Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | SUSANA FERRÃO DA COSTA CABRAL | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISÃO RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ERRO JUDICIÁRIO REQUISITOS | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | RECURSO ESTRAORDINÁRIO DE REVISÃO | ||
| Decisão: | IMPROCEDENTE | ||
| Área Temática: | CÍVEL | ||
| Sumário: | Sumário:
I. O recurso extraordinário de revisão previsto no artigo 696.º, alínea h), do CPC, fundado na suscetibilidade de a decisão gerar responsabilidade civil do Estado por erro judiciário, só é admissível se tiverem cumulativamente verificados os requisitos estabelecidos nos artigos 696.º A e 697.º, n.º 2, alínea b) do CPC (tempestividade; inexistência de contribuição para o alegado vício da decisão, esgotamento prévio dos meios impugnatórios e interposição também contra o Estado), o que, no caso, não se verifica. II. Não existe erro judiciário, muito menos grosseiro e ostensivo, no acórdão que, de forma fundamentada e coerente com o quadro legal, decide as questões que lhe são colocadas, | ||
| Decisão Texto Integral: | Acórdão
(artigo 700.º, n.º 1, do CPC) 1. Relatório: AA e BB, contribuintes fiscais n.º ... e ..., residentes em ..., interpuseram o presente Recurso Extraordinário de Revisão pedindo que o acórdão proferido por este Tribunal, no dia 28.09.2023, no processo principal de que este é apenso, em que é autora BB, e que confirmou a sentença recorrida datada de 05.12.2022, seja revisto e, consequentemente, revogado, substituindo-se por outro que observe os princípios violados, fazendo-se assim Justiça. No requerimento inicial que apresentam, formulam os Recorrentes as seguintes conclusões que se transcrevem: A. A sentença proferida a 5.12.2022, transitada em julgado, violou o direito fundamental de acesso à Justiça (arts. 20.º, n.ºs 1 e 4 da CRP, art. 10.º da DUDH e art. 6.º 1 da CEDH), medida em que violou o disposto no art. 568.º, al d) do CPC, interpretou e aplicou o efeito da revelia previsto no art. 567.º do CPC, no sentido de desonerar o tribunal de exigir os meios de prova legalmente exigíveis pela lei e de não conhecer a exceção dilatória da ilegitimidade ativa, ou seja, sem dar cumprimento ao princípio do inquisitório (art. 411.º do CPC). B. Os princípios do dispositivo e da auto-responsabilização das partes não invalidam o dever do tribunal de apreciar a prova produzida à luz das regras legais (art. 568.º, d do CPC), concretamente, quando a lei exige uma forma específica (art. 364.º do CC), nem o dever de conhecimento oficioso de certos temas, como as exceções dilatórias (art. 578.º do CPC). C. O artigo 9.º, n.º 1 do NRAU exige que a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento seja feita por escrito assinado pelo declarante. D. O artigo 373.º, 1 do CC exige que os documentos particulares sejam assinados pelos seus autores, para terem efeito probatório. E. Assim, um documento escrito assinado pela autora era o único meio de prova admissível para concluir que a oposição à renovação é válida e eficaz. F. Logo, tendo o tribunal considerado, com base no efeito cominatório semipleno da revelia, as comunicações efetuadas através dos documentos n.ºs 21, 24 e 31 da petição inicial como válidas e eficazes, apesar dos mesmos não estarem assinados, o tribunal incorreu num erro judiciário grosseiro, violador do direito fundamental de acesso à justiça, do qual é corolário o direito à prova e à contraprova. G. Quanto à legitimidade ativa, a lei impunha que o tribunal apreciasse se a transmissão da posição contratual de senhorio, por força da separação de bens no divórcio da recorrida, tinha sido previamente comunicada aos réus, tal como exigia o contrato de arrendamento na sua cláusula 15.ª. H. Tal facto deveria ter sido alegado e provado pela autora para confirmar a sua legitimidade para o efeito pretendido. Não tendo sido alegado, o tribunal poderia ter notificado à autora o aperfeiçoamento, assim impondo o princípio do inquisitório (art. 411.º do CPC) e os poderes de gestão e adequação do processo. I. Isto porque o artigo 11.º, n.º 1 do NRAU determina que, no caso de pluralidade de arrendatários, a comunicação deve ser subscrita por todos. J. Aliás, só mediante a referida comunicação – de transmissão da qualidade de senhorio, por força da partilha de bens no âmbito do divórcio – é que os réus poderiam apreciar a validade da comunicação de oposição à renovação. K. Não o tendo feito, incorreu o tribunal noutro erro judiciário, de forma grosseira e negligente, em contradição de lei expressa em manifesta violação do direito de acesso à Justiça. L. Em suma, ficou assim demonstrado o deficiente funcionamento da máquina judiciária, de forma inequívoca e notória, o que conduziu à produção de danos na esfera jurídica e económica dos recorrentes, correspondentes à perda do direito ao arrendamento da sua casa de habitação e com a obrigação de pagar uma indemnização à senhoria, por força de um erro judiciário grosseiro, de violação de lei expressa (art. 568, alínea d) do CPC) e de violação de um direito fundamental, o do acesso à justiça. * Admitido o recurso, foram os recorridos notificados para deduzirem oposição. A recorrida, BB, autora no processo principal, não deduziu oposição. Respondeu apenas o ESTADO, representado pelo Ministério Público, terminando com as seguintes Conclusões: 1. Ao não apresentarem contestação nos autos principais os Recorrentes contribuíram, decisivamente, para os erros que imputam à sentença e que, a terem existido, o Acórdão recorrido também estava legalmente impedido de reparar, uma vez que se sustentavam em factos novos, face aos que eram conhecidos nos autos, no momento da prolação da sentença. 2. Face ao exposto, não pode o recurso de revisão ser admitido, de harmonia com o estipulado no nº 1, al. a), do artº 696-Aº, do Cód. Proc. Civil. 3. Os RR. consideram que ocorreram erros judiciários grosseiros, com violação de lei expressa, pelo que tinham ainda ao seu dispor, a possibilidade de requerem a reforma do Acórdão recorrido, nos termos do disposto no artº 616º, nº 2, al. a), Cód. Proc. Civil, “ex vi” artº 666º, nº 1, desse mesmo Código. 4. Pelo que não se mostra verificado o pressuposto exigido na al. b), do artº 696.º-A, do Cód. Proc. Civil. 5. Os Recorrentes não deram a conhecer ao Tribunal a agora alegada falta de assinatura da senhoria nas comunicações que lhes dirigiu nem a alegada omissão da comunicação da transmissão da posição contratual, por força da separação de bens na sequência do divórcio da A.. 6. Esses factos, constituem verdadeiras excepções peremptórias, na medida em que importam a absolvição total ou parcial do pedido e consistem na invocação de factos que, a serem provados, impediriam a produção dos efeitos jurídicos dos factos articulados pelo autor, como dispõe, o artº, 576º, nº 3, do Cód. Proc. Civil, pelo que teriam de ser alegados pelos RR.. 7. O Tribunal não podia substituir-se aos RR. e introduzi-los no objecto do processo, oficiosamente, ao abrigo do princípio do inquisitório, uma vez que essa possibilidade lhe está vedada, nos termos do artº 5º, nº 1, e na parte final do artº 411º, do Cód. Proc. Civil. 8. Pelo que não ocorreu qualquer violação do princípio do inquisitório ou de qualquer outra norma ou princípio, legal ou constitucional, pelo que, manifestamente, não pode ser revista. 9. De acordo com o disposto no artº 13º, da Lei nº 67/2007, aplicável à situação “sub judice”, o erro judiciário pode ser um erro de direito ou um erro de facto. 10. Quanto ao erro de direito, a lei exige que as decisões sejam “manifestamente inconstitucionais ou ilegais”. 11. O que pressupõe uma ligação entre a decisão e a Constituição, e, portanto, um juízo de inconstitucionalidade. Ou seja, o direito aplicado na decisão deve afrontar ostensivamente os princípios e a normas constitucionais, de tal forma que se possa afirmar que a decisão é, na sua “ratio decidendi”, contrária à Constituição. 12. Não é qualquer erro, porque a lei postula o erro qualificado, grosseiro, ostensivo, implicando uma decisão proferida contra lei expressa. 13. Na situação em apreço, afigura-se que a decisão recorrida não padece de qualquer erro de direito ou de facto e, a ter existido, não se reveste das características exigidas pelo nº 1, do artº 13º, da Lei nº 67/2007, pelo que o Estado não incorreu em responsabilidade extracontratual. * Inexistindo outras diligências a realizar, cumpre, nos termos e para os efeitos do artigo 700.º, n.º 1, do CPC, conhecer do presente recurso de revisão, sendo as seguintes as questões a apreciar: i. Da admissibilidade do recurso de revisão; ii. Da verificação de erros judiciários grosseiros, alegadamente violadores do princípio constitucional do acesso à justiça; * 2. Apreciação do recurso: 2.1. Fundamentação de facto: 1. A Recorrida intentou a presente ação contra os aqui Recorrentes, na qual peticionou; a. ser declarada a cessação do contrato de arrendamento a 30 de Junho de 2021, mediante oposição à renovação tempestiva e regularmente deduzida pela senhoria, do contrato de arrendamento celebrado entre A. e o 1º R; b. ser decretado o despejo e serem os RR. condenados a entregar, de imediato, à A. o imóvel livre e desocupado e no estado de conservação e limpeza que se encontrava à data da celebração do contrato de arrendamento; c. serem os RR. condenados no pagamento à A. do valor de 8.800,00€, a título de indemnização referente aos meses de Julho de 2021 a Junho de 2022; d. serem os RR. condenados no pagamento de todas as rendas, elevadas ao dobro, nos termos do estatuído no n.º 2 do artigo 1045.º do Código Civil, que, entretanto, se vencerem até efetiva restituição à A. do locado cuja entrega é peticionada; e) serem os RR. condenados no pagamento dos juros vincendos, contados desde a data da entrada em juízo da petição, sobre as quantias de que são devedores e até efetivo e integral pagamento à A. 2. Para tanto, alegou sumariamente, ser proprietária do prédio em causa, o qual deu de arrendamento ao 1.º réu, casado com a 2ª ré sob o regime da comunhão de adquiridos, mediante contrato de arrendamento urbano para habitação com prazo certo de 5 anos, com início em 15 de julho de 2012, renovável por períodos iguais e sucessivos de 1 ano, salvo oposição promovida pelas partes. A autora opôs-se à renovação do contrato, mediante comunicações que remeteu aos réus comunicando a cessação do contrato com efeitos a partir do dia 14 de julho de 2020, a qual ficou suspensa até ao dia 30 de junho de 2021, por força da suspensão de efeitos da oposição à renovação do contrato de arrendamento introduzida pela Lei n.º n° 75-A/2020, de 30 de Dezembro. Acontece que os réus não restituíram o locado. 3. Os recorrentes não contestaram. 4. Em 5.12.2022, foi proferida sentença, na qual se julgou totalmente procedente a ação, se declarou o contrato de arrendamento validamente cessado, por caducidade, com efeitos a partir de 30/06/2021 e condenou os réus a restituir à autora o locado, a qual se dá aqui por reproduzida. 5. Em sede de recurso, este Tribunal da Relação de Évora, por acórdão de 28.09.2023, notificado às partes nesse mesmo dia, confirmou a sentença proferida, considerando que “não pode o recurso servir para que os Apelantes aleguem por esta via, aquilo que não alegaram oportunamente no prazo de apresentação da respetiva contestação, pois o momento de dedução da sua defesa, na vertente de facto, há muito se esgotou, precludindo o decurso do prazo para o efeito a possibilidade de impugnação do julgamento de facto, salvo se tiver havido violação de meio de prova tarifada, e in casu tal não ocorreu.” 6. No que concerne à legitimidade da autora, veio a Relação confirmar a mesma, por entender que “V – Estando provado que na vigência do contrato de arrendamento, a autora adquiriu, por contrato (cfr. artigos 1316.º e 1317.º, alínea a) do CC), a propriedade plena do imóvel arrendado, passando a ser a única proprietária do mesmo, operou-se nessa parte do direito primitivamente pertencente ao seu ex-cônjuge a transmissão do direito, sucedendo-lhe a autora nos seus direitos e obrigações, nos termos do artigo 1057.º do CC, ocupando sozinha esse lado da relação obrigacional de arrendamento, e passando a ser a única senhoria. VI – Deste modo, quando a autora enviou a cada um dos réus uma carta comunicando a sua oposição à renovação automática do contrato, só ela tinha então legitimidade para praticar o ato que praticou visando a extinção do contrato de arrendamento em questão. VI – Aliás, mesmo que o casamento se mantivesse entre ambos os primitivos senhorios, tal não obstaria à legitimidade ativa da Recorrida, porquanto o consentimento de ambos os cônjuges apenas é imposto para o arrendamento de imóveis próprios ou comuns, mas já não para a denúncia ou resolução de contratos de arrendamento que tenham por objeto os referidos imóveis.” 7. No dia 11-10-2023, os RR apresentaram um requerimento que denominaram de Reclamação contra o indeferimento do recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça. 8. Este requerimento foi indeferido por decisão singular que foi confirmada por acórdão proferido em conferência, datado de 11-01-2024 e notificado nessa mesma data às partes, com o seguinte segmento decisório: “Pelo exposto, acordam os juízes desta conferência, na improcedência da reclamação, em confirmar o despacho da relatora que, atento o valor da causa, julgou não ser de convolar para requerimento de recurso de revista, mesmo excecional, a “reclamação” apresentada para o Supremo Tribunal de Justiça de um inexistente despacho de indeferimento do recurso, considerando-o um incidente impertinente e dilatório, e consequentemente, indeferindo-o.” 9. Certificou-se nos autos que este Acórdão transitou no dia 14-02-2024. * 3. Fundamentação de direito: 3.1. Da admissibilidade do recurso de revisão: O presente recurso extraordinário de revisão é interposto ao abrigo do disposto no artigo 696.º, alínea h) do CPC, que admite a revisão de decisão transitada em julgado que seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo 696. Aº do CPC. Nos termos conjugados dos artigos 696.º A e 697.º do CPC, a revisão da decisão, fundada na alínea h) do artigo 696.º, só é admissível se cumpridas cumulativamente as seguintes condições: a. Não terem decorrido mais de 60 dias desde que a decisão em que se funda a revisão se tornou definitiva ou transitou em julgado; b. O recorrente não ter contribuído, por ação ou omissão, para o vício que imputa à decisão; c. Terem sido esgotados todos os meios de impugnação da decisão aplicáveis, relativamente à matéria suscetível de originar responsabilidade do Estado; d. O recurso ter sido interposto também contra o Estado. Análise dos requisitos: a. Quanto ao primeiro requisito (prazo de 60 dias) O acórdão cuja revisão e consequente revogação se pretende foi proferido e notificado às partes no dia 28-09-2023, pelo que (não tendo sido objeto nem de reclamação, nem de recurso) transitou em julgado no dia 30 de outubro de 2023. O requerimento apresentado em 11-10-2023 denominado “Reclamação contra o indeferimento do recurso dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça”, não teve a virtualidade de impedir o referido trânsito porquanto foi o mesmo indeferido por decisão singular, confirmada por acórdão proferido em conferência, que o considerou “um incidente impertinente e dilatório.”. Mas, ainda que se entenda que o acórdão aqui em causa só transitou com o trânsito deste último acórdão, o que sucedeu em 17-02-2024, o presente recurso de revisão, interposto em 17-09-2024, foi apresentado muito além do prazo legal de 60 dias (artigo 697.º, n.º 2, alínea b) do CPC). Por conseguinte, o primeiro pressuposto não se verifica. b. Quanto ao segundo requisito (não contribuição para o vício) Os recorrentes não contestaram a ação principal de que este recurso é apenso, razão pela qual: - não suscitaram a alegada falta de assinaturas das comunicações e/ou inexistência de prova válida da oposição à renovação; - não alegaram a falta de comunicação da transmissão da posição de senhorio e/ou a ilegitimidade ativa da autora; - não invocaram qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito invocado pela autora. Assim, embora não se reconheça a existência de qualquer erro/vício, até porque os recorrentes fundaram o recurso precisamente nesses alegados erros que foram expressamente apreciados no acórdão cuja revogação se pretende, o certo é que, se os recorrentes tivessem contestado poderiam ter visto os factos que depois invocaram, apreciados, designadamente em sede de sentença. Não o tendo feito sibi imputet, isto é, são suas as consequências. Em conclusão, os próprios recorrentes contribuíram, por omissão, para os alegados vícios. O segundo pressuposto não se verifica. c. Quanto ao terceiro requisito (esgotamento dos meios impugnatórios): Invocando os recorrentes erro manifesto de direito, competia-lhes requerer a reforma do acórdão, nos termos do artigo 616.º, n.º 2, alínea a) ex vi do artigo 666.º do CPC. Conforme se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28-02-20231 (Proc. n.º 25639/18.4T8LSB.L2.S1-A): “IV – Para efeitos do disposto no artigo 696.º-A, al. b), do CPC, alegando-se manifesto erro de direito, deve considerar-se como meio impugnatório, nos casos em que não é admissível recurso ordinário, o incidente de arguição de nulidade ou o incidente de reforma.” Os recorrentes não requereram a reforma do acórdão pelo que não esgotaram os meios de impugnação disponíveis. Não se verifica, assim, o terceiro pressuposto. d. Quanto ao quarto requisito (o Estado como litisconsorte necessário2): Embora os Requerentes não tenham identificado o Estado no formulário do citius (artigo 6.º e 7.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto) nem no cabeçalho do requerimento de interposição do recurso, o Tribunal entendeu, ao abrigo do princípio da celeridade e cooperação, aproveitar o requerimento por os Recorrentes terem invocado, no parágrafo 8.º do mesmo que “O recurso de revisão (…) é também interposto contra o Estado Português.”. Assim, o quarto pressuposto é o único que se mostra verificado. * De todo o exposto resulta que por não se verificam os requisitos necessários nos termos dos artigos 696.º A e, n.º 1 , alíneas a) e b) e 697.º, n.º 2 alínea b) do CPC o recurso é inadmissível. Todavia, ainda que tais requisitos se verificassem sempre o recurso improcederia, por inexistirem quaisquer erros judiciários grosseiros, violação de lei expressa ou violação do direito fundamental do acesso à justiça, conforme iremos ver. * 3.2. Dos erros judiciários Os recorrentes fundam o presente recurso extraordinário de revisão no artigo 696.º, alínea h) do CPC, que prevê que “A decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando seja suscetível de originar a responsabilidade civil do Estado por danos emergentes do exercício da função jurisdicional, verificando-se o disposto no artigo seguinte.”. A responsabilidade civil do Estado por danos decorrentes de “erro judiciário” encontra-se prevista no artigo 13.º, n.º 1, da Lei 67/2007, de 31 de dezembro (responsabilidade por erro judiciário). Nos termos deste artigo, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes: 1. De decisões manifestamente inconstitucionais ou ilegais. Como se decidiu no Ac STJ de 24/2/20153 (proc. nº 2210/12) “(…) não basta a mera existência de inconstitucionalidade ou ilegalidade, devendo tratar-se de erro evidente, crasso e indesculpável de qualificação, subsunção ou aplicação de uma norma jurídica;”. 2. De decisões injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos pressupostos de facto; Como refere o Ministério Público, na resposta ao recurso, uma decisão “(…) será “manifestamente inconstitucional” e, por consequência, incorrerá em erro de direito grosseiro, ostensivo, se o tribunal aplicar norma já desaplicada por juízo de inconstitucionalidade, ou, quando muito, se sobre a questão o Tribunal Constitucional já houvesse pronunciado negativamente, o que não é o caso.” No Acórdão do STJ de 10/5/20164 (proc. nº 136/14), concretizou-se que “O STJ tem, repetidamente, qualificado como erro grosseiro o erro indesculpável, aquele em que não incorreria um julgador prudente, agindo com ponderação, conhecimento e competência. (…) o direito aplicado na decisão deve afrontar ostensivamente os princípios e a normas constitucionais, de tal forma que se possa afirmar que a decisão é, na sua “ratio decidendi”, contrária à Constituição.” Portanto, a lei postula o erro qualificado, grosseiro, ostensivo, implicando uma decisão proferida contra lei expressa. Ora, não é manifestamente o caso. O acórdão recorrido apreciou expressamente a ilegitimidade ativa, concluiu pela sua inexistência, fundamentou de forma clara a manutenção da decisão da 1.ª instância e explicou ainda que, devido à revelia operante, os recorrentes não podiam, em sede de recurso, invocar factos novos, que não alegaram na contestação, nem impugnar matéria de facto estabilizada por confissão ficta. Do mesmo modo, quanto ao facto de a comunicação da oposição à renovação não estar assinada: o Tribunal explicou que a matéria de facto estava fixada por confissão; o recurso não pode suprir a falta de contestação e não houve violação de prova legalmente tarifada. Aliás, importa referir que o STJ, no recente Acórdão de 03/05/20235 (Relatora Maria Olinda Garcia) decidiu que: “III- A exigência de que as comunicações do arrendatário destinadas a extinguir o contrato de arrendamento sejam dirigidas, por carta registada com aviso de receção, para o domicílio do locado constante do contrato de arrendamento (quando não exista convenção em sentido diverso), como decorre dos números 1 e 3 do art.9º da Lei n.6/2006, não constitui uma formalidade substancialmente constitutiva dos direitos extintivos. Constitui, sim, uma formalidade respeitante à segurança e certeza das comunicações entre as partes, destinada, na essência, a cumprir uma função probatória.” – posição totalmente compatível com o Acórdão em causa6. Por todo o exposto, não se verifica qualquer violação dos artigos 6.º da CEDH, 20.º da CRP, 568.º alínea d) do CPC, 9.º, n.º 1 da NRAU, artigo 364.º e 373.º do CC, nem qualquer erro, muito menos erro manifesto ou grosseiro, suscetível de fundamentar a responsabilidade do Estado e a revisão da decisão. O acórdão em causa aplicou o direito de forma fundamentada e coerente com o quadro legal aplicável. O recurso extraordinário de revisão é, além de inadmissível, totalmente improcedente. * As custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes, por terem ficado vencidos, nos termos do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil. * 3. Decisão: Pelo exposto, acordam os juízes que integram o coletivo desta 1.ª secção em julgar improcedente o recurso extraordinário de revisão. Custas pelos Recorrentes. • Registe e notifique. * Évora, 27 de novembro de 2025 Susana Ferrão da Costa Cabral (Relatora) Elisabete Valente (1.ª Adjunta) Ana Pessoa (2.ª Adjunta)
_________________________________ 1. https://juris.stj.pt/25639%2F18.4T8LSB.L2.S1-A/5eRAEdWZqZr9cpX0xJ98aLRN_Lk↩︎ 2. Neste sentido Cfr. José Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3.º , 3.ª edição, pág. 319.↩︎ 3. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/680e9e23adcf72ba80257df6005801d3?OpenDocument↩︎ 4. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/49A49FA72958E53F80257FC60032A8F3↩︎ 5. Acessível in https://iris.sysresearch.org/jurisprudencia/1286%2F21.8TELSB.L1.S1/yRLm6Jyqe59QShHpKn5_qBTGJ0Q?search=6pn5ySFka0O_0hq772o (Processo n.º 1286/21.8TELSB.L1.S1)↩︎ 6. Como se referiu no recente acórdão do STJ de 04-07-2024 (Processo n.º 17375/17.5T8LSB.L1-B.S1): III – Não há fundamento para rever uma decisão quando: 1) A solução que fundamentou o acórdão em revisão não se apresenta de todo desrazoável, não evidencia um desconhecimento do Direito ou uma falta de cuidado ao percorrer o “iter” decisório; 2) A decisão judicial examinou cuidada e aprofundadamente a questão e os elementos doutrinários e jurisprudenciais a ela atinentes e chegou a uma conclusão que não pode facilmente ser apodada de errada, e nem sequer se lhe pode assacar ter havido uma atitude negligente dos julgadores, e, ainda muito menos, de provir de uma negligência indesculpável e intolerável, pelo que nunca existiria actividade culposa relevante para o efeito de responsabilidade civil do Estado. https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/288a31fe0e11353080258b50005c7002?OpenDocument↩︎ |