Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1589/09.4TASTB.E1
Relator: CARLOS JORGE BERGUETE
Descritores: RECURSO
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
PRAZO DO RECURSO
Data do Acordão: 06/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A faculdade de convidar ao aperfeiçoamento do recurso prevista no artigo 417º, nº 3 do C.P.P. não tem por finalidade permitir ao recorrente a extensão do prazo de recurso através de “aperfeiçoamento” voluntário extemporâneo.
Decisão Texto Integral:

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Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de Évora
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1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, perante tribunal singular, com o número em epígrafe, que correu termos no 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de S, na sequência de acusação deduzida pelo Ministério Público, a arguida CMJP foi pronunciada pela prática, como autora material, de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205.º, n.º 1, do Código Penal.
A assistente/demandante, RICGC, deduziu pedido de indemnização contra a arguida/demandada, requerendo a condenação desta no pagamento de indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, no valor de € 7.695,03, acrescido de juros legais.
Realizado o julgamento, decidiu-se:
- julgar a acusação procedente e condenar a arguida, pela prática de um crime de abuso de confiança, p. e p. pelo art. 205.º, n.º 1, do CP, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão suspensa na sua execução por igual período de tempo, com a condição de pagar à assistente/demandante, no prazo da suspensão e comprovando-o nos autos, o valor por que vai condenada em termos de pedido de indemnização civil;
-condenar a arguida/demandada a pagar à assistente/demandante indemnização no montante de € 7.195,03, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.

Inconformada com a decisão, a arguida, como demandada, interpôs recurso da sentença, formulando as conclusões:
I - O presente recurso está em tempo.
II - O recurso é interposto, no que toca à indemnização cível.
III - A sentença é nula:
IV – Deveria, a Mm.ª Juíza do Tribunal a quo, ter atentado que, como consta de fls. 307 da aqui já indicada Certidão do processo disciplinar, «a decisão proferida não transitou, por dela ter sido interposto recurso.»;
V - Há, por isso, o risco de, havendo duas decisões, sobre os mesmos factos e sujeitos que conferem o direito, à aqui Demandante, ora Recorrida, a receber uma quantia que, afinal, pode estar injustificada e ilegalmente duplicada, ocorrendo, portanto, um risco de contradição, entre julgados, na medida em que, como se viu, em sede do indicado processo disciplinar, a respectiva, «decisão proferida não transitou, por dela ter sido interposto recurso», recurso interposto pela aqui Arguida, ora Recorrente:
VI - Risco, esse, que o Tribunal a quo tinha a obrigação evitar, enviando as partes para os meios civis, o que não fez, ou prevenir, na própria sentença, a possibilidade de haver sobreposições de créditos, evitando-os;
VII – A Mm.ª Juíza estava, e está, obrigada a pronunciar-se quanto à já indicada questão da possível contradição de julgados, desde logo, ex oficio, por aplicação, quanto mais não fosse, do art 82º, n.º 3, do CPP, seja porque a arguida, ora, Recorrente, seja pela boca do seu Defensor, o Advogado subscritor, trouxe o assunto à colação, nas suas alegações orais, na audiência de julgamento, as quais, aliás, estão gravadas, tendo expressado um possível enriquecimento sem causa, por parte da aqui Demandante, por duplicação de quantias a receber da Arguida, aqui Recorrente.
VIII – Decretada, como espera a nulidade da sentença, deve ser substituída por um Acórdão que remeta as partes para os meios civis, no que toca ao pedido de indemnização cível.
Normas violadas:
ASSIM, NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO
Devem Vossas Excelências. Senhores/as Desembargadores/as, proferir, o que requer, um Acórdão que, como ficou exposto, venha suprir os vícios que afectam a sentença de que ora se recorre, fazendo, assim, a costumada justiça.

O Ministério Público manifestou não responder por versar questão de natureza cível.

Veio, depois, a arguida/demandada requerer a correcção da interposição de recurso, juntando motivação.

O recurso foi admitido.

No que concerne à requerida correcção, foi a mesma indeferida, por despacho, nos seguintes termos:
Fls 885: Nos termos do art. 411.º, n.º 3 do Código de Processo Penal, o “requerimento de interposição do recurso é sempre motivado, sob pena de não admissão de recurso, podendo a motivação, no caso de recurso interposto por declaração na acta, ser apresentada no prazo de 30 dias contados da data da interposição.
Por outro lado, o prazo para interposição do recurso é de 30 dias e conta-se, tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria (art. 411.º, n.º 1, alínea b) do CPP).
Quer isto dizer que as motivações de recurso que não tenha sido interposto por declaração em acta devem acompanhar o respectivo recurso, sob pena de indeferimento do mesmo, e que este apenas poderá ser apresentado no prazo de 30 dias contados da data do depósito na secretaria da respectiva sentença.
No caso dos autos a arguida apresentou a 19 de Setembro de 2014 (e, por isso, no primeiro dia de multa, que liquidou) recurso da decisão proferida, acompanhado das respectivas motivações.
Mais tarde, a 29 de Setembro de 2014, manifestou intenção de corrigir as suas motivações uma vez que “os textos que apresentou não correspondiam ao texto completo e revisto e não continham as normas violadas pela sentença nem tinha as conclusões completas”.
Ora, não só as motivações inicialmente apresentadas são claras quanto à posição e pretensão da recorrente como a correcção apresentada é, face às normas legais supra citas, claramente extemporânea.
Na verdade, é indubitável e consensual que a exigência das alegações acompanharem o requerimento de interposição de recurso tem, fundamentalmente, como justificação razões de celeridade e de economia processuais e que, não obstante venha a ser aceite pela jurisprudência o entendimento que as alegações podem ser juntas em data posterior à da apresentação do requerimento de interposição de recurso, tal apenas ocorrerá caso tais alegações sejam apresentadas dentro do prazo para recorrer.
De outro modo, e ultrapassado tal prazo, sempre terá de se conjecturar que a apresentação de novas alegações se trata de expediente que o recorrente utiliza para ganhar prazo para melhor discutir o direito.
Termos em que, por extemporânea e nos termos das citadas disposições legais, indefiro a correcção requerida pela arguida.
Sem custas, atenta a simplicidade.

A arguida, como demandada, interpôs, também, recurso do despacho, extraindo as conclusões:
I - O presente recurso está em tempo e é admissível.
II - A razão de ser do presente recurso é, essencialmente, a de saber se é legal aperfeiçoamento da motivação de recurso, por iniciativa da ora Recorrente, atendendo a que motivação apresentada em 19 de Setembro de 2014, não continha, nas Conclusões, as normas violadas, nem a interpretação com que deviam ter sido aplicadas;
III - O despacho ora recorrido é irregular, até, por ser inconstitucional;
IV - A Recorrente não poderia reclamar para este Tribunal da Relação de Évora, nos termos do art. 405º do C.P. P., já que o despacho ora recorrido, não consiste no indeferimento da admissão do recurso e, ao contrário, a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, proferiu, sim, precedendo aquele, de que agora se recorre, um despacho que deferiu a admissão de tal recurso, fixando-lhe o respectivo regime de subida e o seu efeito, como, de facto, nele constam;
V - Salvo o devido respeito, os Tribunais não podem decidir, com base em "conjecturas", mas sim, fundamentados em factos e mediante a aplicação do Direito, relevante para os mesmos;
VI - Os Tribunais só podem decidir, com base na lei (princípio da legalidade), como se retira, desde logo, da Constituição da República Portuguesa, no seu art. 203º, mas expressa e directamente, no que toca à Justiça Penal, de acordo com o disposto no art. 9º. do C.P.P.
VII - O aperfeiçoamento da motivação é permitido, como resulta do disposto no art. 414º, nº 2, do C.P.P., que, aquando da interposição do recurso, pode ser fundamento para a sua não admissão, e no qual se estatui que, «faltando as conclusões quando o recorrente não as apresente em 10 dias após ser convidado a fazê-lo», e também do estatuído, relativamente aos Tribunais de 2ª Instância, no artº 417º, nº 3, do C.P.P., segundo o qual, «3 – se das conclusões não for possível deduzir, total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 e 5, do art. 412º, o relator convida o recorrente a completar ou esclarecer as conclusões formuladas, no prazo de 10 dias, sob pena de o recurso ser rejeitado ou não ser conhecido na parte afectada.
VIII - Se a lei permite o aperfeiçoamento da motivação de recurso, a convite do Tribunal, por um argumento de maioria de razão, não há fundamento para que, se esse aperfeiçoamento da motivação de recurso, for da iniciativa do próprio recorrente, in casu, por iniciativa da ora Recorrente. Dr.ª CP, até mesmo ainda antes de proferido o despacho de admissão do recurso, não há fundamento, dizia, para que se entenda que aquele aperfeiçoamento da motivação de recurso, datado de 29 de Setembro de 2014, possa ser entendido como «extemporânea» (a «correcção» da motivação).
IX - O aperfeiçoamento da motivação de recurso, é um poder dever.
X - Decretada, como espera, a invalidade do despacho ora recorrido, deve o mesmo ser substituído por um Acórdão que revogue aquele, e defira a junção aos autos, para todos os efeitos, do aperfeiçoamento da motivação de recurso, datado de 29 de Setembro de 2014, que a Ora Recorrente apresentou nos autos, a fim de o Recurso, anteriormente interposto seja apreciado e decidido, por Vossas Excelências, Senhores/as Desembargadores, com base nele, o que requer.
O despacho ora recorrido, violou as seguintes normas jurídicas:
· Art. 412º, nº 2. al. s. a) e b), do C.P.P.;
· 414º, nº 2, do C.P.P.;
· O art. 417º, nº 3, do C.P.P. (os quais, todas estas várias normas deveriam ter levado a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, aplicá-las, deferindo a junção aos autos, do aperfeiçoamento da motivação de recurso, datado de 29 de Setembro de 2014;
· Constituição da República Portuguesa, no seu art. 203º, + art. 9º, do C.P,P, (princípio da legalidade) que deveria ter afastado a Meritíssima Juíza do Tribunal a quo, a invocar “conjecturas” e a
aplicar os factos, deferindo a junção aos autos, do aperfeiçoamento da motivação de recurso, datado de 29 de Setembro de 2014;
· O art. 123º, nº 2, pois o despacho ora recorrido, padece de uma irregularidade processual, pelo que afecta a validade do mesmo.
ASSIM, NESTES TERM0S E NOS MAIS DE DIREITO
Devem Vossas Excelências, Senhores/as Desembargadores/as, proferir, o que requer, um Acórdão que, como ficou exposto, venha a suprir o vício que afecta o despacho de que ora se recorre, revogando-o e substituindo-o, por outro que defira a junção, aos autos, do aperfeiçoamento da motivação de recurso, datado de 29 de Setembro de 2014, fazendo, assim, a costumada justiça.

Tal recurso foi admitido.

Apresentaram resposta ao mesmo:
- o Ministério Público, concluindo que deve ser negado provimento ao recurso;
- a assistente/demandante, concluindo:
I. Da motivação 9), resulta que a correção da motivação de recurso só foi efetuada para a recorrente ter um prazo mais alargado para apresentar o seu requerimento de recurso.
II. O requerimento de recurso não estava incompleto, pois nenhuma parte do texto foi apagada ao copiar de uma pen para outro computador, e verificando o recurso apresentado em Tribunal, conclui-se que não há partes de texto apagadas, aliás, o texto está completo, pois consta do mesmo o requerimento de recurso, a pedir a sua admissão, e junto ao mesmo encontram-se as motivações bem como as conclusões.
III. Considera, a assistente, que a recorrente pretendia usufruir de um período mais alargado do que a lei concede, contudo, o prazo de recurso é um prazo perentório, sendo que o ato a praticar o deve ser nesse prazo, só não o sendo se houver um justo impedimento, e no caso nenhum justo impedimento foi invocado nem comprovado, tal como a lei o exige.
IV. No presente processo, as manobras dilatórias, para protelar a realização da audiência de discussão e julgamento, ou mesmo impedir a sua realização, foram inúmeras, e até agora, na fase de recurso, se vê manobras dilatórias por forma a protelar o trânsito em julgado.
V. Não corresponde à verdade que o Tribunal a quo se tenha baseado em suposições para proferir o despacho que indeferiu a correção da motivação, pois como se pode verificar, e onde se refere que “sempre terá de se conjeturar que a apresentação de novas alegações se trata de expediente que o recorrente utiliza para ganhar prazo para melhor discutir o direito”, daqui só não se dá é como certo, tendo em conta que não se tem de produzir prova nesse sentido, e nem caberia ao tribunal produzi-la, mas sim um qualquer recorrente que não apresentasse o seu recurso no prazo legal.
VI. A recorrente não ter invocado as normas jurídicas violadas na douta sentença, trata-se de lapso da elaboração da sua peça, e terá de sofrer as respetivas as consequências, pois tal lapso não é fundamento para não admissão do recurso ou para convidar a recorrente a supri-lo, até porque, e apesar da extemporaneidade da sua apresentação, foi paga a multa, e esse vício foi sanado, a recorrente tinha legitimidade, e foi instruído com as motivações e respetivas conclusões.
VII. As conclusões do recurso não estão incompletas, pois estão numeradas, sendo que na parte onde refere “normas violadas” nem sequer tem número, portanto, não se trata de uma conclusão.
VIII. Assim, entende, a assistente, que o despacho proferido pelo Tribunal a quo não é irregular como refere a recorrente.
Termos em que, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve o recurso ser julgado improcedente, e ser mantido o despacho recorrido, e assim se fazendo justiça.

Neste Tribunal da Relação, o Digno Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, defendendo a rejeição liminar do recurso do despacho, por manifesta improcedência.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do Código de Processo Penal (CPP), a arguida/demandada veio reiterar a sua posição quanto ao mesmo recurso.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
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2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto de cada um dos recursos define-se pelas conclusões que a recorrente extraiu da respectiva motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as previstas nos arts. 379.º, n.º 1, e 410.º, n.ºs 2 e 3, do mesmo Código, conforme, designadamente, jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995, publicado in D.R. Série I-A de 28.12.1995.
Mostram-se interpostos e admitidos os dois recursos, um, relativo à sentença proferida e, outro, atinente ao despacho posterior à mesma sentença.
Pese embora a sua cronológica interposição, o recurso do despacho, porque versando, em si mesmo, na admissibilidade de alegado aperfeiçoamento de conclusões apresentadas ao recurso da sentença, deve ser previamente conhecido.
Assim, delimitando esse objecto, para cada um dos recursos, reside em apreciar:
A) - recurso do despacho - da irregularidade do mesmo;
B) - recurso da sentença – da nulidade da mesma.

Apreciando:

A) - da irregularidade do despacho:
A recorrente entende que o despacho que indeferiu a apresentação de correcção à anterior motivação de recurso padece de irregularidade.
Em abono da sua posição, defende que tendo apresentado, por iniciativa própria, essa correcção, ou seja, o aperfeiçoamento da motivação para completar as respectivas conclusões, e em momento anterior à admissão do recurso a que se destinava, deveria a mesma ter sido admitida, por razões de identidade com o poder-dever do tribunal, previsto, segundo refere, nos arts. 414.º, n.º 2, e 417.º, n.º 3, do CPP, e em sintonia com o princípio da legalidade, constitucionalmente consagrado.
Ora, desde logo resulta que esse dito aperfeiçoamento foi por si apresentado, como reconhece, depois de decorrido o prazo para interposição do recurso, como decorre, aliás, do despacho recorrido, sendo que é pacífico que esse prazo se trata de um prazo peremptório, cujo decurso extingue o direito de praticar o acto - art. 139.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), ex vi art. 4.º do CPP), isso só não acontecendo nas situações definidas por lei, isto é, nos casos de prática do acto nos três dias úteis seguintes ao termo do prazo ou de justo impedimento (art. 107.º, n.ºs 2 e 5, do CPP).
Nenhum desses casos se verifica em concreto.
Para além desta realidade, afigura-se que não colhe a argumentação da recorrente no sentido de que esse aperfeiçoamento terá ocorrido, o que é verdade, em momento anterior àquele em que se apreciou dos requisitos de admissibilidade do recurso, uma vez que, a aceitá-la, redundaria, então, em esquecer a natureza desse prazo e fazê-lo depender da prolação do despacho de admissão do recurso, situação que não é minimamente configurável, mormente, em razão da legalidade que invoca.
Se, como sucede no caso, a recorrente interpôs e apresentou o recurso em data coincidente com o termo do prazo (tendo-o feito no primeiro dia útil seguinte, com o pagamento da devida multa), só a si caberá a responsabilidade de não ter cuidado de o ter feito anteriormente e não vir a sujeitar-se a rejeição do que viesse oferecer fora de prazo para colmatar essa sua atitude.
De outro modo, a fixação do prazo ficaria ao sabor de quem recorre e contenderia com a certeza e a segurança jurídicas, o que não pode ter sido, manifestamente, propósito do legislador penal.
Nem mesmo a alegada faculdade de convite ao aperfeiçoamento, por via do art. 417.º, n.º 3, do CPP, tem por finalidade, por um lado, a extensão do prazo para recurso, uma vez a sua aplicação pressupõe, claramente, que esse prazo tenha sido respeitado e, por outro, vir a suprir a fundamentação do mesmo, mas apenas a colmatar omissão/deficiência nas conclusões apresentadas.
Com efeito, neste último aspecto, se bem que a recorrente se reporte a que, unicamente, pretendeu corrigir as conclusões do recurso, o que resulta dessa correcção é que incidiu, não só nessas conclusões, como também na fundamentação que antes apresentara.
Aceitando-se que esse convite se configure, tal como a recorrente refere, como um poder-dever, mas apenas restrito às conclusões, na medida em que, tanto quanto viável, a garantia ao recurso deve ser protegida - art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) -, o que reflecte a jurisprudência do Tribunal Constitucional (entre outros, acórdãos n.º 193/97, de 11.03, n.º 43/99, de 19.01, n.º 288/00, de 17.05, e n.º 337/00, de 27.06, acessíveis in www.dgsi.pt), já não se admite, porém, que contrarie os fundamentos que lhe estão subjacentes, que são, inequivocamente, alheios a um prolongamento do prazo legal para o recurso causa e, sim, dependentes de que esse prazo tenha sido, em concreto, acatado.
Tanto mais que, de acordo com o expendido no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 259/02, de 18.06, in www.dgsi.pt, nem da jurisprudência deste Tribunal relativa aos recursos de natureza penal (…) pode retirar-se que o despacho de aperfeiçoamento seja uma exigência constitucional e, muito menos, note-se, para concessão de novo prazo para recorrer.
Em concreto, a iniciativa de aperfeiçoamento pela recorrente só relevaria se efectuada dentro desse prazo, não sendo, de todo, aceitável que confunda a faculdade de interposição de recurso, mas com apresentação obrigatória de motivação (cfr. arts. 411.º, n.º 3, e 414.º, n.º 2, do CPP), com a possibilidade de posterior correcção sugerida pelo relator, ou mesmo, na instância recorrida.
Assim, se ocorrida posteriormente, tão só na sequência de despacho que a convidasse a esse aperfeiçoamento se justificaria e, então, a questão do prazo para recurso, condição para a admissibilidade do mesmo, já teria ficado previamente definida e apreciada, tratando-se, pois, de situações bem diferenciadas.
Acompanhando, por plenamente pertinente, a citação do Digno Procurador-Geral Adjunto, no seu parecer: “I – O CPP coloca nas mãos dos sujeitos processuais certos mecanismos adequados à defesa dos seus interesses no processo, particularmente para impugnarem as decisões que lhes forem desfavoráveis. Cabe aos sujeitos processuais, de acordo com o princípio da auto-responsabilidade das partes – que é um princípio estruturante de todo o processo contraditório, como é o processo penal após a acusação – realizar as opções que entenderem idóneas à prossecução desses interesses. II – A negligência ou inércia redunda necessariamente em prejuízo das partes. Os únicos limites a esta regra são os que a lei expressamente dispuser.” AC. Do STJ de 10/2/2008 in CPP comentado por António Henriques Gaspar e outros, pág 1435.
O despacho recorrido acatou, pois, o cumprimento da lei, mostrando-se devidamente fundamentado, sem preterir qualquer dos invocados princípios ou disposições que norteiam a matéria trazida ao recurso.
Contrariamente ao aduzido pela recorrente, acresce que não se descortina que o despacho não se tenha quedado pela análise da questão e nos termos que a lei o permite, sem ofensa da independência que onera o julgador e, na parte atinente à alegada menção de “conjectura”, é visível que tem de interpretar-se como inerente à ausência de fundamento para apresentação de alegações fora de prazo, e não mais do que isso, sendo, assim, realidade que não seria, para aquela, desconhecida.
Este é o único sentido apreensível perante o teor do despacho e, sobre o mesmo, a recorrente parece pretender conjecturar!
Outras considerações são dispensáveis para concluir que não lhe assiste qualquer razão e que o despacho não padece de irregularidade.

B) - da nulidade da sentença:
Considerando, na sequência do apreciado em A), as transcritas conclusões que a recorrente apresentou dentro do prazo para o recurso, a circunstância deste, versando matéria de direito, não se reportar devidamente ao ónus imposto pelo art. 412.º. n.º 2, do CPP, não fundamenta obstáculo suficientemente válido ao não conhecimento da questão convocada, dado que esta é plenamente inteligível e, por isso, dispensou convite ao aperfeiçoamento.
Solução diversa acarretaria desproporcionada restrição do direito à defesa da recorrente, na dimensão do direito ao recurso, sendo inconstitucional (acórdão do Tribunal Constitucional n.º 320/2002, de 09.07, publicado in D.R. I-A Série de 07.10.2002, que declarou inconstitucional, com força obrigatória geral, interpretação que se harmonizasse com essa outra solução).
Assim, conhecendo do recurso:
A recorrente invoca que a sentença padece de nulidade, com fundamento, segundo alega, em ter omitido pronunciar-se acerca da possível contradição de julgados, decorrente de existir decisão no processo disciplinar que ainda não transitou em julgado, por referência ao constante da certidão de fls. 307, perante a condenação que aqui foi proferida no âmbito cível, aconselhando, por isso, o reenvio da questão para os tribunais civis ao abrigo do art. 82.º, n.º 3, do CPP.

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No que ora releva, consta da sentença recorrida:
Factos provados:
1. No dia 14 de Abril de 2005, a arguida, na qualidade de advogada de RICGC, intentou no Tribunal de Trabalho de S, Acção de Processo Comum contra JESJ e AMSNJ.
2. Em tal acção foi peticionado o pagamento da quantia de 12.469,95 euros (doze mil quatrocentos e sessenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos) acrescida dos juros à taxa legal a favor da referida pessoa que a arguida patrocinava, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
3. Por sentença datada de 15 de Maio de 2007, proferida pela secção única do Tribunal do Trabalho de S, no âmbito do processo n.º 303/05.8TTSTB, JEJ e AMSNJ, foram condenados solidariamente a pagar à autora RICG a quantia de 4.000,00 (quatro mil euros), acrescida de juros de mora, contados desde a citação e até integral pagamento.
4. Inconformados com a decisão da Primeira Instância, JEJ e AMSNJ, interpuseram recurso, sendo que em Acórdão datado de 3 de Junho de 2008, o Tribunal da Relação de Évora confirmou a decisão recorrida, declarando a apelação improcedente.
5. Notificados da decisão do Tribunal da Relação de Évora, JEJ e AMSNJ, solicitaram à arguida o NIB da conta em que deveriam depositar a quantia de 4.497,10 euros, correspondentes ao valor da indemnização acrescida de juros de mora.
6. No dia 8 de Outubro de 2008, JEJ e AMSNJ, transferiram para a conta bancária da arguida com o NIB zzzzzzzzzzzzzzzz, aberta junto do Banco B, a quantia de 4.497,10 euros.
7. A quantia supra referida destinava-se à aqui assistente e foi entregue à arguida, porque esta era advogada daquela.
8. A arguida fez sua a quantia depositada e utilizou-a em benefício próprio.
9. Por esse motivo, e apesar de insistências da assistente, a arguida não lhe entregou a referida quantia.
10. A arguida sabia que a referida quantia não lhe pertencia e que agia contra a vontade da assistente.
11. A arguida, com o seu comportamento, causou prejuízo patrimonial na assistente e alcançou um benefício económico para si, que não lhe era devido.
12. A arguida agiu de forma livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
13. Enquanto decorria o referido processo laboral, a ora demandada passou a trabalhar para a ora demandante.
14. Entretanto, a demandada despediu a demandante, contudo, não lhe pagou alguns ordenados que se encontravam por pagar, bem como a indemnização a que tinha direito.
15. Sendo que a demandante veio a verificar que a demandada, na qualidade de sua empregadora, não entregou, na Segurança Social, as respectivas contribuições, bem como, no Serviço de Finanças, a retenção de IRS que lhe havia efectuado.
16. A demandante requereu o subsídio de desemprego, tendo vindo a saber que não teria direito a tal subsídio porque a demandada não entregou as referidas contribuições.
17. A demandante acabou por ficar sem qualquer rendimento.
18. Entretanto, o marido da demandante entrara para o curso de Agente de Polícia Marítima, contudo, começaria a ser remunerado apenas após três meses de estágio.
19. O processo laboral estava findo e a demandante contava com a quantia de 4.497,10€ (quatro mil quatrocentos e noventa e sete euros e dez cêntimos) para fazer face às suas despesas.
20. A demandante era devedora de um crédito à habitação, sendo que sem qualquer rendimento não conseguiu pagar as prestações do crédito.
21. O marido deixou o curso de Agente da Polícia Marítima, e que era o seu sonho, e começou a trabalhar na construção civil, auferindo o ordenado mínimo.
22. Tendo deixado de pagar as prestações relativas ao crédito à habitação, foi intentada uma acção executiva contra a ora demandante, o marido e os fiadores.
23. A casa da demandante foi alvo de penhora, bem como o valor a receber de IRS e, ainda, parte das reformas dos fiadores e um valor que estes teriam a receber de IRS.
24. O marido da demandante conseguiu um emprego na P, e como aqui recebia um valor superior ao ordenado mínimo, parte do ordenado dele passou a ser penhorado também.
25. A demandante acabou por efectuar um acordo com o credor, sendo que conseguiu pagar todas as prestações em dívida.
26. A demandante viu, desta forma, a sua vida económico-financeira, completamente desequilibrada, devido ao facto da demandada se ter apropriado da quantia monetária daquela.
27. Para além de tudo, a demandante, ainda, terá de suportar as custas judiciais, relativas ao processo executivo, valor esse que não será inferior a 9 (nove) UC's.
28. Com toda esta situação, criada pela demandada, a demandante passou a ser uma pessoa triste, passou a andar deprimida, com graves crises de choro, e, actualmente, ainda tem algumas crises de choro.
29. Viu o seu marido desistir do sonho profissional.
30. Sendo que o mesmo, pelo facto de desistir do curso de Agente de Polícia Marítima, ver a sua casa penhorada, não conseguir responder, atempadamente, às suas obrigações, começou a andar muito deprimido, também.
31. Ora, a demandante, ao ver o marido muito deprimido, sofreu muito mais.
32. Assim como, pelo facto de ver os seus pais, pessoas de idade, verem-se privados de parte das suas reformas, bem como do valor que deveriam receber de IRS, pois estes eram os fiadores do seu crédito bancário, para a compra de casa.
33. A arguida não tem antecedentes criminais registados.
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Ora, vista a matéria de facto, não decorre menção alguma ao invocado processo disciplinar a que a recorrente se reporta, se bem que, ao nível da motivação da decisão nessa vertente, exista referência na sentença à suscitada certidão de fls. 307, da qual resulta que, em processo disciplinar que correu termos no Conselho de Deontologia da Ordem dos Advogados, tenha sido condenada em pena de multa e na pena acessória de restituição à demandante do montante de € 3.887,95, reflectindo-se aí, de fls. 292/296 e 298/301, que se reporta, no essencial, à situação que foi apreciada pelo tribunal a quo, enquanto atinente ao desenrolar das relações profissionais que ambas mantiveram.
Também, na parte relativa à apreciação do pedido de indemnização civil, não é feita alusão, na sentença, a esse processo disciplinar.
Todavia, só se verificará omissão de pronúncia do tribunal se, dada a relevância da questão, deixe de emitir opinião, o que se prende com a oficiosidade do conhecimento de todas as questões que são pertinentes à decisão da causa e resultante da natureza dos interesses que se visam proteger, relativamente ao que a expressão «devesse», constante do art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP, comporta esse significado literal de injunção (acórdão STJ de 07.12.1999, in CJ Acs. STJ, ano VII, tomo III, pág. 234).
Por seu lado, note-se, não é a circunstância do assunto ter sido trazido pelo mandatário da recorrente em sede de alegações orais e, mormente, não tendo sido apresentada contestação, que impõe que existisse pronúncia do tribunal, uma vez que, a entender-se que a pertinência do mesmo não releve, mais não resulta senão como argumentação relativamente à qual essa obrigatoriedade naturalmente se não coloca.
A recorrente, embora acabando por reconhecer que não se verifica situação de caso julgado ou de litispendência, vem suscitar que esse risco venha a ocorrer, considerando, na sua perspectiva, que os factos e os sujeitos naquele processo disciplinar são os mesmos que desencadearam a atribuição da indemnização ao demandante e, quanto à não entrega da quantia indemnizatória no processo laboral, poderá existir duplicação de montantes, geradora de enriquecimento sem causa.
Nos presentes autos, apenas a questão da litispendência se poderia configurar, na medida em que a decisão proferida naquele processo disciplinar ainda não transitou em julgado (art. 580.º, n.º 1, do CPC), mas, ainda assim, não se aceita que exista identidade entre a causa de pedir no mesmo e a do pedido de indemnização civil deduzido nos presentes autos, a que não é estranha a circunstância de terem concluído pela aplicação de diferentes formas de sanção, ou seja, naquele processo disciplinar, como pena acessória e, nestes autos, como indemnização.
Como resulta do processo disciplinar, esteve em causa a violação dos deveres da aqui recorrente como advogada, com referência ao art. 110.º do Estatuto da Ordem dos Advogados (aprovado pela Lei n.º 15/2005, de 26.01, na redacção actual), por não ter apresentado a conta de despesas e honorários em prazo razoável e ter retido valores superiores àqueles que seriam suficientes para garantir os seus créditos (fls. 302), o que não se equipara à responsabilidade por factos ilícitos que lhe foi imputada nos autos e deu lugar à indemnização em que foi condenada, ainda que, ao nível de parte do montante, a título de danos patrimoniais, possa existir coincidência, uma vez que foi, nesse processo, condenada na restituição de quantia correspondente à diferença entre os valores recebidos e o montante apurado como sendo devido a título de honorários (fls. 306), o que nos autos foi igualmente valorado para a fixação da indemnização.
De qualquer modo, mesmo que se considere essa coincidência, o alegado risco de contradição de julgados não se colocava ao tribunal a quo e, muito menos, a mera possibilidade que isso venha a ocorrer o impedia de conhecer do pedido cível, no sentido de inviabilizar uma decisão rigorosa.
Inexiste fundamento para apelar ao disposto no invocado art. 82.º, n.º 3, do CPP, já que, dispondo, o tribunal, dos elementos de prova para decidir e não se tratando de matéria de complexidade fáctica, solução diversa acarretaria injustificada preterição da adesão da acção cível ao processo criminal.
Nenhuma relevância se descortina em que ao tribunal se impusesse menção expressa à decisão nesse processo disciplinar não transitada em julgado, uma vez que não teria influência alguma na apreciação da indemnização em causa, se bem que, ulteriormente, caso a mesma coincidência efectivamente venha a verificar-se naquela parte, sempre a recorrente terá meios cíveis para fazer valer as suas consequências.
Por isso, não se vê motivo válido para que a sentença esteja inquinada por via de omissão relevante.
A sentença não enferma, pois, de nulidade por via daquele art. 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP.
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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- negar provimento aos recursos da demandada e, assim,
- manter a sentença e o despacho recorridos.

Custas (cíveis) pela recorrente.
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Processado e revisto pelo relator.
(Carlos Jorge Berguete)
(João Gomes de Sousa)