito do passivo:
Verba Um
Deve o património comum ao Cabeça de Casal, a benfeitoria realizada pelo Cabeça de Casal nos prédios rústicos inscritos na respectiva matriz da freguesia de Atouguia sob os artigos … e … e no prédio urbano … inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo …, a qual se traduz numa casa de habitação sita em Terra Fria, Lugar de Alvega, freguesia da Atouguia, concelho de Ourém, com a frente ao Norte, composta de cave para arrumos e Rés-do chão com 4 assoalhadas, 1 cozinha e 2 WC, com a superfície coberta de 204,75 m2, e um armazém com a área aproximada de 150 m2, tendo face á implantação nos artigos acima referenciados dado origem ao artigo … urbano da citada freguesia não descrito na Conservatória do Registo Predial, a que atribui o valor ----------------------------------------------------------------------------------------------190.000,00 €
h) na conferência de interessados realizada a 11-10-2017:
i - abriu-se licitação entre os interessados relativamente às verbas n.ºs 29, 30 e 31, as quais foram licitadas nos termos seguintes:
- a verba n.º 29 - licitada pelo cabeça de casal pelo valor de € 190 000;
- a verba n.º 30 - licitada pela requerente pelo valor de € 45 000;
- a verba n.º 31 - licitada pelo cabeça de casal pelo valor de € 50;
ii - acordaram os interessados na designação de verbas que hão de compor os respetivos quinhões nos termos seguintes:
- verba n.º 1 – a adjudicar à requerente pelo valor de € 3037,54;
- verba n.º 2 – a adjudicar à requerente pelo valor de € 1000;
- verbas n.ºs 4 a 28 – a adjudicar ao cabeça-de-casal pelo valor de € 5000;
- verba aditada (utensílios) - a adjudicar ao cabeça-de-casal pelo valor de € 1000;
- verba aditada (saldo bancário no BIC) - a adjudicar ao cabeça-de-casal pelo valor de € 761,02;
i) por despacho de 29-11-2017, foi determinada a realização de avaliação, com o objeto seguinte:
- Valor actualizado do prédio sob a verba n.º 29 antes da construção da habitação e arranjo exterior desse prédio?
- Valor actualizado do prédio sob a verba n.º 29 com a construção da habitação e arranjo exterior desse mesmo prédio?
j) foi apresentado relatório da avaliação realizada, do qual consta, tendo em conta o esclarecimento posteriormente prestado, que é de € 29 000 o valor do prédio antes da construção da habitação e arranjo exterior e de € 191 000 o valor do prédio com a construção da habitação e arranjo exterior.

2.2. Apreciação do objeto do recurso
Nos presentes autos de inventário para partilha de bens subsequente a divórcio, a requerente interpôs recurso da sentença da partilha, no qual impugnou o despacho determinativo da forma da partilha.
Previamente à apreciação do objeto do recurso, cumpre determinar o regime aplicável.
Encontra-se assente que a requerente e o cabeça de casal casaram um com o outro a 03-05-2003, com convenção antenupcial, tendo estipulado como regime de bens a comunhão geral; o casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de 05-05-2011, transitada em julgado a 08-06-2011, proferida em ação de divórcio intentada a 24-09-2010.
Em consequência da dissolução do casamento, cessam as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, salvo as decorrentes da obrigação de alimentos, conforme dispõe o artigo 1688.º do Código Civil; quanto à data em que se produzem os efeitos do divórcio, determina o artigo 1789.º, n.º 1, do indicado código, que tais efeitos se produzem a partir do trânsito em julgado da respetiva sentença, mas retrotraem-se à data da proposição da ação quanto às relações patrimoniais entre os cônjuges; como tal, no caso presente, tendo o processo de divórcio sido intentado a 24-09-2010, é esta a data a atender quanto aos efeitos do divórcio no que respeita à cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges.
Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, dispõe o artigo 1689.º, n.º 1, do mesmo código, que estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património.
Tendo sido adotado pelos cônjuges o regime da comunhão geral, dispõe o artigo 1732.º do citado código que o património comum é constituído por todos os bens presentes e futuros dos cônjuges, que não sejam excetuados por lei, elencando o artigo 1733.º diversos bens incomunicáveis, considerados excluídos da comunhão.
Não vem questionada, no caso presente, a comunicabilidade de todos os bens relacionados, os quais constituem bens comuns do casal. Porém, face ao regime estatuído pelo artigo 1790.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, a origem dos bens relacionados releva para efeitos da determinação do valor da quota-parte que caberá a cada um dos cônjuges na partilha.
Dispõe o citado artigo 1790.º que “Em caso de divórcio, nenhum dos cônjuges pode na partilha receber mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos”. Daqui decorre que, em caso de divórcio, ainda que o regime de bens adotado seja a comunhão geral, nenhum dos cônjuges pode receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos.
Em anotação ao preceito, esclarece Rute Teixeira Pedro (CÓDIGO CIVIL: Anotado, Coord. Ana Prata, volume II, Coimbra, Almedina, 2017, p. 694) o seguinte: “Segundo a redação vigente, a previsão de que nenhum dos cônjuges pode receber, no ato de partilha, mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime de comunhão de adquiridos, equivale a dizer que, em caso de divórcio, cada um dos cônjuges receberá, necessariamente, na partilha, o (valor) que receberia segundo o regime de comunhão de adquiridos”. Afirma a autora (ob. cit., p. 694-695) que “o limite imposto por esta norma opera em termos de valor. É, portanto, um limite quantitativo, impedindo que a meação de cada um dos cônjuges seja mais valiosa do que a que lhes caberia à luz do regime de comunhão de adquiridos”, acrescentando que “a aplicação da presente norma não pressupõe, então, qualquer alteração do regime de bens vigente no casamento”, pelo que “em caso de partilha através de inventário, a relação de bens deverá ser apresentada de acordo com as regras que compõem o regime de bens aplicável ao casamento, funcionando o art. 1790.º como limite a aplicar à operação de partilha.”
Esta regra impõe se determine o valor que caberia a cada um dos cônjuges no regime da comunhão de adquiridos, o qual constituirá um limite quantitativo, isto é, constituirá o valor que caberá a cada um dos cônjuges receber na partilha, após o que se procederá ao preenchimento dos quinhões.
No despacho determinativo da forma da partilha foram explicitados os critérios a seguir para efeitos do cálculo do valor que caberia a cada um dos cônjuges receber no regime da comunhão geral e no regime da comunhão de adquiridos. No que respeita à determinação desse valor no âmbito do regime da comunhão geral, extrai-se do despacho o seguinte: somam-se os valores dos bens que se mantiveram relacionados, com o aumento proveniente das licitações (verba n.º 29, consome a verba n.º 1 de passivo, tendo por referência o valor de licitação), abate-se apenas o passivo relativo à verba n.º 2 de passivo – as demais verbas de passivo constituem créditos entre os interessados, pelo que devem ser suportados pelas respectivas meações no património comum (artigo 1689.º, n.º 3, do Código Civil). Após, divide-se o restante em duas partes iguais, adjudicando-se uma à requerente e outra ao cabeça-de-casal (artigo 1689.º, n.º 1, do Código Civil). Para efeitos da quantificação do indicado valor no âmbito do regime da comunhão de adquiridos, determina o despacho o seguinte: aos valores dos bens que se mantiveram relacionados com o aumento proveniente das licitações deve subtrair-se o correspondente ao valor do terreno (€ 29.000,00 – esclarecimento à avaliação de fls. 650) em que se encontra a construção da verba n.º 29, porquanto de harmonia com o referido regime seria um bem próprio, e em seguida realizar as mesmas operações acima referidas.
Aplicando estes critérios, a secretaria, no mapa informativo que elaborou, fez constar que a quota que cabe a cada um dos interessados é, no regime de comunhão geral, no montante de € 117 550,615 e, no regime da comunhão de adquiridos (em cujo cálculo se subtraiu ao valor dos bens a partilhar a quantia de € 29 000 relativa ao valor do terreno constante da verba n.º 29), no montante de € 103 050,615, o qual veio a ser considerado nas subsequentes operações de partilha.
Porém, à luz do regime da comunhão de adquiridos, em consequência da consideração do aludido terreno como um bem que seria próprio da requerente, o que determinou a exclusão do respetivo valor na determinação do montante a partilhar no âmbito desse regime, cumpriria aditar tal valor ao montante da quota-parte devida à requerente, o que não foi expressamente ordenado no despacho determinativo da partilha e, por isso, não foi efetuado no mapa informativo, nem no subsequente mapa de partilha.
Assim, cumpre determinar que, no cálculo da quota devida à requerente, se adite ao montante de € 103 050,615 aquele valor de € 29 000, por corresponder ao valor de um bem que seria próprio desta no âmbito do regime da comunhão de adquiridos.
A apelante manifesta também a sua discordância quanto ao valor tido em conta pela secretaria como sendo o dos bens adjudicados ao cabeça de casal, sustentando que foi indevidamente descontado o montante de € 29 000 ao valor de € 190 000 pelo qual foi licitada a verba n.º 29.
Também aqui lhe assiste razão, dado que o desconto do montante de € 29 000 a que alude o despacho determinativo da partilha respeita unicamente às operações de cálculo do valor que caberia a cada um dos cônjuges receber no âmbito do regime da comunhão de adquiridos, não alterando o valor do bem, o qual decorre da licitação efetuada, conforme dispõe o artigo 1375.º, n.º 2, do CPC. Assim sendo, deverá ser tido em conta o valor de € 190 000, pelo qual foi a verba licitada pelo cabeça de casal na conferência de interessados.
Procede, assim, a apelação


Em conclusão:
I – Face ao regime estatuído pelo artigo 1790.º do Código Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, em caso de divórcio, ainda que o regime de bens adotado seja a comunhão geral, nenhum dos cônjuges pode receber na partilha mais do que receberia se o casamento tivesse sido celebrado segundo o regime da comunhão de adquiridos;
II - Esta regra impõe se determine o valor que caberia a cada um dos cônjuges no regime da comunhão de adquiridos, o qual constituirá um limite quantitativo, isto é, constituirá o valor que caberá a cada um dos cônjuges receber na partilha, após o que se procederá ao preenchimento dos quinhões;
III - A origem dos bens relacionados releva para efeitos da determinação do valor da quota-parte que caberá a cada um dos cônjuges na partilha.


3. Decisão

Nestes termos, acorda-se em conceder provimento à apelação e, em consequência, decidir o seguinte:
a) alterar o despacho sobre a forma da partilha, determinando-se que, no cálculo do valor que caberia a cada um dos cônjuges no regime da comunhão de adquiridos, após a divisão em duas partes iguais do valor calculado nos termos aí indicados, se adite o valor de € 29 000 (vinte e nove mil euros) ao montante correspondente à quota devida à requerente;
b) anular todo o processado ulterior ao despacho alterado, ordenando a organização do mapa da partilha, no qual deverá o valor da verba n.º 29 a considerar ser o decorrente da licitação efetuada, seguindo-se os demais trâmites.
Sem custas.
Notifique.

Évora, 27-06-2019
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato