Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
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| Relator: | CRISTINA DÁ MESQUITA | ||
| Descritores: | CUMPRIMENTO DO CONTRATO PRAZOS PAGAMENTO EM PRESTAÇÕES VENCIMENTO IMEDIATO DAS PRESTAÇÕES | ||
| Data do Acordão: | 11/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Sumário: | 1 – Quando a obrigação se encontra sujeita a um prazo, aquela é inexigível durante a pendência do prazo, ou seja, o credor não pode reclamar a realização da prestação porquanto o prazo concedido ao devedor é, justamente, o lapso de tempo que ele dispõe para cumprir. 2 – Num contrato de mútuo pagável em prestações, ocorrendo a falta de realização de uma delas, o credor pode exigir o cumprimento da totalidade das prestações, incluindo, portanto, daquelas cujo prazo ainda não se tenha vencido, atento o disposto no artigo 781.º do Código Civil, a menos que as partes haja convencionado coisa diversa. 3 – Porém, não decorre do disposto no preceito legal em apreço que o vencimento da totalidade da dívida resulta automaticamente da falta de pagamento de uma ou mais prestações. Caso o credor pretenda provocar o vencimento das prestações vincendas, deverá interpelar os devedores nos termos do disposto no artigo 805.º, n.º 1, do Código Civil. 4 – O exercício, pelo credor, deste benefício que a lei lhe concede - exigir o cumprimento da totalidade dívida quando o devedor incumpra alguma das prestações – não tem a virtualidade de alterar o prazo de prescrição aplicável, mantendo-se os pressupostos de aplicação do prazo especial de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil. 5 – No caso em que a citação da embargante numa ação executiva que seguiu a forma sumária, onde a citação foi subsequente à realização da penhora, não há que fazer atuar o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do CPC. (Sumário da Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelação n.º 2794/22.3T8STB-A.E2 (2.ª Secção) Relatora: Cristina Dá Mesquita Adjuntos: Mário João Canelas Brás Isabel de Matos Peixoto Imaginário Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Évora: I. RELATÓRIO I.1. (…), STC, SA, embargada nos autos de execução que moveu contra(…) e (…), interpôs recurso da sentença proferida pelo Juízo de Execução de Setúbal, Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, que julgou totalmente procedentes os embargos de executado intentados por (…) e, consequentemente, determinou a extinção da execução relativamente à executada. A exequente (…), SA reclama a satisfação do valor global de € 49.890,59 (composto por: € 33.756,14 a título de capital, € 13.134,46 a título de juros calculados à taxa de 6,432% e € 1.450,08 a título de despesas), acrescido de juros de mora vincendos contados desde a data da instauração da execução e até integral e efetivo pagamento, calculados à taxa de 6,432%. No requerimento executivo a (…), SA alegou o seguinte: a Caixa Económica Montepio Geral cedeu-lhe o crédito (exequendo) que detinha sobre os executados, bem como todas as garantias acessórias a ele inerentes; esse crédito provem de um contrato de mútuo com hipoteca outorgado no dia 22 de março de 2001 entre a Caixa Económica Montepio Geral e o executado (…), no montante de 28.000.000$00 (com o contravalor de € 139.663,41), garantido por hipoteca constituída sobre a fração autónoma designada pela letra “A”, correspondente à garagem, na cave, com o n.º 1, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º (…), da freguesia do (…), e inscrito na matriz predial sob o n.º (…); no referido contrato de mútuo ficou acordado que os mutuários efetuariam o pagamento do valor mutuado, no prazo de 30 anos, através do pagamento de 360 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira um mês após a data da escritura pública e as restantes em igual dia dos meses seguinte; a partir da data de 22/08/2010 o executado faltou ao pagamento das prestações contratadas e os executados apesar de instados ao pagamento, não o fizeram. Citada para a execução, a executada deduziu oposição à execução, em cuja petição inicial alegou que já foi executada pela (…), STC, SA, pela mesma dívida, no âmbito dos autos que correram termos sob o n.º 1377/18.7T8STB, no Juízo de Execução de Setúbal, Juiz 1, verificando-se a exceção de caso julgado, tendo os embargos sido procedentes naquela execução. Alegou, ainda, a exceção de ilegitimidade da exequente, a nulidade da sua citação e a prescrição da dívida exequenda. A executada impugnou também a quantia peticionada a título de capital, alegando que o contrato foi cumprido durante 113 prestações o que perfaz a quantia de 17.757303$00 (com o contravalor de € 88.573,54) e que a fração autónoma designada pela letra G, adquirida com recurso ao contrato de mútuo em causa nos autos foi penhorada e adjudicada à Caixa Económica Montepio Geral pelo valor de € 105.000,00, no âmbito do processo n.º 5079/14.5T8CBR-C, concluindo que nada deve à embargante. Admitidos liminarmente os embargos de executado foi a exequente notificada para o exercício do contraditório, alegando o seguinte: no que respeita à exceção de caso julgado, no processo n.º 1377/18.7T8SNT o tribunal entendeu que a (...) não fez prova da concretização da resolução dos contratos, julgando por isso a execução extinta, razão pela qual ficaram prejudicadas todas as questões ali invocadas, nomeadamente a da exceção de prescrição e que, posteriormente, em 2021, a exequente enviou cartas de interpelação e de resolução à embargante que não pôs cobro ao incumprimento, razão pela qual a embargada pode lançar mão de nova execução; quanto à alegada prescrição, a primitiva credora nunca manifestou perda de interesse nas prestações e não procedeu à resolução do contrato, mantendo o plano de pagamentos acordado e que foi a embargada/cessionária do crédito quem remeteu carta de resolução pelo incumprimento definitivo, aduzindo que o que está em causa é o pagamento de uma única obrigação face ao incumprimento prestacional e não o pagamento fracionado do valor em dívida, pelo que não é aplicável o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º do Código Civil, mas sim o prazo ordinário de 20 anos; quanto à exceção de ilegitimidade os documentos juntos aos autos comprovam a sua legitimidade para a interposição da ação e a invocada nulidade de citação carece de total ausência de fundamento. Foi dispensada a realização de audiência prévia. O julgador a quo proferiu despacho saneador-sentença no qual julgou improcedentes as exceções de caso julgado e de ilegitimidade da exequente, mas julgou procedente a exceção de prescrição do direito de crédito invocado pela exequente e, em conformidade, declarou extinta a instância relativamente à embargante/executada. A embargante recorreu da sentença na parte respeitante ao conhecimento e decisão da exceção de prescrição, alegando a interrupção do prazo de prescrição e a transformação do prazo de prescrição de curta duração para o prazo ordinário de 20 anos prevista no artigo 311.º do Código Civil, o que decorre de factualidade que se mostra provada pela certidão junta com o requerimento que apresentou junto do julgador a quo na data de 27 de março de 2023, documento que o julgador não valorou. Mediante acórdão prolatado em 11 de abril de 2024 o Tribunal da Relação considerou que tendo a decisão recorrida sido emitida sem que previamente tivesse havido qualquer pronúncia sobre o requerimento de 27 de março de 2023, na qual eram alegadas causas de interrupção da prescrição e uma sentença transitada em julgado que alegadamente teria reconhecido o crédito exequendo, «transformando a prescrição de curto prazo numa prescrição sujeita ao prazo ordinário de 20 anos», estava verificada uma nulidade processual suscetível de influir no julgamento da causa e, consequentemente, anulou a decisão recorrida e ordenou a remessa do processo à primeira instância para que esta se pronunciasse sobre o requerimento apresentado pela exequente em 27/0372023. O que veio a suceder, tendo sido proferida decisão pelo tribunal a quo que admitiu o requerimento da embargada de 27-03-2023, mas determinou «Não escrito o ponto 1, por não se tratar de facto superveniente e a não admissão da certidão junta, por visar provar um facto cuja alegação não é admitida». A referida decisão foi objeto de recurso de apelação que veio a ser julgada improcedente, por acórdão do Tribunal da Relação de Évora, já transitado em julgado, após o que veio a ser proferida a sentença objeto do presente recurso. I.2. As alegações do presente recurso culminam com as seguintes conclusões: «A. O Tribunal a quo considera verificada a prescrição da dívida exequenda, uma vez que entende ser aplicável o prazo de prescrição dos 5 anos, a contar da data do início do incumprimento, sobre a totalidade da dívida. B. Sucede que, em 15/02/2018, foi instaurada execução para cobrança do crédito sub judice, que correu termos sob o n.º de processo 1377/18.7T8STB, no Juiz 1 do Juízo de Execução de Setúbal, no âmbito da qual a executada deduziu embargos, com sentença proferida em 11/02/2020, e acórdão transitado em julgado em 28/10/2020, conforme documentação junta aos autos – requerimento da embargada e embargante, de 22/11/2022 e 18/01/2023, respetivamente – factos que deveriam ter sido considerados como provados. C. Assim, não poderia o Tribunal a quo considerar a totalidade da dívida prescrita, mas apenas parte das prestações vencidas há mais de cinco anos, a contar de 20/02/2018 (5 dias após a entrada da execução 1377/18.7T8STB), ou seja, as vencidas antes de 20/02/2013. D. Conforme resulta dos autos, na execução 1377/18.7T8STB, foi proferido acórdão a confirmar a decisão do Tribunal de 1ª instância que julgou os embargos procedentes por falta de interpelação/resolução do contrato, e assim, falta de título para peticionar a dívida totalmente vencida – facto que deveria ter sido considerado como provado. E. Tendo sido a embargada/cessionária do crédito quem remeteu carta de interpelação / resolução para vencimento da dívida, recebida pela executada em 24/11/2020 – facto dado como provado. F. Refere a sentença do Tribunal a quo que “Consta do requerimento executivo que as prestações acordadas deixaram de ser pagas a partir do dia 22-08-2010. Assim, a partir desta data venceram-se todas as prestações acordadas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, uma vez que não foi acordado regime diferente do referido neste preceito.” E ainda: “De tal resulta que a exequente a partir do dia 23.08.2010, passou a poder exercer o seu direito e consequentemente, iniciou-se o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil. Pelo que o seu crédito deverá considerar-se prescrito desde o dia 23.08.2015”. G. Ora, o Tribunal parte do pressuposto errado de que toda a dívida exequenda era exigível à data de 2010. H. Sucede que, a interpelação para o vencimento da dívida apenas ocorreu após a decisão dos embargos na execução 1377/18.7T8STB, que os julgou procedentes precisamente por ter considerado que aquele vencimento ainda não tinha ocorrido. I. O direito da Exequente apenas poderia ser exercido após o vencimento de cada uma das prestações, ocorrendo o incumprimento, relativamente a cada uma delas, em momentos sucessivos distintos, razão pela qual apenas poderiam considerar-se prescritas as prestações vencidas antes de 20/02/2013. J. Refere a sentença do processo 1377/18.7T8STB: “Desta cláusula resulta inequivocamente que, perante a falta de pagamento das prestações, a exequente estaria em condições de considerar imediatamente vencido o empréstimo. Mas será que do teor da referida cláusula resulta que a obrigação é exigível sem necessidade de interpelação prévia à instauração da execução, nomeadamente através de carta comunicando e reclamando o pagamento do montante em dívida? Pensamos que não. Desde logo, a cláusula acima citada não pode ser considerada como uma cláusula que estabeleça um vencimento automático da dívida, sem necessidade de interpelação (o que as partes poderiam convencionar, de harmonia com o princípio da autonomia da vontade privada), pois o que ali se prevê é apenas a exigibilidade imediata da totalidade da dívida, sem que isso signifique que não é necessária a interpelação”. E. “pelo que consideramos que a interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva, não se mostra efectuada e teria de ser antecedente à instauração da execução.” K. De facto, o prazo de prescrição de 5 anos não pode ser aplicado à globalidade das prestações do contrato em causa, encontrando-se interrompidos os prazos de prescrição, relativamente a cada uma das prestações vencidas. L. Nestes termos, é entendimento da Exequente de que a quantia exequenda não se encontra totalmente prescrita, mas apenas as prestações vencidas antes de 20/02/2013. Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, requer-se a V. Exas. que seja concedido provimento ao presente recurso, revogando a decisão recorrida substituindo-a por outra, que julgue improcedente, por não provada, a prescrição da totalidade da dívida exequenda arguida pela Embargante, com todas as consequências legais. Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente Recurso ser julgado procedente, fazendo assim uma vez mais, a costumada JUSTIÇA!» I.3. Não houve resposta alegações de recurso. O recurso foi recebido pelo tribunal a quo. Corridos os vistos em conformidade com o disposto no artigo 657.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, cumpre decidir. II. FUNDAMENTAÇÃO II.1. As conclusões das alegações de recurso (cfr. supra I.2) delimitam o respetivo objeto de acordo com o disposto nas disposições conjugadas dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2 e artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC), não havendo lugar à apreciação de questões cuja análise se torne irrelevante por força do tratamento empreendido no acórdão (artigos 608.º, n.º 2, e 663.º, n.º 2, do CPC). II.2. A questão que cumpre avaliar é se o crédito exequendo se encontra prescrito na sua totalidade como julgou o tribunal recorrido. II.3. FACTOS II.3.1. Factos provados O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte factualidade: 1) Consta do requerimento executivo de que os presentes autos são apenso que por contrato datado de 30-10-2015, a Caixa Económica Montepio Geral, cedeu os créditos que detinha sobre os Executados à (…), STC, S.A., todas as garantias acessórias a ele inerentes, conforme Contrato de Cessão de Créditos, que ora se junta e que se dá por reproduzido para todos os efeitos legais. 2) A transmissão de créditos foi efetuada no âmbito de uma operação de emissão de obrigações titularizadas por parte da (…), STC, S.A., sujeita ao regime jurídico da titularização de créditos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro (tal como sucessivamente alterado até à presente data), com a designação formal (…) SEC. 1, e à qual foi atribuído o código alfanumérico (…), pela CMVM-Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (tudo de acordo com o citado regime jurídico do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de novembro, e artigo 4.º do Regulamento da CMVM n.º 12/2002). 3) No dia 22 de março de 2001, no exercício da sua atividade creditícia, a “Caixa Económica Montepio Geral”, celebrou com o Executado (…), com o NIF (…), um contrato de mútuo com hipoteca, no montante de 28.000.000$00 (vinte e oito milhões de escudos), contravalor de € 139.663,41 (cento e trinta e nove mil e seiscentos e sessenta e três euros e quarenta e um cêntimos), por escritura pública, conforme documento 2 junto com o requerimento executivo que se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais. 4) O referido mútuo encontra-se garantido por hipoteca constituída sobre a fração “A”, correspondente à Garagem na Cave, com o n.º 1, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal, sito na (…), lote 13, freguesia do (…), do concelho de Setúbal, descrito na 2ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal sob o n.º (…), da aludida freguesia, e inscrito na respetiva matriz predial sob o n.º (…), da freguesia do (…). 5) Na escritura referida em 3) o segundo outorgante (executado) foi identificado da seguinte forma: “(…) intervém por si e na qualidade de procurador de sua mulher, com a qual, segundo declarou, é casado sob o regime da comunhão de adquiridos, com ele habitualmente residente, (…), natural da Checoslováquia, com o número fiscal de contribuinte (…), no uso dos poderes que lhe foram conferidos na procuração, que arquivo”. 6) A cláusula 10ª, 1 do documento complementar da escritura tem a seguinte redação: “Cláusula 10ª (Direito de resolução) 1. A CEMG reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado e, ainda, nos casos de falta de cumprimento pela parte devedora de qualquer das obrigações assumidas neste contrato. (…)”. 7) A hipoteca acima mencionada encontra-se registada através da Ap. (…), de (…), até ao montante máximo 36.763.048$00 (trinta e seis milhões, setecentos e sessenta e três mil e quarenta e oito escudos), contravalor de € 183.373,31 (cento e oitenta e três mil e trezentos e setenta e três euros e trinta e um cêntimo), conforme doc. n.º 3 junto com o requerimento executivo cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido. 8) No contrato de mútuo em causa, ficou convencionado que o pagamento do mútuo seria efetuado em 30 (trinta) anos, através do pagamento de 360 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira um mês após a data da escritura e as restantes em igual dia dos meses seguintes, conforme documento complementar ao contrato. 9) Sucede que, apesar de instado para o respetivo pagamento, o Executado faltou ao pagamento das prestações contratadas e devidas ao Banco mutuante, não tendo pago as prestações que se venceram a partir de 22-08-2010. 10) Os executados apesar de instados para o respetivo pagamento, não o efetuaram. 11) A execução com o n.º 1377/18.7T8SNT que correu termos no Juiz 1 deste Juízo de Execução deu entrada em juízo no dia 22-02-2018. 12) A embargante foi citada para os termos da execução no dia 17-10-2018 (aviso de receção junto ao processo executivo no dia 23-10-2018, ref.ª 3912829). 13) A execução de que estes autos são apenso deu entrada em 30-04-2022 e a embargante foi citada para execução nos autos principais, após penhora, no dia 13-05-2022. 14) A embargada remeteu carta registada com aviso de receção recebida pela executada em 24-11-2020 de interpelação para pagamento e de resolução do contrato no prazo de 30 dias. 15) A exequente/embargada jamais alegou em sede de contestação aos embargos de executado factualidade relativa à interrupção da prescrição do crédito por o mesmo já ter sido anteriormente reclamado no processo executivo n.º 5079/14.5T8CBR-C. II.4. Apreciação do objeto do recurso O presente recurso tem por objeto o despacho saneador-sentença proferido pelo tribunal de 1ª instância na parte em que julgou prescrita a totalidade da quantia exequenda relativa a um contrato de mútuo em que ficou convencionado o pagamento pelos mutuários do valor mutuado, no prazo de 30 anos, através do pagamento de 360 prestações mensais e sucessivas, e, consequentemente, declarou extinta a instância executiva relativamente à embargante/executada. Na decisão sob recurso o tribunal a quo considerou que no contrato de mútuo com hipoteca dado à execução existem dois tipos de prestações, a saber, juros e capital amortizável com juros, a pagar conjuntamente em prestações periódicas, pelo que a cada prestação se aplica o prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alíneas d) e e), do Código Civil e que estando assente que as prestações deixaram de ser pagas a partir de 22 de agosto de 2010 e a presente ação executiva foi instaurada em 30.04.2022, sem que tivesse ocorrido qualquer facto interruptivo ou suspensivo daquele prazo, à data da presente execução o prazo de cinco anos já se mostrava há muito decorrido. Discorda a apelante de tal decisão, sustentando que o tribunal recorrido parte do pressuposto errado de que toda a dívida exequenda era exigível à data de 2010, quando o direito da exequente apenas poderia ser exercido após o vencimento de cada uma das prestações, ocorrendo o incumprimento relativamente a cada uma delas em momentos sucessivos distintos e que a interpelação para o vencimento da dívida apenas ocorreu após a decisão dos embargos na execução n.º 1377/18.7T8STB. Conclui dizendo que a quantia exequenda não se encontra totalmente prescrita, mas apenas as prestações vencidas antes de 20.02.2013. Vejamos. Na presente execução foi apresentado como título executivo um contrato de mútuo com hipoteca outorgado em 22 de março de 2001, entre a Caixa Económica Montepio Geral e o executado (…), o qual interveio no referido contrato por si e na qualidade de procurador da sua mulher, a ora embargante. Resulta da factualidade julgada assente que nos termos convencionados o Banco outorgante entregou aos executados o montante de vinte e oito milhões de escudos (a que corresponde € 139.663,41), ficando estes obrigados a pagar o referido empréstimo, no prazo de 30 anos, em 360 prestações mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira um mês após a data da escritura e as restantes em igual dia dos meses seguintes. Também se encontra provado que os mutuários deixaram de pagar as prestações acordadas a partir de 22/08/2010 e que apesar de instados para o respetivo pagamento, não o efetuaram. Não vem posto em causa no presente recurso que nos termos acordados no contrato de mútuo com hipoteca acima referido ficou convencionado o pagamento fracionado do montante total em dívida e que este incluía o capital mutuado acrescido de juros (remuneratórios). Estamos, assim, perante uma única obrigação de montante previamente determinado, cujo pagamento as partes acordaram fracionar em 360 prestações mensais e sucessivas de igual valor unitário, envolvendo cada uma das prestações o pagamento fracionado do capital, acrescido, designadamente, dos respetivos juros. No presente recurso (já) não vem posto em causa que o prazo de prescrição aplicável a cada uma das prestações é o previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, de acordo com o qual estão sujeitos a uma prescrição de 5 anos as quotas de amortização do capital pagáveis com juros. Explicando o regime consagrado na referida alínea e) do artigo 310.º do Código Civil, escreveu-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29.09.2016[1] o seguinte: «no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fracionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fracionado em prestações. Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado artigo 310.º, já que – por explícita opção legislativa – esta situação foi equiparada à das típicas prestações periódicas renováveis, ao considerar a citada alínea e) que a amortização fracionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição. Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelar ou fracionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para a amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido artigo 310.º». Quando a obrigação se encontra sujeita a um prazo, como é o caso, aquela é inexigível durante a pendência do prazo, ou seja, o credor não pode reclamar a realização da prestação porquanto o prazo concedido ao devedor é, justamente, o lapso de tempo que ele dispõe para cumprir. No entanto, durante aquele lapso de tempo podem sobrevir circunstâncias que conduzam à perda, pelo devedor, do benefício do prazo. Estando nós perante um contrato de mútuo pagável em prestações, cumpre chamar à colação o artigo 781.º do Código Civil, de acordo com o qual quando a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas (a menos que as partes haja convencionado coisa diversa). Dito de outro modo, com a falta de pagamento de uma das prestações de uma dívida pagável em prestações, o credor pode exigir o cumprimento da totalidade das prestações, incluindo, portanto, daquelas cujo prazo ainda não se tenha vencido. Porém, não decorre do disposto no preceito legal em apreço que o vencimento da totalidade da dívida resulta automaticamente da falta de pagamento de uma ou mais prestações. Com efeito, a falta de pagamento de uma das prestações leva à constituição de três direitos alternativos na esfera jurídica do credor, a saber: a) reclamar o pagamento das prestações vencidas e não pagas até ao termo do contrato; b) reclamar o pagamento das prestações vencidas e não pagas até ao momento em que provoca o vencimento antecipado das restantes prestações, reclamando assim a totalidade da dívida de capital que nessa altura ainda subsiste; c) resolver o contrato, reclamando uma indemnização pelo não cumprimento. Caso pretenda seguir a segunda via, o credor deverá interpelar os devedores nos termos do disposto no artigo 805.º/1, do Código Civil[2]. Interpelação essa que mais não é que a manifestação de vontade do credor de aproveitar o benefício que a lei lhe concede[3]. Note-se que o exercício, pelo credor, deste benefício que a lei lhe concede – exigir o cumprimento da totalidade dívida quando o devedor incumpra alguma das prestações – não tem a virtualidade de alterar o prazo de prescrição aplicável, mantendo-se os pressupostos de aplicação do prazo especial de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, conforme se decidiu no AUJ n.º 6/2022 de 30.06.2022 (publicado no Diário da República n.º 184/2022, Série I, de 22-09-2022): «I – No caso de quotas de amortização do capital mutuado pagável com juros, a prescrição opera no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310.º , alínea e), do Código Civil, em relação ao vencimento de cada prestação. II – Ocorrendo o seu vencimento antecipado, designadamente nos termos do artigo 781.º daquele mesmo diploma, o prazo de prescrição mantém-se, incidindo o seu a quo na data desse vencimento e em relação a todas as quotas assim vencidas». Como se disse, a apelante não põe em causa que o prazo de prescrição aplicável in casu é o prazo de cinco anos, mas sustenta que a dívida exequenda não se mostra prescrita na sua totalidade, porque a totalidade da dívida exequenda não era exigível à data de 2010 e que ocorrerem interrupções daquele prazo de prescrição de cinco anos relativamente a cada uma das prestações vencidas. Quid juris? Já se assinalou supra que foi convencionado um prazo de trinta anos para o pagamento do mútuo outorgado em 22 de março de 2010, pagamento que foi fracionado em 360 prestações mensais sucessivas, que englobavam, cada uma delas, capital e juros remuneratórios. Decorre da certidão judicial junta aos autos relativa ao proc. n.º 1377/18.7T8SNT a seguinte factualidade: - A ação executiva sob a forma sumária que correu termos sob o n.º 1377/18.7T8SNT, no Juiz 1 do Juízo de Execução de Setúbal, foi proposta para cobrança do crédito em causa na presente execução; - Na referida ação executiva foi alegado que os executados deixaram de cumprir o contrato de mútuo com hipoteca em 22/08/2010 e que todas as obrigações se venceram na sua totalidade nos termos da cláusula 10.ª do documento complementar e dos artigos 781.º e 817.º, ambos do Código Civil. - No âmbito daquela ação executiva a aqui executada deduziu embargos de executada, tendo sido proferida sentença que julgou os embargos procedentes e declarou a execução extinta relativamente à executada. - Interposto recurso daquela sentença, por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, transitado em julgado em 28/10/2020, foi julgada improcedente a apelação e mantida a sentença recorrida, julgando os embargos procedentes e extinta a instância executiva, tendo sido ali julgado que a citação dos executados para aquela execução não valeu como interpelação para pagamento da quantia exequenda, que abrangia prestações vencidas e vincendas. A autenticidade da certidão supra referida não foi posta em causa, pelo que pode e deve ser considerada por este tribunal de segunda instância à luz do disposto no artigo 607.º, n.º 4, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, ambos do CPC. De acordo com o disposto no artigo 323.º, n.º 1, do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e ainda que o tribunal seja incompetente. Por sua vez dispõe o artigo 327.º do Código Civil, epigrafado Duração da interrupção, que: «1. Se a interrupção da prescrição resultar de citação, notificação ou ato equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo. 2. Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o ato interruptivo». Com a citação da ora embargante naqueles autos de execução n.º 1377/18.7T8SNT interrompeu-se o prazo de prescrição que estava a correr. Diz a apelante que se deve considerar a executada citada cinco dias após a entrada em juízo do requerimento executivo, em conformidade com o disposto no artigo 323.º, n.º 2, do CPC. Julgamos, porém, que só assim seria se a execução nº 1377/18.7T8SNT se tivesse iniciado com a citação dos executados. O que não sucedeu, porque se tratou de uma execução sumária, tendo a execução avançado com a penhora da fração autónoma hipotecada com a subsequente citação dos executados. Donde, a data de citação da executada naqueles autos de execução a considerar é a de 17/10/2018. Está provado que os executados deixaram de pagar as prestações do mútuo em 23/08/2010. A partir daquela data a exequente passou a poder exercer o seu direito de crédito, iniciando-se o prazo de prescrição de cinco anos (artigo 306.º/1, do Código Civil). Ou seja, em face do incumprimento do contrato de mútuo por parte dos mutuários, o credor podia reclamar o pagamento das prestações vencidas e não pagas até ao momento em que provoca o vencimento antecipado das restantes prestações, bem como as vincendas, reclamando assim a totalidade da dívida de capital que nessa altura ainda subsiste. O que fez nos autos de execução n.º 1377/18.7T8SNT; todavia, mediante acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no âmbito daqueles autos foi considerado que a citação da executada naqueles autos de execução não valeu como interpelação para os efeitos previstos no artigo 781.º do Código Civil, isto é, para provocar o vencimento imediato da totalidade da dívida. Mas a citação da executada naqueles autos de execução – que, como se disse, ocorreu no dia 17/10/2018 – provocou a interrupção do prazo de prescrição que estava a correr relativamente às prestações do contrato de mútuo não pagas e que se haviam vencido até àquela data de 17/10/2018. E, assim sendo, na data de 17/10/2018 e considerando o prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do CC, já estavam prescritas as prestações do mútuo que se haviam vencido até cinco anos antes, isto é, até 17/10/2013. Nos autos de execução de que estes autos são apenso, a exequente/apelante reclamou o pagamento da totalidade do capital mutuado, invocando o disposto no artigo 781.º do Código Civil. Está provado que na data de 24/11/2020 a exequente interpelou extrajudicialmente a executada/embargante para o pagamento da totalidade do capital mutuado, ou seja, reclamou o pagamento das prestações vencidas até àquele momento bem como as que se venceriam até 22 de março de 2032 (considerando o prazo de 30 anos fixado contratualmente para o pagamento do mútuo). A embargante foi citada para a execução de que estes autos são apenso na data de 13/05/2022, pelo que considerando o prazo de prescrição de cinco anos não se mostram prescritas as prestações do mútuo que se venceram com aquela interpelação (ou seja, as prestações que se venceriam até 22 de março de 2032). Relativamente às prestações não pagas que se haviam vencido antes daquela interpelação, considerando a data de citação da executada estariam prescritas as que se venceram entre 17/10/2013 e até 13/05/2017, não fora o facto de a citação da executada nos autos de execução n.º 1377/18.7T8SNT ter gerado a interrupção do respetivo prazo de prescrição e de um novo prazo de prescrição de cinco anos ter começado a correr após o trânsito em julgado do acórdão do Tribunal da Relação de Évora proferido no âmbito da execução n.º 1377/18.7T8SNT, ocorrido em 28/10/2020. Pelo que à data em que a executada foi citada para a execução de que estes autos constituem um apenso, em 13/05/2022, aquelas prestações também não se mostravam prescritas. Resulta assim de todo o exposto que relativamente à dívida exequenda apenas estão prescritas as prestações que se venceram antes da data de 17.02.2013. Consequentemente, a instância executiva contra a embargante e ora apelada deve prosseguir para satisfação do remanescente da quantia exequenda, caso não procedam as demais questões suscitadas pela embargante /executada em sede de oposição à execução e que o julgador a quo não conheceu por ter julgado as mesmas prejudicadas pela procedência da exceção de prescrição e consequente extinção da instância executiva. Ou seja, procedendo a apelação, como deve proceder, é revogada a sentença recorrida na parte em que julgou a dívida exequenda totalmente prescrita, ordenando-se o prosseguimento da instância executiva contra a apelada/embargante quanto às prestações vencidas desde 17 de fevereiro de 2013, exclusive, caso não venham a ser julgadas procedentes (pelo julgador de primeira instância) as demais questões suscitadas pela embargante /executada em sede de oposição à execução e que o julgador a quo não conheceu por ter julgado as mesmas prejudicadas pela procedência da exceção de prescrição e consequente extinção da instância executiva. Sumário: (…) III. DECISÃO: Em face do exposto, acordam em julgar a apelação procedente e, em conformidade: 1 – Revogam a sentença recorrida na parte em que julgou totalmente prescrita a dívida exequenda. 2 – Ordenam o prosseguimento da instância, no que à embargante (…) respeita, quanto às prestações do mútuo não pagas e vencidas desde 17 de fevereiro de 2013, caso não venham a ser julgadas procedentes as demais questões suscitadas pela embargante /executada em sede de oposição à execução e que o julgador a quo não conheceu por ter julgado as mesmas prejudicadas pela procedência da exceção de prescrição e consequente extinção da instância executiva. As custas na presente instância recursiva são da responsabilidade da embargante porque foi quem tirou proveito do recurso (artigo 527.º/1, última parte, do CPC), sendo que nenhum pagamento é devido a esse título porque a apelante já procedeu ao pagamento da taxa de justiça devida pelo impulso processual e não há lugar ao pagamento de custas de parte e de encargos. Notifique. DN. Évora, 27 de novembro de 2025 Cristina Dá Mesquita Mário João Canelas Brás Isabel de Matos Peixoto Imaginário ____________________________________________ [1] Processo n.º 201/13.1TBMIR.C1.S1, relator Lopes do Rego, consultável em www.dgsi.pt. [2] Vide acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-09-2020. [3] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. II, 4.ª Edição, Almedina, Coimbra, págs. 51 e seguintes. |