Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
276/16.1PBTMR.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
SUPRIMENTO DA NULIDADE
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
A falta de apreciação da eventual aplicação do regime penal especial para os jovens acarreta a nulidade da sentença/acórdão, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do art.º 379º do Código de Processo Penal.

Se os autos dispõem de todos os elementos necessários a poder decidir sobre a aplicação ou não ao arguido do regime penal dos jovens delinquentes, pode a nulidade ser suprida pelo Tribunal da Relação, nos termos previstos no artigo 379º, n.º 2, do CPP.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Évora:

1 - RELATÓRIO
1.1. Nestes autos de processo comum n.º 276/16.1PBTMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Santarém, Juízo Central Criminal de Santarém, Juiz 2, foi submetido a julgamento, com intervenção do tribunal coletivo, o arguido (...), melhor identificado nos autos, acusado pela prática, em autoria material e em concurso efetivo, de: dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143º, n.º 1 e 145º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132º, n.º 2, alíneas e) e h), do Código Penal; dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, p e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22º, alíneas a) a c), 23º, 143º, n.º 1 e 145º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132º, n.º 2, alíneas e) e h), todos do Código; quatro crimes de coação, na forma consumada, p. e p. pelo artigo 154º n.º 1, do Código Penal; um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291º n.º 1, alínea b), do Código Penal e de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro.
1.2. Realizado o julgamento, na ausência do arguido, ao abrigo do disposto no artigo 333º, n.º 2, do CPP, foi proferido acórdão, em 27/01/2020, depositado nessa mesma data, com o seguinte dispositivo:
«a) Absolver (...) da prática de quatro crimes de coação, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 154.º n.º 1, do Código Penal;
b) Condenar (...) pela prática, em autoria material e em concurso real e efectivo, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal, na pena de 14 (catorze) meses de prisão; de um crime de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão; de um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, alíneas a) a c), 23.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, alíneas a) a c), 23.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão; de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291 n.º1, alínea b), do Código Penal, na pena de 20 (vinte) meses de prisão; e de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, nº. 1 e 2, do Decreto-Lei nº. 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão;
c) Condenar (...) a pagar as custas criminais, fixando em 3UC a taxa de justiça, respectivamente;
(…).»
1.3. Inconformado com o assim decidido, recorreu o arguido para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação de recurso apresentada as seguintes conclusões:
«1. Em cúmulo jurídico, decidiu o Tribunal a quo condenar o ora recorrente na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
2. Ora, no entender do Recorrente, os factos contantes dos pontos 4 a 32 dos factos deviam constar dos “Factos não provados”, pelo menos, no que tange à autoria/prática pelo ora Recorrente. II - PROVAS QUE IMPÕEM DECISÃO DIVERSA DA RECORRIDA (art.º 412º, nº 3, al. b), do CPP): - Imagens de videovigilância recolhidas junto da discoteca (...); - Declarações das testemunhas (...) (que confirmou que o arguido adquiriu o veículo com a matrícula (...)), (...) (que asseverou que o arguido era o condutor habitual do mesmo veículo) e (...) (que é amigo do arguido e viu-o indistintamente a exercer a condução do veículo no momento da prática dos factos) – entre parenteses encontra-se a síntese efetuada no acórdão recorrido.
3. O ora recorrente, não se conforma de modo algum com a condenação de que foi alvo, no âmbito dos presentes autos, entendendo que, atenta a fundamentação constante do acórdão, mormente, a síntese das declarações prestadas pelas testemunhas, não foi produzida prova de que arguido haja sido o autor dos factos elos quais foi condenado.
4. Quanto à dinâmica dos factos o arguido não irá recorrer, pois entende que a mesma resulta da prova carreada para os autos, quer da prova testemunhal quer das imagens das câmaras de videovigilância.
5. Contudo, entende que a sua autoria não resulta provada, não tendo as testemunhas indicadas na fundamentação do acórdão recorrido logrado identificar o arguido como autor dos factos.
6. Refere o Tribunal a quo em síntese que: (...) (que confirmou que o arguido adquiriu o veículo com a matrícula (...), (...) (que asseverou que o arguido era o condutor habitual do mesmo veículo) e (...) (que é amigo do arguido e viu-o indistintamente a exercer a condução do veículo no momento da prática dos factos), não resta a mínima dúvida de que (…) foi o autor da prática dos actos ilícitos em presença.
7. Depois, o Tribunal a quo, conjugou estes depoimentos com os demais elementos de prova para valorar a forma e a dinâmica com que os factos ocorreram
8. Sucede que, o recorrente entende que embora os factos hajam resultado como provados, não resulta da prova produzida e indicada no acórdão recorrido, que foi o arguido o autor dos mesmos.
9. Importa desde já ressalvar, que das imagens de vigilância captadas não é possível visualizar o rosto de nenhum dos ocupantes do veículo, sendo apenas possível verificar que no interior do veículo se encontravam dois homens.
10. Mais acresce que, foi possível visualizar que o arguido abandonou o local acompanhado de dois indivíduos, sendo que um deles regressou, chegando a ser identificado nos autos como (...) com alcunha de (…), o qual foi inclusive ouvido na qualidade de testemunha durante o inquérito.
11. O outro individuo que acompanhava o arguido, não foi identificado em momento algum do processo, nem em sede de inquérito nem de julgamento.
12. Vejamos então, os depoimentos prestados pelas mencionadas testemunhas, (…), (…) e Agente (…), apenas no tocante à identificação do arguido (ou não) autor dos factos.
13. Analisado o segmento que aqui nos interessa do depoimento da testemunha (...), verificamos que a mesma, afirmou perentoriamente não conhecer o arguido, não se compreendendo, porque motivo se afirma no acórdão recorrido afirma inclusive que a testemunha e o arguido eram amigos.
14. Mais, a testemunha referiu-se sempre “indivíduos” nunca referiu o arguido.
15. Assim, jamais se poderia alicerçar o acórdão recorrido no depoimento desta testemunha, o qual foi crucial para o Tribunal fundamentar a condenação do arguido.
16. Pois segundo o acórdão recorrido, foi esta a única testemunha presente no local que identificou cabalmente o arguido, como sendo o individuo que conduzia a viatura no momento em que os factos ocorreram.
17. Este depoimento “alegadamente” prestado pela testemunha (...) e que como supra se demonstrou não corresponde ao depoimento que este prestou na realidade o depoimento prestado em sede de julgamento, foi conjugado com os depoimentos abaixo transcritos das testemunhas (...) e do Agente (...).
18. Tais testemunhas, afirmaram que era o arguido o condutor habitual daquela viatura interveniente nos factos, mas que nenhum deles havia assistido aos mesmos.
19. Mais há que ressalvar que aquando do depoimento da testemunha (...), a própria Juiz do Tribunal a quo, salvaguardou aquando das suas instâncias que das imagens não era possível visualizar que era o arguido que conduzia a viatura naquele momento, e, que questionava em concreto se o arguido era o condutor habitual, sendo que poderia não ser o condutor naquele momento, como abaixo se pode verificar através da transcrição dos segmentos dos depoimentos das testemunhas.
20. Em conclusão jamais pode colher a fundamentação constante do acórdão recorrido, pois como supra se demonstrou através da transcrição a testemunha (...) afirmou não conhecer o arguido e referiu sempre a terminologia “indivíduos”.
21. E ainda, que haja resultado provado que o arguido era o condutor habitual da viatura, não logrou provar-se que era este o condutor do veículo no momento em que ocorreram os factos.
22. De facto, a síntese das declarações da testemunha (...), que o acórdão refere para fundamentar a condenação do arguido, não corresponde nem no todo, nem em parte ás declarações efetivamente prestadas pela testemunha em sede de julgamento.
23. Mais se dirá: Que face ao exposto, até aqui pelo ora Recorrente, entende o mesmo que foram violadas várias normas, mormente o artigo 127º do CPP e ainda, os artigos 32º nº 1 e 205º nº 1 da Constituição da Republica Portuguesa.
24. Por último, diga-se, ainda, que com a violação de tais normativos constitucionais, o Tribunal a quo, e quanto à ora recorrente, fez uma interpretação inconstitucional do princípio consagrado no art.º 127º do CPP (livre apreciação da prova).
25. Ora, essa fundamentação só será possível e clara se o julgador estiver certo relativamente à questão de facto solvenda, com apoio em provas concretas e inequívocas, o que não sucedeu no caso concreto, em que a fundamentação no que tange ao depoimento prestado pela testemunha (...), não corresponde nem no todo, nem em parte às declarações que este efetivamente prestou.
26. Face ao supra exposto e sem necessidade de mais considerandos, deverá ser a final proferida DECISÃO QUE ABSOLVA OS RECORRENTES DA PRÁTICA DE TODOS OS CRIMES PELOS QUAIS FOI CONDENADO, DEVENDO OS FACTOS IMPUGNADOS, PASSAREM A CONSTAR COMO NÃO PROVADOS NO QUE TANGE À AUTORIA POR PARTE DO RECORRENTE.
27. DA NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA Assim, e salvo melhor opinião, o Acórdão proferido por V. Exas. padece de um vício gravíssimo que acarreta a nulidade do mesmo - o VÍCIO DE OMISSÃO DE PRONÚNCIA, porquanto não se pronunciou sobre questões primordiais que devia apreciar!
28. O acórdão proferido não ponderou sobre a aplicação ou não aplicação do regime de jovens menores de vinte e um anos.
29. O arguido tinha há data dos factos apenas 19 anos de idade. Impunha-se a ponderação da aplicação do não aplicação do Regime de Jovens delinquentes.
30. O art.379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, estatui que é nula a sentença «Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.».
31. Pelo exposto, por se encontrar em TEMPO e ter LEGITIMIDADE para tal, vem o ora requerente requerer a NULIDADE do Acórdão proferido por V. Exas. nos autos à margem melhor identificados por vício insanável de OMISSÃO DE PRONÚNCIA, devendo o mesmo ser declarado NULO.
32. E, em consequência, ser substituído por outro, que aprecie todas as questões suscitadas pelo requerente, com todas as consequências legais que daí advenham.
33. DA APLICAÇÃO DO REGIME DE JOVENS MENORES DE 21 ANOS - Neste tipo de apreciação há que ter em consideração as circunstâncias do caso concreto, começando por assinalar-se as razões por que se determinou a conduta do recorrente.
Como se refere nos acórdãos de 17-10-2007, processo n.º 3495/07-3ª, de 16-012008, processo n.º 4837/08-3ª, de 20-02-2008, processo n.º 211/08-3ª e de 0511-2008, processo n.º 2861/08-3ª, a avaliação das vantagens da atenuação especial para a reinserção especial do jovem tem de ser equacionada perante as circunstâncias concretas do caso e do percurso de vida e não perante considerações vagas e abstratas desligadas da realidade.
34. A atenuação tem de emergir de um julgamento do caso concreto que incuta na convicção do juiz a crença em sérias razões de que para o arguido resultam vantagens para a sua reinserção.
35. Como dizia José António Barreiros, A ressocialização e o processo penal, in “Cidadão delinquente: reinserção social?”, edição do IRS, 1983, págs. 104 e sgs., a propósito do Decreto-Lei n.º 401/82, o diploma na sua concretização pressupõe necessariamente o detalhado conhecimento da individualidade comportamental do agente.
36. Na expressão do acórdão do STJ de 21-03-1984, BMJ 335, 236, para ajuizar das vantagens que da atenuação podem resultar para a reinserção social, torna-se, fundamentalmente, preciso reconstituir a personalidade e a ambiência ou «milieu» do agente criminal.
37. A ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídico comunitários e de respeitar os bens jurídicos, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais, que objetivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da ressocialização.
38. A aplicação do regime especial encontrará dificuldades nos casos em que não haja assunção pela prática dos factos e o convencimento do julgador do sincero arrependimento e do determinado comprometimento do arguido em não reincidir, o que terá de passar pelo crivo de um mínimo de credibilidade.
39. O acórdão recorrido, simplesmente não fundamentou a in aplicação ou aplicação do regime.
40. Tendo apenas fundamentado a decisão de não suspender a pena de prisão aplicada, para além da elevada ilicitude dos factos e do dolo intenso e persistente com que o arguido agiu, na conduta posterior aos factos, bem como com o passado criminal do arguido.
41. Sendo no entender do arguido de aplicar o regime especial, visto que não foi suspensa na sua execução a pena aplicada.
42. DA MEDIDA CONCRETA DA PENA - O recorrente não se conforma com a pena única aplicada de três anos e seis meses de prisão, aplicada ao Recorrente a qual é manifestamente excessiva tendo em conta os factos que resultaram provados, e tendo em conta que não resultaram consequências muito graves
43. Ainda que, a presente peça recursória não proceda quer quanto à matéria de facto, questão que apenas por mera hipótese académica se coloca, ainda assim, deverá proceder relativamente à medida concreta da pena, uma vez que, a pena aplicada é manifestamente excessiva e desproporcional, tendo em conta, a matéria de facto que o Tribunal a quo concluiu como provada.
44. A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – art.º 40º nº 1 do Código Penal.
45. Tal desiderato sobre as penas integra o programa político-criminal legitimado pelo art.º 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa e que o legislador penal acolheu no artigo 40º do Código Penal, estabelecendo o nº 1 que a aplicação das penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. E determinando o nº 2 que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
46. O ponto de partida das finalidades das penas com referência à tutela necessária dos bens jurídicos reclamada pelo caso concreto e com significado prospetivo, encontra-se nas exigências da prevenção geral positiva ou de integração, em que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária posta em causa pelo comportamento criminal.
47. A culpa constitui um limite inultrapassável, de todas e quaisquer considerações preventivas, sejam elas de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização.
48. Com o que se torna indiferente saber se a medida da culpa é dada num ponto fixo da escala penal ou antes como uma moldura de culpa.
49. De qualquer modo, e qualquer que seja a solução encontrada, de uma ou de outra forma, a culpa é o limite máximo da pena adequado à culpa que não pode ser ultrapassado.
50. Uma tal ultrapassagem, mesmo em nome das mais instantes exigências preventivas, poria em causa a dignitas humana do delinquente e seria assim, como é nos presentes autos, por razões Jurídico constitucionais, inadmissível.
51. Estamos perante uma culpa e ilicitude média leve neste tipo de crime.
52. Face ao supra exposto, ao Arguido ora Recorrente, entende que para que lhe seja aplicada uma pena justa, adequada e proporcional, a qual não exceda o seu grau de culpa e participação nos factos ora em apreço, esta não poderá ser em caso algum superior a pena única pode ser superior a 2 anos de prisão.
53. Esta medida concreta da pena que o ora Recorrente pretende que agora lhes seja aplicada por este Alto Tribunal é aquela que lhes parece mais adequada, justa e proporcional tendo em conta os factos provados e as suas concretas condições de vida.
54. Nestes termos e nos melhores de Direito, deverá ser, sempre, APLICADA PENA INFERIOR À PENA ÚNICA APLICADA DE 2 ANOS DE PRISÃO, não ultrapassando assim a medida da culpa do Recorrente
55. DA NÃO SUSPENSÃO DA PENA DE PRISÃO Entendeu o Douto Tribunal Recorrido como adequada a pena de 3 anos e 6 meses de prisão, não devendo a mesma ser suspensa na sua execução.
56. Aquele Douto Tribunal apreciou, para além da medida concreta da pena que fixou, as possibilidades de suspensão de execução da pena e, ainda, a substituição da pena de prisão por penas não privativas da liberdade, concluindo pela sua impossibilidade de aplicação sempre com o argumento o passado criminal do arguido, conjugado com o facto deste se encontrar atualmente em prisão.
57. Concluindo que o seu Registo Criminal é revelador de o Arguido, ora recorrente, ser um indivíduo para quem a ameaça de pena de prisão, não é suficiente para orientar a sua vida em conformidade com o direito, por ter já uma pena suspensa na sua execução.
58. A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos.
59. É substitutivo particularmente adequado das penas privativas de liberdade que importa tornar maleável na sua utilização.
60. Ora, tendo em conta o supra descrito relativamente às circunstâncias da prática do facto e à personalidade e condição de vida do arguido, entende-se, salvo melhor opinião, que é de suspender a pena de prisão concretamente aplicada, ou qualquer outra que V. Exas. entendam como adequada por período a fixar por V. Exas., com regime de prova.
61. De facto, o Arguido encontra-se em cumprimento de pena de prisão, não havendo qualquer impedimento de se encontrar em reclusão e beneficiar do regime de suspensão de execução da pena de prisão.
62. Podendo-se fazer relativamente ao mesmo ainda um juízo de prognose favorável.
63. Atenta à idade ainda jovem do Arguido, atento que o mesmo se poderá adquirir competências pessoais, académicas e profissionais será ainda, em última instância de aplicar pena suspensa sujeita a regime de prova e demais obrigações que se tenham por convenientes.
64. Nomeadamente a suspensão da pena poderá ser cumulada com a obrigação de frequência de programas e ainda com a prestação de horas de trabalho.
65. Assim será de dar uma segunda e última e derradeira oportunidade ao Arguido para que este consiga levar a bom porto o projeto de vida que se encontra a iniciar.
66. Suspendendo-se a pena de prisão aplicada, sujeita a todas as condições que se tenham por convenientes, evitando assim que cumpra uma tão curta pena de prisão.
67. Caso venha a ser aplicada pena única igual ou inferior a 2 anos de prisão:
DA SUBSTITUÍÇÃO DA PENA POR PRESTAÇÃO DE TRABALHO A FAVOR DA COMUNIDADE
68. No caso presente, o Arguido ora Recorrente, declara desde já expressamente, estar disposto a prestar trabalho a favor da comunidade.
69. Assim, atendendo à jovem a idade do arguido, ao facto de nunca ter beneficiado de tal pena, e de se tratar de uma curtíssima pena de prisão, deveria ter sido a mesma substituída pela prestação de horas de trabalho, sujeitas à condição do Arguido efetuar o trabalho com brio, assiduidade, pontualidade e responsabilidade e não cometer crimes durante esse período.
70. Não esquecendo que ao arguido, nunca lhe havia sido aplicada a pena de substituição de Prestação de Trabalho a Favor da Comunidade, pela prática de crime idêntico ao julgado no âmbito dos presentes autos.
71. Há que ponderar os efeitos perniciosos do cumprimento efetivo de penas curtas de prisão, como a que foi aplicada no âmbito dos presentes autos, ao ora Recorrente.
72. Tanto mais, que o arguido foi recentemente libertado e encontra-se a refazer a sua vida.
73. Estatui o artigo 58 nº 1 da CP que, se ao agente for aplicada pena não superior dois (2) anos de prisão, tal como sucede com o ora Recorrente nos presentes autos, o Tribunal poderá substituí-la por prestação de trabalho a favor da comunidade, sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
74. Mais estatui o nº 5 do artigo 58º do citado diploma legal, que esta forma de cumprimento de pena, depende da aceitação do condenado.
75. Não podendo de modo algum ser argumento para a não substituição o estatuto coativo do arguido, num processo no qual ainda, não foi sequer julgado, muito menos condenado.
76. A prisão só deve ser cumprida (executada) depois de esgotados, todos os outros meios, incluindo, a substituição por dias de trabalho.
77. Tem-se por verificada a aceitação do Arguido, nesta sede de Recurso.
78. Assim nos termos do nº 3 do artigo 58º, deverá ser substituída a pena de prisão aplicada, ou qualquer outra que V. Exas. decidam aplicar, por horas de trabalho a favor da comunidade.
79. O arguido declara desde já. que aceita cumprir a pena de prisão em regime de permanência na habitação – condição necessária (art. 43.º, n.º 1, do CP).
80. Na hipótese assim delineada, apenas perante a impossibilidade total, nos vários cenários que poderiam ser levantados, de cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, apesar de esta ser a opção de mérito, seria viável afastar esta forma de cumprimento da pena de prisão e decidir pelo cumprimento da mesma em estabelecimento prisional.
81. Face ao exposto, e se se mostrarem reunidas as condições para cumprir a pena da habitação deveria ter sido esta a opção tomada pelo Tribunal a quo.
82. Termos em que deve o presente recurso julgado procedente e ser o arguido condenado a cumprir a pena de prisão aplicada em regime de permanência na habitação.
83. Não podendo de modo algum, ser fundamento de não aplicação o estatuto coativo do arguido, que ainda que esteja sujeito à mais gravosa das MC do nosso ordenamento jurídico, goza, como qualquer outro cidadão de presunção de inocência.
DAS NORMAS VIOLADAS
1. art.º 412º, nº 3, al. b), do CPP
2. artigo 127º do CPP e ainda, os artigos 32º nº 1 e 205º nº 1 da Constituição da República Portuguesa.
3. art. 379.º, n. º 1, alínea c), do Código de Processo Penal
4. art.º 40º nº 1 do Código Penal.
5. art.º 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa
6. art.º 43.º, n.º 1, do CP
7. art.º 50º do CP;
8. art.º 58º do CP;
Nestes termos, e nos mais em Direito consentidos que vós, Venerandos Juízes Desembargadores, muito doutamente suprireis, se requer seja o presente RECURSO JULGADO PROCEDENTE nos, exatos termos, supra expostos, com todas as legais consequências que daí advenham.
Para que, pela vossa douta palavra, se cumpra a consueta Justiça
1.4. O recurso foi regularmente admitido.
1.5. O Ministério Público, junto da 1ª Instância, apresentou resposta, pugnando para que seja negado provimento ao recurso, em qualquer das suas vertentes e mantido, integralmente, o acórdão recorrido.
1.6. Neste Tribunal da Relação, o Exm.º Procurador da República emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso, confirmando-se o acórdão recorrido, sem prejuízo da correção dos erros/lapsos de escrita que nele se detetam, relativamente à identidade da testemunha (…) – cujo nome, no acórdão, foi trocado pelo nome da testemunha (…), podendo a Relação corrigir esse erro, ao abrigo do disposto no artigo 380º, n.ºs 1, al. b) e n.º 2, do CPP, na medida em que o recorrente ao impugnar a matéria de facto, nos termos em que o fez, legitima a audição integral dos depoimentos produzidos em audiência – e do suprimento da nulidade decorrente da omissão de pronúncia sobre a (in)aplicabilidade do regime penal aplicável aos jovens delinquentes, previsto no Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, podendo Relação suprir essa nulidade, dado dispor de todos os elementos necessários para decidir dessa questão.
1.7. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 417º do Código de Processo Penal, não foi exercido o direito de resposta.
1.8. Feito o exame preliminar e, colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre agora apreciar e decidir:

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Em matéria de recursos, que ora nos ocupa, importa ter presente as seguintes linhas gerais:
O Tribunal da Relação tem poderes de cognição de facto e de direito – cfr. artigo 428º do C.P.P.
As conclusões da motivação do recurso balizam ou delimitam o respetivo objeto – cfr. artºs. 402º, 403º e 412º, todos do C.P.P.
Tal não preclude o conhecimento, também oficioso, dos vícios enumerados nas alíneas a), b) e c), do nº. 2 do artigo 410º do C.P.P., mas tão somente quando os mesmos resultem do texto da decisão recorrida por si só ou em sua conjugação com as regras da experiência comum (cfr. Ac. do STJ nº. 7/95 – in DR I-Série, de 28/12/1995, ainda hoje atual); bem como das nulidades principais, como tal tipificadas por lei.
No caso vertente, considerando os fundamentos do recurso interposto pelo arguido são as seguintes as questões suscitadas:
- Impugnação da matéria de facto dada como provada nos pontos 4 a 32 - no que que tange à autoria/prática pelo ora arguido, ora recorrente, de tais factos -, por erro de julgamento.
- Nulidade do acórdão por omissão de pronúncia, quanto à aplicação ao arguido do regime dos jovens delinquentes.
- Excessividade da medida concreta da pena única;
- Substituição da pena de prisão por pena não privativa da liberdade.
Para que possamos apreciar as questões elencadas, importa ter presente o teor do acórdão recorrido, que, nos segmentos que, para o efeito, se mostram relevantes, passamos a transcrever:

2.2 Acórdão recorrido
«(…)

III – FUNDAMENTAÇÃO
A) – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1.º FACTOS PROVADOS
Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos com interesse para a boa decisão da mesma:
1) No dia 17 de Abril de 2016, pelas 2h 24m 40s, na Rua (…), junto à porta de entrada da discoteca “(...)”, (...) foi impedido de ali entrar por dois seguranças privados a exercer funções naquele estabelecimento,
2) Ato contínuo, pelas 2h 25m, (...), exaltado, esbracejou, insistindo em entrar no referido estabelecimento,
3) De seguida, pelas 2h 28m, após insistências dos seguranças, (...) abandonou apeado o local,
4) Todavia, pelas 2h 30m, ao volante do automóvel de matrícula (...), de marca Peugeot, modelo 306, de cor preto, (...) percorreu a (…), no sentido oeste/este, em (…),
5) E, no cruzamento daquela artéria com a (...), perante um sinal vertical D1 de sentido obrigatório à direita, mudou de direção à esquerda, entrando naquela artéria em sentido contrário – sul/norte - ao de trânsito,
6) Donde, pelas 2h 31m 30s, na (...), em contramão, (...) acelerou junto à porta de entrada da aludida discoteca, quando ali se encontravam cerca de 20 (vinte) pessoas, em fila para entrar,
7) Com o que provocou o pânico entre os presentes, que começaram a dispersar daquele local,
8) Ainda assim, (…) e um indivíduo de identidade não concretamente apurada ficaram retidos no exterior da aludida discoteca, em dois degraus de escadas, encostados à porta de entrada e a uma parede em tijoleira,
9) Pelas 2h 31m 31s, (...) direcionou o veículo na direção daqueles e, de forma repetida, avançou e recuou, em acelerações e paragens bruscas, intimidando-os e vedando-lhes a passagem,
10) Pelas 2h 31m 50s, de forma brusca, (...) avançou com o veículo na aludida direção e embateu com a frente do veículo na esquina da referida parede e atingiu as pernas do referido homem de identidade não concretamente apurada, que, de imediato, foi projetado e rebolou no solo,
11) Com o que (...) provocou dor e mau estar físico naquele, bem como partiu um segmento de tijoleira do aludido de edifício, propriedade de (…),
12) Com a força do aludido embate na parede, provocou, ainda, o desequilíbrio de (...).
13) Que, de imediato, se encostou ao veículo de (...), segurando-se ao capô dianteiro, junto à roda direita
14) Ainda assim, pelas 2h 31m 54s, (...) arrancou e guinou o veículo, de forma brusca, para a esquerda, com o que provocou a queda imediata de (...) no solo e, em simultâneo, passou com as rodas do veículo sobre o seu pé direito
15) Desta forma, provocou-lhe dor e mau estar físico, bem como lhe causou contusão do tornozelo e ligeiro edema do pé direito,
16) De seguida, na Rua de (…), junto ao n.º 64, no cruzamento com a (…), (...) foi embater com a frente do seu veículo na frente do veículo de matrícula (…), conduzido por (...),
17) Que, naquele momento, se encontrava ali estacionado, no sentido de trânsito norte-sul,
18) Apesar do embate, (...), assustado, iniciou a manobra de marcha atrás para que (...) pudesse passar,
19) Porém, (...) investiu o seu veículo contra aquele, embatendo, frontalmente, no mesmo, por duas ocasiões,
20) Desta forma, (...) destruiu todo o material que compunha a frente do referido veículo - mormente para-choques, guarda lamas, longarinas, radiadores, faróis, capot, piscas -, provocando um prejuízo, a (...), no valor €1339,33 (mil trezentos e trinta e nove euros e trinta e três cêntimos).
21) Ato contínuo, entrou na (…) e pôs-se em fuga até à sua residência, localizada na Rua do (…), 35-A, a 500m (quinhentos metros) daquele local.
22) A via, na (...), tinha 6,70 metros de largura e na altura estavam 4 (quatro) veículos estacionados no sentido norte-sul, junto à referida discoteca,
23) É uma via de trânsito de sentido único- norte/sul- com piso betuminoso em calçada portuguesa,
24) (...) quis percorrer a referida via, numa extensão de 150 (cento e cinquenta) metros, em contramão, o que conseguiu,
25) (...) conduziu o aludido veículo ligeiro de passageiros, naquelas circunstâncias, sem ser titular de licença de condução, o que bem sabia e quis,
26) (...) previu e quis efectuar a condução nas circunstâncias e nos moldes supra descritos, sabendo que de tal condução poderia resultar sério perigo para a vida, integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado de terceiros, devido à ocorrência de um sinistro, causando concretamente perigo para a integridade física das cerca de 20 (vinte) pessoas que se encontravam à porta da discoteca; para a integridade da estrutura do edifício que compunha a discoteca, de valor não concretamente apurado, mas superior a €5.100,00 (cinco mil e cem euros); para a integridade do veículo de matrícula (…), onde seguia (...), e para a integridade física deste.
27) (...) sabia que ao dirigir o veículo para o local onde (…) e o outro indivíduo de identidade não concretamente apurada se encontravam, iria, necessariamente, molestar a integridade física dos mesmos, o que sempre quis e representou.
28) Sabia, ainda, que ao avançar com o veículo quando (...) se encontrava encostada ao mesmo, iria, necessariamente, atingir a integridade física desta, o que previu e quis,
29) Sabia, ainda, que usar o veículo para atingir as aludidas pessoas, potenciava a ocorrência de lesões nas mesmas, o que sempre quis,
30) (...) agiu, assim, sempre, de forma livre, consciente, deliberada,
31) Todos os seus actos foram motivados pelo facto de lhe ter sido vedada a entrada na discoteca, atuando sempre de forma frívola e leviana
32) (...) Sabia, ainda, que todas as suas condutas, acima discriminadas, eram proibidas e punidas por lei penal.

*
33) (...) vive com a companheira, (…), de 18 (dezoito) anos de idade e a filha de ambos de 4 (quatro) anos de idade, num a barraca de madeira, contígua à dos seus progenitores, constituída por duas pequenas divisões (quarto e cozinha/sala), com insuficientes condições de habitabilidade.
34) O agregado aguarda realojamento em curso por iniciativa da Câmara Municipal de (…), mas, entretanto, habita numa das margens do rio (…), numa zona referenciada negativamente devido, por um lado, às questões de marginalidade e, por outro lado, às questões sociais e culturais identificadas com a comunidade ali acantonada.
35) A situação económica é diminuta, consubstanciada no valor mensal do Rendimento Social de Inserção (RSI) e do abono de família.
36) O apoio das instituições locais de apoio às famílias carenciadas, que asseguram a existência de alguns bens alimentares e de vestuário ao agregado, bem como da família da companheira, conjuntamente com o produto da venda ambulante de vestuário, permitem minorar as parcas condições de subsistência.
37) (...) encontra-se inscrito no Serviço de Emprego Local, mas até à presente data ainda não conseguiu inserir-se no mercado de trabalho.
38) (...) ocupa o seu tempo em atividades passivas no espaço da comunidade em que se insere nomeadamente a jogar playstation, e em deslocações a cafés onde se entretém a jogar snooker e cartas e/ou simplesmente no convívio com os seus pares.
39) (...) não é referenciado por hábitos de consumos aditivos, quer de estupefacientes, quer de álcool.
40) A capacidade de resolução de problemas de (...) surge condicionada por crenças e sentimentos de exclusão por pertencer a uma minoria étnica.
41) A família e comunidade onde se insere desvalorizam a sua ligação ao sistema de justiça porque, por um lado, não reconhecem o seu envolvimento e, por outro lado, porque a ter ocorrido é justificado com a precária situação sócio-financeira.
42) Vários elementos da família de (...) e da comunidade em que se integra possuem ligações com o sistema de justiça, encontrando-se o progenitor a cumprir pena efetiva de prisão e um irmão a ser acompanhado pelos serviços de reinserção social, no âmbito de uma suspensão de execução de pena com regime de prova.
43) (…) é o sexto numa fratria de 7 (sete) filhos, de um casal de etnia cigana que se dedicavam a atividades rurais por conta de outrem e venda ambulante, actividade que vieram a abandonar por o progenitor não possuir habilitação legal.
44) Na primeira infância as condições económicas permitiram a satisfação das necessidades básicas dos vários elementos constitutivos do agregado, mas posteriormente vieram a degradar-se com a inatividade laboral dos progenitores, que passaram a sobreviver com o Rendimento Social de Inserção.
45) Aos 17 anos de idade (...) iniciou vivência marital com a sua atual companheira.
46) (...) iniciou a escolaridade em idade regular, tendo abandonado o sistema de ensino com cerca de 14 (catorze) anos com a frequência do 5.º ano de escolaridade após várias retenções por absentismo.
47) Posteriormente, (...) completou o 2.º ciclo do ensino básico incluído num curso EFA B2 de Jardinagem, num centro educativo da DGRSP, onde demonstrou empenho adequado nas aprendizagens e comportamento ajustado, respeitando docentes e colegas.
48) Na mesma altura (...) frequentou atividades do Projeto (…) O Rumo Certo – CIRE / Programa Escolhas 5.ª Geração, que lhe permitiram obter, em 31 de Agosto de 2016, habilitação legal para a condução de veículos motorizados.
*
49) Por acórdão, proferido no âmbito do processo n.º 367/12.8PBTMR e transitado em julgado, (...) foi condenado pela prática, em 4 de Setembro de 2012, de 2 (dois) crimes de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, em cúmulo jurídico, na pena única de 13 (treze) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e sujeita a regime de prova.
50) Por acórdão, proferido no âmbito do processo n.º 241/15.6PBTMR e transitado em julgado em 13 de Janeiro de 2014, (...) foi condenado pela prática, em 15 de Dezembro de 2015, de 1 (um) crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos de prisão; de 1 (um) crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; de 1 (um) crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; de 1 (um) crime de roubo, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; de 1 (um) crime de roubo, na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), 23.º, n.ºs 1 e 2, 73.º e 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.

2.º FACTOS NÃO PROVADOS
Nenhuns outros factos se provaram com interesse para a boa decisão da causa, designadamente, e no essencial, que:
I) No circunstancialismo supra descrito, (...) quis, ainda, com o uso do aludido veículo, constranger as referidas 4 (quatro) pessoas a ficarem retidas junto à porta e parede da discoteca, o que conseguiu,
II) Ao praticar os factos acima referidos de 6) a 9), quis ainda significar que atentaria contra a integridade física daqueles e criar ali um clima de violência, constrangendo-os a permanecerem naquele local, o que conseguiu.

3.º MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise crítica do conjunto da prova produzida em audiência de julgamento, designadamente os depoimentos das testemunhas e a prova documental e pericial produzidas e examinadas em audiência.
O critério de valoração da prova é o da livre apreciação, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com o disposto no artigo 127.º do Código de Processo Penal.
A factualidade dada como provada em 1) a 26) alicerçou-se, desde logo, na concatenação da prova documental e pericial com o depoimento das testemunhas (...) que presenciaram os factos e depuseram de forma espontânea, objectiva, circunstanciada e absolutamente convincente.
Na verdade, (...) relatou pormenorizadamente todo o episódio da condução perigosa que culminou no embate do veículo conduzido pelo arguido no veículo da própria testemunha, que se encontrava estacionado no local. Assim, explicou que estava legitimamente estacionado nas imediações do local do crime (a aguardar a chegada da sua filha, que estava no interior do “(...)”) quando avistou o veículo com a matrícula (...) a circular em sentido contrário ao sentido único e obrigatório daquela via de trânsito. Mais presenciou o modo como o condutor investiu o veículo na direcção da porta do estabelecimento visando as dezenas de pessoas que aí aguardavam o momento da sua entrada e, seguidamente, embateu no seu próprio veículo com a matrícula (...) de molde a força-lo a recuar, a afastar-se e a permitir a sua fuga. Contudo, a testemunha não logrou identificar o condutor, que não conhecia e não conseguiu ver distintamente, tendo somente registado a matrícula (...), que forneceu à autoridade policial (tal como consta do auto de notícia de fls. 2). Mais confirmou especificadamente os danos sofridos pelo veículo com a matrícula (...) e os custos da reparação do mesmo, integralmente discriminados nos documentos de fls. 148 e ss.
As testemunhas (...), clientes do “(...)” que se encontravam na fila a aguardar o momento da sua entrada no estabelecimento, confirmaram com segurança e sinceridade toda a dinâmica dos acontecimentos ilícitos, a forma como foi exercida a condução, o número aproximado de pessoas presente no local, as características da via, o comportamento dos ofendidos e a circunstância de, pelo menos, a ofendida (…) ter sido atingida no corpo (já que verificaram que recebeu assistência médica no local e foi conduzida ao hospital), mas revelaram desconhecer o autor dos factos ilícitos.
A testemunha (...), amigo do arguido, prestou um depoimento natural, imparcial, sincero e manifestamente verosímil, explicando que acorreu ao local do crime quando já estava instalada a confusão entre o arguido e os seguranças do estabelecimento, que o reconheceu categoricamente e comprovou o quanto o mesmo se encontrava exaltado, que o viu distintamente a conduzir o veículo com a matrícula (...) na direção do estabelecimento “(...)”, que não teve a mínima dúvida de que o arguido era efectivamente o condutor deste veículo e que o viu a imprimir velocidade ao mesmo veículo na direcção da entrada do estabelecimento. Mais confirmou a condução perigosa exercida pelo arguido, o relevante número e pessoas presentes no local, o facto dos clientes terem tido necessidade de fugir para não serem atingidos pelo veículo e a circunstância da sua amiga (...) ter sido atropelada, tendo sido, nessa sequência, conduzida ao hospital.
A testemunha (…), cliente do estabelecimento, prestou um depoimento isento, circunstanciado, sincero e credível, esclarecendo que se encontrava junto à porta de entrada do “(...)”, acompanhada, designadamente, de (…), quando foi surpreendida pelo veículo com a matrícula (...) a circular na sua direcção, que os presentes só tiveram tempo de subir os degraus e encostarem-se à porta de entrada do estabelecimento para evitar serem atingidos e que o veículo embateu na parede situada imediatamente antes da porta não chegando a atingir a zona onde estava abrigada, mas que, no meio da confusão, se desequilibrou e caiu sobre o veículo; sendo que, quando estava sobre o capô do veículo, o condutor voltou a imprimir mais velocidade ao veículo, fazendo-a cair ao chão e passando com a roda sobre o seu pé. Referiu ainda que, nesta sequência, recebeu assistência médica no local, foi conduzida ao hospital e sofreu as lesões descritas na documentação médica reproduzida a fls. 170 e ss. Sem prejuízo, esta testemunha asseverou que não logrou identificar o autor da conduta agressiva que descreveu, mas somente a matrícula do veículo que conduzida (facto que comunicou à autoridade policial – tal como consta do auto de fls. 3 e ss).
As testemunhas (…), clientes do estabelecimento, depuseram de forma crível, objectiva e honesta, confirmando a altercação do agente do crime com os seguranças do “(...)”, a condução perigosa exercida pelo mesmo do crime na ocasião, as características da via no local, o elevado número de clientes presentes, o facto destes ofendidos terem evitado ser atingidos no corpo por terem logrado abrigar-se na ombreira da porta do estabelecimento e o veículo ter embatido na zona parede do estabelecimento que precede imediatamente a entrada – cabalmente identificada na fotografia de fls. 5 –, a circunstância de um dos pneus do veículo ter rebentado quando ocorreu o embate e o atropelamento de (...), que recebeu assistência no local e foi conduzida ao hospital (tendo a primeira testemunha mencionada acompanhado a vítima nesta deslocação).
Neste circunspecto, o Tribunal ateve-se ainda ao teor dos autos de denúncia de fls. 2 e 3 e ss, cuja autenticidade e veracidade de conteúdo não foram, por qualquer modo, postas em causa e que atestam o circunstancialismo espácio temporal em que ocorreram os factos, bem como o teor da participação de acidente de viação e do aditamento e relatório fotográfico constantes de fls. 16 e ss e 226 ss, que consagram especificadamente as características da via, a identificação dos veículos envolvidos, os vestígios detectados no local e as característica da condução exercida pelo arguido.
Cumprem ainda salientar o auto de visionamento de imagens de videovigilância de fls. 44 e ss, o auto de análise e visualização de fls. 84 e, sobretudo, as imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância reproduzidas em sede de audiência de julgamento, elementos de prova absolutamente idóneos, que atestam com pormenor, rigor e precisão todas a dinâmica dos acontecimentos ilícitos, sobretudo a condução exercida pelo arguido, e o número de pessoas existentes no local e a circunstância, sendo muito evidente nas imagens reproduzidas a forma como o outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, para além de (...), foi atingido no corpo, ainda que com menor gravidade - já que se levantou imediatamente e, pelo seu próprio pé, abandonou o local do crime (sem carecer de receber assistência médica no local, nem apresentar qualquer queixa à autoridade policial).
A este propósito, cumpre salientar que a obtenção de fotogramas ou imagens de vídeo através do sistema de videovigilância existente neste estabelecimento comercial, para protecção dos seus bens e da integridade física de quem aí se encontrasse, mesmo que se desconheça se esse sistema foi comunicado à Comissão Nacional de Protecção de Dados [o que no caso em apreço não resulta dos autos], não corresponde a qualquer método proibitivo de prova, uma vez que existe uma justa causa para a sua obtenção, como é o caso do caso em apreço, já que permitem documentar a prática das infracções criminais, e não respeitam ao “núcleo duro da vida privada” da pessoa visionada.
Mais se ponderaram o boletim e relatório de perda total de fls. 148 e ss, que atestam os danos do veículo conduzido por (...) e o custo da reparação dos mesmos, a documentação clínica de fls. 170 e ss, que demonstra as lesões sofridas pela ofendida (...) e, ainda, o resultado na pesquisa na base de dados o Instituto da Mobilidade e dos Transportes examinado em audiência na presente data, que comprova rigorosamente que o arguido somente obteve licença de condução no dia 31 de Agosto de 2016.
Concomitantemente, ponderaram-se os depoimentos das testemunhas (...), agentes da Polícia de Segurança Pública que participaram na investigação e revelaram isenção, rigor e honestidade nas suas narrativas. Assim, (…), que acorreu ao local após ter a notícia do crime, confirmou os vestígios aí existentes, a identificação das vítimas, a identificação cabal dos veículos envolvidos e a indicação da respectiva matrícula pelos clientes presentes no local, os danos do veículo do ofendido (...) e as características da via, o que, aliás, documentou no auto de notícia de fls. 2 e na participação de acidente de viacção de fls. 16 e ss; (…) explicou que, ao receber a comunicação do sucedido via rádio, encetou diligências, imediatamente após a perpetração do crime, no sentido de localizar o veículo com a matrícula (...), que o viu estacionado na área residencial do arguido, que o veículo tinha ainda o motor quente e um dos pneus rebentados e que tinha conhecimento que o veículo pertencia a um dos elementos da família (…), mas não fez qualquer diligência no sentido de abordar o respectivo condutor uma vez que não existiam condições de segurança para o efeito – situação que, aliás, se encontra inteiramente documentada no aditamento de fls. 208 -; e (...) analisou as imagens de videovigilância do estabelecimento, identificou categoricamente o arguido que conhece bem do exercício das suas funções e confirmou a sua presença no local do crime momentos antes da prática do mesmo, concretamente no contexto da sua altercação com os seguranças do “(...)”; mais asseverou que, à data, era igualmente do seu conhecimento funcional que (...) era o condutor habitual do veículo com a matrícula (...).
Por último, a testemunha (...), ex-vizinha do arguido, prestou um depoimento sincero, objectivo e convincente, elucidando que foi proprietária do veículo com a matrícula (...) – tal como consta do resultado da pesquisa na base de dados da Conservatória de Registo Automóvel de fls. 22 - e que, há cerca de quatro anos, o seu ex-companheiro vendeu o mesmo veículo ao arguido, mas nunca regularizou a questão da titularidade do respectivo direito de propriedade na Conservatória de Registo Automóvel; desconhecendo o que aconteceu com o veículo a partir da altura em que foi realizada esta transacção.
Do cotejo da prova produzida em audiência, resulta manifesta a dinâmica dos factos descrita pelas vítimas e confirmada pelas testemunhas presenciais, que se mostra absolutamente verosímil, considerando a prova produzida em julgamento e considerada nos termos supra elencados, sobretudo o registo das imagens de videovigilância do local do crime que reproduz fielmente todo o sucedido. Acresce que, considerando ainda os elementos constantes dos autos e supra mencionados, sobretudo o depoimento das testemunhas (...) (que confirmou que o arguido adquiriu o veículo com a matrícula (...), (...) (que asseverou que o arguido era o condutor habitual do mesmo veículo) e (...) (que é amigo do arguido e viu-o indistintamente a exercer a condução do veículo no momento da prática dos factos), não resta a mínima dúvida de que (...) foi o autor da prática dos actos ilícitos em presença.
Assim, ponderada toda a prova produzida e supra sumariada, o Tribunal formulou uma convicção segura e fundada quanto à concreta intervenção do arguido (...) nos factos atinentes aos crimes de ofensa à integridade física qualificada, condução perigosa e condução sem habilitação legal em análise, que por tal razão fizemos reverter para os factos que resultaram como provados.
Os factos subjectivos provados em 27) a 32), porque insusceptíveis de prova directa, dada a sua natureza, extraem-se dos factos objectivos provados, que, tendo em conta as regras da experiência comum e com base em presunção natural, permitem de forma segura inferir tal factualidade.
A factualidade provada em 33) a 48), respeitante às condições sócioeconómicas e familiares do arguido e à personalidade revelada pelo mesmo, alicerçou-se na análise do relatório social de fls. 387 e ss, elemento documental que se nos afigura ser manifestamente idóneo e cujo teor não foi igualmente posto em causa por qualquer outro elemento probatório.
Os antecedentes criminais do arguido, factualidade provada em 49) e 50), avultam do teor do Certificado de Registo Criminal do mesmo juntos a fls. 357.
A demais factualidade dada como não provada avulta da ausência de prova concludente sobre a mesma. Na verdade, analisadas as imagens extraídas do sistema de videovigilância e inquiridas todas as testemunhas, constata-se que não avulta sequer o mínimo indício de que o arguido visou, com a sua conduta, coagir qualquer dos clientes do estabelecimento presentes no local.
Neste contexto, importa reter que o princípio do in dubio pro reo é uma emanação do princípio da presunção de inocência, surgindo como resposta ao problema da incerteza em processo penal, e impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor, sob pena de violação do dito princípio.
Temos assim que, uma vez feita a análise crítica da prova produzida sobre o facto em discussão, não se deve dar como provada, de acordo com as regras da lógica, a coacção uma vez que, não havendo prova concludente nesse sentido, não se pode extrair meramente das imagens produzidas uma intenção “virtual” do agente do crime, com as repetidas acelerações do veículo, para além de preparar a execução dos crimes de ofensa à integridade física qualificada, constranger as vítimas a assumir um comportamento específico.

B) – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO
QUESTÕES A DECIDIR
As questões jurídicas que importa conhecer, atento o objecto do processo, delimitado pelo teor da acusação, e o princípio da vinculação temática do Tribunal, são as seguintes:
- Primeira, aquilatar se (...) deve ser jurídico-penalmente responsabilizado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal; dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, alíneas a) a c), 23.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal; quatro crimes de coação, na forma consumada, previstos e punidos pelos artigos 154.º n.º1, do Código Penal; um crime de condução perigosa, previsto e punido pelo artigo 291 n.º1, alínea b), do Código Penal; e um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, nº. 1 e 2, do Decreto- Lei nº. 2/98, de 3 de Janeiro; e
- Segunda, caso se conclua pela sua responsabilidade jurídico-penal, apurar a espécie e medida das penas a aplicar-lhes.

1.º ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL DOS FACTOS
Atenta a matéria de facto apurada, cumpre proceder ao seu enquadramento jurídico-penal por forma a determinar se a conduta do arguido consubstancia uma efectiva negação dos valores ou bens jurídicos criminalmente tutelados por via dos crimes que lhe são imputados nestes autos.
Crimes de ofensa á integridade física
1. Estabelece o artigo 143º, n.º 1 do Código Penal que “quem ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.
O bem jurídico protegido por este tipo legal é a integridade física da pessoa humana – o qual é reconhecido pela lei fundamental e aí considerado como sendo inviolável (cfr, artigo 25.º da Constituição da República Portuguesa).
Concretizando, no seguimento de Costa Pinto, verifica-se que, neste caso, o bem jurídico tutelado é o direito à integridade física, à saúde física ou mental, ao bem estar corporal e à aparência pessoal (cfr. Lições Policopiadas de Direito Penal ao 5.º ano FDL, ano 92/93, pág. 166 e ss).
No que respeita ao tipo objectivo de ilícito, importa salientar que a lei distingue duas modalidades de realização do tipo: ofensas no corpo ou ofensas na saúde. Como bem esclarece Paula Ribeiro Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, pág. 205, «o tipo legal fica preenchido mediante a verificação de qualquer ofensa no corpo ou na saúde, independente da dor ou sofrimento causados (...), ou de uma eventual incapacidade para o trabalho (...). Não relevam para aqui os meios empregues pelo agressor ou a duração da agressão se bem que, como é evidente, todas estas circunstâncias sejam de ter em conta pelo Juiz nos termos do artigo 71º, para a determinação da medida da pena».
Devendo entender-se por ofensa no corpo “todo o mau trato através do qual a vítima é prejudicada no seu bem-estar físico de uma forma não insignificante» e como lesão da saúde «toda a intervenção que ponha em causa o normal funcionamento das funções corporais da vítima, prejudicando-a» (cfr. ob. cit., págs. 205).
Deste modo, integra uma ofensa no corpo da vítima todo o mau trato através do qual o ofendido é prejudicado no seu bem-estar físico de forma não insignificante (neste sentido, acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 19 de Junho de 2001, in CJ, 2001, ano XXVI, tomo III, pág. 150).
No caso vertente, ficou provado que o arguido atingiu no corpo (...) e o outro indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, causando dores e lesões nas zonas atingidas.
Face a esta factualidade e ao enquadramento normativo delineado supra dúvidas não restam de que o arguido, com a sua conduta, preencheu os aludidos elementos do tipo legal de dois crimes de ofensa à integridade física simples na forma consumada.
2. A tipicidade objectiva desse tipo legal de crime exige, para a sua consumação, tratando-se de um crime material e de dano, da ocorrência de um certo resultado, que é a ofensa à integridade física de uma pessoa, o que não se verificou no caso dos ofendidos (…).
Dispõe o artigo 22.º do Código Penal que há tentativa quando o agente praticar actos de execução de um crime que decidiu cometer, sem que este chegue a consumar-se (n.º 1), sendo estes actos de execução os que preencherem um elemento constitutivo de um tipo de crime, os que forem idóneos a produzir o resultado típico ou os que, segundo a experiência comum e salvo circunstâncias imprevisíveis, forem de natureza a fazer esperar que se lhes sigam actos das espécies indicadas nas alíneas anteriores” (n.º 2).
Daqui flui que é necessário os actos de execução em relação a cada crime e que para a existência da tentativa punível se exige um desvalor de acção e um desvalor de resultado. Este é dado pela exteriorização de actos que objectivamente se possam verificar orientados com idoneidade para violar o bem jurídico protegido.
A este propósito esclarece o n.º 3 do artigo 23.º do Código Penal que “a tentativa não é punível quando for manifesta a inaptidão do meio empregado pelo agente ou a inexistência do objecto essencial à consumação do crime”.
Segundo Maia Gonçalves, in Código penal Português Anotado, pág. 252, “a idoneidade do meio (…) salvo nos casos em que são manifestos não constitui obstáculo à existência da tentativa (…). O verdadeiro cerne da punibilidade da tentativa reside na avaliação da perigosidade referida ao bem jurídico (…). É que entende-se, dado o circunstancialismo em que o agente actuou, que o desvalor da acção merece ser punido (…) E merece porque denotou perigosidade em relação a um certo bem jurídico (…)”.
Na verdade, na tentativa, os fundamentos subjectivos do facto criminoso encontram-se totalmente preenchidos, mas a consumação delitiva não chega a ocorrer, pelo que não se realiza a lesão do correspondente bem jurídico, que quando muito foi posto em perigo pela actuação do sujeito.
Os pressupostos do crime tentado estão, por um lado, preenchidos quando, como diz a lei, o crime não chega a consumar-se, mas tais pressupostos estão igualmente preenchidos quando o tipo objectivo de ilícito se encontra por completo realizado. Também aqui o crime que acabou de consumar-se teve que passar, necessariamente, pela fase da correspondente tentativa, enquanto fase intermédia. Assim, pode-se afirmar que a ideia delitiva nasce na pessoa e que a partir daí até à consumação vai percorrer um caminho, o chamado iter criminis, em que se distinguem várias etapas: a fase interna, da decisão de cometer o crime, durante a qual o autor idealiza o seu plano, a fase preparatória, a fase da execução e a da consumação, quando todas as características típicas se encontram preenchidas.
Acresce que, a definição legal constante do artigo 22.º do Código Penal afigura-se ainda relevante para estabelecer a distinção entre actos preparatórios, que o artigo 21.º do Código Penal consigna que não são puníveis, salvo disposição em contrário, e a tentativa. Neste é patente a recepção, sublinhada por diversos autores, de uma noção objectiva de tentativa coincidente com a definição que de actos de execução se faz nas três alíneas do respectivo n.º 2. Mas a referência à expressão “actos de execução de um crime que decidiu cometer” leva a incorporar na tentativa um elemento subjectivo sem o qual, como escreve Figueiredo Dias, in “Sobre o Estado Actual da Doutrina do Crime”, in RPCC, 1 (1991), pág. 50, se “renunciaria à exigência de tipicização da ilicitude!” Segundo o Professor, recorrendo a um exemplo, “se um homem derruba uma rapariga e nesse momento é preso, qual o tipo de ilícito perante o qual vai pôr-se questão da tentativa? O do roubo, o do homicídio, o da violação? Eis o que só é possível responder através da referência à resolução do agente”. Sem uma referência ao dolo, ao menos como “dolo do tipo”, isto é, como conhecimento e vontade de realização do tipo de ilícito objectivo, “não é possível fundamentar tipicamente o ilícito da tentativa, não é possível, por outras palavras, realizar, relativamente à tentativa, a função de tipicização do ilícito”.
Nos presentes autos, somente se tendo verificado o resultado ofensa à integridade física no caso dos ofendidos (...) e indivíduo cuja identidade não se logrou apurar, conclui-se que os crimes de ofensa à integridade física visando os ofendidos (…) assumem a forma tentada, pelo que, de qualquer modo, como se disse, se exige o dolo, elemento adrede analisado.
3. Por outro lado, preceitua o artigo 145.º do Código Penal, que “1 - Se as ofensas à integridade física forem produzidas em circunstâncias que revelem especial censurabilidade ou perversidade do agente, este é punido: a) Com pena de prisão até quatro anos no caso do artigo 143.º; b) Com pena de prisão de 1 a 5 anos no caso do n.º 2 do artigo 144.º-A; c) Com pena de prisão de 3 a 12 anos no caso do artigo 144.º e do n.º 1 do artigo 144.º-A. 2 - São susceptíveis de revelar a especial censurabilidade ou perversidade do agente, entre outras, as circunstâncias previstas no n.º 2 do artigo 132.º.”
Este preceito consagra, pois, o crime de ofensa à integridade física qualificada, que se traduz numa forma agravada de ofensa, em que a qualificação decorre da verificação de um tipo de culpa agravado, definido pela orientação de um critério generalizador enunciado no artigo 145.º do Código Penal, moldado pelos vários exemplos-padrão constantes das diversas alíneas do nº 2 do artigo 132.º do mesmo diploma.
O critério generalizador está traduzido na cláusula geral com a utilização de conceitos indeterminados – a especial censurabilidade ou perversidade do agente.
As circunstâncias relativas ao modo de execução do facto ou ao agente são susceptíveis de indiciar a especial censurabilidade ou perversidade e, por esta mediação de referência, preencher e reduzir a indeterminação dos conceitos da cláusula geral.
Sendo elementos constitutivos do tipo de culpa, a verificação de alguma das circunstâncias que definem os exemplos-padrão não significa, por imediata consequência, a realização do tipo especial de culpa e a directa qualificação do crime, como, também por isso mesmo, a não verificação de qualquer dos modelos definidos do tipo de culpa não impede que existam outros elementos e situações que devam ser considerados no mesmo plano de valoração que está pressuposto no crime qualificado e na densificação dos conceitos bem marcados que a lei utiliza.
Com efeito, bem pode suceder que a verificação de qualquer uma dessas circunstâncias não implique, por si só, a qualificação do crime pelo que, então, o juiz deixará de operar tal qualificação – e isto porque as circunstâncias descritas nas várias alíneas do n.º 2 do artigo 132.º não são de funcionamento automático (neste sentido, entre outros, Maia Gonçalves, em anotação ao artigo 132.º do Código Penal; Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Especial, pág. 21 a 24; também, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Maio de 1983, in BMJ n.º 327, pág. 458, de 8 de Fevereiro de 1984, in BMJ nº 334, pág. 258, de 5 de Janeiro de 1983, in BMJ nº 323, pág. 121, de 26 de Abril de 1989, in BMJ nº 386, pág. 273 e de 5 de Dezembro de 1990, in BMJ nº 402, pág.195).
Constituindo a enumeração das circunstâncias previstas no nº 2 meramente exemplificativa, sempre poderão existir outras circunstâncias não descritas no tipo legal, mas reveladoras da especial censurabilidade ou perversidade, dando origem, assim, aos chamados casos de homicídio qualificado atípico – o que é fundamental é que se trate de um homicídio qualificado em circunstâncias que possam desencadear o efeito de indício de uma maior culpa (cfr. Teresa Serra, in Homicídio Qualificado - Tipo de Culpa e Medida da Pena, págs. 70 a 75).
Face ao seu funcionamento não automático e à sua não taxatividade, tais circunstâncias só podem ser compreendidas enquanto elementos da culpa, exigindo-se, por isso, que, no caso concreto, elas exprimam insofismavelmente, uma especial perversidade ou censurabilidade do agente dentro do mesmo quadro valorativo preconizado nas diversas alíneas do n.º 2 do mencionado artigo 132.º.
Deste modo, verificando-se algumas das circunstâncias enunciadas no mencionado n.º 2, embora exista um efeito de indício de uma especial censurabilidade ou perversidade, tal efeito tem de ser demonstrado, posteriormente, na situação em concreto, através de uma análise das circunstâncias do caso (cfr. Actas das Sessões da Comissão Revisora do Código Penal, Parte Especial, pág. 21 e 22 e Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 1989, in B.M.J. nº 389, pág. 310).
Assim, seja mediada pelas circunstâncias referidas nos exemplos-padrão, seja por outros elementos de idêntica dimensão quanto ao desvalor da conduta do agente, o que releva e está pressuposto na qualificação é sempre a manifestação de um especial e acentuado «desvalor de atitude», que se traduz na especial censurabilidade ou perversidade e que conforma o especial tipo de culpa no homicídio qualificado. A qualificação do homicídio do artigo 132.º do Código Penal supõe, pois, a imputação de um especial e qualificado tipo de culpa, reflectido, no plano da atitude do agente, por uma conduta em que se revelam «formas de realização do facto especialmente desvaliosas (especial censurabilidade), ou aquelas em que o especial juízo de culpa se fundamenta directamente na documentação no facto de qualidades da personalidade do agente especialmente desvaliosas» (cfr. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, vol. I, págs. 27 e 28).
O modelo de construção do tipo qualificado – qualificado pelo especial tipo de culpa – através da enunciação do critério geral, moldado pela densificação através dos exemplos-padrão, não permitirá, como se disse, salvo afectação do princípio da legalidade, «fazer um apelo directo à cláusula de especial censurabilidade ou perversidade, sem primeiramente a fazer passar pelo crivo dos exemplos-padrão e de, por isso, comprovar a existência de um caso expressamente previsto [...] ou de uma situação valorativamente análoga» (cfr. Figueiredo Dias, in ob. cit., págs. 28).
A decisão sobre a integração do crime qualificado exige que se proceda à definição da imagem global do facto, de modo a logo aí detectar a particular forma de culpa que justifica a qualificação da ofensa à integridade física, sem esquecer, na dimensão da integração diferencial, a circunstância de que o tipo geral de homicídio constitui já, por si mesmo, um crime de acentuada gravidade que protege o bem vida como valor essencial inerente à pessoa humana.
A agravação da culpa tem, afinal, a ver com a "maior desconformidade que a personalidade manifestada no facto possui, face à suposta e querida pela ordem jurídica, em relação à desconformidade, já de si grande, da personalidade subjacente à prática de um homicídio simples" (cfr. Figueiredo Dias, in C.J., ano XII, pág. 52).
Em jeito de conclusão, portanto, diremos que, para aquilatar da especial censurabilidade ou perversidade do agente na prática do crime de ofensa à integridade física, por forma a que este seja considerado como qualificado e, por via disso, punido com pena agravada, se impõem duas operações: a primeira consiste em saber se existe alguma circunstância das enunciadas no n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, enquanto indício daquela censurabilidade e perversidade e a segunda em averiguar se, perante as circunstâncias concretas do caso dos autos e vista a estrutura valorativa em tal grau de gravidade dos factos em julgamento, o aumento da culpa é em grau tão elevado que justifica a agravação subjacente ao crime matricial (neste sentido, Teresa Serra, in Homicídio Qualificado -Tipo de Culpa e Medida da Pena, pág. 7).
De acordo com o disposto nas alíneas e) e h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal, além do mais, “é susceptível de revelar a especial censurabilidade ou perversidade a que se refere o número anterior, entre outras circunstâncias, o agente ser determinado por avidez, pelo prazer de matar ou de causar sofrimento, para excitação ou para satisfação do instinto sexual ou por qualquer motivo torpe ou fútil”, bem como “praticar o facto juntamente com, pelo menos, mais duas pessoas ou utilizar meio particularmente perigoso ou que se traduza na prática de crime de perigo comum”.
Em primeiro lugar, como se vem entendendo, por motivo fútil se deve ter o motivo gratuito, frívolo, despropositado ou leviano, avaliado segundo os padrões éticos geralmente aceites na comunidade. Ele assenta, pois, numa ideia de desproporcionalidade flagrante entre a conduta da vítima e a atitude do agente, que choca frontalmente com o sentimento comunitário de justiça.
Não será, porém, motivo fútil a ausência (ou o desconhecimento) de motivação do agente. A imputação de motivo fútil ao agente implica o apuramento prévio do motivo, ou seja, sem se conhecer o motivo, não se pode qualificar o mesmo como “fútil” (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Dezembro de 2008, Processo n.º 3703/08, in www.dgsi.pt).
Motivo fútil é o motivo de importância mínima. Será também o motivo frívolo, leviano, a ninharia que leva o agente à prática desse grave crime, na inteira desproporção entre o motivo e a extrema reacção criminosa, o que se apresenta notoriamente inadequado do ponto de vista do homem médio em relação ao crime de que se trate, o que traduz uma desconformidade manifesta entre a gravidade e as consequências da acção cometida e o que impeliu o agente a essa comissão, que acentua o desvalor da conduta por via do desvalor daquilo que impulsionou a sua prática (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27 de maio de 2010, no Processo n.º 58/08.4JAGRD.C1.S1, 3ª Secção, in www.dgsi.pt).
Motivo fútil é aquele que não tem relevo, que não chega a ser motivo, que não pode razoavelmente explicar (e muito menos justificar) a conduta do agente. É fútil o motivo quando notoriamente, notavelmente desproporcionado ou inadequado para ser sequer um começo de explicação da conduta, do ponto de vista do homem médio (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 1997, no Processo n.º 96P102, in www.dgsi.pt).
No caso vertente, ponderada a factualidade dada como provada, na circunstância do arguido ter, ao praticar os actos de execução dos crime de ofensa à integridade física na forma consumada e na forma tentada em apreço, sido motivado simplesmente pela satisfação dos seus instintos agressivos no contexto de uma altercação ocorrida momentos com os seguranças do estabelecimento de diversão noturna sobre uma temática que o desagradou - relacionada com a imposição ao mesmo da decisão de proibir o seu acesso ao interior do estabelecimento “(...)” - fortemente indiciadora da especial censurabilidade ou perversidade do autor dos crimes sub judice, é que se encerra o fundamento da agravação. Na realidade, não se está perante uma discussão relevante que alterasse psicologicamente o arguido a ponto de o motivar à prática dos factos tanto mais que a discussão não envolveu sequer as pessoas visadas pelos seus actos ilícitos que aguardavam à entrada do estabelecimento que lhes fosse igualmente permitido o acesso ao interior do mesmo.
Deste modo, o motivo pelo qual o arguido actuou tem de se considerar fútil por irrelevante, sendo a sua conduta do arguido subsumível na alínea e) do artigo 132.º do Código Penal. Como tal, deve a personalidade do arguido, tal como ela emerge deste crime, ser objecto de um acrescido juízo de censura, fundado no especial desvalor.
Concomitantemente, em devida linha com o convergente entendimento jurisprudencial e doutrinal nacional, considera-se que o exemplo-padrão enunciado na alínea h) do citado artigo 132.º – utilização pelo agente agressor de meio particularmente perigoso, indiciariamente revelador de agravada culpabilidade pessoal – de tal majoração da carga de desvalor comportamental necessariamente pressuporá que o instrumento, método ou processo usado na proibida agressão à integridade corporal dalguém reúna objectivamente em si excepcional aptidão e adequabilidade ao acentuado aumento da desproporcionalidade entre a perigosidade do próprio atentado e a capacidade de correspondente defesa do visado, e especial idoneidade à produção de gravoso – quiçá fatal – lesionamento; seja, por conseguinte, portador de letalidade acrescida, de um poder mortífero ou lesional ante o qual a possibilidade de defesa é reduzida ou inexistente, em grau superlativamente superior, pois, a quaisquer utensílios/processos/métodos naturalmente dotados de correspectiva virtualidade mecânica (física), na maior parte das vezes historicamente usados em concernentes investidas/atentados, em si já bastantemente perigosos e a tanto potencialmente aptos, como sejam punhais, facas, navalhas, foices, gadanhas, enxadas, sachos, setas, lanças, dardos, picadores de gelo, revólveres, pistolas, espingardas (mormente caçadeiras), vulgares objectos de natureza e/ou idoneidade contundente (tacos de beisebol, bastões, mocas, pedras, martelos, barras metálicas, etc.) – vide, a propósito, exemplificativamente: Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, pág. 37; e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 1986 (Proc. n.º 038375), 18 de Dezembro de 2002 (Proc. n.º 03P1671), 4 de Maio de 2011 (Proc. n.º 1702/09.1JAPRT.P1.S1) e 23 de Fevereiro de 2012 (Proc. n.º 123/11.0JAAVR.S1), e do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Dezembro de 2012 (Proc. n.º 1947/11.4JAPRT.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Neste conspecto, conceber-se-ão então, logicamente, no plano abstracto (dos princípios), como meios dotados de particular perigosidade quando usados para atentar contra pessoais valores vida e/ou integridade físico-corporal as armas de fogo automáticas (máxime metralhadoras e pistolas-metralhadoras), granadas, bombas, lança-chamas, lançadores de químicos tóxicos, projecção de penhascos e/ou para a frente de comboios e/ou outros veículos automóveis em veloz movimento, naturalmente entre outros praticamente impeditivos de qualquer esquiva e incólume salvação da própria vítima. Porém, sendo a respectiva utilização meramente indiciária do exacerbamento do desvalor da conduta do agente infractor e/ou do grau da sua correspondente culpabilidade, o juízo avaliativo da extraordinária/especial/ acrescida censurabilidade do seu atentatório acto, pressuposto pela enunciada dimensão normativa para a respectiva qualificação criminal, sempre, a final, dependerá da perspectiva (visão) global do casuístico e contextual circunstancialismo em que ocorra, ainda que o instrumento/processo/método para o efeito utilizado não reúna, por si, tal excepcional perigosidade, como nos parece de mediana compreensibilidade – vide, neste sentido, especialmente: Jorge de Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo I, págs. 25-29; e acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Setembro de 2008, produzido no âmbito do Proc. n.º 08P2491 e do Tribunal da Relação do Porto de 26 de Abril de 2017, produzido no âmbito do Proc. n.º 2612/15.9JAPRT.P1, in www.dsgi.pt.
No caso vertente, considerando o acervo fáctico demonstrado, afigura-se que a circunstância do arguido ter utilizado como meio de agressão um veículo automóvel a que imprimiu velocidade relevante na direcção do corpo das vítimas, sem lhes conceder a mínima hipótese de se defender, se mostra fortemente indiciadora da sua especial censurabilidade ou perversidade na execução dos crimes de ofensa à integridade física, consumados e tentados. Ora, em função de tal conjugação de factores, associada à gratuitidade da motivação dos arguidos, que dirigiram a sua hostilidade ao ofendido unicamente por estarem frustrados e indignados com a impossibilidade de aceder ao interior do estabelecimento de diversão noturna em apreço, haver-se de concluir pela superlatividade do desvalor ético-jurídico de tais ofensores comportamentos e, assim, pela especial censurabilidade da respeitante atitude do arguido e, consequentemente, pela qualificação do correspondente ilícito criminal. Deste modo, o meio utilizado pelo arguido tem de se considerar particularmente perigoso, sendo a conduta do arguido subsumível na alínea h) do n.º 2 do artigo 132.º do Código Penal. Portanto, todos os aludidos crimes de ofensa à integridade física perpetrados pelo arguido, quer na forma tentada, quer consumem, assumem as qualificativas em presença, devendo, portanto, ser subsumidos ao disposto no artigo 145.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Crimes de coacção
(…)
A consequência que se segue é, pois, nesta parte, a da absolvição.
Crime de condução sem habilitação legal
5. Ao abrigo do preceituado no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, comete o crime de condução de veículo a motor sem habilitação legal “quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada” (n.º 1), bem como quem “conduzir, nos termos do número anterior, motociclo ou automóvel” (n.º 2).
Das disposições conjugadas dos artigos 121.º a 125.º do Código da Estrada, a habilitação para conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada pode ser titulada, por um lado, por carta de condução, para condução de veículos automóveis e motociclos de cilindrada superior a 50 cm3, e, por outro lado, por licenças de condução, para a condução de motociclos de cilindrada não superior a 50 cm3 e outros veículos a motor que não seja veículos automóveis nem motociclos de cilindrada superior a 50 cm3.
Caracterizado que foi, nos termos que antecedem, o tipo legal de crime em enfoque nestes autos, cumpre agora fazer a sua subsunção à factualidade apurada, de molde a indagar se o arguido praticou tal ilícito penal.
Assim, tendo ficado provado que o arguido, naquela ocasião, conduziu o veículo com a matrícula (...) na via pública sem que estivesse habilitado com título que lhe permitisse exercer a condução daquele tipo de veículo não restam dúvidas de que o mesmo, com a sua conduta, preencheu os aludidos elementos do tipo legal objectivo de um crime de condução de veículo sem habilitação legal. Com efeito, ficou sobejamente demonstrado que o arguido somente ficou habilitado com licença de condução cerca de cinco meses (em 31 de Agosto de 2016) depois do exercício da condução de forma ilícita sub judice.
Crime de condução perigosa de veículo rodoviário
6. Por sua vez, dispõe o artigo 291.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, que “quem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada: a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.”
Trata-se de um tipo de crime que supõe, como elemento do tipo, a verificação de um perigo concreto, isto é, pressupõe que o agente com o seu comportamento crie um perigo para os bens jurídicos protegidos com a norma (neste sentido, entre outros, vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 19997, in BMJ n.º 468, pág. 124, e de 18 de Outubro de 2000, proferido no proc. n.º 83/2000, da 3.ª Secção).
Como diz Germano Marques da Silva, in Crimes Rodoviários, pena acessória e medidas de segurança, pág. 14, “nos crimes de perigo concreto é necessária a prova de que nas circunstâncias do caso o comportamento do agente criou um perigo de lesão de bens jurídicos que a incriminação tutela (…). No artigo 291.º exige-se que a conduta do agente crie perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais de valor elevado, pelo que é sempre necessária a prova de que o comportamento descrito no tipo legal foi, nas circunstâncias concretas da acção, causa da criação de uma situação de perigo para aqueles bens jurídicos.”
Pretende-se “evitar, ou pelo menos manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar assustadoramente no nosso país nos últimos anos, punindo todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado” (neste sentido Actas 1993, Acta n.º 49, artigo 286.º apud Paula Ribeiro de Faria, Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 1079).
Efectivamente, trata-se de uma incriminação com a notória preocupação de redução ou contenção da sinistralidade rodoviária e de protecção dos utentes da via pública em relação a condutas ousadas ou temerárias, e, por via disso, potenciadoras ou criadoras do risco de acidentes.
Para se verificar o preenchimento dos elementos objectivos do tipo legal da condução perigosa, previsto no artigo 291.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, é necessário que se demonstre a violação das regras de circulação rodoviária previstas no Código da Estrada, violação essa que terá de ser grosseira.
Efectivamente, “não se trata da simples violação das regras de trânsito, nem da violação que ocasione um perigo concreto, porque este é o evento da acção e a violação grosseira é a causa desse evento, mas de temeridade, de ousadia perante o perigo quase certo, previsto ou previsível atentas as circunstâncias. O condutor devia prever que naquelas circunstâncias a violação daquelas regras de trânsito era especialmente adequada a causar um perigo concreto para determinados bens jurídicos e, por isso, era mais forte o dever de evitar aquele comportamento” (cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., pág. 51).
Acresce que, o crime em causa é configurado como um crime de perigo concreto, na medida em que não exige, como elemento do tipo, um dano ou lesão efectiva dos bens jurídicos protegidos, limitando-se a exigir a criação de um real e concreto perigo para a vida, a integridade física e bens patrimoniais de valor elevado (este sentido, vide Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Junho de 2006, do Tribunal da Relação de Coimbra de 24 de Novembro de 2004 e de 25 de Fevereiro de 1999, do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Março de 2006 e do Tribunal da Relação do Porto de 3 de Novembro de 2004 e de 25 de Janeiro de 2006, todos disponíveis in www.dgsi.pt).
Ciente da mais-valia inerente aos valores tutelados e não olvidando os aludidos índices da sinistralidade rodoviária, enveredou o legislador pela punição do chamado âmbito pré-delitual, originando como que uma antecipação da punibilidade através do recurso à figura do crime de perigo concreto: na estrutura do tipo a exigência de perigo surge como seu elemento essencial, constituindo o resultado da acção independentemente do dano efectiva e eventualmente ocasionado (cfr. Germano Marques da Silva, ob. cit., pg.18).
A este respeito, refere Faria Costa, in O Perigo em Direito Penal, pág. 580, que a mera possibilidade de produção do resultado não é suficiente para caracterizar a situação de perigo, isto é, não engloba os elementos suficientes para se defender que se está perante um perigo jurídico-penalmente relevante.
No mesmo sentido, Figueiredo Dias, in Direito Penal I, Parte Geral, Tomo I – Questões Fundamentais, pág. 292, expõe que “nos crimes de perigo concreto o perigo faz parte do tipo, ou seja, o tipo só é preenchido quando o bem jurídico tenha efectivamente sido posto em perigo”.
O perigo concreto ocorrerá, assim, quando, por força do comportamento assumido, se chega a uma situação crítica em que a segurança de uma pessoa (vida ou integridade física) ou de uma coisa (bem patrimonial de valor elevado) é de tal modo atingida que unicamente dependerá do acaso que a lesão de tais bens se realize ou não.
No sentido suposto pelo preenchimento da factualidade em causa, o conceito de perigo há-de, pois, ser entendido em sentido normativo, como todo o estádio a partir do qual se torna provável a produção de um resultado negativo, valorando-se toda a concreta situação fáctica da qual se desprende a possibilidade de um resultado juridico-penalmente desvalioso se vir a desencadear ou a acontecer (cfr. José Faria Costa, O Perigo em Direito Penal, contributo para a sua fundamentação e compreensão dogmáticas, pág.611).
Para que determinada conduta possa vir a ser subsumida à materialidade objectiva do tipo considerado não basta, porém, que a acção perpetrada seja em si mesma perigosa segundo as regras da experiência, sendo ainda necessário que, nas particulares circunstâncias verificadas, um resultado perigo violação haja sido efectivamente criado para algum dos bens genericamente tutelados em razão directa da actuação desenvolvida pelo agente.
Neste sentido, e uma vez que o evento perigoso se distingue, em termos fenomenológicos, da conduta que lhe dá causa, pode dizer-se que o crime de condução perigosa de veículo rodoviário é, do ponto de vista da actuação desenvolvida, um crime material ou de resultado.
Porém, e na medida em que o perigo reprimido só é jurídico-penalmente relevante se alcançado ou causado por determinada forma, tipicamente prevista, o delito em análise estrutura-se ainda, do ponto de vista da actuação do agente sobre o bem protegido, como um crime de execução vinculada.
A possibilidade de reconduzir determinado comportamento à previsão típica da norma incriminadora suporá, deste modo, que a conduta em causa revista determinadas características, consistindo forçosamente na condução de veículo em via pública ou equiparada, ao que se associará, na modalidade de execução ora considerada, a violação grosseira das regras da circulação rodoviária.
Analisado que fica o tipo objectivo do ilícito convocado, vejamos se, atenta a matéria provada, é a conduta do arguido, quer exercia a condução, subsumível à respectiva factualidade.
Ora, atentas as inúmeras manobras efectuadas pelo arguido, designadamente a condução de veículo em sentido oposto ao estabelecido, a condução com velocidade excessiva para as características da via, num caso em que, atento o número de peões na via, a velocidade devia ser especialmente moderada, e a condução sem manutenção da distância suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam na mesma faixa de rodagem, neste caso em sentido oposto, dúvidas não subsistem de que, além de não reunir condições para exercer a condução, o mesmo violou de forma grosseira as regras da circulação rodoviária, infringindo ostensivamente os comandos insertos, verbo gratia, nos artigos 13.º, n.º 5, 18.º, n.º 2, e 145.º, n.º 1, alíneas a) e e) do Código da Estrada.
Acresce que, a possibilidade de afirmação da responsabilidade criminal do arguido sustenta-se, logo no plano da imputação objectiva, na demonstração do resultado tipicamente previsto, ou seja, na constatação de que da actuação levada a cabo pelo mesmo resultou uma concreta situação de perigo concreto para a vida e integridade física de terceiros em circulação na estrada, cujo resultado acabou por se concretizar.
No caso concreto, o arguido violou as exigências de cuidado que objectivamente lhe eram impostas e de que era capaz, dando assim, com a sua conduta causa ao embate em questão nos autos. Ao postergar as precauções que lhe eram exigidas na condução, o arguido deve ser penalizado pelo evento, incorrendo igualmente na prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário.
7. Do ponto de vista subjectivo, tratam-se de crimes essencialmente dolosos, pelo que, de acordo com a conceitualização da doutrina hoje dominante, se exige que o agente tenha conhecimento (momento intelectual) e vontade (momento volitivo) de realização do tipo objectivo de ilícito.
De um lado, impõe-se que, ao actuar, o agente conheça tudo o que é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito, de outro, exige a verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização, que se pode manifestar com maior ou menor grau de intensidade, de acordo com o disposto no artigo 14.º do Código Penal (a este propósito, vide Figueiredo Dias, “Direito Penal, Parte Geral”, Tomo I, 2004, pág. 328 e ss).
Do que ficou dito resulta que a afirmação do dolo do tipo exige, antes de tudo, a apreensão do sentido ou significado, no essencial e segundo o nível próprio das representações do agente, da totalidade dos elementos constitutivos do respectivo tipo de ilícito objectivo, da factualidade típica.
No caso dos autos, resultou provado, no essencial, que o arguido agiu com vontade determinada de atingir os ofendidos na sua integridade física, bem como de exercer a condução perigosa sem estar habilitado com licença para o efeito, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, pelo que se mostra preenchido o elemento subjectivo, nas suas vertentes cognitiva e volitiva.
Nesta conformidade, no caso dos autos é ostensivo que este arguido actuou sempre com dolo directo, nos termos do disposto no artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal.
8. Refira-se ainda que nenhum dos factos provados tem a virtualidade de integrar qualquer causa de justificação da ilicitude ou de exclusão da culpa do arguido, sem prejuízo de serem considerados no momento da determinação concreta da medida da pena a aplicar ao mesmo.
Face ao exposto, deve o arguido ser condenado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma consumada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal; dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, alíneas a) a c), 23.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal; um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, previsto e punido pelo artigo 291 n.º1, alínea b), do Código Penal; e um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, nº. 1 e 2, do Decreto-Lei nº. 2/98, de 3 de Janeiro; devendo, no mais, o arguido ser absolvido.

2.º DETERMINAÇÃO DA ESPÉCIE E MEDIDA DA PENA
1. O Código Penal traça um sistema punitivo que parte do princípio basilar de que as penas devem ser executadas com um sentido pedagógico e ressocializador. Efectivamente, o artigo 40.º do Código Penal elege como fins das penas e das medidas de segurança a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente infractor na sociedade. Em articulação com este preceito, o n.º 1 do artigo 71.º do diploma legal citado, estabelece que a determinação da medida da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. No processo de escolha da medida da reacção criminal a culpa assume, assim, a dignidade de pressuposto incontornável de toda e qualquer punição.
Como considera Figueiredo Dias, in Das Consequências Jurídicas do Crime), a culpa e a prevenção constituem os dois vectores fundamentais em que assenta a operação de determinação da medida da pena. “Através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências de prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena.
Através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime – ligada ao mandamento incondicional de respeito pela imanente dignidade da pessoa do agente – limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.”
No caso vertente, temos que os crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, são punidos com pena de prisão de 1 (um) mês até 4 (quatro) anos, os crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma tentada, são punidos com pena de prisão de 1 (um) mês até 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, o crimes de condução perigosa de veículo rodoviário é punido com pena de prisão de 1 (um) mês a 3 (três) anos ou com pena de multa de 10 (dez) dias a 360 (trezentos e sessenta) dias e o crimes de condução sem habilitação legal é punido com pena de prisão de 1 (um) mês até 2 (dois) anos ou com pena de multa de 10 (dez) dias até 240 (duzentos e quarenta) dias, nos termos do disposto nos artigos 23.º, n.º 2, 41.º, 47.º, 73.º, 143.º, n.º 1, 145.º, n.º 1, alínea a), e 291.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal, e artigo 3.º, n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro.
Foi o legislador que, atendendo aos ponderosos interesses em causa, afastou a regra da preferência pela pena não detentiva no caso dos crimes ofensa à integridade física qualificada, impondo a pena de prisão como única aplicável.
No mais, tratando-se de crimes punidos, em alternativa, com pena de prisão ou pena de multa, importa desde logo proceder à escolha da sanção a aplicar, em obediência ao disposto no artigo 70.º do Código Penal, nos termos do qual “se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
No caso vertente, avultam essencialmente factores que depõem contra o arguido, designadamente o elevado grau de ilicitude das suas condutas, o modo de execução especialmente desvalioso das condutas delituosas, a intensidade do dolo dessa conduta – que, neste caso, é directo –, a circunstância dos arguidos terem antecedentes criminais pela prática de diversos crimes violentos (designadamente crimes de roubo) e, “the last, but not the least”, razões de prevenção geral, porquanto, crimes como o dos autos têm uma enorme incidência por todo o país e este tipo de criminalidade gera grande sentimento de insegurança na população.
Ponderando os factores concretos de determinação da pena supra referidos, afigura-se que, não obstante a pena de prisão esteja sujeita ao princípio de ultima ratio, a pena de multa não se mostra suficiente e adequada a prevenir a prática de novos crimes, quer por parte do arguido, quer por parte da comunidade em geral.
A reforçar este entendimento, refira-se que o arguido praticou sucessivamente graves ilícitos criminais e que as vivências do mesmo são marcadas por uma permanente situação de exclusão social, bem como pelo ostensivo desinteresse pelo desenvolvimento de qualquer actividade laboral ou socialmente útil.
Resta, por conseguinte, determinar o seu quantum.
2. Para a determinação da medida concreta da pena, importa ponderar todas as circunstâncias que, não integrando o tipo legal de crime em análise, se revelem susceptíveis de evidenciar as exigências concretas da culpa e da prevenção, em conformidade com o estatuído no n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, tendo presente a sua natureza ambivalente, bem como a necessidade de ponderação global e valoração concreta de todas as circunstâncias apuradas.
A culpa do agente, por consubstanciar um juízo de valor, é insusceptível de medição exacta, pelo que, se confere ao julgador alguma flexibilidade na sua apreciação – que Anabela Miranda Rodrigues sublinha não ser ilimitada, mas consubstanciar discricionariedade juridicamente vinculada, sindicável por via de recurso – e que, não obstante, deverá ser integrada pela consideração das exigências de prevenção de futuros crimes (cfr. “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2, Abril -Junho de 2002, pág. 147/182).
O quantum de culpa constituirá sempre o limite máximo da pena a aplicar, em nome do princípio da culpa em sentido unilateral, segundo o qual, apesar de poder haver culpa sem pena, a pena dependerá sempre da existência de culpa, nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 2, do Código Penal.
Neste contexto, a prevenção geral determinará o mínimo abaixo do qual a intervenção punitiva do Estado seria de todo ineficaz para restabelecer a confiança comunitária na norma e ao mesmo tempo o máximo, que será o ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e de estabilização das expectativas comunitárias; a culpa funcionará sempre como limite máximo inultrapassável da pena, ainda que abaixo do óptimo encontrado quando operando com critérios de prevenção geral; por último, dentro da moldura assim encontrada, funcionará a prevenção especial positiva que determinará o quantum necessário para permitir ao arguido a sua ressocialização.
No caso sub judice, o Tribunal ponderou o elevado grau de ilicitude dos factos (especialmente desvalioso face ao ostensivo desrespeito manifestado pela dignidade humana das vítimas, ao número de pessoas em perigo e ao comportamento persistente no arguido no sentido de perpetrar o ilícito), bem como a intensidade do dolo com que o arguido agiu, que foi directo, pois que o arguido sabia e quis agir do modo descrito. Também foram ponderadas as qualidades das suas personalidades manifestadas nos factos e os antecedentes criminais, revelando já anteriormente uma marcada desconformação com o direito (atenta a gravidade dos ilícitos por que foi anteriormente condenado).
Mais considerou o Tribunal a desinserção sócio-profissional do arguido e o facto do mesmo beneficiar de um suporte familiar pouco sólido – saliente-se que a família do mesmo revelou não só total inaptidão para o proteger e para satisfazer as suas necessidades específicas até ao presente, mas também débil capacidade para o fazer no futuro uma vez que se mantêm os mesmos condicionalismos anteriormente verificados que condicionaram o desenvolvimento salutar deste jovem.
Acresce que o arguido, com as suas condutas, demonstrou uma manifesta falta de respeito pela integridade física das vítimas e incapacidade para assimilar o desvalor jurídico das suas condutas, bem como revelou individualismo e incapacidade para assimilar a sua responsabilidade ética perante os seus pares no meio social envolvente. Além do que a sua integração social depende exclusivamente do esforço de terceiros, designadamente do Estado e dos seus familiares, bem como das entidades com competência em matéria de infância e juventude, e não do seu empenho pessoal.
No que concerne às necessidades de prevenção geral, diremos que as mesmas são se fixam num grau muito alto, merecendo, no caso em apreço, um especial cuidado, não só porque têm frequentemente sido levadas a cabo na nossa sociedade, como também pelo modo próprio e motivos subjacentes, sendo necessário repor a confiança nas normas jurídicas violadas de tal forma que se evitem situações de insegurança.
Por último, e no que diz respeito à prevenção especial, teremos que atender ao modo como o crime foi cometido, à intensidade do dolo que presidiu às suas resoluções e à existência de antecedentes criminais.
Assim, num juízo de ponderação global será adequado aplicar ao arguido:
(i) a pena de 14 (catorze) meses de prisão pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificado perpetrados na pessoa de (...) e a pena de 8 (oito) meses de prisão pela prática do crime de ofensa à integridade física qualificado perpetrados na pessoa do indivíduo cuja identidade não se logrou apurar; fundamentando-se a discrepância da medida concreta das penas na maior relevância das lesões sofridas pela primeira;
(i) a pena de 4 (quatro) meses de prisão pela prática de cada um dos crimes de ofensa à integridade física, na forma tentada, respectivamente;
(iii) a pena de 20 (vinte) meses de prisão pela prática do crime de condução perigosa de veículo rodoviário; e
(iv) a pena de 6 (seis) meses de prisão pela prática de cada do crime de condução sem habilitação legal.
3. Uma vez que se nos depara um caso em que o arguido cometeu seis crimes em concurso real e efectivo, impõe-se proceder à aplicação de uma pena única, nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal.
De acordo com este preceito, “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.”
Neste caso, nos termos do n.º 2 do mesmo preceito, “a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes”.
Atentas estas regras, deverá equacionar-se a cumulação jurídica das penas únicas aplicadas ao arguido de acordo com a moldura que varia entre os 20 (vinte) meses de prisão e os 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão.
No caso vertente, o arguido possui antecedentes criminais pela prática de crimes violentos, não exercia qualquer actividade laboral e não demonstrou qualquer capacidade para inverter o sentido do desvalor das suas condutas, pelo que o Tribunal não consegue efectuar um juízo de prognose favorável em relação ao mesmo.
Acresce que, a personalidade revelada pelo arguido (manifestada no extenso elenco dos factos dados como provados), bem como o comportamento anterior do mesmo (caracterizado nos seus antecedentes criminais) e posterior aos factos (expresso sobretudo na sua postura de total ausência de crítica em relação à ilicitude e à danosidade social das suas condutas ilícitas) revela o carácter assaz elevado das exigências de prevenção especial in casu.
A par deste juízo de prognose desfavorável no sentido de que o arguido voltará a delinquir, afigura-se-nos serem igualmente elevadas as expectativas da comunidade no sentido da defesa do ordenamento jurídico em face das características, da extensão e da gravidade das condutas ilícitas praticadas pelo arguido pelo que se impõe a aplicação ao mesmo de uma pena de prisão efectiva.
Com efeito, neste contexto, tendo em conta as finalidades da prevenção, quer geral, quer especial, cumpre incentivar nos cidadãos a convicção que comportamentos deste jaez são punidos, assim como há que dissuadir o arguido para que não volte a prevaricar.
Na verdade, a pena só cumpre a sua finalidade enquanto sentida como tal pelo seu destinatário. As penas têm essa designação, de outro modo não o seriam, nem constituiriam dissuasor necessário para prevenir as infrações, se não forem sentidas como tal, quer pelo agente, quer pela comunidade em geral.
Ponderando os vectores apontados, o conjunto dos factos, especialmente o grau de ilicitude das condutas do arguido e a personalidade do mesmo, e tendo em conta a moldura penal dos crimes pelos quais o arguido vai condenado, afigura-se adequado e suficiente fixar, atentas as considerações expendidas supra, a pena única em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.
4. Segundo os artigos 43.º e 70.º do Código Penal, o julgador tem o poder dever de, consideradas as exigências de cada caso concreto, preterir as penas privativas da liberdade face às não privativas da liberdade.
Na verdade, nos termos do artigo 50.º do Código Penal estatui que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Nesta sede não estão em causa considerações sobre a culpa, mas exigências de prevenção, importando de determinar se existe a possibilidade fundada de que a socialização pode ser alcançada em liberdade.
Deste modo, sempre que o julgador formular um juízo de prognose favorável, à luz de considerações de prevenção especial, acerca da possibilidade de ressocialização, deverá deixar de decretar a execução da pena de prisão (neste sentido, vide Acórdão da Relação de Évora de 4 de Janeiro de 2000, in BMJ, Nº 493, pág. 432).
No plano da prevenção especial mostra-se necessária uma resposta punitiva que promova uma eficaz recuperação do agente, prevenindo a prática de comportamentos da mesma natureza, fazendo-lhe sentir a antijuridicidade e gravidade da sua conduta. Por isso, a opção deve partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a autoprevenção do cometimento de novos crimes, devendo a suspensão ser decretada sempre que se configure esse juízo favorável.
No caso em apreço, contudo, atenta a gravidade dos factos pelos quais o arguido vai condenado a precariedade da sua inserção social, os seus problemas comportamentais e a falta de manifestação ao longo do seu percurso de vida de um esforço sério do mesmo no sentido de reverter as debilidades do seu processo vivencial, sempre se deveria entender que somente a pena de prisão efectiva acautela in casum as finalidades da punição.
Destarte, deverá inexoravelmente o arguido cumprir a aludida pena de prisão efectiva.
(…).»

2.3. Conhecimento do recurso
2.3.1. Da impugnação da matéria de facto dada como provada, por erro de julgamento.
Considera o arguido/recorrente que foram incorretamente julgados os factos dados como provados nos pontos 4 a 32, no que diz respeito à autoria/prática pelo arguido, ora recorrente, de tais factos.
Para fundamentar o invocado erro de julgamento, o recorrente sustenta, em síntese, que o depoimento da testemunha (...), que foi crucial para que o Tribunal a quo sedimentasse a convicção de que era o arguido/ora recorrente quem conduzia o veículo automóvel utilizado no cometimento dos factos que resultaram apurados – constando da motivação da decisão de facto exarada no acórdão recorrido ter sido a única testemunha presente no local que identificou cabalmente o arguido, como sendo o individuo que conduzia a viatura no momento em que os factos ocorreram –, jamais poderia sustentar essa convicção – posto que a mesma testemunha, no depoimento prestado afirmou não conhecer o arguido e referiu-se aos “indivíduos” que iam no aludido veículo, não identificando o arguido – pelo que, na ausência de qualquer outra prova de que resultasse confirmado ser o arguido/recorrente que, naquelas concretas circunstâncias, conduzia o veículo em causa, o depoimento da testemunha (...), bem como os depoimentos das testemunhas (...) e (...) e as imagens da videovigilância recolhidas no local dos factos, impunham decisão diversa, ou seja, que fosse dado como não provado que fosse o arguido, ora recorrente, quem, conduzindo o veículo em causa, praticou os factos dados como assentes.
O Ministério Público, em 1ª instância, pronuncia-se no sentido de não assistir razão ao arguido/recorrente, defendendo que o Tribunal a quo fez uma correta apreciação da prova produzida.
Por sua vez, o Exm.º PGA, junto desta Relação, emitiu parecer no sentido de se verificar erro ou lapso de escrita, no acórdão recorrido, na motivação da decisão de facto, relativamente na menção que é feita ao nome da testemunha (...), como sendo quem, no depoimento que prestou, afirmou ser amigo do arguido e tê-lo reconhecido como sendo o condutor do veículo no momento da prática dos factos, dado que resulta inequívoco, que a testemunha que prestou depoimento nesse sentido foi a testemunha (…), tendo, nesse segmento do acórdão recorrido, o nome da testemunha (…) sido trocado pelo nome da testemunha (...). Defende o Exm.º PGA que o assinalado lapso pode ser corrigido por este Tribunal da Relação ao abrigo do disposto no artigo 380º, n.ºs 1, al. b) e n.º 2, do CPP, na medida em que o recorrente ao impugnar a matéria de facto, nos termos em que o faz, legitima a audição integral dos depoimentos produzidos em audiência, atento o disposto no n.º 6 do artigo 412º do CPP.
Apreciando:
O erro de julgamento, reportado à previsão do artigo 412º, n.º 3, do CPP, ocorrerá quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova, pelo que deveria ter sido considerado como não provado ou quando se deu como não provado um facto que, face à prova produzida, deveria ter sido considerado provado.
Impugnando a matéria de facto, invocando o erro de julgamento, o recorrente deve cumprir o ónus da tripla especificação, previsto neste n.º 3 do artigo 412º do CPP, ou seja, deve especificar: a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e; c) as provas que devem ser renovadas [quando disso for caso].
Tratando-se de provas gravadas, de harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 412º, do CPP, as duas últimas especificações são feitas por referência ao consignado na ata, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 364º, com a indicação concreta das passagens em que se funda a impugnação.
Um ponto que tem sido sublinhado na jurisprudência dos nossos tribunais superiores e tem merecido geral aceitação é o de que para provocar uma alteração da decisão em matéria de facto, não basta a existência de provas que, simplesmente permitam ou até sugiram conclusão diversa da ínsita na decisão recorrida; exige-se que concretas provas indicadas pelo recorrente imponham decisão diversa daquela que o tribunal proferiu.
Neste âmbito, o tribunal de recurso limita-se, a aferir do processo de motivação e de conformidade com as regras legais de apreciação de prova e a só pode determinar a alteração da matéria de facto fixada se concluir que os elementos de prova indicados pelo recorrente impõem uma decisão diversa e não se apenas permitem uma outra decisão.
É que a decisão do recurso sobre a matéria de facto não pode ignorar, antes tem de respeitar o princípio da livre apreciação da prova do julgador, estabelecido no artigo 127º do Código de Processo Penal, de acordo com a qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente, e a sua relação com os princípios da imediação e a oralidade.
A ideia da livre apreciação da prova, “uma liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a verdade material”[1], assenta nas regras da experiência e na livre convicção do julgador.
Este critério de apreciação da prova, implica que o julgador proceda a uma valoração racional, objetiva e crítica da prova produzida.
Como vem sendo reiteradamente sustentado pela jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores, a livre apreciação da prova não significa “apreciação arbitrária, discricionária ou caprichosa da prova”, nem apreciação subjetiva do julgador.
Tal como faz notar o Prof. Germano Marques da Silva[2], a livre apreciação da prova deve ser entendida como “valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objetivar a apreciação, requisito necessário para uma efetiva motivação da decisão”.
Existirá violação do princípio da livre apreciação da prova se, na apreciação da prova e nas ilações extraídas, o julgador não respeitar os princípios em que se consubstancia o direito probatório e as regras da experiência comum, da lógica e de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório[3].
Tendo presentes as considerações que se deixam expendidas e baixando ao caso concreto:
Uma nota prévia para referir o seguinte:
Verifica-se que as conclusões do recurso em apreciação, embora contenham a especificação concreta dos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados são omissas quanto à indicação das passagens da gravação em que se funda a impugnação.
Não estão, pois, as conclusões formuladas de forma inteiramente correta.
O artigo 417º, n.º 3, do Código de Processo Penal permite o convite ao aperfeiçoamento da respetiva peça processual se a motivação do recurso não contiver conclusões ou destas não for possível deduzir total ou parcialmente as indicações previstas nos n.ºs 2 a 5 desse normativo.
Entendemos, porém, que se a indicação das especificações legais previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 412º do CPP constarem do corpo da motivação do recurso, como acontece, in casu (transcrevendo o recorrente as passagens dos depoimentos das testemunhas (...), (...) e (...) que, em seu entender, impõem uma diversa decisão de facto e indicando, previamente a cada uma dessas transcrições, os minutos do tempo de gravação em que se encontram), não se deverá ser demasiado formalista e, não se decidindo, como não se decidiu, pelo convite ao aperfeiçoamento, deverá conhecer-se da impugnação ampla, erro de julgamento, na apreciação da prova.
Assim e apreciando:
Tal como já referimos supra, sustenta o arguido/recorrente que a prova produzida, na audiência de julgamento, não permite afirmar que fosse ele o condutor do veículo automóvel utilizado no cometimento dos factos dados como assentes, enfatizando que a testemunha/ofendido (...) não prestou depoimento no sentido que foi enunciado pelo Tribunal a quo, na motivação da decisão de facto, não sendo o mesmo amigo do arguido, nem o indicando ou reconhecendo como sendo o condutor do veículo em questão, pelo que, na ausência de outra prova de que resulte que confirmada a autoria/participação do arguido na prática daqueles factos – não se encontrado as testemunhas (...) e (...) presentes aquando da ocorrência dos factos, nem permitindo as imagens de videovigilância aí colhidas que foram visualizadas na audiência identificar quem eram os dois ocupantes do veículo em apreço, tal como se faz constar da motivação da decisão de facto exarada no acórdão recorrido – se impunha que essa matéria factual fosse dada como não provada, com a consequente absolvição do arguido/recorrente dos crimes por que foi acusado e condenado em 1ª instância.
Tendo-se procedido à audição da gravação do depoimento da testemunha (...), concluímos que assiste razão ao recorrente quando alega que a mesma não prestou depoimento no sentido que vem consignado na motivação da decisão de facto.
Porém, efetuada a audição da gravação do depoimento da testemunha (...), usando-se, para tanto, a faculdade prevista no artigo 412º, n.º 6, do CPP, constata-se que tal como faz notar o Exm.º PGA, no parecer que emitiu, ter sido esta – e não a testemunha (...) – quem afirmou ser amigo do arguido – tendo-o referido ao responder “aos costumes”, nos termos previstos no n.º 3 do artigo 348º do CPP, como ficou a constar da ata da audiência de julgamento, sob a Ref.ª 8292882 – e que afirmou tê-lo reconhecido, enquanto condutor do veículo e que praticou os factos que resultaram apurados.
E dúvidas não existem de que o Tribunal a quo atendeu ao depoimento da testemunha (...), em conjugação com a demais provas que enunciou, na motivação da decisão de facto para alicerçar a sua convicção acerca dos factos que deu como provados, como resulta, desde logo, do segmento inicial dessa motivação, onde consta «A factualidade dada como provada em 1) a 26) alicerçou-se, desde logo, na concatenação da prova documental e pericial com o depoimento das testemunhas (...), , (...)[4], (...), (...), (…) e (…), que presenciaram os factos e depuseram de forma espontânea, objectiva, circunstanciada e absolutamente convincente.»
Seguidamente, na fundamentação da matéria de facto, o Tribunal a quo enunciou de forma resumida o sentido dos depoimentos prestados pelas identificadas testemunhas, não fazendo menção à testemunha (...) e tendo especificado com relação ao depoimento da testemunha (...) o seguinte:
«As testemunhas (…) e (...), clientes do “(...)” que se encontravam na fila a aguardar o momento da sua entrada no estabelecimento, confirmaram com segurança e sinceridade toda a dinâmica dos acontecimentos ilícitos, a forma como foi exercida a condução, o número aproximado de pessoas presente no local, as características da via, o comportamento dos ofendidos e a circunstância de, pelo menos, a ofendida (...) ter sido atingida no corpo (já que verificaram que recebeu assistência médica no local e foi conduzida ao hospital), mas revelaram desconhecer o autor dos factos ilícitos[5].
A testemunha (...), amigo do arguido, prestou um depoimento natural, imparcial, sincero e manifestamente verosímil, explicando que acorreu ao local do crime quando já estava instalada a confusão entre o arguido e os seguranças do estabelecimento, que o reconheceu categoricamente e comprovou o quanto o mesmo se encontrava exaltado, que o viu distintamente a conduzir o veículo com a matrícula (...) na direção do estabelecimento “(...)”, que não teve a mínima dúvida de que o arguido era efectivamente o condutor deste veículo e que o viu a imprimir velocidade ao mesmo veículo na direcção da entrada do estabelecimento[6]. Mais confirmou a condução perigosa exercida pelo arguido, o relevante número e pessoas presentes no local, o facto dos clientes terem tido necessidade de fugir para não serem atingidos pelo veículo e a circunstância da sua amiga (...) ter sido atropelada, tendo sido, nessa sequência, conduzida ao hospital.»
Constata-se que o sentido do depoimento atribuído à mesma testemunha, concretamente, à testemunha (...), no que diz respeito a conhecer o arguido, ora recorrente e a tê-lo identificado como sendo a pessoa que conduzia o veículo aquando da prática dos factos de que se trata, é distinto num e noutro dos parágrafos transcritos.
Assim e, nesse segmento do acórdão recorrido, existe contradição insanável da fundamentação, nos termos previstos na al. b) do n.º 2 do artigo 410º do CPP.
Trata-se de um vício decisório que é de conhecimento oficioso pelo tribunal de recurso e, por que recorrente procede à impugnação ampla da matéria de facto dada como provada, permitindo a esta Relação proceder à audição da gravação da prova produzida na audiência, ao abrigo do disposto no n.º 6 do artigo 412º do CPP, pode este Tribunal sanar o enunciado vício decisório, sem necessidade de reenvio do processo à 1ª instância.
Nesta conformidade, tendo-se procedido à audição dos depoimentos testemunhais produzidos, na audiência de julgamento, entre os quais, os das testemunhas (...) e (...), verifica-se que:
- A testemunha (...) prestou o depoimento de teor que o Tribunal a quo, referindo-se também ao depoimento da testemunha (…), resumiu nos seguintes termos: «As testemunhas (…) e (...), clientes do “(...)” que se encontravam na fila a aguardar o momento da sua entrada no estabelecimento, confirmaram com segurança e sinceridade toda a dinâmica dos acontecimentos ilícitos, a forma como foi exercida a condução, o número aproximado de pessoas presente no local, as características da via, o comportamento dos ofendidos e a circunstância de, pelo menos, a ofendida (...) ter sido atingida no corpo (já que verificaram que recebeu assistência médica no local e foi conduzida ao hospital), mas revelaram desconhecer o autor dos factos ilícitos.»;
- E ter sido a testemunha (...) quem prestou o depoimento no sentido que o Tribunal a quo resumiu do seguinte modo: «A testemunha (...), amigo do arguido, prestou um depoimento natural, imparcial, sincero e manifestamente verosímil, explicando que acorreu ao local do crime quando já estava instalada a confusão entre o arguido e os seguranças do estabelecimento, que o reconheceu categoricamente e comprovou o quanto o mesmo se encontrava exaltado, que o viu distintamente a conduzir o veículo com a matrícula (...) na direção do estabelecimento “(...)”, que não teve a mínima dúvida de que o arguido era efectivamente o condutor deste veículo e que o viu a imprimir velocidade ao mesmo veículo na direcção da entrada do estabelecimento. Mais confirmou a condução perigosa exercida pelo arguido, o relevante número e pessoas presentes no local, o facto dos clientes terem tido necessidade de fugir para não serem atingidos pelo veículo e a circunstância da sua amiga (...) ter sido atropelada, tendo sido, nessa sequência, conduzida ao hospital
Ficou, assim, a dever-se a lapso, a menção, pelo Tribunal a quo, ao nome da testemunha (...) como sendo a testemunha que afirmou ser amigo do arguido e tê-lo reconhecido como sendo o condutor do veículo aquando da prática dos factos em referência, pois que, quem prestou depoimento nesse sentido foi a testemunha (...).
Nessa conformidade, procedendo-se à correção do enunciado lapso e em decorrência à sanação do apontado vício da contradição insanável na fundamentação do acórdão recorrido, determina-se que na motivação da decisão de facto, parágrafos 6º e 15º, onde consta a menção ao nome da testemunha (...), como sendo amigo do arguido e tê-lo identificado como condutor do veículo em questão, passar a constar o nome da testemunha (...).
Ficando, deste modo, sanada a assinalada contradição na fundamentação do acórdão e atribuindo o Tribunal a quo credibilidade ao depoimento da testemunha que afirmou ser amigo do arguido e tê-lo reconhecido naquelas concretas circunstâncias, a conduzir o veículo automóvel em questão – qualificando esse depoimento como natural, imparcial, sincero e manifestamente verosímil –, sendo esse depoimento prestado pela testemunha (...) e inexistindo quaisquer razões objetivas para pôr em causa essa atribuição de credibilidade, identificando a testemunha (…) o arguido, ora recorrente, como sendo o condutor do aludido veículo e quem praticou os factos dados como provados, nenhuma censura merece a decisão do Tribunal a quo ao dar como assente essa factualidade.
Concluímos, assim, não existir erro de julgamento, por parte do Tribunal a quo, na apreciação/valoração da prova a que procedeu.
E entendemos não existir violação do principio da livre apreciação da prova consagrado no artigo 127º do CPP, nem das normas constitucionais ínsitas nos artigos 32º, n.º 1 e 205º, n.º 1, da CRP, que são convocados pelo recorrente.
O acórdão mostra-se devidamente fundamentado, designadamente e na parte que agora importa considerar, no referente à decisão de facto, tendo o Tribunal a quo enunciado as provas em que alicerçou a sua convicção e procedendo ao respetivo exame crítico, evidenciando o raciocínio seguido para atingir a convicção que formou, em nada sendo esse raciocínio afetado, pelo lapso material cometido e que agora foi corrigido, no tocante à identidade da testemunha cujo depoimento foi determinante para que o tribunal sedimentasse a convicção segura de que o arguido era o condutor do veículo em causa e praticou os factos dados como assentes, observando a exigência prevista no artigo 374º, n.º 2, do CPP, permitindo ao arguido/recorrente exercer, plenamente, o contraditório e o direito de defesa (cf. artigo 32º, n.º 1, da CRP), como, aliás, os exerceu, por via da interposição do recurso ora em apreciação.
Mantém-se, assim, inalterada a matéria de facto fixada na 1ª instância, com a ressalva do que se irá decidir em 2.3.2 e 2.3.3.

2.3.2. Correção de lapso material existente no acórdão recorrido
O Exm.º PGA, no parecer que emitiu, anotando a existência de lapso no ponto 50) da matéria factual provada, no que diz respeito à data do trânsito em julgado do acórdão condenatório aí referido, propõe que tal lapso seja corrigido, ao abrigo do disposto no artigo 380º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP.
Apreciando:
No ponto 50) da matéria factual provada, faz-se constar como data do trânsito em julgado do acórdão proferido no processo 241/15.6PBTMR, a de 13 de Janeiro de 2014, tendo o arguido sido aí condenado por factos/crimes praticados em 15 de Dezembro de 2015, sendo evidente a incompatibilidade entre uma e outra das referidas datas.
Analisado o CRC do arguido junto aos autos, a fls. 357 a 360, a cujo teor o Tribunal a quo atendeu para prova das condenações sofridas pelo arguido, dele resulta que o acórdão proferido no âmbito do processo n.º 241/15.6PBTMR, em 24/04/2018, transitou em julgado em 21/09/2019 e não em 13/01/2014, como erradamente se fez constar do ponto 50) da matéria factual provada.
Estando-se perante um mero lapso de escrita, ao abrigo do disposto no artigo 380º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, determina-se a correção do acórdão recorrido, retificando-se o referido lapso, existente no ponto 50) da matéria factual provada, em termos de onde consta “… 13 de Janeiro de 2014”, passar a constar “21 de setembro de 2019”.

2.3.3. Da insuficiência da matéria de facto para a decisão
No que diz respeito às condenações sofridas pelo arguido, ora recorrente, verifica-se que, no ponto 49) da factualidade provada, não consta a data do trânsito em julgado do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 367/12.8PBTMR.
Sucede que essa data se mostra relevante para a ponderação que haverá que fazer em sede de determinação da medida concreta da pena, designadamente, em termos de saber se o cometimento dos factos que estão em causa nos presentes autos, em momento anterior ou posterior ao da ocorrência daquele trânsito em julgado.
A omissão da data do trânsito em julgado do referenciado acórdão condenatório integra o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, previsto na al. a) do n.º 2 do artigo 410º do CPP.
Sendo o assinalado vício de conhecimento oficioso e podendo ser sanado por este Tribunal da Relação, sem necessidade de reenvio, considerando o teor do CRC do arguido que se mostra junto aos autos, a fls. 357 a 360, decide-se aditar à redação do ponto 49) dos factos provados, a data do trânsito em julgado do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 367/12.8PBTMR e que é a data de 13/01/2014.

2.3.4. Considerando a factualidade provada e dando-se aqui por reproduzidas as considerações jurídicas expendidas, no acórdão recorrido, sobre os crimes por cuja prática, em autoria material e em concurso efetivo, o arguido, ora recorrente, foi condenado em 1ª instância [dois crimes de ofensa à integridade física qualificada, na forma consumada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal; dois crimes de ofensas à integridade física qualificada, na forma tentada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º, alíneas a) a c), 23.º, 143.º, n.º 1 e 145.º, n.º 1, al. a), por referência ao artigo 132.º, n.º 2, al. e) e h), do Código Penal; um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelo artigo 291 n.º1, alínea b), do Código Penal e um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, nº. 1 e 2, do Decreto-Lei nº. 2/98, de 3 de janeiro], dúvidas não existem de que o arguido/recorrente os preencheu, nos seus elementos típicos objetivos e subjetivos, não existindo quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, pelo que, se mantém a condenação do arguido/recorrente, pela prática dos mesmos crimes.

2.3.5. Da nulidade do acórdão por omissão de pronúncia quanto à aplicação ao arguido do regime dos jovens delinquentes
Invoca o recorrente a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por não ter ponderado a aplicação ao arguido do regime dos jovens delinquentes, como se impunha que fizesse, tendo o arguido 19 anos de idade á data da prática dos factos.
O Ministério Público, em 1ª instância, pronunciou-se no sentido de que a omissão assinalada não constitui fundamento de nulidade da sentença/acórdão e que não sendo o regime penal dos jovens delinquentes, mormente o disposto no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro de aplicação automática, exigindo que se formule um juízo de prognose positivo, não tendo o tribunal recorrido formulado um tal juízo relativamente ao arguido, pelo conjunto de factos que afirmar a existência de elevadíssimas exigências de prevenção especial, fica indemonstrada a verificação do requisito material de que dependente a aplicação do Regime Especial para Jovens, razão pela qual bem andou o Tribunal recorrido ao não aplicar esse regime.
Por sua vez, o Exm.º PGA nesta Relação, emitiu parecer no sentido de o acórdão recorrido enfermar da invocada nulidade, mas podendo a mesma ser sanada por esta Relação, por dispor de elementos suficientes e necessários para o efeito.
Apreciando:
O acórdão recorrido não faz qualquer menção ao regime ínsito no Decreto-Lei nº 401/82, de 23 de setembro - regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos – que, no seu artigo 4º dispõe que se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73º e 74º, do Código Penal, quando tiver razões sérias para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
A ausência de qualquer referência tal regime, leva a considerar não o Tribunal a quo ponderado a sua aplicação ou não, ao arguido, ora recorrente, sendo que o mesmo (nascido em 17/06/1996) tinha, à data da prática dos factos por que é condenado nos presentes autos (17/04/2016), 19 anos de idade.
Vem sendo entendimento da jurisprudência do STJ que, tratando-se de um verdadeiro poder-dever vinculado do juiz, o tribunal não está dispensado de ponderar, na decisão condenatória, a aplicação do regime especial para jovens, decorrente do DL n.º 401/82, de 23/09, ainda que seja para o julgar inaplicável[7].
O Tribunal a quo tinha, assim, o dever de se pronunciar sobre a aplicação ou não ao arguido, do referido regime, o que não fez.
Sobre as consequências jurídico-processuais decorrentes dessa omissão de pronuncia, sufragamos o entendimento de que tal omissão acarreta a nulidade da sentença/acórdão, nos termos previstos na alínea c) do n.º 1 do art.º 379º do Código de Processo Penal[8].
E por que os autos dispõem de todos os elementos necessários a poder decidir sobre a aplicação ou não ao arguido, ora recorrente, do regime penal dos jovens delinquentes, tal como defende o Exm.º PGA, pode a nulidade ser suprida por este Tribunal da Relação, nos termos previstos no artigo 379º, n.º 2, do CPP[9].
Cumpre, então, apreciar a questão:
Conforme se refere no Acórdão do STJ de 12/09/2012[10]:
«I - O regime penal especial para jovens delinquentes, previsto no DL 401/82, de 23-09, aplicável aos jovens por factos perpetrados dos 16 até perfazer os 21 anos de idade, não é de aplicação imediata visto que, para além desse requisito de natureza formal, está sujeito a um requisito de índole material: só pode ocorrer quando o tribunal tiver estabelecido positivamente que há razões sérias para crer que dessa atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem delinquente e, simultaneamente, se considerar a atenuação compatível com as exigências de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico e garantia de proteção dos bens jurídicos.
II - É consensual o entendimento de que no juízo a formular sobre a aplicação do regime penal em causa devem ser tidas em conta todas as circunstâncias ocorrentes atinentes à ilicitude do facto (gravidade e suas consequências), à culpa (tipo e intensidade do dolo e fins que subjazem ao ilícito) e às necessidades da pena, tendo presentes a personalidade do delinquente e suas condições pessoais.»
E como se escreve no Acórdão do STJ de 29/04/2009[11]:
«Há convergência na afirmação de que o prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, em cada caso concreto, da globalidade da atuação e da situação do jovem, da sua personalidade, das suas condições pessoais e da sua conduta anterior e posterior ao crime, colocando-se as divergências no plano da consideração ou não da natureza e gravidade do crime.
A ressocialização do arguido parte da sua vontade de querer nortear-se pelo respeito dos valores ético-jurídico comunitários e de respeitar os bens jurídicos, postura que tem de manifestar-se em atitudes comportamentais, que objetivamente, elucidem que está realmente interessado no caminho da ressocialização.
(…).»
Baixando ao caso dos autos, verifica-se que, à data dos factos (17/04/2016), o arguido, ora recorrente, então, com 19 anos de idade (tendo nascido em 17/06/1996), já registava antecedentes criminais pela prática de dois crimes de roubo, cometidos em 04/09/2012 - quando tinha apenas 16 anos de idade -, tendo sido cominado na pena de 13 meses de prisão, suspensa na respetiva execução, por igual período, com regime de prova e sendo, posteriormente, condenado, por acórdão transitado em julgado em 21/09/2019, pela prática, em 15/12/2015 - data esta anterior ao do cometimento dos factos/crimes que estão em causa nos presentes autos -, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.
O arguido/recorrente não compareceu na audiência de julgamento, tendo esta lugar na sua ausência, ao abrigo do disposto no artigo 333º, n.º 2, do CPP.
Em relação às condições de vida do arguido/recorrente – que tem atualmente 24 anos de idade –, da matéria factual dada como provada nos pontos 33) a 48), extrai-se que, o arguido constituiu agregado familiar próprio aos 17 anos de idade, vivendo com uma companheira e nascendo uma filha dessa relação, não tendo ocupação laboral, nem modo de vida definido e estruturado, tendo abandonado o sistema de ensino regular, aos 14 anos de idade, por absentismo e vindo, posteriormente, a frequentar e a concluir um curso de formação profissional na área de jardinagem, num centro educativo da DGRSP, que lhe deu equivalência ao 2º ciclo do ensino básico.
Neste quadro, considerando os traços de personalidade impulsiva e violenta evidenciada pelo arguido, ora recorrente, refletida na prática dos factos e ante o comportamento criminal que tem vindo a assumir, no ainda curto período que ainda leva a sua imputabilidade penal, somos levados a concluir que os crimes praticados pelo arguido revelam já desrespeito por valores tidos como fundamentais na vida em sociedade, designadamente, a integridade física e o património alheios, não se vislumbra existirem sérias razões para acreditar que da atenuação especial da pena resultem vantagens para a reinserção social do arguido/recorrente.
Entendemos, por conseguinte, não ser de aplicar ao arguido/recorrente, o regime especial para jovens delinquentes e de atenuar especialmente as penas, nos termos do disposto no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro.

2.3.6. Da excessividade da medida concreta da pena única
O arguido/recorrente não põe em causa a medida das penas parcelares fixadas pelo Tribunal a quo pela prática dos crimes por que foi condenado.
Ainda que como faz notar o Exm.º PGA, no seu parecer, seja contraditório o facto de o recorrente não manifestar discordância relativamente às penas parcelares, com a pretendida atenuação especial da pena decorrente do regime especial aplicável a jovens delinquentes, posto que essa atenuação, nos termos previstos no artigo 4º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro, é aplicável a cada uma das penas parcelares e não à pena única[12], tendo-se afastado a aplicação desse regime, no caso vertente, nos termos supra decididos e versando a discordância do arguido/recorrente somente em relação à pena única, não há que apreciar da dosimetria das penas parcelares aplicadas, que, por isso, se mantêm inalteradas.
Tal como já se referiu, a discordância do recorrente refere-se ao quantum da pena única, reputando-a de manifestamente excessiva tendo em conta os factos que resultaram provados e que deles não resultaram consequências muito graves, sendo o grau de ilicitude dos factos e a culpa do arguido média/leve, ultrapassando, na ótica do arguido, a pena única fixada em 1ª instância, a culpa do arguido/recorrente.
Pugna o recorrente para que a pena única seja fixada em medida não superior a 2 anos de prisão.
O Ministério Público, em ambas as instâncias, pronuncia-se no sentido da manutenção da pena única fixada pelo Tribunal a quo.
Apreciando:
De harmonia com o disposto no artigo 77º, nº 1, 2ª parte, do Código Penal, na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

O artigo 77º do Código Penal, estabelecendo as regras da punição do concurso de crimes, dispõe:
1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.
2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se depena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.
Sobre o modo como devem operar os critérios definidos no citado n.º 1 do artigo 77º do C.P., ensina o Prof. Figueiredo Dias[13]:
«Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
No mesmo sentido tem sido o entendimento da jurisprudência do STJ, há muito consolidada.
Assim, conforme se decidiu no Acórdão do STJ de 18/11/2012[14], «Perante concurso de crimes e de penas, há que atender ao conjunto de todos os factos cometidos pelo arguido, de modo a surpreenderem-se, ou não, conexões entre os diversos comportamentos ajuizados, através duma visão ou imagem global do facto, encarado na sua dimensão e expressão global, tendo em conta o que ressalta do contexto factual narrado e atender ao fio condutor presente na repetição criminosa, procurando estabelecer uma relação desses factos com a personalidade do agente, tendo-se em conta a caracterização desta, com sua projeção nos crimes praticados; enfim, há que proceder a uma ponderação da personalidade do agente e correlação desta com os concretos factos ajuizados, a uma análise da função e da interdependência entre os dois elementos do binómio, não sendo despicienda a consideração da natureza dos crimes em causa, da verificação ou não de identidade dos bens jurídicos violados, até porque o modelo acolhido é o de prevenção, de proteção de bens jurídicos.
Todo este trabalho de análise global se justifica tendo em vista descortinar e aferir se o conjunto de factos praticados pelo(a) condenado(a) é a expressão de uma tendência criminosa, isto é, se significará já a expressão de algum pendor para uma “carreira”, ou se, diversamente, a feridente repetição comportamental dos valores estabelecidos emergirá antes e apenas de factores meramente ocasionais.»
Como se escreve no Acórdão do STJ de 19/04/2018[15]:
«I - Para efeitos de ponderação da pena de cúmulo jurídico, na consideração do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso, está ínsita uma avaliação da gravidade da ilicitude global (o conjunto dos factos indica a gravidade do ilícito global), que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexões entre os factos concorrentes.
II - Importará, assim, atender à relação dos diversos factos entre si e em especial ao seu contexto, à maior ou menor autonomia e à frequência da comissão dos ilícitos, à diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos e forma de execução dos factos, às suas consequências ou ao peso conjunto das circunstâncias de facto submetidas ao julgamento.
III – Na consideração da personalidade deverá atender-se ao modo como ela se projeta nos factos ou é por eles revelada, com vista a aferir se os factos traduzem uma tendência criminosa ou se não vão além de uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Só no primeiro caso, que não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.»
Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão ou o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique.
Na avaliação da personalidade expressa nos factos é todo um processo de socialização ou de inserção, ou de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade que deve ser ponderado[16].
Tendo presentes estas considerações que se deixam expendidas e baixando ao caso concreto, importa considerar:
A moldura abstrata da pena de prisão correspondente aos crimes em concurso e cujas penas parcelares terão de ser consideradas no cúmulo jurídico em apreço, é de 1 (um) ano e 8 (oito) meses – limite mínimoa 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses – limite máximo – (cf. n.º 1 do artigo 78º do Código Penal).
Os factos por cujo cometimento o arguido/recorrente foi condenado, nas penas de prisão englobadas no cúmulo jurídico a que se procedeu, no acórdão recorrido, revestem gravidade acentuada, tendo em conta, o modo de execução dos factos, “investindo”/avançando, o arguido, com o veículo automóvel que conduzia, contra o estabelecimento de discoteca e o grupo de pessoas que se encontravam a aguardar para aí entrar, como retaliação pelo facto de lhe ter sido barrada, por dois seguranças, a entrada nesse estabelecimento, “investindo”/avançando, ainda, o arguido, com a viatura que conduzia, ao encetar a fuga do local, contra um veículo automóvel que estava estacionado e dentro do qual se encontrava o seu condutor, embatendo, por duas vezes, nesse veículo, sendo que, só por mero acaso, as consequências para as vitimas da sua atuação não foram mais graves, revelando o arguido/recorrente, ao praticar tais atos, uma personalidade impulsiva e violenta, indiferença e insensibilidade perante os bens jurídicos, pessoais e patrimoniais, violados com a sua descrita atuação.
Não pode também deixar de se ter presente o percurso criminal do arguido, registando a primeira condenação por factos praticados aos 16 anos de idade, tendo sido condenado por dois crimes de roubo, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na respetiva execução, sendo a suspensão acompanhada de regime de prova vindo, posteriormente, a reiterar a prática do mesmo tipo de crime, sendo-lhe aplicada a pena única de 5 anos e 6 meses se prisão, não tendo o arguido sabido aproveitar as oportunidades que lhe foram concedidas de poder mudar o percurso de vida, desestruturado e desviante, que vem trilhando, tendo frequentado cursos profissionais ministrados pela DGRSP, em centro educativo, sem que conseguisse infletir aquele percurso, revelando-se as medidas a que esteve sujeito ineficazes para uma atitude positiva de reinserção, por parte do arguido, sendo que a família e a comunidade de que fazia parte desvalorizam a sua ligação ao sistema de justiça.
Perante o que se deixa exposto, entendemos que a personalidade do arguido apresenta já caraterísticas de desestruturação pessoal, que surge refletida no desrespeito por diversos valores jurídicos penalmente tutelados, designadamente, bens eminentemente pessoais, o que, numa avaliação global, dá enquadramento ao conjunto de factos ilícitos que estão aqui em causa, reconduzindo-os a uma certa tendência para a prática de crimes.
As exigências de prevenção geral são prementes, face à proliferação dos crimes da natureza daqueles por que o arguido foi condenado e a que respeitam as penas a englobar no cúmulo jurídico em apreciação, estando-se perante crimes geradores de grande alarme social, particularmente, os crimes de ofensa à integridade física, praticados em ambiente de diversão noturna e motivados por desentendimentos com os seguranças dos estabelecimentos de bar e/ou discoteca e o crime de condução perigosa, dadas as consequências trágicas que frequentemente lhe estão associadas, designadamente, em termos de perdas de vidas e de vitimas que ficam com sequelas graves e permanentes.; e as necessidades de prevenção especial revelam-se elevadas, atento o percurso de vida que o arguido vem trilhando e a desinserção social que apresenta.
Neste contexto, ponderando, em conjunto, a gravidade do ilícito global praticado e a sua relacionação com a personalidade do arguido/recorrente, nos termos sobreditos, entendemos que a pena única de prisão, que foi pelo Tribunal a quo fixada em 3 (três) anos e 6 (seis) mesessituando-se dois meses acima do ponto médio da moldura penalse mostra justa e adequada.
Concluímos, assim, ter havido uma correta ponderação, pelo Tribunal a quo, das circunstâncias a atender, na determinação da pena única de prisão, resultante do cúmulo jurídico a que se procedeu, não tendo sido violadas as disposições legais invocadas pelo arguido/recorrente, pelo que, se decide manter a pena fixada, no acórdão recorrido.
O recurso é, pois, também nesta vertente, improcedente.

2.3.7. Da suspensão da execução da pena de prisão
Pugna o recorrente para que a pena de prisão de 3 (três) anos e 6 (seis) meses que lhe foi aplicada suspensa na sua execução.
Para fundamentar essa sua pretensão, sustenta que, pese embora, se encontre em cumprimento de pena de prisão, ainda se pode fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao arguido, atenta a sua juventude e tendo-se em conta que poderá adquirir competências pessoais, académicas e profissionais, podendo ser-lhe imposto regime de prova e cumprimento de obrigações nesse sentido, tais como, a frequência de programas e a prestação de horas de trabalho, sendo de dar uma segunda e última e derradeira oportunidade ao arguido para que este consiga levar a bom porto o projeto de vida que se encontra a iniciar.
O Ministério Público pronuncia-se no sentido de que deverá manter-se a decisão recorrida, que condenou o ora recorrente em pena de prisão efetiva.
Apreciando:
Dispõe o art.º 50°, n.º 1, do Código Penal:
«O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida; à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
Este preceito consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos[17].
O juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e consequentemente a ressocialização do arguido, afastando-o da prática de futuros crimes.
Ou dito de outro modo: a suspensão da execução da pena deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança de que o arguido sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime[18].
«Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto[19]
Por outro lado, para que possa decidir-se pela aplicação de tal pena de substituição é necessário que a mesma não coloque irremediavelmente em causa a tutela da confiança e das expetativas da comunidade na validade da norma jurídica violada.
Como elucidativamente se escreve no Acórdão do STJ de 18/06/2015[20]:
«A suspensão da pena tem um sentido pedagógico e reeducativo, sentido norteado, por sua vez, pelo desiderato de afastar, tendo em conta as concretas condições do caso, o delinquente da senda do crime.
Também importa acrescentar que esse juízo de prognose não corresponde a uma certeza, antes a uma esperança fundada de que a socialização em liberdade se consiga realizar. Trata-se, pois de uma convicção subjetiva do julgador que não pode deixar de envolver um risco, derivado, para além do mais, dos elementos de facto mais ou menos limitados a que se tem acesso (cfr. Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 344).
De um lado, cumpre assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspetiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado.
Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. (…)»
No caso vertente, o Tribunal a quo, fundamentou a decisão de afastar a suspensão da execução da pena de prisão, da seguinte forma:
«(…)
No plano da prevenção especial mostra-se necessária uma resposta punitiva que promova uma eficaz recuperação do agente, prevenindo a prática de comportamentos da mesma natureza, fazendo-lhe sentir a antijuridicidade e gravidade da sua conduta. Por isso, a opção deve partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade do delinquente para a autoprevenção do cometimento de novos crimes, devendo a suspensão ser decretada sempre que se configure esse juízo favorável.
No caso em apreço, contudo, atenta a gravidade dos factos pelos quais o arguido vai condenado a precariedade da sua inserção social, os seus problemas comportamentais e a falta de manifestação ao longo do seu percurso de vida de um esforço sério do mesmo no sentido de reverter as debilidades do seu processo vivencial, sempre se deveria entender que somente a pena de prisão efectiva acautela in casum as finalidades da punição.
Destarte, deverá inexoravelmente o arguido cumprir a aludida pena de prisão efectiva.»
Merecem-nos inteira concordância os fundamentos aduzidos pelo Tribunal a quo para arredar o juízo de prognose favorável em relação ao comportamento futuro do arguido/recorrente, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para o afastar da criminalidade.
Por outro lado, tendo em conta a gravidade dos factos praticados pelo arguido, sendo geradores de enorme alarme social, atentas as circunstâncias em que foram praticados, em contexto de diversão noturna, conforme já se referiu supra, entendemos que o conteúdo mínimo das exigências de prevenção geral, para que não fiquem defraudadas as expectativas comunitárias relativamente à tutela dos bens jurídicos e a confiança comunitária na validade das normas jurídicas violadas, só ficará assegurado com a efetiva execução da pena de prisão aplicada.
Bem andou, pois, o Tribunal a quo ao concluir não estarem reunidos os pressupostos para a suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, ora recorrente e ao decidir que a efetiva execução da pena de prisão se revela necessária para assegurar as exigências de prevenção especial e também geral.
O recurso é, assim, também nesta parte, improcedente.

*
Atenta a medida concreta da pena única em que o arguido/recorrente é condenado – 3 anos e 6 meses – fica arredada a possibilidade de aplicação de outras penas de substituição, designadamente, a de prestação de trabalho a favor da comunidade (cf. artigo 58º, n.º 1, do CP), por que pugna o recorrente, bem como o cumprimento/execução da pena em regime de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização através de meios técnicos de controlo á distância (cf. artigo 43º, n.º 1, do CP).
3 - DECISÃO
Nestes termos, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem esta Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em:

a) - Julgar verificado o vício de contradição insanável na fundamentação da decisão de facto exarada no acórdão recorrido, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b), do CPP, no segmento supra enunciado, em 2.3.1. e proceder à sanação desse vício, determinando-se que na motivação da decisão de facto, parágrafos 6º e 15º, onde consta a menção ao nome da testemunha (...), como sendo amigo do arguido e tê-lo identificado como condutor do veículo em questão, passar a constar o nome da testemunha (...).

b) - Determinar, ao abrigo do disposto no artigo 380º, n.º 1, al. b) e n.º 2, do CPP, a correção do lapso material existente no ponto 50) da matéria factual provada e supra indicado, em 2.3.2., em termos de onde consta “… em 15 de Dezembro de 2015”, passar a constar “… em 21 de setembro de 2019”;

c) - Julgar verificado o vício da insuficiência da matéria de facto para a decisão, previsto no artigo 410º, n.º 2, al. b), do CPP, nos temos supra mencionados, em 2.3.3 e proceder à sanação de tal vício, aditando-se à redação do ponto 49) dos factos provados, a data do trânsito em julgado do acórdão proferido no âmbito do processo n.º 367/12.8PBTMR e que é a data de 13/01/2014;

d) - Declarar a nulidade do acórdão recorrido (artigo 379º, n.º 1, al. c), do CPP), decorrente da omissão de pronúncia sobre a (in)aplicação do regime penal dos jovens delinquentes – Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de setembro – e suprir tal nulidade, decidindo-se não ser de aplicar tal regime ao arguido/recorrente, nos termos sobreditos, em 2.3.5.

e) - No mais, negando provimento ao recurso, interposto pelo arguido, confirmar o acórdão recorrido.

Custas pelo arguido/recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC´s (cf. artigos 513º, nºs 1 e 3 e 514º, nº. 1, ambos do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).

Notifique.

Évora, 23 de fevereiro de 2021
Fátima Bernardes
Fernando Pina

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[1] Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Coimbra, pág. 139.
[2] In Curso de Processo Penal, II, Lisboa, Verbo, 1993, pág. 111.
[3] Cfr. Ac. da RC de 01/10/2008, proferido no proc. 3/07.4GAVGS.C2, acessível em www.dgsi.pt.
[4] Sublinhado nosso.
[5] Idem.
[6] Idem.
[7] Cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 11/10/2007, proc. 07P3199, de 04/06/2014, proc. nº 262/13.3PVLSB.L1.S1 e de 20/10/2016, proc. 10/15.3GMLSB.E1.S1, acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] Neste sentido, vide, entre outros, Acórdãos do STJ citados na nota antecedente e, ainda, Ac. da RP de 08/05/2019, proc. 181/02.9GBOBR.P1, acessível em www.dgsi.pt.
[9] Idem.
[10] Proferido no proc. 605/09.4PBMTA.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[11] Proferido no proc. 6/08.1PXLSB.S1, acessível em www.dgsi.pt.
[12] Sendo neste sentido a jurisprudência constante do STJ – cfr., entre outros, Ac. de 16/03/2011, proc. 92/08.4GDGMR.S1, acessível em www.dgsi.pt e Ac. de 28/11/2019, proc. 199/10.8JABRG.S1, cujo sumário consta do Boletim Anual - 2019, páginas 879 e 880, acessível na página do STJ.
[13] In Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Parte Geral, 1993, Aequitas-Editorial Notícias, páginas 291 e 292
[14] Proferido no processo n.º 34/05.9PAVNG.S1, acessível no endereço www.dgsi.pt.
[15] Proferido no processo nº. 1008/11.6PAMTJ.S1, 5ª Secção, cujo sumário se encontra publicado in Sumários do STJ, nº. 244, abril de 2018, pág. 28
[16] Cfr. Ac. do STJ de 09/01/2008, proc. 3177/07, acessível em www.dgsi.pt.
[17] Cfr. Maia Gonçalves, in Código Penal Anotado, 14ª edição, pág. 191 e Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, pág. 341.
[18] Cfr. Ac. do STJ de 23/11/2011, proferido no proc. nº. 127/09.3PEFUN.S1, acessível no endereço www.dgsi.pt.
[19] Prof. Figueiredo Dias, in ob. cit., pág. 343.
[20] Proferido no proc. 270/09.9GBVVD.S1, acessível no endereço www.dgsi.pt.