Processo: 2190/22.2T8FAR.E2
Tribunal a quo
Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Cível de Faro - Juiz 1
Recorrente … (Réu)
Recorrida …, Lda. (Autora)
***
Sumário: (…)
Acordam os Juízes na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
1. RELATÓRIO
(…), Lda. instaurou contra (…) a presente ação declarativa com processo comum. Alegou, em síntese, que celebrou com o Réu um contrato de empreitada destinado à construção de uma moradia unifamiliar e piscina, em Tavira, pelo preço de € 358.732,39,00, a pagar faseadamente, à medida da execução dos trabalhos. Porém, apesar de ter executado cerca de 70% da obra, o Réu não pagou a quantia de € 52.900,93 relativa a trabalhos já executados, prejuízo a que acresce o valor de € 28.987,60 relativo a material de serralharia e carpintaria, sendo ainda devedor da quantia de € 21.573,94 correspondente a 20% da diferença entre o valor da obra e os trabalhos já executados, de que é credora em virtude da desistência do contrato por parte do mesmo.
Concluiu, pedindo a condenação do Réu no pagamento da quantia global de € 103.462,47, acrescida de juros.
O R. contestou por exceção e por impugnação e formulou pedido reconvencional: excecionou a sua ilegitimidade para a causa na falta de demanda da sua esposa, a ineptidão da petição inicial por contradição entre o pedido e a causa de pedir e a prescrição da dívida; impugnou os factos alegados pela Autora, considerando que os trabalhos por esta executados não observam o projeto de arquitetura e, além disso, que a obra apresenta vários defeitos, o que o levou a rescindir o contrato de empreitada, por comunicação de 23 de abril de 2021. Alegou ainda que a reparação dos defeitos do imóvel passa pela demolição do existente e a construção de novo, com o custo mínimo de € 764.821,40. Conclui pela improcedência da ação e, em reconvenção, pediu a condenação da Autora no pagamento das quantias de € 764.821,40 e de € 20.000,00, esta a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros, bem como no reembolso, a liquidar, das despesas que seja obrigado a suportar, incluindo honorários dos mandatários ou técnicos.
A Autora respondeu, concluindo pela improcedência das exceções e do pedido reconvencional, entendendo, quanto a este, que as desconformidades apontadas pelo Réu ou não têm tal natureza ou correspondem a alterações pelo mesmo solicitadas, considerando, assim, que o pedido reconvencional constitui um abuso de direito.
Admitida parcialmente a reconvenção, foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as exceções da ilegitimidade do Réu, da nulidade de todo o processo por ineptidão da petição inicial e da prescrição parcial da dívida reclamada pela Autora.
Realizada audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, que concluiu nos seguintes termos:
“Pelo exposto, decido:
A. Julgar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, por conseguinte, condenar o réu no pagamento à sociedade/autora, no montante global de € 98.418,77 (noventa e oito mil e quatrocentos e dezoito euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar desde a citação até integral e efetivo pagamento, absolvendo o réu do demais peticionado;
B. Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional, por não provado e, consequentemente, absolver a sociedade/autora do mesmo”.
O Réu recorreu desta sentença.
Admitido o recurso, foi proferido acórdão por esta Secção, que, ao abrigo do disposto nos n.ºs 2, alínea c) e 3, alínea c), do artigo 662.º do Código de Processo Civil (doravante, CPC), anulou a sentença recorrida, com vista à prossecução dos autos e ampliação da matéria de facto, por forma a dar como provado ou não provado o seguinte:
i) o pé direito do piso térreo, sem pladur de teto falso (medido entre o pavimento e a placa de betão) é de 2,38 m?
ii) o pé direito no piso um, sem pladur de teto falso (medido entre o pavimento e a placa de betão) é de 2,30 m?
Devolvidos os autos à 1ª Instância, para ampliação da matéria de facto conforme determinado, foi produzida prova pericial e realizou-se novo julgamento, na sequência do que foi proferida sentença que, na parte decisória, prevê o seguinte:
“A. Julgar a ação parcialmente procedente, por parcialmente provada e, por conseguinte, condenar o réu no pagamento à sociedade/autora, no montante global de € 98.418,77 (noventa e oito mil e quatrocentos e dezoito euros e setenta e sete cêntimos), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar desde a citação até integral e efetivo pagamento, absolvendo o réu do demais peticionado;
B. Julgar totalmente improcedente o pedido reconvencional, por não provado e, consequentemente, absolver a sociedade/autora do mesmo.”
Inconformado, o Réu recorreu desta sentença.
Admitido o recurso, foi proferido despacho por esta Relatora, convidando o Recorrente a aperfeiçoar as conclusões das suas alegações de recurso.
Respondendo ao convite, o Recorrente apresentou novas alegações, que culminam com as seguintes conclusões:
“a) O contrato de empreitada celebrado entre as partes, não foi cumprido pela Autora, ao não cumprir com o disposto no projeto de arquitetura, que lhe foi entregue aquando da celebração do referido contrato, encontrando-se violado o disposto nos artigos 1207.º e 1208.º do Código Civil.
b) Os deveres contratuais a que se obrigou, foram claramente violados pela Autora.
c) A Autora abandonou a obra, após receber o montante de € 19.000,00 (dezanove mil euros), tendo, claramente, incumprido o contrato celebrado com o Réu.
d) A Autora, por sua autoria e à revelia do Réu, executou alterações no projeto de arquitetura, sem que de tal facto informasse previamente o Réu: Violação do disposto nos artigos 1208.º e 1214.º do Código Civil.
e) O Réu não solicitou alterações ao projeto de arquitetura, tendo sido bastante esclarecedor, a esse respeito, no seu depoimento em sede de audiência de discussão e julgamento: minutos 00:38:41 a 00:49:42 do depoimento de parte do Réu.
f) A instâncias da Mma. Juiz, o Réu disse: “Não. Nunca pedi nada demais, até inclusive nos emails, eu estive lá, que é para seguir o projeto, não é para fazer alterações.”
g) Novamente, a instâncias da Mma. Juiz, o Réu foi claro ao dizer que “a obra não foi paga porque os trabalhos estavam mal executados e ele (o representante da Autora) não os queria compor. Simplesmente isso (minutos 01:18:34 a 01:18:40).
h) É totalmente legítima a exceção de não cumprimento por parte do Réu, artigo 428.º do Código Civil, face ao incumprimento contratual por parte da Autora.
i) Os erros de construção levados a cabo pela R., desencadearam alterações ao projeto de arquitetura que obrigaram o R., a procurar outras soluções que não as que se encontram previstas no projeto de arquitetura, como sejam o caso dos estores: Por tal motivo, o artigo 48º da matéria provada deverá ser reapreciado pela Veneranda Relação e ser dado como não provado.
j) A Autora, na pessoa do representante legal da sociedade construtora, aqui Autora, violou todas as obrigações que recaiam sobre o representante legal da Autora, enquanto diretor técnico da obra: artigo 14.º da Lei 40/2015, de 01/06/2015.
k) Tais obrigações foram desrespeitadas ao longo de todo o decurso da obra, sendo evidentes e notórias, nomeada, mas não exclusivamente, no não cumprimento das medidas do pé direito e no aumento da área da cave que não se encontra projetada como foi executada, tendo acarretado inúmeras alterações e consequências ao projeto de arquitetura, sem que tal tivesse sido transmitido e explicado ao Réu.
l) No seguimento do supra exposto, o artigo 44 dos factos provados deverá ser dado como não provado.
m) Um dos parâmetros urbanísticos mais importantes como o é a medida do pé-direito livre mínimo de um imóvel (2,70 m para as habitações), artigo 65.º do RJUE, não se encontra cumprido no imóvel em apreço, como foi possível comprovar pelo depoimento da testemunha (…), em sede de audiência de discussão e julgamento, o qual confirmou, que esteve no imóvel, onde efetuou medições, tendo podido comprovar que não estão cumpridas as medidas mínimas exigidas no RJUE.
n) No que respeita aos factos dados como provados, o facto vertido no artigo 3 dos factos provados, deverá considerar-se provado apenas no que respeita à assinatura do Réu, na medida em que este foi bastante esclarecedor no seu depoimento: A referida declaração foi-lhe remetida pela Autora, para supressão de dois pilares na garagem e tão somente para tal facto.
o) Por seu turno, o artigo 12, deverá ser dado como provado apenas no que respeita à representação do Réu, por (…), pois este foi bastante esclarecedor no seu depoimento, ao ter esclarecido que por si nunca foram realizadas quaisquer medições.
p) Nem por si nunca foram autorizadas alterações no decorrer da obra, pelo que o artigo 46 deverá ser dado como não provado.
q) A cave não foi construída de acordo com o mapa de trabalhos, pelo que o teor do artigo 14 deverá ter tal facto em consideração.
r) Não há qualquer documento comprovativo, junto aos autos, (tão somente, um formulário assinado pelo Réu, no qual não se encontra aposto qualquer carimbo comprovativo da sua entrega junto do Município), que comprove a apresentação de um projeto de alterações junto do Município.
s) Conforme resultou do esclarecedor depoimento do Réu, a Autora nunca chegou a realizar as alterações / correções a que se comprometeu, não obstante os pagamentos realizados pelo Réu, para o efeito, pelo que os artigos 29 e 30 deverão ser dados como não provados, e assim corrigidos pela Veneranda Relação.
t) O artigo 49º dos factos provados deverá considerar-se não provado, na medida em que, confrontado com o teor do email em apreço, e com o endereço de correio eletrónico, o Réu disse nunca ter visto o referido email (minutos 00:26:36 a 00:27:42 do depoimento de parte do Réu).
u) Face ao incumprimento contratual, nomeadamente, ao abandono da obra, por parte da Autora, o Réu viu-se obrigado proceder à resolução do contrato de empreitada como o fez, por meio de carta registada com aviso de receção.
v) O tribunal a quo não podia ter ignorado as obrigações decorrentes do contrato celebrado entre as partes, assim como, a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento e ter condenado o Réu no pagamento da quantia global de € 98.418,77, à Autora, quando a Autora levou a cabo uma obra desconforme com o projeto de arquitetura, que estava obrigada a seguir e a cumprir.
w) De entre o valor requerido e solicitado, encontra-se englobado o montante correspondente a 20% dos trabalhos executados, os quais se encontram mal executados, pelo que, tal cumpre claramente os requisitos do enriquecimento sem causa.
x) Não resultou da prova produzida em sede de audiência em julgamento, que as desconformidades da obra em apreço resultem de solicitações do dono da obra, neste caso o Réu, mas sim, da autoria da Autora, a qual, não só não informou o dono da obra, como não cumpriu as obrigações legais a que se encontrava adstrita, na qualidade de Diretor Técnico da Obra (o representante da Autora).
y) Face ao incumprimento contratual, praticado pela Autora e à recusa em repor os defeitos e as desconformidades existentes em obra, e ao posterior abandono da obra, o Réu viu-se obrigado a denunciar o contrato de empreitada, com base em justa causa, e nos termos do contrato de empreitada celebrado, cláusula VII, alínea d).
z) Deste modo, mal andou o Tribunal a quo quando disse ter resultado da prova produzida que a Autora se dispôs a reparar os trabalhos, quando, até denúncia contratual, por parte do Réu, a Autora sempre se recusou a fazê-lo, não tendo voltado a comparecer na obra.
aa) Não se pode olvidar o facto, que o Tribunal a quo parece esquecer, que é o da execução de uma obra, desconforme com o projeto de arquitetura, e assim a total violação do disposto nos artigos 1207.º, 1208.º e 1214.º do Código Civil, sem que a Autora se tenha disponibilizado a reparar os erros verificados, não obstante as solicitações e os pagamentos do Réu.
bb) Assim como andou mal o Tribunal a quo, depois de provadas todas as desconformidades da obra, e o incumprimento do contrato de empreitada, por parte da Autora ter condenado o Réu a pagar à Autora o já mencionado montante, quando esta não fez cumprir os deveres contratuais e legais a que se encontrava adstrita.
cc) Quando, em bom rigor, deveria o Tribunal a quo, ter reconhecido ao Réu a exceção de não cumprimento, nos termos do disposto do artigo 428.º do Código Civil”.
Conclui, pedindo que, por via do recurso, seja a sentença revogada e substituída por outra que o absolva do pedido de que vem condenado.
A Recorrida pronunciou-se quanto às novas conclusões das alegações de recurso apresentadas pelo Recorrente, entendendo que as mesmas não cumprem cabalmente o determinado pelo respetivo convite ao aperfeiçoamento, pelo que, na parte afetada, não deve este Tribunal conhecer o recurso.
Quanto ao mais e pugnando pela manutenção do decidido pelo tribunal a quo, remeteu para as suas contra-alegações, que terminam com as seguintes conclusões:
“A. O Réu, ora Recorrente, veio interpor recurso da douta sentença proferida invocando e impugnando novamente matéria que já se encontra decidida pelo Acórdão de 11/07/2024, proferido pelo douto Tribunal da Relação de Évora, o qual a Recorrida remete para o conteúdo da decisão já proferida nesse douto Acórdão, sobre os factos novamente impugnados e postos em causa, já discutidos e decididos.
B. Pelo que, pode-se concluir, com certeza, que a decisão a ser tomada sobre os factos outrora discutidos, debatidos e decididos, só poderá vir a ser a mesma.
C. Veio, ainda, o ora Recorrente, interpor recurso de apelação, onde impugna os pontos 29, 48 e 49 dos factos provados da douta sentença.
D. Debruçando-nos sobre o ponto 29 posto em crise pelo Recorrente, sempre será de concluir que não deverá ser alterado para os factos não provados, devendo improceder na totalidade, uma vez que, a então Autora, sempre mostrou interesse em terminar a obra, nem faria sentido que assim não fosse.
E. Sendo contrário, às regras da experiência comum e lógica do homem médio, pois como se disse em sede de contra-alegações, a Sociedade Autora sempre manifestou interesse em terminar a obra, não assistindo qualquer razão ao ora Recorrente, pois como se encontra provado nos autos, tanto a nível de prova testemunhal, como documental com o conhecimento e consentimento do então Réu, a Recorrida, adjudicou serviços de carpintaria e serralharia, e adiantou montantes tanto ao carpinteiro, como ao serralheiro, de forma a serem colocados na obra todos os materiais de carpintaria, assim como, alumínios e vidros.
F. Até mesmo, pelo depoimento prestado pela testemunha (…).
G., H., I. (Transcrição de partes do depoimento da testemunha …, que aqui não se reproduzem).
J. Pelo que, podemos concluir, através do depoimento da testemunha, que a obra se encontrava praticamente terminada, tendo a ora Recorrida avançado com valores de adjudicação para os serviços de carpintaria.
K. Bem como os valores adjudicados e pagos pela Sociedade Autora, e não liquidados pelo Réu/Recorrente, referentes ao valor dos alumínios destinados àquela obra especifica, conforme provado pela testemunha … (empresário de serralharia), que referiu que facturou o montante e emitiu os respectivos recibos, tendo junto os respectivos documentos comprovativos, e referido ainda que tinha o material pronto para entrega em obra.
L. Não nos poderemos olvidar que tais pagamentos não foram realizados pelo Recorrente, enquanto a obra ia decorrendo, tendo ficado provado que a então Autora sempre se encontrou disponível para terminar a obra, conforme missiva enviada pela Recorrida ao Recorrente, e que se encontra no ponto 50 dos factos provados, e que o mesmo fiscalizava a obra, tendo-a visitado em diversas ocasiões, conforme ponto 52 dos factos provados.
M. Por outro lado, há que atender à confissão, por parte do ora Recorrente, da factualidade referente às alterações por si pretendidas e refletidas no email datado de 13/09/2020, com base no facto de ter sido aceite o teor do já mencionado email (de fls. 108), tendo o próprio admitido ter recebido (vide facto provado n.º 50) esse mesmo email, bem como as interpelações para o pagamento dos valores atrasados para pagamento em causa.
N. Como resulta dos Autos, a ora Recorrida, sempre manifestou interesse em concluir a obra, desde que os pagamentos fossem regularizados pelo ora Recorrente.
O. Aliás, nem teria esta qualquer outro interesse, pois conforme anteriormente referido, adjudicou e pagou serviços e materiais especificamente para a obra em questão, sem que tenha sido ressarcida desses montantes, por parte do Recorrente.
P. Para mais, o próprio Réu, ora Recorrente, confessou, em sede de depoimento de parte, ter recebido a missiva expedida pela ora Recorrida, em 09/12/2021, via email, pela qual está bem patente a intenção desta em concluir a obra.
Q. Assim como, confessou ter sido interpelado para efectuar os pagamentos em atraso e não os ter realizado, cfr. ponto 30 dos factos provados da douta sentença.
R. A própria Recorrida, em sede de declarações de parte, veio também confirmar ter interpelado o então Réu para os devidos pagamentos, em atraso, sem que ele os tenha feito.
S. Nunca existiu qualquer má execução de trabalhos em obra, o que existiram foram alterações solicitadas pelo Recorrente, e preconizadas pela Recorrida.
T. Aliás, no ponto 3 dos factos provados da douta sentença e mediante declaração assinada por si e datada de 28/08/2018, autorizou a sociedade/Autora “a efetuar as alterações necessárias ao projeto de estabilidade, para se poder cumprir o projeto de arquitetura aprovado por despacho do Chefe da DGUOP de 12/06/17, emitido pela C.M. Tavira, referente ao Proc.º obras n.º (…)”, com vista ao cumprimento das alterações pretendidas.
U. O Réu/Recorrente confessou ter assinado um requerimento no dia 04/08/2020 destinado à Câmara Municipal de Tavira, com vista à emissão de licença especial para obras inacabadas.
V. Para mais, sempre se dirá que a obra, ainda não estava concluída, nem tinha sido entregue, pelo que para continuação da obra, o Recorrido, apenas teria de efectuar o pagamento das facturas e serviços em atraso, para que a mesma continuasse.
W. Pelo que, conclui-se que não faz qualquer sentido o alegado, pelo Recorrente, devendo nessa esteira improceder.
X. No que respeita ao ponto 48, quanto aos estores, foi combinado, com o então Réu, ver qual a melhor solução para a colocação dos mesmos.
Y. Refira-se que, o Recorrente, encontrava-se a escolher a opção que mais lhe convinha.
Z. Pelo que, não faz qualquer sentido, referir que a colocação dos estores advém de um erro na execução do pé direito, uma vez que, o Recorrente, ainda estava em processo de escolha dos estores.
AA. Aliás, nesse sentido vide o referido na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que refere que: “vide factos n.ºs 44 a 48 – foi produzida prova contrária à alegação de que, as alterações introduzidas em obra foram preconizadas pela sociedade/autora, à revelia do réu, dando-se como não provada a factualidade vertida na alínea k). Aliás, nem faria sentido – melhor dizendo, seria contrário às regras de experiência comum e lógica do homem médio – que, sem o aval do réu, a sociedade/autora tomasse a iniciativa de levar a cabo alterações ao projeto inicial, (…)”.
BB. É contrário às regras da lógica e experiência comum, o Recorrente andar à procura de diferentes estores e se encontrar indeciso, e vir atribuir o problema dos mesmos, que sublinhe-se ainda não foram colocados, vir agora referir a estas instâncias que “andavam à procura de soluções” porque havia um problema com o pé direito.
CC. Matéria esta, já anteriormente submetida à apreciação desse douto Tribunal da Relação de Évora, o qual se decidiu da forma que agora se cita: “1.2.8. Pretende o Réu que se adite ao ponto 48º dos factos provados –“48. Quanto aos estores, foi combinado com o réu ver qual a melhor solução para a colocação dos mesmos” – o seguinte: “que a questão dos estores, se ficou a dever a erro de construção da A., motivo pelo qual era necessário encontrar uma solução para os estores.” Não indica qualquer prova justificativa da solução que preconiza, seja nas conclusões, seja nas alegações, onde sobre a matéria se limita a referir: «Por sua vez, e no que respeita aos estores, ponto 48 da douta sentença, sempre importará esclarecer, que a “melhor solução para a colocação dos mesmos” advém do erro na execução do pé direito, assim como, da execução das janelas, executadas pela Autora, ou seja, os erros de construção foram levados a cabo pela Autora, e o Réu viu-se obrigado, a posteriori, a aceder a “soluções” atentos os erros já executados.» (…) No caso o impugnante não indica os concretos meios probatórios que fundamentam a impugnação. Rejeita-se nesta parte a impugnação.”
DD. Ora, o Recorrente, impugna o ponto 48, não indicando novamente os concretos meios probatórios que fundamentam a sua impugnação, pelo que deverá ser rejeitado nessa parte.
EE. Concluímos que deve improceder na totalidade a impugnação ao ponto 48 da douta sentença.
FF. Debrucemo-nos, ainda, pela impugnação do ponto 49, relativo ao email enviado à sociedade Autora/Recorrida, de 04/12/2021, com o seguinte teor: “Bom dia estou na Suíça e tenho um terreno com projeto para construção de moradia com piscina em Tavira é relativamente grande e queria saber se está na vossa competência a realização da mesma.
Quem devo contactar (…)”.
GG. Sempre se dirá que, o mesmo confessou o facto como resulta da douta sentença, aliás facto esse já debatido no anterior recurso apresentado pelo Recorrente, onde se passa a citar o acórdão: “1.2.9. Com fundamento no seu depoimento de parte, considera o Réu que não se prova o facto vertido no ponto 49º dos factos provados - 49. O réu enviou email à sociedade/autora, em 4/12/2021, com o seguinte teor: “Bom dia estou na Suíça e tenho um terreno com projeto para construção de moradia com piscina em Tavira é relativamente grande e queria saber se está na vossa competência a realização da mesma. Quem devo contactar (…)” – argumenta que “confrontado com o teor do email em apreço, e com o endereço de correio eletrónico, (…) disse nunca ter visto o referido email (minutos 00:26:36 a 00:27:42 do depoimento de parte do Réu). A decisão recorrida motivou a resposta na “confissão” do Réu. O email foi junto aos autos com a petição inicial, consta a fls. 32 do processo físico e o Réu, confrontado ele no decurso do seu depoimento de parte, declarou: “não … não conheço este email é a primeira vez que vejo isto”. À parte esta declaração, o Réu não questionou ser seu o endereço electrónico do emitente do email. Segundo o artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-lei n.º 12/2021, de 9/2, o documento eletrónico comunicado por um meio de comunicação eletrónica considera-se enviado e recebido pelo destinatário se for transmitido para o endereço eletrónico definido por acordo das partes e neste for recebido. Em vista da norma, o documento electrónico emitido do endereço electrónico do Réu presume-se enviado por ele e as declarações do Réu, convenientes dir-se-á, desacompanhadas de qualquer alegação ou esclarecimento adicional não permitem, a nosso ver, ilidir esta presunção. O facto mostra-se provado. A impugnação improcede.”
HH. Destarte, o próprio Recorrente, confessou ter sido interpelado para efectuar os pagamentos em atraso e não os ter realizado, bem como, constata-se ainda nos factos provados a reunião tida com o carpinteiro em Agosto de 2020, acima referida, com vista à escolha dos materiais finais a aplicar em obra, e do email datado de 13/09/2020 na parte referente às alterações pretendidas pelo réu, que constitui fls. 108 dos autos.
II. O Recorrente, não logrou fazer prova de que a sociedade Autora se tenha recusado a eliminar os defeitos agora invocados, nem sequer tendo logrado a prova da respetiva denúncia, sendo ainda de assinalar que, não tendo a obra sido entregue ou concluída, tal reparação sempre poderia ter lugar a todo o tempo.
JJ. Mais, em 28/08/2018 (menos de um mês depois da assinatura do contrato de empreitada), já o então Réu assinava uma declaração, autorizando a sociedade Autora, a efetuar as necessárias alterações ao projeto de estabilidade.
KK. Um dos defeitos mais graves apontados pelo ora Recorrente, na sua contestação, consiste no facto de o pé direito livre dos vários pisos da moradia não respeitar o estabelecido nas normas urbanísticas aplicáveis.
LL. Conforme se encontra plasmado no artigo 65.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas: “1. A altura mínima, piso a piso, em edificações destinadas à habitação é de 2,70 m (27M), não podendo ser o pé-direito livre mínimo inferior a 2,40 m (24M). 2. Excecionalmente, em vestíbulos, corredores, instalações sanitárias, despensas e arrecadações será admissível que o pé-direito se reduza ao mínimo de 2,20 m (22M). 3. O pé-direito livre mínimo dos pisos destinados a estabelecimentos comerciais é de 3 m (30M). 4. Nos tetos com vigas, inclinados, abobadados ou, em geral, contendo superfícies salientes, a altura piso a piso e ou o pé-direito mínimo definidos nos n.ºs 1 e 3 devem ser mantidos, pelo menos, em 80% da superfície do teto, admitindo-se na superfície restante que o pé-direito livre possa descer até ao mínimo de 2,20 m ou de 2,70 m, respetivamente, nos casos de habitação e de comércio”.
MM. Produzida nova prova pericial, conclui-se que a construção em causa não viola tais parâmetros urbanísticos.
NN. Com efeito, em resposta ao objeto da perícia inicialmente indicado pelo Tribunal da Relação de Évora, o perito nomeado pelo tribunal, concluiu que, o pé direito existente no piso térreo e no piso um é, no primeiro caso, de 2,59 metros e, no segundo, de 2,57 metros.
OO. Aquela medição apresenta apenas uma insignificante discrepância em relação ao preconizado no projeto de arquitetura, donde não podemos deixar de considerar que, com aquele fundamento, sempre seria infundada a resolução contratual operada pelo então Réu.
PP. Apresentando mesmo valores, superiores aos 2,40mt de pé-direito mínimo, indicados pela legislação vigente.
QQ. Além do mais, existiam discrepâncias, entre os diversos documentos do projecto inicial, nomeadamente, entre a arquitectura e as especialidades, assim como, os materiais a ser executados em obra.
RR. Mas refira-se que, o Recorrente, deixou um requerimento assinado para emissão especial/comunicação prévia, de forma a harmonizar as divergências existentes e alterações por ele solicitadas, e submissão do projecto de alteração de execução em obra, neste sentido vide ponto 28 dos factos provados na douta sentença.
SS. Factos esses provados por confissão do próprio Réu.
TT. Harmonizando-se assim, todas as alterações e medidas de acordo com o executado em obra.
UU. Conforme referido, em declarações de parte, até ao ano de 2020, e após diversas visitas do Réu/Recorrente à obra, este nunca pôs em causa, nem se opôs à altura do pé-direito, quando já se encontrava cerca de 70% da obra concluída, e onde a estrutura já se encontrava completamente construída, faltando apenas os interiores e alumínios.
VV. Pelo que não faz qualquer sentido que o Recorrente, desconhecesse a situação da altura do pé direito.
WW. (Transcrição de parte do depoimento do Legal Representante da Autora, que aqui não se reproduz).
XX. Ficando aqui demonstrado que o Réu/Recorrente, tinha conhecimento e estava ao corrente de tudo o que se passava em obra, e era o mesmo que solicitava as alterações.
YY., ZZ. (Transcrição de parte do depoimento do Legal Representante da Autora, que aqui não se reproduz).
AAA. Conclui-se, assim, que em dois documentos diferentes do projecto inicial, este preconizava a aplicação de materiais diferentes, num a aplicação de gesso projectado no tecto e noutro a aplicação de pladur, existindo divergências nos materiais a aplicar.
BBB. Pelo que, havia mais do que uma forma de executar em obra o preconizado no projecto inicial de arquitectura e respectivas especialidades.
CCC. Mas mais, o Réu tinha conhecimento de todas estas questões encontrando-se informado, e tendo inclusive deixado documentos assinados para harmonizar estas alterações.
DDD., EEE. (Transcrição de parte do depoimento do Legal Representante da Autora, que aqui não se reproduz).
FFF. Para mais, sempre se dirá que, não ficou expressamente plasmado, no projecto de arquitectura, quais as medidas estabelecidas para a colocação do pladur.
GGG. Pelo que se conclui que nenhuma responsabilidade poderá ser imputada, à ora Recorrida.
HHH. Aliás, a 04/08/2020, o Recorrente, tinha conhecimento da altura do pé direito, tanto assim é que dava indicações para colocação de projectores no tecto falso quadrados “10 x 10 cm”, conforme doc. 2 junto com a P.I. com a assinatura do Recorrente de 04/08/2020.
III. Como tal, este tinha pleno conhecimento da altura do pé direito, à data, e sempre aceitou o mesmo, e deu indicações à Recorrida, relativamente aos projectores que deveriam ser instalados no tecto.
JJJ. Concluímos, que o Recorrente, tinha conhecimento não só das divergências entre os diversos documentos do projecto inicial, mas deixava junto da Recorrida documentos assinados para que se pudesse proceder à harmonização do edificado, neste sentido, vide pontos 3 e 28 dos factos provados na douta sentença.
KKK. Factos esses provados, através de confissão do Recorrente.
LLL. Em suma, sempre se dirá que existiu uma desistência por parte do dono da obra, pois toda a obra estava a ser realizada pela Recorrida de acordo com as normas urbanísticas e seguindo todos os critérios de construção, respeitando as normas aedificandi, e gostos do então Réu.
MMM. Por outro lado, veja-se ainda o depoimento da Testemunha (…), que exerce funções como arquitecta na Câmara Municipal de Tavira, que as situações elencadas como desconformidades e defeitos eram todas licenciáveis pela entidade competente (Transcrição de parte do depoimento da Testemunha …, que aqui não se reproduz).
NNN. Mais, após verificação dos serviços de fiscalização e despacho proferido pela própria Chefe de Divisão, em representação da Câmara Municipal de Tavira, em 31/05/2023, não existe qualquer situação que impossibilite a conclusão da obra, (Transcrição de parte do depoimento da Testemunha …, que aqui não se reproduz).
OOO. (Transcrição de parte do depoimento da testemunha …, que aqui não se reproduz).
QQQ. Destarte, perante o que foi referido pelas testemunhas concatenado com a prova documental produzida, concluímos que não existiu qualquer incumprimento do projecto de arquitectura por iniciativa da ora Recorrida.
RRR. Aliás, veja-se que as alterações preconizadas foram solicitadas pelo Recorrente e ainda decorria prazo, em tempo, para apresentar o já falado requerimento de alterações em obra.
SSS. Diga-se que, da responsabilidade do Dono da Obra, para que pudesse ser, a final, aprovado o projecto de alterações.
TTT. Concluímos, que nunca esteve em causa a inviabilidade da aprovação desse mesmo projecto, nem da conclusão da obra.
UUU. Até porque, a própria entidade camarária responsável, proferiu despacho no sentido de: “Todas as alterações não colocam em causa o cumprimento dos parâmetros urbanísticos na urbanização, sendo possíveis de licenciar”.
VVV. Por outro lado, quanto à ausência de reparação dos alegados trabalhos desconformes/defeituosos, sempre se dirá que até ao momento não haviam quaisquer trabalhos nesses termos, pelo que é legítimo o pedido do pagamento do valor das facturas, uma vez que, tratavam-se de trabalhos já executados em obra e serviços adjudicados, e não liquidados.
WWW. A Recorrida, sempre manifestou vontade em terminar a obra e proceder a alterações, a pedido do ora Recorrente, cfr. consta da prova documental produzida, mediante a liquidação dos valores em atraso.
XXX. Pelo que, é perfeitamente legítimo que a ora Recorrida, exigisse a liquidação dos montantes peticionados.
YYY. Face ao exposto, além do contrassenso que a situação evidencia, não foi feita qualquer prova em sede de julgamento dos factos alegados relativos à execução extensa de trabalhos sem a qualidade devida, uma vez que a obra ainda não se encontrava concluída e entregue, logo não podendo ser colhida essa conclusão.
ZZZ. O que existia, eram alterações solicitadas pelo Dono da Obra, ou trabalhos incompletos, sendo que a Recorrida sempre se encontrou na disposição de os terminar ou reformular.
AAAA. Aliás, nem seria outro o interesse da Recorrida, uma vez que, já tinha adjudicado serviços, encontrando-se com os materiais, prontos para aplicação na obra.
BBBB. E, sempre se dirá que, por mera hipótese de raciocínio, mesmo que o objecto do presente recurso recaísse sobre estes temas acima indicados, nunca foi este o objecto da Ação interposta, mas sim e apenas o pagamento das faturas devidas e que se encontravam por liquidar de trabalhos já executados e adjudicados, no âmbito do contrato de empreitada, assim como, a desistência do contrato de empreitada por parte do ora Recorrente, conforme o mesmo confessou em sede de depoimento de parte o reconhecimento dessa desistência, com a receção da missiva enviada pela Recorrida, via email, datada de 09/12/2021, não tendo o Recorrente oferecido qualquer resposta no prazo nela imposto.
CCCC. Podemos concluir que perante a confissão do ora Recorrente, este recepcionou a carta por email que consta dos autos e que parte do conteúdo se transcreve: “(…) Contudo, independentemente da carta enviada por V. Exa., continuamos à sua disposição para terminar a obra, e celebrar um aditamento ao contrato de empreitada, devendo V. Exa., caso pretenda prosseguir desta forma responder à presente missiva no prazo de 20 dias, a contar da receção. Caso assim não entenda, ou se remeta ao silêncio, este será interpretado no sentido de não querer celebrar o aditamento para continuação e conclusão da obra sendo tomadas as seguintes providências (…)”.
DDDD. Do mesmo modo, confessou ter-se remetido ao silêncio, não tendo oferecido nenhuma resposta à missiva enviada pela Recorrida, onde esta demonstra todo o interesse na continuação e conclusão da obra.
EEEE. Pelo que, só deverá ser entendido como uma verdadeira desistência da obra por parte do Dono da Obra, nos termos do artigo 1229.º do Código Civil, tendo por sua vez a aplicação da Cláusula X, do contrato de empreitada.
FFFF. Levando, consequentemente, ao pagamento das facturas que estavam em atraso, e que a sua liquidação já tinha sido solicitada, assim como, o pagamento dos serviços de carpintaria e serralharia adjudicados e a subsequente indemnização à ora Recorrida.
GGGG. Aliás, o próprio Recorrente confessa ter procurado outras empresas de construção para conclusão dos trabalhos após desistência da obra.
HHHH. Neste sentido, vide Gravação do depoimento de parte do Réu, (…), realizado no dia 24/05/2023 (Transcrição de parte do depoimento do Réu, que aqui não se reproduz).
IIII. Concluímos assim, ter ficado provado que o ora Recorrente, não só desistiu da obra e do contrato de empreitada, como procurou outras empresas de construção, de forma a concluir a obra.
JJJJ. Demonstrando, que o Recorrente considerava que a obra estava em condições de ser concluída, encontrando-se em falta apenas outra empresa de construção que finalizasse os trabalhos.
KKKK. Perante o supra exposto, fica demonstrado e provado que existiam valores a pagamento relativamente aos serviços executados no âmbito do contrato de empreitada que se encontrava em execução, assim como, serviços adjudicados e pagos de carpintaria e serralharia e que o ora Recorrente, procedeu à desistência da obra e iniciou a procura de outras empresas para a sua conclusão, sem ter liquidado os valores que se encontravam em dívida, sejam com a Recorrida, sejam os serviços adjudicados, assim como, não procedeu ao pagamento da indemnização constante na cláusula X do contrato de empreitada.
LLLL. Mais, vieram os serviços camarários, confirmar que todas as alterações que foram executadas em obra, solicitadas e aprovadas pelo cliente, eram licenciáveis, bem sabendo o Recorrente que poderia concluir a obra, a todo o tempo, com outra empresa.
MMMM. Concluímos que, o comportamento do Recorrente é claro, ou seja, desvincular-se contratualmente da Recorrida, através da desistência da obra e beneficiando dos trabalhos já executados e dos serviços adjudicados, sem liquidar qualquer montante, procurando outra empresa de construção que a conclua.
NNNN. Mais uma vez, o Recorrente, continua a invocar alterações que foram por este autorizadas e alegadas desconformidades, que não têm outro efeito que não seja protelar a aplicação da justiça alcançada pela sentença proferida pelo tribunal a quo.
OOOO. Concluímos que a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, não merece qualquer censura, devendo o recurso improceder na totalidade e confirmar-se a sentença ora recorrida”.
Observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
1.1. Questão prévia
Na sequência do despacho desta Relatora com vista ao aperfeiçoamento das conclusões, o Recorrente apresentou novas alegações de recurso, tendo, efetivamente e conforme foi determinado, expurgado as respetivas conclusões de matéria irrelevante, indicando quais as normas jurídicas que, no seu entender, foram violadas pelo tribunal a quo e qual a solução jurídica que, também no seu entender, o caso requer.
Porém, no que diz respeito à impugnação da matéria de facto, verificam-se dúvidas, desde logo, porque, nas conclusões aperfeiçoadas, o Recorrente impugna os pontos (indicados por esta ordem) 48, 44, 3, 12, 46, 14, 29, 30 e 49, quando, nas conclusões iniciais, apenas impugnava os pontos 29, 30 e 48.
Ora, tal não seria um problema se a impugnação dos factos (aditados) resultasse das alegações iniciais – o que não é o caso, já que, nestas, o Recorrente apenas faz menção aos factos 48 e 49.
Como escreveu Abrantes Geraldes: “O conteúdo da peça processual correspondente ao aperfeiçoamento deve respeitar o objecto do recurso que ficou definido nas alegações originais, não sendo legítimo ao recorrente aproveitar o convite para alargar o âmbito do recurso a questões ou parcelas da sentença recorrida que não tenham sido focadas anteriormente. É o que resulta do disposto no artigo 635.º, n.º 4, em conjugação com o princípio da preclusão, devendo o relator emitir despacho de rejeição do segmento que porventura seja ilegitimamente adicionado. Aliás, o recorrente é convidado a completar, esclarecer ou sintetizar as conclusões e não a ampliar o seu objecto” (in Recursos em Processo Civil, 8ª ed., 2025, págs. 217-8).
Assim, em caso de conclusões deficientes, o objeto do recurso é aferido pelas alegações originais e é em função das questões nestas suscitadas que se avalia se o convite ao aperfeiçoamento foi aproveitado pelo recorrente para acrescentar ao recurso questões antes não suscitadas.
Ora, no caso, o Recorrente havia suscitado nas alegações (originais) o erro de julgamento da matéria vertida nos pontos 48º e 49º dos factos provados, assim legitimando a inserção desta matéria nas conclusões aperfeiçoados.
Quanto à restante matéria de facto impugnada, não se conhecerá – tanto mais que, nas alegações (e à exceção do facto 12), o Recorrente nem sequer se lhes refere expressamente. Para além disso, parece o Recorrente ter ignorado que, relativamente aos factos 3, 12, 14, 44, 46 e 49, já este Tribunal da Relação se pronunciou, decidindo em anterior acórdão, pelo que tal matéria sempre teria que dar-se por assente.
Assim, admite-se as conclusões aperfeiçoadas, inclusive, na parte em que se impugna o ponto 48 dos factos provados – independentemente do que venha, a seguir, a decidir-se quanto ao objeto do recurso e, em particular, quanto a tal matéria.
1.2. Questões a decidir
Considerando as conclusões do recurso, as quais delimitam o seu objeto nos termos do disposto nos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso, são as seguintes as questões a decidir:
1. Deve proceder a impugnação da decisão de facto?
2. Assiste ao Réu o direito de resolver o contrato de empreitada que celebrou com a Autora?
3. Assiste ao Réu o direito de se valer da exceção de não cumprimento do contrato?
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Fundamentação de facto
2.1.1. Factos considerados provados na decisão recorrida:
1. A autora é uma sociedade de construção civil, com o C.A.E. (…) e (…), com Alvará de empreiteiro n.º (…).
2. No dia 31/7/2018, entre sociedade/autora e réu, foi celebrado um acordo reduzido a escrito, para construção de uma moradia Unifamiliar e Piscina, na propriedade do réu, sito na Rua (…), n.º 6, freguesia de Tavira (…), concelho de Tavira, tendo sido aprovada a sua construção pelo Alvará de Obras n.º (…), emitido pela Câmara Municipal de Tavira em (…), com o prazo de 12 meses, em nome de (…), tendo o projeto sido apresentado e entregue pelo réu à autora.
3. O réu, mediante declaração por si assinada e datada de 28/8/2018, autorizou a sociedade/autora, “a efetuar as alterações necessárias ao projeto de estabilidade, para se poder cumprir o projeto de arquitetura aprovado por despacho do Chefe da DGUOP de 12/06/17, emitido pela C.M. Tavira, referente ao Proc.º obras n.º (…)”, com vista ao cumprimento das alterações pretendidas.
4. O gerente da sociedade/autora, (…) junto do processo camarário juntou certificado de aptidão profissional para o exercício da profissão de Técnico de Obra (Condutor de Obra), certificado n.º (…).
5. O mesmo gerente, (…), pela sua mão assina o termo de responsabilidade do diretor técnico da obra.
6. A moradia, conforme projeto aprovado, seria constituída por três pisos, com uma cave abaixo da cota de soleira e dois acima da cota da soleira, com piscina e logradouro.
7. Foi ainda acordado que, para realização da obra, o preço total a pagar pelo réu seria de € 358.732,39 (trezentos e cinquenta e oito mil e setecentos e trinta e dois euros e trinta e nove cêntimos), (valor sem I.V.A.), conforme estipulado na cláusula II, n.º 2 do supra referido acordo.
8. A execução dos trabalhos teria início previsto a 1/9/2018, e terminaria a 31/9/2019, cfr. cláusula IV do referido acordo, onde o prazo na ausência de acordo poderia ser prorrogado na medida da execução dos trabalhos inicialmente acordados e outros que, entretanto, foram solicitados.
9. De acordo com a cláusula VII do referido acordo, o dono da obra poderia rescindir o mesmo, com justa causa e produção de efeitos imediatos, com fundamento em ação dolosa na execução imperfeita ou indevida dos trabalhos contratuais – alínea c) ou, execução extensa de trabalhos sem a qualidade devida – alínea d).
10. Nos termos da Cláusula X do mesmo acordo, sob a epígrafe “desistência da obra”, caso o dono da obra, por culpa não imputável ao empreiteiro, viesse a desistir da empreitada, rescindindo unilateralmente o presente contrato, ficaria ele “(…) obrigado a proceder ao pagamento de todos os trabalhos entretanto executados, de todos os materiais encomendados, e a indemnizar o empreiteiro a 20% (vinte por cento) da diferença entre o valor dos trabalhos já executados e o Preço da Empreitada”.
11. A sociedade/autora iniciou os trabalhos de construção da moradia, de acordo com o projeto, critérios e gostos do cliente.
12. Foi acordado, que ficaria como representante do réu, na obra, o sr. (…) e que este procederia à medição dos trabalhos executados.
13. (Sendo ainda) acordado que o pagamento seria feito de forma parcelar e conforme os trabalhos iam sendo executados e os materiais iam sendo encomendados.
14. A sociedade/autora, construiu as fundações, cave e estrutura da moradia, iniciou interiores, piscina entre outros, conforme o mapa de trabalhos junto aos autos.
15. Em 10/11/2019, a sociedade/autora encomendou e adjudicou serviços de carpintaria e diversos materiais, para serem aplicados no local, no valor de € 9.987,60 (nove mil e novecentos e oitenta e sete euros e sessenta cêntimos).
16. A sociedade/autora adjudicou estes serviços, para feitura destes equipamentos, portas, vãos.
17. Desse material, apenas uma porta tem medidas especificas para obra.
18. Encontrando-se todos em armazém.
19. A sociedade/autora avançou com 50% do valor da adjudicação, nada mais tendo sido pago ao referido fornecedor.
20. Em 28/12/2019, o fiscal de obra, fez constar no livro de obra o seguinte:
“Após conclusão dos trabalhos executados, respeitando o projeto de execução, continuo a aguardar pelo projeto licenciado pelas autoridades competentes, somos desta forma forçados a dar os trabalhos por suspensos, isentando desta forma a responsabilidade pelo estaleiro, no cumprimento das normas de segurança, no perímetro do prédio urbano em questão.
(…)
A obra sofreu alterações de projeto em fase de obra (execução) solicitada pelo dono de obra, tendo sido a mesma executada de acordo com o projeto de execução de estabilidade entregue pelo projectista. A arquitetura foi compatibilizada em obra, tendo como base as medições do dono da obra e projectista (…)
Foi solicitado ao dono da obra para submeter projeto de alteração (…). Até ao momento o projeto da Câmara não foi submetido.
Neste dia verifica-se que o projeto de alteração não foi submetido (…). Assim sendo não estão reunidas as condições para continuação da obra, ficando assim a mesma suspensa (…)”
21. Em 2/03/2020, foi emitida a fatura n.º (…), no montante global de € 49.850,93 (quarenta e nove mil e oitocentos e cinquenta euros e noventa e três cêntimos), a qual foi parcialmente liquidada no montante de € 40.000,00 (quarenta mil euros), tendo sido emitidos respetivamente os correspondentes recibos com os n.os 150 e 155 em 04/05/2020 e 20/05/2020.
22. Ficou ainda por liquidar o valor remanescente no montante de € 9.850,93 (nove mil e oitocentos e cinquenta euros e noventa e três cêntimos).
23. Em 16/6/2020, a sociedade/autora procedeu ao pagamento da adjudicação para fornecimento e montagem de caixilharia em alumínio, com corte térmico em lacado cinzento com vidro duplo, para serem aplicados no local, no valor de € 10.000,00 (dez mil euros), tendo sido emitido o competente recibo.
24. Ficou por liquidar a fatura n.º (…), emitida em 29/6/2020, no valor de € 43.050,00 (quarenta e três mil e cinquenta euros).
25. Através de comunicação eletrónica datada de 29/06/2020, a sociedade/autora comunicou ao réu o seguinte:
“(…)
Vimos por este meio enviar-lhe, em anexo, a (…), referente aos trabalhos realizados.
Enviamos também fotos da moradia, bem como uma foto dos móveis de cozinha (a ilha fica com as gavetas viradas para o balcão).
Agradecemos a regularização dos pagamentos.
(…)”
26. O réu procedeu ao pagamento de outras faturas emitidas posteriormente.
27. Em 4/8/2020, uma vez que, os trabalhos, de construção da moradia estavam atrasados, ambas as partes acordaram na prorrogação do prazo de conclusão da obra para o dia 30/11/2020.
28. E, na mesma data, o réu assinou um requerimento destinado à Câmara Municipal de Tavira, com vista à emissão de licença especial para obras inacabadas – alteração efetuada por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora.
29. A sociedade/autora, sempre manifestou interesse em terminar a obra para o qual foi contratada, mediante o pagamento dos montantes devidos pelo réu.
30. Sucede que, após diversas tentativas da sociedade/autora em ser remunerada, o réu tentava ainda negociar alterações e acabamentos na obra, sem liquidar os valores que estavam em atraso.
31. A sociedade/autora, com fundamento na falta de pagamento das faturas n.º (…) e (…), bem como, por falta do réu apresentar, junto da entidade camarária, o respectivo projeto de alteração, para que ficasse cumprido o projeto de alteração de execução em obra, suspendeu todos os trabalhos de construção da dita moradia, até que se encontrassem liquidados os montantes em falta.
32. Recusando-se a continuar a obra, enquanto não fossem realizados os pagamentos já faturados no valor de € 52.900,93 (cinquenta e dois mil e novecentos euros), bem como o pagamento dos valores correspondentes aos serviços adjudicados.
33. No dia 23/4/2021, sem que nada o fizesse prever, pois decorriam negociações com vista à resolução do acima exposto, o réu envia uma missiva à sociedade/autora, rescindindo unilateralmente o acordo, com o fundamento na cláusula VII, n.º 1, alíneas b) e d) do mesmo.
34. A obra nem ficou concluída, nem foi entregue.
35. Ou seja, parte da obra ainda se encontra em bruto, sem que a sociedade/autora tenha iniciado a fase de acabamentos.
36. Em 21/5/2021, a sociedade/autora procedeu ao segundo pagamento de fornecimento de caixilharia em alumínio, com corte térmico em lacado cinzento com vidro duplo, para serem aplicados no local, no valor de € 9.000,00 (nove mil euros), tendo sido emitido o competente recibo.
37. (…), em resultado das suas visitas técnica à obra, realizadas no decorrer dos meses de maio e julho de 2021, pode constatar que, nessas datas, encontravam-se efetuadas a estrutura, as alvenarias, as betonilhas, o estuque, as impermeabilizações encontravam-se em fase de conclusão e as instalações técnicas estavam parcialmente executadas.
38. A construção feita pela sociedade/autora apresenta as seguintes desconformidades com o projeto de arquitetura:
a) Na cave:
i. No projeto de arquitetura, a distância entre o primeiro degrau e a parede deveria ser de 1,65 m, porém apenas distam 1,13 m.
ii. Não se encontra executada a parede entre o portão da garagem e a janela;
iii. A casa das máquinas da piscina está construída em local distinto do local desenhado nas peças de arquitetura;
iv. Foi construída uma área técnica sob o terraço da piscina, a qual não integra o projeto de arquitetura;
b) No piso térreo:
i. Os arranques das escadas exteriores, de ligação ao terraço da piscina, estão em posição e local distinto do proposto no projeto de arquitetura;
ii. No projeto de arquitetura, para o piso térreo, foi proposto um pé direito de 2.60 m mas para se cumprir os 2,60 m previstos no projeto de arquitetura, o teto falso terá de ser aplicado ao nível das vergas dos vãos exteriores, o que implica que o teto falso terá de ficar 0,22 metros abaixo dessa laje e que o pé direito livre seja de 2,37 metros;
iii. A janela da cozinha não cumpre o projeto de arquitetura, uma vez que está deslocalizada 15 centímetros para o lado;
iv. A mesma janela, em projeto tinha 3,00 m, na realidade apresenta apenas 2,80 m;
v. O espelho de água em projeto apresenta 1.30 m de largura, porem na obra está executado com 0,80 centímetros;
vi. Algumas áreas projetadas como permeáveis estão impermeabilizadas;
c) No piso 1:
i. Prolongamento da pérgula em comparação com o projeto de arquitetura;
ii. No projeto de arquitetura, para o piso um foi proposto um pé direito de 2.60 m – eliminou-se a primeira parte deste ponto, para evitar contradição com o novo facto não provado, acrescentando-se que, para se cumprir os 2,60 m previstos no projeto de arquitetura, o teto falso terá de ser aplicado ao nível das vergas dos vãos exteriores, o que implica que o teto falso terá de ficar 0,21 metros abaixo dessa laje e que o pé direito livre seja de 2,36 metros;
39. A construção feita pela autora apresenta as desconformidades com o projeto de estabilidade, sem cumprir os pressupostos de calculo e as peças desenhadas, do mesmo, a saber:
a) Na cave:
i. O muro contiguo com o lote anexo, não está executado em betão armado, conforme preconizado no projeto de estabilidade;
ii. A fundação do muro executado tem aproximadamente 35 centímetros de largura, quando deveria ter 1.40;
iii. Muros da cave estão preconizados como de betão e estão construídos em tijolo;
iv. Inexistência de dois pilares na cave, ao contrário do projetado;
v. Dois pilares na cave rodados 90º, em relação ao projeto de estabilidade;
vi. Reforço da laje – elemento estrutural B= – foi executado com uma secção diferente, sobressaindo da laje;
b) No piso térreo:
i. Pilar P2, projetado com 20 x 35 centímetros e construído pela sociedade/autora com 20 x 20 centímetros;
ii. Execução de um pilar não contemplado no projeto de estabilidade.
iii. Ausência da laje L3, apresentado uma área descoberta, quando deveria ter sido executada laje.
iv. As escadas de acesso entre piso térreo e piso 1 efetuadas com outro material que não betão armado, ao contrário do preconizado em projeto;
c) No piso 1:
i. Troço da laje em consola, indicado no alçado tardoz, não se encontra executado conforme indicado no projeto de estabilidade;
ii. Ausência de cobertura em laje maciça no terraço do quarto 2.
d) Na piscina:
i. No projeto de estabilidade as paredes da piscina deveriam ter sido construídas em muro de betão armado com 30 centímetros de espessura, todavia, apenas têm 20 centímetros de espessura;
ii. O fundo da caixa de recolha de água foi executado numa cota superior à indicada no corte AB do projeto de arquitetura;
40. No que respeita ao projeto de térmica, o mesmo foi preconizado com a aplicação de tijolo de cerâmica furado com 22 cm., porem nos locais visíveis, foram aplicados blocos de cimento.
41. Ainda, no que ao projeto de térmica respeita, não foram colocadas as caixas-de-estores;
42. No que respeita ao projeto de águas, esgotos e pluviais, não existe qualquer rede de drenagem de águas residuais e pluviais no exterior do edifício, sejam as tubagens e/ou as caixas de visita ou passagem.
43. Verifica-se ausência de “tela” – membrana impermeabilizante entre a parede de betão enterrado e o betume asfáltico.
44. No que respeita à cave, o réu pretendeu a sua ampliação, passando esta de uma área inicial em projeto aprovado de 72 m2 para, sensivelmente, uma área de 150 m2 em projeto de alteração de execução em obra.
45. Com a alteração pretendida pelo dono da obra, ao nível da cave toda a estrutura edificativa se ressentiria da mesma e, teria de ser revista na especialidade e nos seus cálculos.
46. O espelho de água, apresenta face ao projeto uma redução de 0,50 mt devido à deslocação da piscina motivado pela existência de uma rocha de grandes dimensões, encontrada durante a escavação, que poderia colocar em causa a integridade da moradia adjacente, por resvalamento de terras, tendo esta alteração sido autorizada pelo representante em obra do réu – sr. (…).
47. Quanto às escadas de acesso do piso térreo para o piso 1, foram efetuadas com outro material diferente do preconizado em projeto.
48. Quanto aos estores, foi combinado com o réu ver qual a melhor solução para a colocação dos mesmos.
49. O réu enviou email à sociedade/autora, em 4/12/2021, com o seguinte teor:
“Bom dia estou na Suíça e tenho um terreno com projeto para construção de moradia com piscina em Tavira é relativamente grande e queria saber se está na vossa competência a realização da mesma. Quem devo contactar (…)”
50. Em 9/12/2021, a autora enviou ao réu uma comunicação eletrónica, contendo, em anexo, a missiva datada de 9/12/2021, onde se pode ler o seguinte:
“(…)
Contudo, independentemente da carta enviada por V. Exa., continuamos à sua disposição, para terminar a obra, e celebrar um aditamento ao contrato de empreitada, devendo V. Exa., caso pretenda prosseguir desta forma responder à presente missiva no prazo de 20 dias, a contar receção”.
51. Ao que, o réu ficou por responder.
52. No decorrer da execução da obra, o réu visitou e fiscalizou o local em diversas ocasiões.
53. Encontrando-se, atualmente, construído cerca de 70% da obra, tendo sido aplicados em mão de obra e materiais o montante de € 251.112,67 (duzentos e cinquenta e um mil e cento e doze euros e sessenta e sete cêntimos), valor sem I.V.A..
54. Até à atualidade, por conta da obra em causa, o réu pagou à sociedade/autora o montante de € 206.219,51 (duzentos e seis mil e duzentos e dezanove euros e cinquenta e um cêntimo), valor sem I.V.A..
55. Após dezembro de 2021, o réu encetou contactos, via email, com empresas de construção, para efeitos de conclusão da obra existente”.
2.1.2. Factos considerados não provados na decisão recorrida:
a) Na reunião de 4/8/2020 foram apresentadas contas;
b) Toda a construção, acima da cave, apresenta teto falso em pladur;
c) Em face da nova prova produzida elimina-se a referência à medição do espaço existente entre a placa e o pladur;
d) As medições efetuadas pelo Eng.º (…) contemplaram a aplicação de teto falso em pladur e o espaço entre a placa e o pladur;
e) Existe a possibilidade de aumentar o pé direito através da elevação do pladur;
f) A discrepância relativa à janela da cozinha foi aceite pelo réu, por forma a obter mais privacidade;
g) Quanto ao projeto de térmica foram aplicados blocos térmicos revestidos com capoto de 6 cm.;
h) A desconformidade relativa à falta de execução de parede entre o portão da garagem e a janela foi solicitada pelo dono da obra, em virtude de melhorar o acesso de viaturas ao interior da garagem.
i) A alteração do local da casa das máquinas da piscina, foi solicitada, pelo dono da obra, para a colocação de uma máquina de lavar roupa em zona próxima do estendal (existente em área dimensionalmente oposta), bem como os arranques das escadas exteriores, de ligação ao terraço da piscina, que motivaram a obtenção de mais espaço para a colocação da referida máquina de lavar roupa.
j) Quanto à área técnica sob o terraço da piscina, foi solicitada pelo dono da obra, a sua alteração com vista à supressão de um espaço “morto”;
k) Todas as alterações ao projeto de arquitetura foram preconizadas pela sociedade autora;
l) Face ao descrito nos factos provados – ausência de cumprimento do projeto e dos requisitos legais – a Câmara Municipal de Tavira jamais emitirá licença de utilização para a moradia do réu;
m) Face à recusa da sociedade/autora (em efetuar as reparações devidas), o réu solicitou orçamento a empresa de construção, para correção de todas as deficiências que a construção apresenta;
n) Os custos de reparação de todos os defeitos do imóvel passam pela demolição do existente e a construção de novo;
o) Os custos com a demolição do existente cifrar-se-ão em € 764.821,40 (setecentos e setenta e quatro mil e oitocentos e vinte e um euros e quarenta cêntimos).
p) O réu poupou durante toda a vida ativa, para que pudesse desfrutar da sua reforma na casa dos seus sonhos;
q) O réu requereu empréstimo bancário para financiar a construção da moradia;
r) O réu paga, mensalmente, cerca de € 578,00 (quinhentos e setenta e oito euros) de prestação de crédito bancário;
s) Aquando da sua reforma, em meados de 2023, regressará a Portugal e não terá casa para habitar;
t) Nem poderá arrendar outro imóvel visto não ter capacidade financeira para o fazer, atendendo que já paga uma prestação mensal;
u) O sonho do réu transformou-se em pesadelo, pois vive com receio de ficar sem casa para viver ou sem dinheiro para arranjar casa para viver e cumprir todas as obrigações que se comprometeu;
v) O réu sente-se traído e enganado, não conseguindo confiar em ninguém;
w) O réu sente a sua confiança traída, sentindo-se ludibriado pela sociedade/autora;
x) O réu sofre um desgosto imenso devido ao estado da obra e ao estado de degradação do imóvel, visto que a obra está parada, sem as devidas condições de impermeabilização;
y) Atendendo à envoltura socioeconómico, da localização geográfica da moradia, ao estatuto social inerente aos proprietários de moradias naquela zona, o réu sente-se inferiorizado e diminuído,
z) Sente a sua honra completamente vexada e humilhada;
aa) Desde finais de 2020, inícios de 2021, vive numa profunda angústia e sofrimento, pois a moradia onde investiu as poupanças de toda a sua vida de trabalho, não está concluída, está repleta de defeitos de construção.
bb) O réu vive num clima de terror, receando mesmo a que se torne impossível concluir a construção da moradia e obter as licenças necessárias para habitar na mesma;
cc) Face a todas estes problemas, sente bastante vergonha, angústia e desgosto;
dd) Coibindo-se mesmo de vir ao seu país Natal;
ee) O que em muito fez baixar a sua autoestima; e,
ff) Retraindo-se da vida e eventos sociais que normalmente frequentava, devido à vergonha que sente.
*
No que respeita aos factos objeto da ampliação decidida por Acórdão da Relação de Évora, não se considera ainda provado que:
i. O pé direito do piso térreo, sem pladur de teto falso (medido entre o pavimento e a placa de betão) é de 2,38 m; e,
ii. O pé direito no piso um, sem pladur de teto falso (medido entre o pavimento e a placa de betão) é de 2.30 m.
2.2. Objeto do recurso
2.2.1. Impugnação da decisão da matéria de facto
Pretende o Recorrente que o ponto 48º dos factos provados seja dado como não provado, justificando a sua posição nas conclusões das alegações de recurso do seguinte modo:
“Os erros de construção levados a cabo pela R., desencadearam alterações ao projeto de arquitetura que obrigaram o R., a procurar outras soluções que não as que se encontram previstas no projeto de arquitetura, como sejam o caso dos estores: Por tal motivo, o artigo 48º da matéria provada deverá ser reapreciado pela Veneranda Relação e ser dado como não provado”.
Este ponto apresenta a seguinte redação: “Quanto aos estores, foi combinado com o réu ver qual a melhor solução para a colocação dos mesmos”, tendo o tribunal a quo entendido que a prova de tal factualidade advém da confissão do Recorrente, por ter sido aceite o teor do mail datado de 13/9/2020.
Ora, nas suas alegações, o próprio Recorrente admite que “viu-se obrigado (…) a aceder a soluções”, contextualizando esta necessidade com os erros de execução da obra cometidos pela Autora (vide fls. 72 das alegações). Porém, para além disso, não indica qualquer prova justificativa da sua posição, nem nas conclusões, nem nas alegações. Ora, de acordo com o previsto no artigo 640.º, n.º 1, do CPC, para além de indicar os concretos pontos de facto que impugna e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida, incumbe ao impugnante especificar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem a decisão que preconiza para os factos impugnados.
No caso, o Recorrente não deu cumprimento a este normativo.
Para além disso, no referido mail, remetido pelo Recorrente à engenheira (…), escreveu:
“Bom dia sra. Engenheira
- Já que as janelas estão abertas podem ficar grandes os estores é ver qual a melhor solução podem ser venecianos tendo em atenção a estética (…).
Assim e porque, na verdade, o Recorrente admitiu objetivamente a factualidade inscrita no ponto em causa, resta rejeitar a impugnação.
2.2.2. O Recorrente tem o direito de resolver o contrato?
A decisão recorrida não reconheceu ao Recorrente o direito de resolver, com justa causa, o contrato de empreitada celebrado com a Recorrida e, dando razão a esta, entendeu que aquele desistiu da obra sem fundamento, condenando-o no pagamento da quantia de € 98.418,77, referente a faturas em dívida por trabalhos já executados, materiais destinados a aplicar na obra, adquiridos e pagos pela segunda, e indemnização pela “desistência da obra”, nos termos contratualizados.
Considerou, designadamente, que “(…) o réu não logrou fazer prova de que a sociedade/autora se tenha recusado a eliminar os defeitos agora invocados, nem sequer tendo logrado a prova da respetiva denuncia, sendo ainda de assinalar que, não tendo a obra sido entregue ou concluída, tal reparação sempre poderia ter lugar a todo o tempo”.
E a seguir, escreveu:
Na sua contestação, o réu invocou ainda uma execução imperfeita dos trabalhos da empreitada, por desconformidade entre o projeto de execução inicial e a obra executada. Porém, conforme se apurou, logo em 28/8/2018 (menos de um mês depois da assinatura do contrato de empreitada) já o réu assinava uma declaração, autorizando a sociedade/autora a efetuar as necessárias alterações ao projeto de estabilidade.
Um dos defeitos mais graves apontados pelo réu na sua contestação consiste no facto de o pé direito livre dos vários pisos da moradia não respeitar o estabelecido nas normas urbanísticas aplicáveis.
(…)
Produzida nova prova pericial verifica-se que a construção em causa não viola tais parâmetros urbanísticos. Com efeito, em resposta ao objeto da perícia inicialmente indicado pelo Tribunal da Relação de Évora, o perito nomeado pelo tribunal concluiu que, o pé direito existente no piso térreo e no piso um é, no primeiro caso, de 2,59 metros e, no segundo, de 2,57 metros.
Aquela medição apresenta apenas alguns centímetros de diferença em relação ao preconizado no projeto de arquitetura, donde não podemos deixar de considerar que, com aquele fundamento, sempre seria infundada a resolução contratual operada pelo réu.
Mas seria fundada com fundamento no desrespeito das medidas preconizadas no projeto de arquitetura?
Consideramos que não. E assim é, por considerarmos que, o facto de, após a colocação de pladur, o pé direito livre num e noutro piso já não respeitar as medições preconizadas no projeto de arquitetura não pode ser imputado ao empreiteiro, tanto que a colocação desse pladur e a medida estabelecida para a sua aplicação não ficou expressamente estabelecida nesse projeto.
Não sendo válida a razão invocada pelo réu para resolver o contrato sub judice não podemos deixar de considerar que, a promoção da execução da obra através de terceiros constitui uma manifestação tácita (comportamento concludente) da vontade do réu em se desvincular do contrato celebrado com a sociedade / autora.
Constitui, assim, uma declaração tácita de desistência da empreitada por parte do dono da obra, para os termos do artigo 1229.º do Código Civil.
Essa desistência analisa-se numa modificação da relação negocial estabelecida, já que, simultaneamente, põe termo à relação contratual e altera, em conformidade com essa cessação da relação contratual, a prestação devida pelo dono da obra, o qual fica obrigado a indemnizar o empreiteiro, indemnização que, nos termos do critério positivo de fixação da indemnização do empreiteiro estabelecido no citado artigo 1229.º, coerente com o carácter ex nunc da destruição do contrato, importa para o empreiteiro um direito ao valor dos gastos e trabalho que teve, e ainda ao proveito que retiraria da obra (completa, entenda-se, e não apenas da parte realizada), o que corresponde ao lucro”.
Vejamos, então.
Não merece dúvidas que nos encontramos perante um contrato de empreitada, caracterizado pela lei como aquele pelo qual uma das partes se obriga, em relação à outra, a realizar certa obra, mediante um preço (cfr. artigo 1207.º do Código Civil, doravante CC).
Trata-se de um contrato sinalagmático, porque dele resultam obrigações recíprocas e interdependentes: para o empreiteiro, a de realizar a obra no tempo e modo convencionados e para o dono da obra a de pagar o respetivo preço.
Considerando o que se prevê no referido artigo 1207.º e a factualidade assente, estamos, pois, perante um contrato de empreitada celebrado no dia 31 de julho de 2018, no qual a Recorrida outorgou na posição jurídica de empreiteiro, e o Recorrente, na posição jurídica de dono da obra: Enquanto o Recorrente ficou vinculado a proceder ao pagamento à Recorrida do preço relativo à construção da obra, a última, por seu turno, ficou vinculada a executar a obra em conformidade com o convencionado e sem vícios que lhe reduzissem o valor ou a aptidão para o uso previsto no contrato (cfr. artigo 1208.º do CC).
No caso, o Recorrente considera que a execução da obra não observou o projeto de arquitetura, designadamente, quanto a medidas de pé direito, e defende que, por isso, lhe assistia o direito de resolver o contrato com justa causa, com recurso ao regime contratual estabelecido entre as partes. Assim, remeteu à Recorrida uma carta datada de 23 de abril de 2021, pela qual declarava proceder à rescisão do contrato de empreitada “nos termos da cláusula sétima n.º 1, alíneas b) e d), do mesmo” – sendo que a alínea b) parecer ter sido indicada por lapso, resultando da sua argumentação que pretendia invocar a alínea c).
Com efeito, a referida cláusula 7ª do contrato, com a epígrafe “Rescisão contratual”, apresenta a seguinte redação:
“1. À Primeira Outorgante é reconhecido o direito de rescisão contratual com justa causa e produção de efeitos imediatos, com os seguintes fundamentos:
a) Não cumprimento integral das cláusulas deste contrato;
b) O não cumprimento das obrigações legalmente estabelecidas para com os trabalhadores;
c) Acção dolosa na execução imperfeita ou indevida dos trabalhos contratuais;
d) Execução extensa de trabalhos sem a qualidade devida.
2. A rescisão contratual produz efeitos após a receção da respetiva comunicação pela Segunda Outorgante.
3. A ocorrência da rescisão contratual com os fundamentos invocados tem como consequência a suspensão de todos os pagamentos e garantias até ao apuramento e ressarcimento dos prejuízos que vier a ser determinado.”
4. (…)
Ora, a leitura desta cláusula conjugada com a factualidade dada como provada suscita, desde logo, várias dúvidas: pode ser imputada à Recorrida uma qualquer ação dolosa na execução imperfeita ou indevida dos trabalhos? O que se deve entender por uma execução extensa de trabalhos? E aqueles que foram realizados não tinham a qualidade devida?
Tais dúvidas poderiam, eventualmente, ser esclarecidas pela comunicação dirigida pelo Recorrente à Recorrida, mediante a qual lhe transmite a intenção de rescindir o contrato, caso o mesmo tivesse concretizado, pelo menos, quais os trabalhos indevida ou imperfeitamente realizados ou realizados sem a qualidade devida. Ao invés, o Recorrente limitou-se a transmitir que “procede-se à rescisão do referido contrato, nos termos da cláusula 7ª, n.º 1, alíneas b) e d), do mesmo…” – o que, logo à partida, parece insuficiente para que se pudesse aceitar como válida a resolução.
Ainda assim, há que ter presente que, de acordo com o previsto no artigo 1208.º do CC, o empreiteiro está obrigado a executar a obra “em conformidade com o que foi convencionado, e sem vícios que excluam ou reduzam o valor dela, ou a sua aptidão para o uso ordinário ou previsto no contrato”. Haverá, pois, cumprimento defeituoso por parte do empreiteiro, quando a obra tenha sido realizada com deformidades, ou seja, com discordância relativamente ao plano convencionado.
Atendendo a que o artigo 1218.º, n.º 1, do CC considera defeituosa a obra realizada com vício, mas não refere qualquer critério para a sua apreciação, a falta de elementos legais específicos permite a aplicação de regras gerais que conduzem à aceitação do princípio da qualidade normal. Tal significa que o vício é definido com referência a um padrão de normalidade.
A qualidade normal só pode ser determinada tendo em conta o fim que se depreende do acordo das partes. Em primeiro lugar, importa verificar se o bem corresponde à qualidade normal de coisas daquele tipo e, em seguida, terá de se determinar se é adequado ao fim, implícita ou explicitamente estabelecido no contrato. Trata-se aqui de imperfeições que excluem ou reduzem o valor da obra ou a sua aptidão para o uso ordinário ou o previsto no contrato. Mas, além das diretrizes fixadas no contrato e das resultantes do fim ou uso da obra, há que contar ainda com as numerosas regras que, sobretudo em matéria de construções urbanas, constam de leis e regulamentos especiais. O empreiteiro deve, portanto, “não só obedecer, na realização da obra, às prescrições do contrato, mas respeitar também as regras da arte ou profissão (arquitectura, engenharia, etc.) em cujo âmbito se integre a execução dessa obra (vide Pires Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. II, 4ª ed., Coimbra, 1997, págs. 864 e segs.).
Segundo Pedro Martinez, citado no acórdão do TRL, de 10/04/2008 (proferido no processo n.º 1798/2008-6, in dgsi, que aqui se segue) “os vícios correspondem a imperfeições relativamente à qualidade normal, enquanto que as desconformidades são discordâncias com respeito ao fim acordado”. E o “conjunto dos vícios e das desconformidades constituem os defeitos da coisa. Os dois elementos fazem parte do conteúdo do defeito, determinam-se através do contrato e dependem da interpretação deste".
Ainda segundo este autor, “o defeito pode estar relacionado com três situações distintas. Tanto inerente à própria coisa, como a uma desconformidade ao contrato ou ainda à má execução" (in Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada, Coimbra, 1994, págs. 184 e segs.).
No caso em apreço, deu-se como provado que a obra realizada apresenta “desconformidades”, quer com o projeto de arquitetura, quer com o de estabilidade (vide factos 38 e 39). Porém, não se tendo provado que “Todas as alterações ao projeto de arquitetura foram preconizadas pela sociedade/autora”, dificilmente se poderia considerar verificada uma conduta dolosa por parte da mesma.
Seja como for, o Recorrente, relativamente às desconformidades verificadas, ao invés de as denunciar com vista à sua reparação (se era isso que pretendia, pois, de outro modo, agiria de má fé…), optou por manifestar a intenção de rescindir o contrato e, posteriormente, por contactar terceiros com vista à conclusão da obra, não dando à Recorrida oportunidade de corrigir tais desconformidades – quando a mesma sempre manifestou interesse em concluir a obra (vide facto 29). E tal é quanto basta para se concluir, como concluiu o tribunal a quo, que não lhe assistia direito a rescindir o contrato nos termos em que o fez, já que, como se escreveu no mencionado acórdão do TRL, não seguiu “o iter legal previsto para a eliminação dos defeitos” e que se encontra previsto nos artigos 1221.º e 1222.º do CC.
Assim, prevê o primeiro, com a epígrafe “Eliminação dos defeitos”:
“1. Se os defeitos puderem ser suprimidos, o dono da obra tem o direito de exigir do empreiteiro a sua eliminação; se não puderem ser eliminados, o dono pode exigir nova construção.
2. Cessam os direitos conferidos no número anterior, se as despesas forem desproporcionadas em relação ao proveito”.
O artigo 1222.º, por seu turno, com a epígrafe “Redução do preço e resolução do contrato”, dispõe o seguinte:
“1. Não sendo eliminados os defeitos ou construída de novo a obra, o dono pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina.
(…)”
Verifica-se, assim, que a lei impõe ao dono da obra que considere que a mesma apresenta defeitos, que, em primeiro lugar, exija ao empreiteiro a sua eliminação, caso tal seja possível; se não puderem ser eliminados, o dono da obra pode exigir nova construção, a menos que as despesas sejam desproporcionadas em relação ao proveito; se os defeitos não puderem ser eliminados ou a obra construída de novo, o dono da obra pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destina. E pode, em qualquer destes casos, ser indemnizado nos termos gerais, conforme prevê o artigo 1223.º do CC.
Neste sentido, escreveu-se na sentença recorrida:
“De harmonia com o regime estabelecido nos artigos 1221.º, 1222.º e 1223.º Código Civil, os direitos aí conferidos não são suscetíveis de ser exercidos arbitrariamente mas sim sucessivamente, isto é, com subordinação à ordem neles estabelecida, devendo, primeiramente, exigir-se a eliminação dos defeitos, ou, caso não seja possível tal eliminação, exigir-se obra nova e, se isso não ocorrer, pode, então, exigir-se a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos apresentados mostrarem ser a obra inadequada ao fim a que se destinava, não se excluindo do exercício destes direitos a possibilidade de indemnização por prejuízos complementares, não constituindo a indemnização um direito alternativo daqueles e pressupondo mora por parte do empreiteiro na eliminação dos defeitos. Tal significa que os direitos referidos nos artigos 1221.º e 1222.º do Código Civil, não podem ser exercidos arbitrariamente, ao critério do dono da obra, mas sim sucessivamente e pela ordem referida nesses normativos.
Revertendo, novamente, para o caso dos autos, temos que, o réu não logrou fazer prova de que a sociedade/autora se tenha recusado a eliminar os defeitos agora invocados, nem sequer tendo logrado a prova da respetiva denuncia, sendo ainda de assinalar que, não tendo a obra sido entregue ou concluída, tal reparação sempre poderia ter lugar a todo o tempo”.
No mesmo sentido, escreveu-se no acórdão do TRC de 16/09/2008 (proc. n.º 1/2002.CE, in site do Tribunal da Relação de Coimbra):
1. Estes direitos são de exercício subsidiário, relativamente aos direitos de eliminação dos defeitos e de realização de nova construção, mas a relação entre eles é de exercício alternativo, com uma restrição – a opção pela resolução só pode ser tomada nos casos em que a obra se revele inadequada ao fim a que se destina.
2. Se os defeitos não forem elimináveis, a exigência de realização de nova obra se revelar desproporcionada, e aqueles se traduzirem em desconformidades que não reduzem o valor da obra, nem a tornam inadequada ao fim a que se destina, o dono desta tem apenas direito a uma indemnização pela desconformidade entre o acordado e o realizado – artigo 1223.º do Código Civil. O exercício deste direito de indemnização é subsidiário (residual) dos restantes direitos.
Assim, se o Recorrente pretendia, efetivamente, a eliminação das desconformidades ou de algumas delas (já que, quanto a outras, solicitou-as ou conformou-se com elas), teria que obter, previamente, a condenação da Recorrida à prestação de facto, se a mesma fosse possível, desde logo, antes de recorrer aos serviços de terceiros, como fez.
E, mesmo relativamente à tão falada questão das medidas do pé direito do piso térreo e do piso um da moradia em causa, após nova perícia, verificou-se que, na construção atualmente existente, mostram-se cumpridas as previstas no artigo 65.º do Regulamento Geral das Edificações Urbanas, que prevê um pé-direito livre mínimo de 2,40 m, quando aqueles têm, respetivamente, 2,59 e 2.57 m – diferenças mínimas em relação ao projeto de arquitetura que, com base nos ditames da boa fé, não poderiam constituir, por si só, fundamento para a rescisão do contrato, sendo certo que, de comum acordo, poderiam ambas as partes encontrar soluções de construção e de materiais que permitissem ao Recorrente obter um resultado, ainda assim, satisfatório.
Aliás, no documento/relatório de vistoria junto pelo Recorrente com a sua contestação, a este propósito, consta, quanto ao piso térreo, que “O pé-direito medido no local, sem o pavimento é 2,38 m. O projeto de arquitetura indica 2,60 m.”, não especificando, porém, se esta medida é a do pé-direito livre ou do pavimento até à parte inferior da placa do piso seguinte, por exemplo.
Seja como for e em conclusão, por tudo o que ficou exposto, conclui-se que bem andou o tribunal a quo ao entender que o Recorrente não podia rescindir o contrato, como fez, e que a promoção da execução da obra através de terceiros constitui uma manifestação tácita da sua vontade de se desvincular do contrato que celebrou com a Recorrida, isto é, de desistir da empreitada, o que implica as consequências previstas no artigo 1229.º do CC – a indemnização do empreiteiro “dos seus gastos e trabalho e do proveito que poderia tirar da obra”.
Para além disso, no caso, as partes fizeram constar do contrato que firmaram a seguinte cláusula, sob a epígrafe “Desistência da empreitada”: “Caso o Dono da Obra, por culpa não imputável ao Empreiteiro, venha a desistir da empreitada, rescindindo unilateralmente o presente contrato, fica ele obrigado a proceder ao pagamento de todos os trabalhos entretanto executados, de todos os materiais encomendados, e a indemnizar o Empreiteiro em valor igual a 20% da diferença entre o valor dos trabalhos já executados e o Preço da Empreitada”.
Assim, conforme se escreveu na sentença recorrida, “tendo em consideração a factualidade dada como provada atinente ao preço global da empreitada (ponto 7º), o valor dos trabalhos já executados (ponto 53º) e o montante que, por via da cláusula X do contrato de empreitada, foi fixado entre as partes, a título de indemnização a ser paga em caso de desistência da obra (ponto 10º), deverá o réu ser condenado a 20% da diferença de tais montantes, que agora se calcula em € 21.523,94 (vinte e um mil e quinhentos e vinte e três euros e noventa e quatro cêntimos)…” – solução com a qual se concorda.
2.2.3. Assiste ao Réu o direito de se valer da exceção de não cumprimento do contrato?
A existência de defeitos na obra realizada, ou seja, o cumprimento defeituoso, tal como o incumprimento, conferem ao credor o direito de exercer a exceção de não cumprimento.
No presente caso, o Recorrente invoca este direito, aparentemente para se escusar ao pagamento dos valores faturados e não pagos (vide factos 22, 24 e 30), com base no cumprimento defeituoso do contratado, por parte da Recorrida.
Dispõe a este respeito o artigo 428.º do CC, que contém a noção de “exceção de não cumprimento do contrato”, que “se nos contratos bilaterais não houver prazos diferentes para o cumprimento das prestações, cada um dos contraentes tem a faculdade de recusar a sua prestação enquanto o outro não efetuar a que lhe cabe ou não oferecer o seu cumprimento simultâneo”.
Como escreveram Pires de Lima e Antunes Varela, “A exceptio non adimpleti contractus a que se refere este artigo pode ter lugar nos contratos com prestações correspectivas ou correlativas, isto é, interdependentes, sendo uma o motivo determinante da outra. É o que se verifica nos contratos tradicionalmente chamados bilaterais ou sinalagmáticos. É necessário ainda que não estejam fixados prazos diferentes para as prestações, pois, neste caso como deve ser cumprida uma delas antes da outra, a exceptio não teria razão de ser. (…) É evidente, por outro lado, que, mesmo estando o cumprimento das prestações sujeito a prazos diferentes, a exceptio poderá sempre ser invocada pelo contraente cuja prestação deve ser efetuada depois da do outro, apenas não podendo ser oposta pelo contraente que devia cumprir primeiro” (in Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª ed., pág. 405).
Porém, estando a exceção de não cumprimento diretamente ligada ao não cumprimento pela outra parte e tendo-se concluído que o Recorrente não podia, validamente, rescindir o contrato de empreitada que havia celebrado com a Recorrida nos termos em que o fez, bem como provando-se, como se provou, que esta demonstrou interesse em prosseguir a obra, não pode aquele beneficiar dessa exceção. Aliás, solução inversa constituiria, até, um contrassenso, tanto mais que a exceção não nega o direito nem afasta o dever de cumprir, apenas suspende a sua obrigação de forma temporária, enquanto a outra parte não cumpre a sua obrigação. Neste sentido, escreveu-se no acórdão deste TRE, de 29/04/2021 (processo n.º 1798/19.8T8STB.E1, relator Manuel Bargado, in dgsi): “Trata-se, ainda, de uma excepção material, porque corolário do sinalagma funcional que a funda e legitima: ao autor que exige o cumprimento opõe o demandado o princípio substantivo do cumprimento simultâneo próprio dos contratos sinalagmáticos, em que a prestação de uma das partes tem a sua causa na contraprestação da outra. Por conseguinte, o excipiens não nega nem limita o direito do autor ao cumprimento; apenas recusa a sua prestação enquanto não for realizada ou oferecida simultaneamente a contraprestação, prevalecendo-se do princípio da simultaneidade do cumprimento das obrigações recíprocas que servem de causa uma à outra. É, portanto, uma excepção material dilatória: o excipiens não nega o direito do autor ao cumprimento nem enjeita o dever de cumprir a prestação; pretende tão-só um efeito dilatório, o de realizar a sua prestação no momento (ulterior) em que receba a contraprestação a que tem direito e (contra) direito ao cumprimento simultâneo...”.
Face ao exposto, conclui-se, pois, que o seu recurso não pode proceder, mantendo-se, assim, a sentença proferida pelo tribunal a quo.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Notifique.
*
Évora, 27 de novembro 2025
(Acórdão assinado digitalmente)
Anabela Raimundo Fialho (Relatora)
Maria Domingas Simões (1ª Adjunta)
Miguel Teixeira (2º Adjunto)