Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
117/13.1GBPMS.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: CRIME DE DANO
LEGITIMIDADE PARA A QUEIXA
UNIÃO DE FACTO
PROPRIETÁRIO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - No crime de dano, o ofendido - o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação - tanto pode ser o proprietário (enquanto titular do gozo pleno e exclusivo do uso e fruição), como quem, não sendo proprietário, se encontre legitimado a deter, usar e fruir a coisa.
II - Sendo a ofendida companheira do proprietário da casa - com quem vive maritalmente (nessa casa), em condições análogas às dos cônjuges - ela detém, também, o gozo e fruição da casa, enquanto sua habitação, e foi diretamente prejudicada/afetada no seu gozo e fruição em consequência da conduta da arguida (que danificou a porta de entrada dessa casa), pelo que é também titular do interesse que a lei quis proteger com a incriminação, e, por isso, tem legitimidade para apresentar queixa pelo crime de dano.
Decisão Texto Integral:


Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


1. No Tribunal da Comarca de Santarém (Santarém, Instância Local, Secção Criminal, J1) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 117/13.1GBPMS, no qual foi julgada a arguida DFLV, pela prática, em autoria material e em concurso real:
- de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art.º 190 n.º 1 do CP, e um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212 n.º 1 do CP (acusação do Ministério Público e da assistente IJM);
- de um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181 n.º 1 do CP (acusação da assistente, acompanhada pelo Ministério Público), e um crime de difamação, p. e p. pelo art.º 180 n.º 1 do CP (acusação da assistente, não acompanhada pelo Ministério Público, relativamente ao qual, em audiência de julgamento, foi operada a alteração da qualificação jurídica para o crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181 n.º 1 do CP).
A assistente deduziu ainda pedido de indemnização civil, pedindo a condenação da arguida/demandada no pagamento da quantia de 1.950,83 euros, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais que a conduta da arguida lhe causou.
A final veio a decidir-se:
1) Quanto à matéria crime:
Julgar procedente, por provada, a acusação do Ministério Público e da assistente e, consequentemente, condenar a arguida:
- pela prática, em autoria material, de um crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181 n.º 1 do CP, na pena de 70 dias de multa, à taxa diária de cinco euros, o que perfaz o montante de 350,00 euros;
- pela prática, em autoria material, de um crime de dano, p. e p. pelo art.º 212 n.º 1 do CP, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de cinco euros, o que perfaz o montante global de 600,00 euros;
- pela prática, em autoria material, de um crime de violação de domicílio, p. e p. pelo art.º 190 n.º 1 do CP, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de cinco euros, o que perfaz o montante global de 500,00 euros;
- e, em cúmulo jurídico, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de cinco euros, o que perfaz o montante de 1.000,00 euros, multa que – caso não seja paga – poderá ser convertida em prisão subsidiária, nos termos do art.º 49 do CP.
2) Quanto à matéria cível:
Julgar parcialmente procedente, por provado, o pedido de indemnização deduzido pela assistente e, em consequência, condenar a arguida no pagamento da quantia de 1.000,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%/ano, desde a pressente data até integral pagamento.
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2. Recorreu a arguida daquela decisão, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões (fol.ªs 160 a 167):
1.ª - O Mm.º Juiz a quo fundamentou a formação da sua convicção no resultado dos meios de prova apresentados, nomeadamente, e apenas, no depoimento da assistente – que é parte interessada na causa, sendo o seu depoimento sempre parcial, e que no caso em apreço estava de relações cortadas com a recorrente, não podendo o peso das suas declarações ser o mesmo de qualquer outra testemunha, o que na douta sentença não se atendeu – e das testemunhas de acusação, uma delas filha da assistente, também de relações cortadas com a recorrente.
2.ª – Não obstante recair na assistente o dever de dizer a verdade, as suas declarações foram contraditórias com as proferidas pelas testemunhas de acusação e arroladas no pedido de indemnização civil por si formulado, nomeadamente, quando declarou que a arguida a tentou agredir, ao que ela não reagiu. As testemunhas de acusação presenciais negaram tal facto e declararam que a assistente é que tentou agredir a recorrente, só não o conseguindo porque a testemunha LCP a impediu. As declarações da assistente, transcritas no presente recurso, embora sujeita ao dever de verdade, não foram verdadeiras, pelo que o douto tribunal a quo não as deveria ter relevado nem considerar credíveis para efeitos de prova.
3.ª – O depoimento da assistente também foi contraditório com o declarado pela testemunha LC, serralheiro, pois enquanto a assistente declarou que mostrou apenas uma fotografia da porta danificada para aquele elaborar o orçamento, o senhor serralheiro disse que tinha visto a porta in loco, ou seja, que se tinha deslocada à casa para ver a porta.
4.ª – O Mm.º Juiz a quo não relevou as declarações das testemunhas de defesa na decisão tomada, bem como as declarações da arguida, e deveria tê-lo feito, pois as testemunhas de defesa depuseram com isenção e credibilidade (reconhecida na douta sentença) acerca da personalidade da recorrente (pessoa calma, pacífica, não conflituosa, tendo, inclusivamente, a testemunha de acusação LCP declarado ser a recorrente uma “menina trabalhadora, doce e meiga”), e embora não tenham presenciado os factos, depuseram com isenção quanto ao estado da porta e da maçaneta e quanto ao facto das empregadas do café terem autorização para se deslocarem a casa do patrão para transportarem alimentos da arca ali existente e os levarem para o estabelecimento comercial, testemunhando de forma sincera, imparcial e desinteressada. Ao olvidar esses depoimentos, essenciais à decisão da causa, não teceu o tribunal recorrido qualquer reparo crítico que desvalorizasse, diminuísse ou afastasse essas declarações prestadas pelas testemunhas de defesa.
5.ª – Atenta a análise crítica da prova produzida em audiência de julgamento (declarações transcritas em A), B.a), o tribunal a quo não deveria ter condenado a recorrente pela prática do crime de injúria, p. e p. pelo art.º 181 n.º 1 do CP, mas absolvê-la, uma vez que as declarações das testemunhas de acusação e da assistente, através das concretas passagens da gravação, impõem decisão diversa da recorrida.
6.ª – O tribunal a quo não poderia ter formulado um juízo seguro de condenação quanto ao crime de injúria com base, apenas, na prova produzida em julgamento, quanto às expressões ditas pela arguida: “sua puta, sua vaca, não tens nada que te andar a meter na minha vida, andas com um homem casado” (factos 2 e 4 da matéria de facto dada como provada). A testemunha de acusação LCP declarou que a arguida estava muito nervosa, que a assistente a tentou agredir e que a reação da arguida se traduziu num desabafo, em estado de desespero, pelo facto da assistente ter comentado a sua vida em sítio público, imiscuindo-se na sua vida. Declarou a testemunha LCP (13.31ms): “A IJM tinha ido ao cabeleireiro e depois, quando chega ao cabeleireiro, estava lá a ex-mulher do rapaz com quem a DFLV vive e depois a rapariga estava-lhe a dizer que… O João (namorado da arguida) pelos filhos faz tudo e se eu quisesse, num estalar de dedos, ele deixava a DFLV e virava para mim. A IJM depois disse, não, espera lá… ela esta semana esteve lá no café e falou qualquer coisa que estava grávida…” (aos 14.22ms).
7.ª - Os meios de prova que impõem decisão diversa da recorrida prendem-se com as declarações gravadas da arguida, assistente e testemunhas de acusação, que não fizeram prova do juízo de valor que é a ofensa – referenciadas em A), B.a e B.c) – e reavaliando-se aquelas declarações e os concretos pontos de facto erradamente julgados, impõe-se decisão diversa.
8.ª – O tribunal recorrido proferiu erradamente decisão, pois, salvo melhor entendimento, considerou como provado o facto 6, não se tendo provado que a arguida tivesse intenção de ofender a honra e consideração da assistente, atento o seu nervosismo resultante da assistente ter comentado a sua vida particular a terceiros e o facto da assistente a ter tentado agredir; e se exprimiu as palavras constantes da acusação, fê-lo como desabafo, como mera reação exclamativa a quente, perante uma situação injusta, sem consciencializar o que dizia, sem carga ofensiva, e as palavras ditas num contexto de exaltação não consubstanciam a formulação de um juízo ofensivo da honra, sendo que não preenchem os requisitos constitutivos do tipo legal de crime em questão.
9.ª – O Mm.º Juiz a quo não deveria ter considerado como provado que a arguida atuou com animus injuriandi quando declarou “sua puta, sua vaca”, pois as declarações das testemunhas de defesa foram nesse sentido olvidadas – transcritas em B.c) – bem como a caraterização que a testemunha LCP fez do caráter da recorrente, como uma pessoa “meiga e doce”, demitindo-se assim o tribunal da exigência de objetivação que lhe era devida em sede de fundamentação da matéria de facto. Foi tal facto incorretamente julgado na 1.ª instância, verificando-se, assim, uma incorreção e erro na decisão recorrida.
10.ª - Ocorre, assim, um facto incorretamente analisado pelo tribunal a quo (nomeadamente, o depoimento da arguida, da assistente – que não foi credível – e testemunhas de acusação, que quanto a muitos factos contrariam o declarado pela assistente), e, tendo a recorrente apresentado as concretas passagens de gravação que orientam para decisão contrária à proferida em 1.ª instância quanto ao crime de injúria, afere-se que ocorreu uma insuficiência para a decisão da matéria de facto.
11.ª – O tribunal a quo deveria ter dado como não provado o facto n.º 6, ou seja, que “a arguida, ao proferir as expressões supra descritas a IJM, não agiu com o propósito concretizado de ofender a sua honra, dignidade e consideração, apenas o tendo feito como desabafo, num contexto de exaltação e nervosismo, desconhecendo que a sua imputação era suscetível de ofender a honra e consideração da assistente”, ocorrendo, assim, um erro de julgamento, pois o Mm.º Juiz considerou provado o facto n.º 6 sem que dele tivesse sido feita prova (art.º 412 n.º 3 do CPP)
12.ª – O tribunal recorrido deu como provados os factos 2 e 7, condenando a arguida como autora material da prática de um crime de violação de domicílio; atenta a prova produzida em julgamento, a sua reapreciação e o teor das declarações transcritas em A.c) e B.b1), outra deveria ter sido a decisão final, tendo ocorrido erro de julgamento, nos termos do art.º 412 n.º 3 do CPP.
13.ª - A arguida não deveria ter sido condenada pelo crime p. e p. pelo art.º 190 do CP, pois entrou na casa de habitação sita na (....), pertença de AL (facto provado em julgamento), como sempre fazia, pois tinha autorização para entrar em casa daquele, tal como as outras empregadas de café, de forma a ir buscar alimentos que estavam numa arca frigorífica colocada dentro da citada casa de habitação para os transportar até ao café, onde não havia arca. As declarações da arguida e de uma testemunha de defesa, também empregada do café, confirmam aquele facto.
14.ª – Como tinha autorização para entrar na referida casa, a arguida, no dia 1 de março de 2013, não tinha intenção e propósito de violar a intimidade e privacidade da assistente, não se mostrando preenchido o elemento subjetivo do tipo legal de crime, devendo ter sido dado como não provado o facto descrito em 7.
15.ª – A recorrente foi ainda condenada pela prática do crime descrito no art.º 202 n.º 1 do CP (dano), tendo o Mm.º Juiz a quo dado como provados os factos 5 e 8, mas analisando a prova ouvida em sede de julgamento, e após reapreciação da prova produzida através das concretas passagens das gravação dos sujeitos processuais (em A.b), B.b.2), impõe-se decisão diversa da recorrida, sendo que tais pontos se encontram incorretamente julgados, ocorrendo, também aqui, com todo o respeito pelo tribunal, um erro de julgamento (art.º 412 n.º 3 do CPP).
16.ª – Em síntese, as transcritas declarações que impõem decisão diversa da proferida (em B.b.2):
A arguida declarou: “… a porta tinha uma pequena folga na maçaneta… estava… tipo folgada… e depois tinha mais uns riscos” (13.17ms),
A instâncias da Advogada de defessa: “Estava partida?
Resposta da arguida: “Não estava partida” (13.33ms).
É a mesma porta desde há um ano atrás?”.
Resposta da arguida: “É sim”.
BG, filha da assistente, declarou (5.40ms): “Ver não vi, mas ouvia-se” (6.41ms).
A testemunha LC, que assinou o documento referente ao orçamento, disse que tinha visto pessoalmente a porta danificada e que esta comportava muitas amolgadelas, apesar da assistente ter declarado que lhe mostrara a porta por fotografia.
Assim, a assistente declarou (5.00ms): “Eu mostrei-lhe a fotografia da porta… ele (o sr. serralheiro, LC)… viu a fotografia da porta e fez o orçamento da porta” (5.06ms).
Por sua vez, a testemunha LC declarou - a instâncias do ilustre Advogado da assistente: “Lembra-se de ter ido fazer um orçamento ao Pé da Pedreira, à Estrada… Cinco de Outubro… Lembra-se disso?” (1.48ms). “Foi lá fazer um orçamento de quê?” (1.55ms). “Para uma porta?” (3.31ms) – “A cliente perguntou-me se eu fazia o orçamento… Fui lá ver, mais ou menos, sensivelmente… do meio para baixo”.
A 3.46ms o mesmo Advogado inquiriu: “O senhor viu a porta?”, ao que a testemunha respondeu: “Vi, vi”.
Pergunta o ilustre Mandatário: “Tinha amolgadela na porta?” (3.48ms). “Pois, o problema da porta é as amolgadelas”. “E onde é que estavam na porta?” (3.53ms).
Resposta da testemunha: “A porta, mais ou menos a 60/70 cm do nível do chão, tinha amolgadelas”. “Era uma só ou eram várias?” (4.19ms). “Fui lá naquele dia” (5.52ms). “Fui lá antes de fazer o orçamento, essa semana, não tenho a certeza…” (6.00ms).
A instâncias da defensora oficiosa - “O senhor foi lá pessoalmente ou mostraram-lhe alguma fotografia?” (6.10ms) – respondeu: “Fui pessoalmente. Quando me pediram o orçamento, tenho que ver o que é que se passa com a porta…” (6.16ms).
17.ª – A assistente e a filha da assistente não assistiram aos pontapés supostamente dados pela arguida na citada porta. Não se provou que as supostas amolgadelas na porta, a existirem, foram feitas pela arguida ou por qualquer outra pessoa.
18.ª – O tribunal a quo não relevou – e deveria tê-lo feito - as declarações das testemunhas de defesa (TSC e JAP), que – apesar de não terem presenciado os factos in loco – conhecem a porta em questão e declararam que em 1 de março de 2013 a maçaneta já estava danificada, estava ligeiramente descaída para baixo, e ambos disseram que a porta à presente data não estava danificada nem amolgada e que a porta tinha maçaneta, apesar da assistente ter garantido que esta estava arrancada.
19.ª – Não se tendo provado que a porta estava danificada e, a estar, se tal facto resultou de ação da recorrente, o douto tribunal não poderia ter dado como provado o n.º 5, bem como o n.º 8 (facto provado), uma vez que não se provou que a arguida, a ter danificado a porta, sabia e tinha consciência que o seu comportamento era punido por lei, não agindo com dolo.
20.ª – Pela apreciação da prova gravada atente-se à circunstância de que se provaram factos que o Mm.º Juiz não elencou, mas que o deveria ter feito, dando-os como provados.
21.ª – O tribunal omitiu a prova produzida em julgamento, havendo erro de julgamento, pois ficou provado que a assistente tentou agredir a ofendida, só não conseguindo os seus intentos porque a testemunha LCP a impediu, sendo, assim, um facto não inócuo e com relevante importância para a decisão final, atentas as transcrições descritas em A.a), B.a), B.b) e B.c).
Neste sentido, a instâncias da Advogada de defesa, quando perguntou se a “D. IJM não disse nada? Não reagiu?” (4.56ms), a testemunha LCP retorquiu: “A coisa dela reagir era tentar agarrá-la para lhe bater”.
E à pergunta “para lhe bater?” (15.04ms) respondeu: “Ela queria bater-lhe, claro” (15.12ms).
À pergunta “quem é que queria bater em quem?” (15.12ms) respondeu: “A IJM, quando a DFLV disse aquelas coisas… (15.13ms) a IJM queria-lhe bater… daí eu ter-me metido no meio das duas… De repente, foi quando ela (assistente) se levantou e tentou bater à DFLV” (15.26ms).
22.ª - Por outro lado, o tribunal não relevou e não elencou, mas era relevante para a decisão final, o facto da arguida estar nervosa quando proferiu as expressões descritas na acusação; assim, provou-se que a arguida se encontrava nervosa, atentos os comentários feitos sobre si pela assistente e, como consequência, terá tido um desabafo para com aquela. A testemunha LCP disse que a arguida, muito nervosa, dizia: “Porque é que te andas a meter na minha vida” (2.15ms), “só acusava a IJM de… se estar a meter na vida dela” (4.03ms). A testemunha BG disse que a arguida apenas dizia “que lhe estragou a vida. A minha mãe lhe estragou a vida” (3.01ms), verificando-se uma omissão destes elementos nos factos provados.
23.ª – O tribunal também deveria ter elencado como provado, pois relevante para a decisão, atentas as declarações transcritas, que a arguida é uma pessoa calma, meiga e trabalhadora, não conflituosa, e que só uma perturbação grave a poderia levar a exprimir as palavras descritas na acusação. A testemunha RR, em 2.08ms, declarou: “A DFLV é uma pessoa bastante calma, uma pessoa que se dá bem com toda a gente”. A instâncias da Advogada de defesa, quando perguntou se achava “possível a DFLV ter reagido da forma como reagiu, como vem aqui na acusação” (2.29ms), a testemunha respondeu: “Da forma como eu a conheço, acho que isso é pouco provável, numa situação normal… é pouco provável” (3.00ms). A testemunha LCP referiu (12.45ms) que a arguida era “trabalhadora”, uma menina “doce e meiga”.
24.ª – O tribunal a quo não deu como provados factos, descritos em B.c), necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação, de absolvição ou, até, para aferir do grau da responsabilidade da arguida, como foi o caso da assistente ter tentado agredir a arguida, da arguida ser uma pessoa calma, de estar nervosa no dia 1 de março de 2013 e de querer pedir apenas justificação do comportamento da assistente, que andara a imiscuir-se na sua vida pessoal.
25.ª – Ficou provado que a porta em apreço estava incorporada na casa de habitação acima descrita, que era propriedade de AL. O bem jurídico protegido pelo crime de dano é a propriedade, mas o proprietário não apresentou queixa crime contra a arguida nem manifestou interesse em ser indemnizado pelos danos. A assistente foi a denunciante deste crime, mas não é portadora de qualquer título que a legitime a defender a propriedade do imóvel em causa e, assim, não pode ser considerada titular do direito de queixa, que é um requisito de procedimento criminal.
26.ª – O ofendido que a norma quis proteger com a incriminação não apresentou queixa crime, sendo que o direito de queixa pertence ao proprietário, que tem o domínio exclusivo sobre a coisa e não à assistente, tendo a douta sentença violado, assim, o disposto nos artigos 113 do CP e 49 do CPP, encontrando-se ferida de ilegitimidade a queixa crime apresentada pela assistente e o consequente processo instaurado contra a arguida no que concerne ao crime de dano, devendo, pelo exposto, aquela ser absolvida da prática daquele dano.
27.ª – A defesa sindica ainda os vícios na decisão recorrida, isto é, a sentença incorreu nos vícios previstos no art.º 410 n.º 2 al.ªs a) e c) do CPP, nomeadamente, há insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito e, com o devido respeito, uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, dos factos dados como provados n.ºs 2, 4 e 6 (crime de injúria), 5 e 8 (crime de dano) e 2 e 7 (crime de violação de domicílio), o que originou erro notório na apreciação da prova.
28.ª – Ao considerar provados os factos 2 e 4 o tribunal efetuou uma apreciação incorreta e desadequada das declarações prestadas e transcritas em A), B.a) e 3.a) do presente recurso; as expressões ditas pela recorrente traduziram-se num desabafo, sem intenção criminosa, num contexto de nervosismo e exaltação pelo facto da assistente ter feito comentários sobre a vida privada da arguida num sítio público. Trata-se apenas de uma simples exclamação, sem consciencializar o que dizia, sem carga ofensiva, o que nitidamente não consubstancia a formulação de um juízo ofensivo da honra. As testemunhas de defesa caracterizaram a recorrente como pessoa calma, pacífica e não conflituosa, corroborado pela testemunha de acusação LCP, conforma transcrição em B.c). Se o douto tribunal recorrido tivesse relevado a atitude da assistente, que mentiu ao dizer que não reagira perante o comportamento da arguida – mas foi ela que tentou bater na recorrente – outra teria sido a decisão final.
29.ª – O facto provado n.º 6 contém a prova da existência do animus injuriandi, isto é, a intenção de ofender a honra da assistente, mas os depoimentos foram insuficientes para se aferir da vontade/intenção, como alegado em B.a) e 3.a), devendo a arguida ter sido absolvida do crime em apreço. Neste sentido, os factos dados como provados n.ºs 2, 4 e 6 deveriam ter sido dados como não provados, sendo que a douta sentença é nula, pois verificou-se erro notório na apreciação da prova, nos termos doa al.ª c) do n.º 2 do artigo 410 do CPP.
30.ª – O tribunal deu como provados os factos n.ºs 5 e 8, que não se provaram, atenta a análise da matéria de facto gravada, pois só uma testemunha declarou que a arguida pontapeou a porta e as outras testemunhas não viram. No entanto, todas falaram na porta amolgada e até a testemunha LC, que segundo a assistente viu a porta através de uma mera fotografia, declarou que a porta tinha inúmeras amolgadelas e que vira a porta pessoalmente. Há uma contradição insanável e arbitrária entre as declarações da assistente e das testemunhas de acusação e do pedido cível, que, em apreciação correta e razoável, nunca poderiam ter levado o Mm.º Juiz a decidir no sentido em que decidiu, salvo o devido respeito.
31.ª – Verificam-se também dúvidas deveras pertinentes quanto aos danos provocados na porta. As testemunhas de defesa da arguida declararam, em consonância, ao contrário das testemunhas da assistente, que a porta sempre teve problemas na maçaneta, que esta ainda se encontra na porta, e ainda disseram que a porta não tem amolgadelas e se encontra no estado em que estava no dai 1 de março de 2013, antes dos factos em causa terem acontecido. É esta a conclusão que se retira atentas as declarações transcritas em 1.A), B.b.2) e 3.b), para o qual nos reportamos. Verificou-se, também aqui, um erro notório na apreciação da prova.
32.ª – Os citados factos deveriam ter sido dados como não provados, pois a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito e considerar que os pontapés alegadamente dados pela arguida na porta provocaram as alegadas amolgadelas ou se estas, a existirem, não terão sido provocadas por outra pessoa ou situação (artigo 410 n.º 2 al.ª a) do CPP), tendo o tribunal julgado incorretamente os concretos pontos de facto n.ºs 5 e 8.
33.ª – Efetuada análise crítica da prova testemunhal transcrita em B.b.1) e 3.c), os factos provados n.ºs 2 e 7 deviam ter sido dados como não provados, sendo que a douta sentença é nula, porquanto, não se encontra fundamentada a razão pela qual deu como provado que a arguida acedeu ao interior da casa de habitação acima descrita, casa onde habitualmente ia com autorização do proprietário da casa, seu patrão, buscar alimentos para o café, também proprietário deste.
34.ª – A recorrente, ao entrar na referida casa, e como tinha autorização do seu proprietário para aceder ao seu interior, tal como as outras empregadas do café, não teve a intenção e o propósito de violar a intimidade e privacidade da assistente, verificando-se um erro grave na apreciação da prova, que conduziria a uma diferente solução jurídica e à absolvição da recorrente.
35.ª – O tribunal a quo não relevou, tendo ignorado, o depoimento da arguida e das testemunhas de defesa quanto aos factos 2 e 7 – declarações transcritas em 1.B.b.1) e 3.c) – apesar de considerar que as testemunhas de defesa depuseram com isenção; se o tivesse relevado outra teria sido a decisão quanto à procedência daqueles factos, sendo que a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a decisão de direito.
36.ª – Conforme foi alegado em A), B.a), B.b.2), B.c) e 3.a), o Mm.º Juiz deveria ter dado como provado que a assistente tentou agredir corporalmente a arguida – declarações da testemunha LCP (3.00ms): “A IJM ficou muito paralisada, mas de repente… quando se levantou, de repente, e eu estava ali no meio das duas, meti braços…”; continuando (3.25ms): “vejo-a (à assistente) levantar-se de repente e só tive tempo de pôr-me no meio das duas para elas não brigarem” (3.29ms.
A instâncias da Advogada de defesa, quando perguntou se “a D. IJM não disse nada? não reagiu?”, a testemunha LCP respondeu que “a coisa dela reagir era tentar agarrá-la para lhe bater”.
À pergunta “para lhe bater?” (15.04ms), respondeu: “Ela queria bater-lhe, claro” (15.12ms).
À pergunta “quem é que queria bater em quem?” (15.12ms), respondeu: “A IJM, quando a DFLV disse aquelas coisas… (15.13ms) a IJM queria bater… daí eu ter-me metido no meio das duas”.
E para terminar declarou (15.26): “De repente foi quando ela (assistente) se levantou e tentou bater à DFLV”.
E também deveria ter dado como provado que a arguida estava muito nervosa pelo fato da assistente ter comentado a terceiros a sua vida privada e, assim, tais factos são essenciais à caraterização do crime de injúria, não sendo factos inócuos, merecem ser elencados como factos provados, pois para a determinação da pena e sua medida tais factos deverão ser atendidos pelo julgador, mas não foram nem tal omissão foi fundamentada.
37.ª – A sentença é a decisão final do Juiz, exigindo a lei (nomeadamente o art.º 374 do CPP) que contenha relatório, fundamentação e dispositivo. Aquela norma corporiza o dever de fundamentação das decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente, consagrado no art.º 205 n.º 1 da CRP.
38.ª – A lei impõe que o tribunal, não só dê a conhecer os factos que considerou provados e não provados, enumerando-os, mas deverá ainda apresentar expressamente a explicação do porquê da decisão tomada, através da indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a sua convicção, dispondo-se na al.ª a) do n.º 1 do art.º 379 do CPP que é nula a sentença que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na al.ª b) do n.º 3 do art.º 374 do CPP, sendo que a falta de fundamentação gera a nulidade da sentença.
39.ª – E sendo elevada a importância dos factos acabados de referir, e cuja prova consta das transcrições em A), B.a), B.b.2) e B.c) – e sintetizados em 36 – não pode o douto tribunal recorrido deixar de se pronunciar expressamente sobre cada um deles, considerando-os como provados.
40.ª – Impõe-se, assim, a revogação da sentença recorrida, que deverá ser substituída por outra que absolva a arguida da prática dos crimes de que vem acusada e, por consequência, a absolva também do pedido de indemnização civil deduzido, ou seja, da matéria de facto provada, entende a recorrente que não resultaram factos suscetíveis de preencher os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva e, assim, também deverá improceder o pedido de indemnização civil.
41.ª – Por tudo o acima exposto, violou a douta sentença recorrida os artigos 181 n.º 1, 212 n.º 1, 190 n.º 1 e 113 n.º 1 do CP, 205 n.º 1 da CRP, 374 n.ºs 2 e 3, 379 n.º 1 al.ª a), 49 e 127 do CPP, e 483, 487, 562 e 566 do Código Civil.
42.ª – A não colher provimento a pretensão deduzida – a absolvição da arguida – sempre se dirá que a pena única aplicada é demasiado pesada e injusta, não se mostrando adequada à conduta praticada, à culpa e ao grau mediano da ilicitude.
43.ª – A pena única aplicada – de 1.000,00 euros – é manifestamente excessiva face às condições sociais e económicas da recorrente, facto que se acentua com a condenação no pagamento da quantia de 1.000,00 euros a título de indemnização e em custas.
44.ª – Atendendo a todas as circunstâncias do caso e ao disposto nos art.ºs 40, 47 e 71 n.ºs 1 e 2 do CP, a medida concreta da pena fixada pelo tribunal deveria ter sido bem menos severa, devendo esta ser reduzida, nomeadamente, e apenas, quanto aos dias de multa aplicada a cada tipo legal.
45.ª – As circunstâncias presentes no caso, nomeadamente, o dolo, o facto de não ser elevado o grau da ilicitude, a inexistência de antecedentes criminais, os motivos que a levaram à prática dos factos ilícitos (comentários menos abonatórios sobre si num cabeleireiro por parte da assistente, intromissão desta na vida pessoal da arguida e a tentativa de agressão por parte da assistente), as “consequências não muito graves resultantes da prática dos ilícitos” (III – Fundamentos, A) n.º 1 da douta sentença) e, principalmente, as condições sócio económicas, pessoais e familiares da recorrente, que se pautam pela modéstia e atual desemprego, deveriam ter sido consideradas pelo tribunal a quo e a pena de multa ter sido fixada no limite mínimo legal, quanto aos dias de multa, previsto nos art.ºs 181 n.º 1, 190 n.º 1, 212 n.º 1 e 47 n.º 1, todos do CP, disposições que foram violadas.
46.ª – A douta sentença, ao fixar a pena única em 200 dias de multa, não atendeu às circunstâncias que depõem a favor da arguida e acima descritas, as suas condições sociais e financeiras, a sua personalidade e as circunstâncias relativas à execução do facto, tendo violado o disposto nos art.ºs 40, 47 n.ºs 1 e 2 e 72 do CP, pois aplicou uma condenação que vai além da sua culpa; violou ainda o disposto no artigo 71 n.ºs 1 e 2 do CP, bem como o princípio da proporcionalidade e da culpa consagrados em tais preceitos.
47.ª – Assim, deve a sentença recorrida ser revogada, no que respeita à medida da pena de multa aplicada quanto a cada um dos crimes referidos, que deve ser fixada no mínimo de 10 dias (ou muito próximo deste limite).
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3. Respondeu o Ministério Público ao recurso interposto, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
1 – Quem se quer defender de iminente agressão decerto que não se dirige ao agressor chamando-o de “puta” e “vaca”, pois tais expressões não são idóneas a evitar qualquer agressão, mas mantê-la estimulada.
2 – O elemento subjetivo do crime de injúria, quando não confessado, apenas pode ser provado pelo confronto dos factos objetivos provados com as regras da experiência.
3 – As expressões vertidas no ponto 6 da matéria de facto provada – e repetidas no contexto do ponto 4 – no contexto em que o foram, a outra conclusão não poderiam levar que não fosse a fixação do ponto seis da matéria de facto provada, como consta, aliás, da motivação da matéria de facto elencada na sentença.
4 – O motivo que levou a arguida a entrar na casa habitada pela assistente nada tem a ver com as circunstâncias em que, no âmbito da sua atividade profissional, noutras circunstâncias, aí entrara, mas ainda que assim não se entendesse, a partir do momento em que é interpelada a sair e permanece no interior da habitação, contra a vontade da assistente, está preenchido o elemento objetivo do crime de violação de domicílio, com o recorte definido no art.º 190 n.º 1 do CP.
5 – Relativamente ao crime de dano, a própria recorrente reconhece que a testemunha LCP declarou que “viu a arguida dar murros na porta e pontapés”, quando se encontrava muito nervosa, pelo que carece de fundamento a impugnação da matéria de facto relativamente a esta conduta.
6 – A sentença cumpre cabalmente os requisitos exigidos pelo art.º 374 do CPP e dela não se descortina qualquer dos vícios a que alude o art.º 410 n.º 2 do CPP.
7 – As penas parcelares e a pena única foram adequadamente ponderadas, quer no tocante à fixação do número de dias, quer quanto ao seu quantitativo.
8 – Deve negar-se provimento ao recurso e manter-se a sentença recorrida.
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4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, no que respeita à matéria crime, e que não tem interesse em agir no que respeita à matéria cível (fol.ªs 196 a 218).
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
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6. Matéria de facto considerada como provada na sentença recorrida:
1. No dia 1 de março de 2013, cerca das 20h30, a arguida DFLV deslocou-se à residência da ofendida IJM sita na (…..), na qual a assistente vive por viver maritalmente com AL.
2. Aí chegada, a arguida logrou abrir a porta da entrada da referida habitação, que estava fechada no trinco, e acedeu ao interior da mesma, dirigindo-se à assistente – que se encontrava acompanhada da sua filha, BG, e LCP, sua colega de trabalho - proferiu-lhe as seguintes expressões: “sua puta, sua vaca, não tens nada que te andar a meter na minha vida, andas com um homem casado”.
3. Nesse instante, a arguida DFLV foi instada para sair da residência pela assistente IJM, porém, a mesma permaneceu no interior da habitação.
4. Nessa sequência, a arguida foi conduzida para o exterior da mencionada habitação, onde proferiu as seguintes expressões dirigidas à pessoa da ofendida IJM: “sua puta, sua vaca, não vales nada, não tens nada que te andar a meter na minha vida andas com um homem casado”.
5. Já no exterior da habitação, a arguida dirigiu-se à porta da entrada da mencionada habitação e desferiu pontapés na mesma, causando estragos na mesma, amolgando-a, cuja reparação ascendeu ao valor de 373,30 euros.
6. A arguida, ao proferir as expressões supra descritas a IJM, agiu com o propósito concretizado de a ofender na sua honra, dignidade e consideração.
7. A arguida, ao agir do modo descrito em 2 e 3, quis introduzir-se no interior da habitação da assistente IJM com o propósito concretizado de violar a intimidade da mesma, que tinha domicílio naquela habitação, bem sabendo que agia sem o consentimento daquela.
8. Ao atuar do modo descrito em 5, a arguida agiu com o desígnio, que logrou concretizar, de danificar a porta de entrada da casa, bem sabendo que não era sua pertença e que agia contra a vontade do seu dono e da assistente, que fruía a mesma.
9. A arguida agiu de forma livre, consciente e deliberada, bem sabendo que as respetivas condutas eram proibidas.
10. A arguida é solteira, vivendo em união de facto com o namorado, em casa própria deste.
11. A arguida exerce a atividade profissional de empregada de balcão, auferindo mensalmente cerca de 503,00 euros.
12. Do Certificado de Registo Criminal da arguida (junto a fol.ªs 62) não consta qualquer condenação.
13. A assistente sentiu-se triste, humilhada, incomodada e envergonhada, psicologicamente afetada, perturbada e ansiosa, com a descrita conduta da arguida, com receio de poder ser de novo injuriada pela arguida, passando a andar triste, humilhada e envergonhada, perante familiares e colegas, e com insónias por estar sempre a reviver a situação.
14. A assistente, não conseguindo trabalhar, esteve de baixa durante 12 dias, desde 4.03.2013 a 15.03.2013.
15. À data dos factos a assistente trabalhava para AL, seu companheiro, auferindo o salário mensal de 485,00 euros, deixando de receber a quantia de 194,00 euros.
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7. E não se provou:
- Que a assistente se encontrava na cozinha quando a arguida entrou;
- Que a arguida avançou para a assistente com o intuito de a agredir, só não concretizando os seus intentos por a LCP a ter impedido;
- Que a assistente esteve de baixa (como provado em 14) em resultado da conduta da arguida referida de 1 a 9;
- Que a arguida tenha dito para a assistente “porque é que andas a falar no meu nome, não vales nada”.
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8. O tribunal formou a sua convicção – escreve-se na fundamentação – “nas declarações da arguida, que confirmou a veracidade de alguns, o ter-se deslocado na hora, data e local a casa da assistente, negando ter proferido as expressões de que vem acusada, tendo negado a prática dos crimes de que vem acusada e factos integradores dos mesmos, afirmações que não merecem credibilidade ao tribunal, por terem sido contrariadas por toda a restante prova produzida credível abaixo referida, sendo certo que a arguida, no confronto com a assistente e testemunhas LCP e BG, foi desmentida nos factos que não admitiu, sendo a versão que apresentou uma versão dos factos pouco credível, em face do contexto, provado, em que proferiu as expressões idóneas a ofender a honra e consideração da assistente.

O tribunal fundou-se, primacialmente, quanto aos factos provados, nas declarações da assistente, que, não obstante ser parte interessada, está sujeita ao dever de verdade, ao contrário do que acontece com a arguida, e depoimentos das testemunhas LCP, que não tem interesse no processo, tanto se dando com a arguida como com a assistente, e BG, que foram coincidentes com os factos provados, que prestaram declarações e depoimentos de modo credível, em que confirmaram os factos provados vividos por eles, tendo deposto com isenção.
O tribunal fundou-se ainda, quanto aos factos provados, na análise dos documentos juntos a fol.ªs 57, 58, 59, 62 e 117 dos autos, examinados em audiência de julgamento.
As restantes testemunhas ouvidas em audiência não presenciaram os factos e depuseram sobre os danos, testemunhas ASD e LC, e o comportamento e modo de vida da arguida, as restantes, TSC, RR e JAP, com isenção”.
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9. As conclusões do recurso delimitam o âmbito do conhecimento do mesmo e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida (art.ºs 402, 403 e 412 n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 13.03.91, in Proc. 416794, 3.ª Secção, citado por Maia Gonçalves, em anotação ao art.º 412 do Código de Processo Penal Anotado e Comentado, 12.ª edição).
Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das questões que o recorrente pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior, sem perder de vista a natureza do recurso, que não se destina a um novo julgamento sobre o objeto do processo, mas a uma apreciação da decisão recorrida, por forma a corrigir os vícios ou erros de que a mesma enferme e que devem ser concretizados pelo recorrente.
Como escreve Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 350, elas “são extraordinariamente importantes, exigindo muito cuidado... devem ser concisas, precisas e claras, porque são as questões nelas sumariadas que hão-de ser objecto de decisão”.
Não são claras nem precisas as conclusões do recurso apresentado pela arguida, não constituindo, por isso, um resumo da motivação, todavia, elas permitem perceber – com algum esforço de síntese, deve dizer-se - quais as questões que a recorrente coloca à apreciação deste tribunal e que são as seguintes:
1.ª – A nulidade da sentença, por falta de fundamentação (art.ºs 374 n.ºs 2 e 3 al.ª b) e 379 n.º 1 al.ª a), ambos do CPP);
2.ª – A ilegitimidade do Ministério Público para deduzir acusação relativamente ao crime de dano, por a queixosa/assistente – segundo alega a arguida - não ser “portadora de qualquer título que a legitime a defender a propriedade do imóvel em causa”, propriedade de AL;
3.ª - Se a sentença enferma do vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão (art.º 410 n.º 2 al.ª a) do CPP);
4.ª – Se a sentença enferma do vício de erro notório na apreciação da prova (art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP);
5.ª – Quanto à impugnação da matéria de facto:
A - Se as provas transcritas em A), B.a) e B.c) impõem decisão diversa da recorrida no que respeita aos pontos 2, 4 e 6 da matéria de facto dada como provada;
B – Se as provas transcritas em A.c) e B.b.1) impõem decisão diversa da recorrida no que respeita aos pontos 2 e 7 das matéria de facto dada como provada;
C – Se as provas transcritas em A.b) e B.b.2) impõem decisão diversa da recorrida no que respeita aos pontos 5 e 8 da matéria de facto dada como provada;
6.ª - Se as penas aplicadas à arguida – atento o grau da culpa, da ilicitude e as suas condições pessoais, familiares, sociais e económicas – devem ser reduzidas para medida próxima do mínimo legal;
7.ª – Se o pedido cível deve improceder, por não se mostrarem preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil subjetiva.
9.1. – 1.ª questão (a nulidade da sentença por falta de fundamentação) – art.º 379 n.º 1 al.ª a) e 274 n.º 2, ambos do CPP.
Alega a recorrente que a sentença é nula, porque, em síntese, devia ter dado como provado “que a assistente tentou ofender corporalmente a ofendida”, “que a arguida estava muito nervosa pelo facto da assistente ter comentado a terceiros a sua vida privada” e que a arguida é uma pessoa “trabalhadora, doce e meiga”, factos sobre os quais - alega - o tribunal não se pronunciou, dando-os como provados, e são de elevada importância.
É nula a sentença que não contiver as menções referidas no art.º 374 n.º 2 do CPP, ou seja, a “enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal” (art.º 379 n.º 1 al.ª a) e 374 n.º 2 do CPP).
Enumerar significa, na linguagem portuguesa, como pode ver-se in Dicionário Enciclopédico de Língua Portuguesa, Selecções do Reader´s Digest, “fazer enumeração de (coisas uma por uma), “numerar”, “relacionar metodicamente”, “contar, especificar, fazer lista ou rol”.
Este é também o sentido que a jurisprudência vem dando à exigência da enumeração dos factos provados e não provados prevista no art.º 374 do CPP.
O art.º 374 n.º 2 do CPP impõe que na sentença se enumerem pormenorizadamente os factos provados, sendo incorreto proceder a remissões” – acórdão do STJ de 26.09.90, BMJ, 399, 432.
Não satisfaz a exigência legal a mera afirmação abstracta de que os restantes factos não se provaram, já que apenas se podem considerar como não provados os incompatíveis com os provados se houver a certeza de que foram investigados” – acórdão do STJ de 29.06.95, Col. Jur., Ano III, t. 2, 254.
A razão de ser desta exigência assenta, em suma, na necessidade de deixar bem claro que o tribunal apreciou todos os factos alegados, seja pela acusação, seja pela defesa, com interesse para a decisão.
Ora, esta matéria – que a arguida pretende que seja dada como provada – não foi alegada, seja na acusação, seja na contestação, enquanto peças delimitadoras do objeto do processo, ex vi
art.º 368 n.º 2 do CPP, e não resulta dos autos, designadamente da fundamentação da matéria de facto, que a mesma tenha resultado da discussão da causa e, portanto, que o tribunal devesse deliberar sobre a mesma, sendo certo que o recurso não é meio adequado para introduzir novos factos ao objeto do processo, alargando o seu âmbito, ou seja, se a arguida entendia que tais factos eram relevantes devia tê-los alegado, oportunamente, na contestação, ou suscitar em sede de audiência de discussão e julgamento o seu aditamento à matéria de facto.
Não o tendo feito, e não resultando da sentença que eles tenham resultado da discussão da causa, não pode afirmar-se, porque não demonstrado, que o tribunal tenha omitido o dever de fundamentação por da sentença não constarem factos que, no entender da arguida, deviam ter sido dados como provados.
Por outro lado, e ainda que assim não se entendesse, sempre se dirá que o tribunal não tem que se pronunciar sobre factos inócuos, porque irrelevantes para a decisão, sendo que tal matéria – tal como está alegada – nenhuma relevância teria, quer para aferir da existência dos elementos que preenchem os tipos de crime imputados à arguida, quer para a determinação da responsabilidade da arguida e das penas a aplicar, pois só quanto a estes – os relevantes para a decisão da causa – o tribunal teria que se pronunciar, atento o disposto no art.º 368 n.º 2 do CPP.
De facto, contrariamente ao que a arguida parece pretender:
- ainda que se desse como provado que a assistente tentou “ofender corporalmente a ofendida”, tal conduta, porque – ela sim – em resposta à conduta da arguida (veja-se que, de acordo com o alegado, a ofendida queria bater na arguida depois desta ter dito “aquelas coisas”), não pode justificar ou desculpabilizar a conduta da arguida, que a precedeu;
- ainda que se desse como provado que a arguida era uma “menina trabalhadora, doce e meiga”, daí nada se pode concluir quanto à prática dos factos pela arguida ou quanto à culpa, pois que se trata de realidades completamente compatíveis;
- do mesmo modo, ainda que se desse como provado que a arguida estava nervosa, tal facto em nada diminui a culpa da arguida, enquanto juízo de censura que recai sobre a sua conduta, pois que, não se demonstrando qualquer relação de proximidade entre a alegada conduta da ofendida e a conduta da arguida, não se pode dizer que, de acordo com os critérios da normalidade, havia razões que justificassem nesse momento tal estado de nervosismo e, portanto, para atenuar o grau de censura que recai sobre a sua conduta, não podendo esquecer-se – como demonstrado ficou - que é a arguida que toma a iniciativa e vai a casa da ofendida a pedir satisfações, a desafiá-la, em suma, à procura do conflito.
Equivale isto a dizer que, ainda que tais factos pudessem ter resultado da discussão da causa – o que não está demonstrado – não tinha o tribunal que se pronunciar sobre tais factos, porque irrelevantes para aferir da responsabilidade da arguida.
Improcede, por isso, a nulidade invocada.
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Por outro lado, e vista a motivação do recurso, em última análise, o que a recorrente pretende é que o tribunal dê como provada outra matéria, não alegada.
Esta pretensão não tem cabimento nesta sede.
De facto, como temos vindo a decidir – basicamente seguindo os argumentos do acórdão deste tribunal 22.11.2011, proferido no Proc.130/10.0JAFAR.E1, in www.dgsi.pt, confirmado pelo acórdão do STJ de 21.03.2012 e pelo acórdão do TC n.º 312/2012, de 20.06.2012 – se tal matéria não consta da sentença, como efetivamente não consta, porque não alegada, seja na acusação, seja na contestação, essa “omissão não pode ser suprida por uma reapreciação da prova pelo tribunal de recurso… A motivação do recurso não é o meio adequado para introduzir factos novos no objeto da ação penal”.
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9.2. – 2.ª questão (a ilegitimidade do Ministério Público para deduzir acusação relativamente ao crime de dano).
Consta da matéria de facto dada como provada (ponto 1) que a casa onde os factos se passaram é residência da ofendida, que aí vive por “viver maritalmente com AL”, e que já no exterior da casa (onde se dirigira) “a arguida dirigiu-se à porta de entrada da mencionada habitação e desferiu pontapés na mesma…”.
Pretende a arguida que a ofendida não tem legitimidade para exercer o direito de queixa, por a casa não ser sua propriedade.
A esse propósito decidiu-se na sentença recorrida – em termos bem claros, aliás – que, “não obstante a assistente não ser proprietária da porta, frui a mesma e tem, assim, legitimidade para apresentar queixa pelo crime de dano, dado que, como vem sendo entendido pela jurisprudência maioritariamente tem tal legitimidade as pessoas que tenham o mero gozo ou fruição da coisa, pois a tutela penal protege o direito destas pessoas (cfr., nesse sentido, entre outros, acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 26.02.2002, in Col. Jur., XXVII, 1, 280, e Tribunal da Relação de Coimbra de 6.03.2003, in Col. Jur., XXVIII, 2, 38, e na doutrina Professor Figueiredo Dias, 1993, 669)”.
Discordando do decidido, a recorrente não traz argumentos que permitam abalar os utilizados na decisão recorrida, em suma, donde se infira que essa decisão está errada, que outra devia ser a decisão, o que só por si justificaria a improcedência desta questão, sabido como é que o recurso, por sua natureza, não visa uma melhor decisão, mas a correção dos eventuais erros ou vícios de que esta enferme, erros ou vícios que devem ser fundamentados, trazendo o recorrente aos autos os argumentos ou razões que demonstrem que a decisão está errada.
Todavia, não deixará de se acrescentar que o ofendido – o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação – tanto pode ser o proprietário (enquanto titular do gozo pleno e exclusivo do uso e fruição), como quem, não sendo proprietário, se encontre legitimado a deter, usar e fruir a coisa.
Embora se reconheça que se trata de questão controvertida, quer na doutrina, quer na jurisprudência, como bem nos dá conta Manuel da Costa Andrade, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo II, 237, o acórdão do STJ n.º 7/2011, de 27.04.2011, publicado no DR, I Série, de 31.05.2011 - do qual não vemos razão para divergir - veio fixar jurisprudência no sentido que, “no crime de dano p. e p. pelo art.º 212 n.º 1 do Código Penal é ofendido, tendo legitimidade para apresentar queixa, nos termos do artigo 113 n.º 1 do mesmo diploma, o proprietário da coisa «destruída no todo ou em parte, danificada, desfigurada ou inutilizada», e quem, estando por título legítimo no gozo da coisa, for afectado no seu direito de uso e fruição”.
E, em jeito de conclusão, escreve-se a dado passo na fundamentação daquele acórdão: “… poderá concluir-se que o crime de dano previsto no artigo 212 n.º 1 do Código Penal visou proteger, não apenas o titular do direito de propriedade, mas também todos aqueles que legitimamente gozam, usam e fruem o bem e que, deste modo, são titulares de interesses diretos e imediatos na preservação da coisa (conservação de estado) como na fruição e disponibilidade das utilidades funcionais que proporciona (preservação da função).
O artigo 212 do Código Penal reconhece que o valor de uso da coisa é merecedor de tutela penal, já que pode ser prejudicado pela prática das condutas típicas de destruição, danificação, desfiguração ou inutilização da coisa.
Deste modo, para efeitos do art.º 113 n.º 1 do Código Penal, o conceito de «ofendido», como titular dos interesses que a incriminação quis proteger, pode, assim abranger, tanto o proprietário como o aquele que justifica a tutela penal, assistindo legitimidade aos titulares desses direitos e interesses legítimos, enquanto representantes de interesses especialmente tutelados pela incriminação, para apresentar queixa crime, quando a coisa tenha sido alvo de qualquer uma das ações compreendidas no tipo do artigo 212 do Código Penal.
Este critério significa que tem legitimidade para apresentar queixa crime por crime de dano o proprietário – em qualquer situação este não poderia ser excluído, porque tal implicaria uma alteração do em jurídico protegido pela incriminação – o usufrutuário, o possuidor, o titular de qualquer direito real de gozo sobre a coisa e, ainda, todo aquele que tenha um interesse juridicamente reconhecido na fruição das utilidades da coisa».
Consequentemente, sendo a ofendida companheira do proprietário da casa – com quem vive maritalmente (nessa casa), em condições análogas às dos cônjuges – ela detém, também o gozo e fruição da casa, enquanto sua habitação, e foi diretamente prejudicada/afetada no seu gozo e fruição em consequência da conduta da arguida – que danificou a porta de entrada da casa/sua habitação - pelo que é também titular do interesse que a lei quis proteger com a incriminação.
Improcede, por isso, a 2.ª questão supra enunciada.
9.3. – 3.ª questão (a insuficiência da matéria de facto para a decisão) – art.º 410 n.º 2 al.ª a) do CPP.
A insuficiência da matéria de facto para a decisão, enquanto vício da sentença, que não do julgamento, previsto no art.º 410 n.º 2 al.ª a) do CPP, existirá quando – apreciada a decisão recorrida, na sua globalidade – se chega à conclusão que existe uma lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão, seja porque o tribunal não se pronunciou sobre toda a factualidade – relevante - alegada em sede de acusação/pronúncia e contestação, enquanto peças delimitadoras do objeto do processo/julgamento (havendo, por isso, uma omissão de pronúncia sobre factos relativamente aos quais o tribunal devia pronunciar-se), seja porque omitiu o dever de investigar determinados factos – de que lhe era lícito conhecer – essenciais para a decisão, não sendo os factos apurados, por isso, suficientes para a decisão.
Em síntese – e como se escreveu no acórdão do STJ de 24.07.98, Proc. 436/98, que mantém atualidade – “a insuficiência da matéria de facto provada não se confunde com uma suposta insuficiência dos meios de prova para a decisão tomada.
Para que exista aquele vício é necessário que a matéria de facto fixada se apresente insuficiente para a decisão proferida, por se verificar uma lacuna no apuramento da matéria de facto.
Não ocorre aquele vício quando o tribunal investigou tudo o que podia e devia investigar.
A demonstração dessa insuficiência não pode emergir da mera discordância em relação à forma como o tribunal recorrido terá apreciado a prova produzida, pois aí poderá haver erro de julgamento…”.
No caso em apreço não se descortina na decisão recorrida – e este vício, enquanto vício da sentença, terá de resultar do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, como expressamente se dispõe no art.º 410 n.º 2 do CPP - a omissão de pronúncia sobre qualquer facto de que o tribunal devesse conhecer e não conheceu ou que o tribunal devesse averiguar outros factos e não averiguou, por outro lado, a factualidade dada como provada é suficiente para a decisão, quer no que respeita aos elementos objetivos e subjetivos dos crimes pelos quais a arguida foi condenada, quer no que respeita às circunstâncias relevantes para a determinação das penas aplicadas.
Aliás, como resulta da motivação do recurso, embora invoque a existência daquele vício, o que a recorrente questiona é a prova produzida em julgamento, que – no seu entender – é insuficiente para o tribunal dar como provada a matéria de facto que deu como provada, ou seja, porque o tribunal errou no julgamento que fez da matéria de facto, porque fez uma errada valoração da prova, questão que nada tem a ver com o invocado vício e que com ele não se confunde.
Improcede, por isso, o invocado vício de insuficiência da matéria de facto para a decisão.
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9.4. – 4.ª questão (o erro notório na apreciação da prova) – art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP.
O erro notório na apreciação da prova é um vício da decisão (art.º 410 n.º 2 al.ª c) do CPP), que não se confunde com a divergência de convicções acerca da matéria de facto, ou seja, do que deve ou não deve considerar-se provado em face das provas produzidas.
Tal vício existirá e será relevante quando o homem médio, perante o que consta da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, facilmente se dá conta que o tribunal, na apreciação que fez da matéria de facto, violou as regras da experiência comum ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou, mesmo, contraditórios; ele “traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando determinado facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo” (acórdão do STJ de 98.07.09, Proc. 1509/97, citado por Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques, in Recursos em Processo Penal, Rei dos Livros, 4.ª edição, 77).
Trata-se de uma falha grosseira e ostensiva na análise da prova, percetível pelo cidadão comum, denunciadora de que os factos não podem ter ocorrido como da sentença consta, seja porque as conclusões deles retiradas são ilógicas ou inaceitáveis, seja porque se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável (Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, 75).
Assim entendido, é manifesto que não se verifica o invocado erro notório na apreciação a prova, pois da sentença recorrida, apreciada na sua globalidade, mostra-se perfeitamente coerente e lógica, assentando a factualidade dada como provada – de acordo com a fundamentação que a suporta - numa análise criteriosa das provas produzidas em julgamento, conforme com as regras da experiência comum, da lógica e os critérios da normalidade.
Improcede, por isso, o invocado vício de erro notório na apreciação da prova.
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9.5. – 5.ª questão (impugnação da matéria de facto).
A – Se as provas produzidas impõem decisão diversa da recorrida, concretamente, no que respeita aos pontos 2, 4 e 6 da matéria de facto dada como provada.
Consta dessa matéria:
2. Aí chegada, a arguida logrou abrir a porta da entrada da referida habitação, que estava fechada no trinco, e acedeu ao interior da mesma, dirigindo-se à assistente – que se encontrava acompanhada da sua filha, BG, e LCP, sua colega de trabalho - proferiu-lhe as seguintes expressões: «sua puta, sua vaca, não tens nada que te andar a meter na minha vida, andas com um homem casado»”.
4. Nessa sequência, a arguida foi conduzida para o exterior da mencionada habitação, onde proferiu as seguintes expressões dirigidas à pessoa da ofendida IJM: «sua puta, sua vaca, não vales nada, não tens nada que te andar a meter na minha vida andas com um homem casado»”.
6. A arguida, ao proferir as expressões supra descritas a IJM, agiu com o propósito concretizado de a ofender na sua honra, dignidade e consideração”.
O tribunal formou a sua convicção, concretamente, quanto a esta matéria – de acordo com a fundamentação que da sentença consta – “nas declarações da assistente, que, não obstante ser parte interessada, está sujeita ao dever de verdade, ao contrário do que acontece do a arguida, e depoimentos das testemunhas LCP, que não tem interesse no processo… e BG, que foram coincidentes com os factos provados, que prestaram declarações e depoimentos de modo credível, em que confirmaram os factos vividos por eles, tendo deposto com isenção”.
As declarações da arguida – “negando ter proferido as expressões de que vem acusada” – “não mereceram credibilidade ao tribunal, por terem sido contrariadas por toda a restante prova produzida credível… sendo certo que a arguida, em confronto com a assistente e testemunhas LCP… e BG… foi desmentida nos factos que não admitiu, sendo a versão que apresentou uma versão dos factos pouco credível em face do contexto provado em que proferiu as expressões idóneas a ofender a honra e consideração da assistente…”,
Ou seja, o tribunal deixou bem claro o raciocínio lógico dedutivo que seguiu para formar a convicção que formou, uma convicção lógica, coerente, racionalmente justificada, conforme com as regras da experiência e os critérios da normalidade da vida, concretamente, no que respeita às expressões proferidas pela arguida, relatadas pela assistente e confirmadas pelos depoimentos das testemunhas que as presenciaram, que ao tribunal mereceram credibilidade.
Relativamente ao elemento subjetivo, dir-se-á apenas, por um lado, que tais expressões são, objetivamente, ofensivas da honra e consideração da ofendida – qualquer senhora de mediana formação humana e cívica se sentiria ofendida na sua honra e consideração com tais expressões - por outro, das circunstâncias em que a arguida as profere não pode deixar de se concluir que a arguida agiu com intenção de ofender a honra e consideração da assistente, o que conseguiu, pois que, não havendo razões para duvidar da capacidade de discernimento da arguida, ela não podia deixar de saber, fazendo apelo aos critérios da normalidade, o significado de tais expressões e que, ao dirigi-las à ofendida, punha em causa o seu bom nome e reputação.
As provas invocadas pela arguida não impõem decisão diversa da recorrida – relativamente a tal factualidade - ou seja, não permitem concluir que o tribunal errou na decisão que formou ou que esta se formou em violação do princípio da livre apreciação da prova a que se encontra vinculado, ex vi art.º 127 do CPP.
Aliás, o que a recorrente pretende – como supra já se deixou consignado – é que o tribunal dê como provada outra factualidade, alargando o objeto do processo, desiderato que não é possível nesta sede, pelas razões acima expostas.
Não deixará de se acrescentar que a matéria aflorada nas transcrições efetuadas pela recorrente, quer quanto ao contexto em que a arguida proferiu tais expressões (o alegado estado de nervosismo), quer quanto à alegada tentativa de agressão por parte da assistente, quer quanto ao caráter da arguida (quando se afirma que é uma pessoa meiga e doce), não permitem suscitar qualquer dúvida que a arguida proferiu tais expressões e que o fez porque quis, com vontade livremente determinada de ofender a assistente na sua honra, dignidade e consideração, e consciente da ilicitude da sua conduta
Improcede, por isso, a impugnação da matéria de facto relativamente ao crime de injúria.
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B – Se as provas transcritas em A.c) e B.b.1) impõem decisão diversa da recorrida no que respeita aos pontos 2 e 7.
Consta dessa matéria:
2. Aí chegada, a arguida logrou abrir a porta da entrada da referida habitação, que estava fechada no trinco, e acedeu ao interior da mesma…”.
7. A arguida, ao agir do modo descrito em 2 e 3, quis introduzir-se no interior da habitação da assistente IJM com o propósito concretizado de violar a intimidade da mesma, que tinha domicílio naquela habitação, bem sabendo eu agia sem o consentimento daquela”.
Pretende a arguida que tais factos deviam ser dados como não provados, em síntese, porque “as empregadas do café/restaurante podiam deslocar-se a casa do patrão (AL) para procurara bens alimentícios para levar para o estabelecimento comercial… A arguida tinha autorização para entrar, dada pelo proprietário da citada casa de habitação…”.
Ora, as provas indicadas pela recorrente, contrariamente ao alegado, não impõem decisão diversa da recorrida, pois que nenhuma das testemunhas afirma que a arguida estava, naquelas concretas circunstâncias, autorizada a entrar naquela habitação.
O que afirmam – em suma, que as funcionárias do café restaurante estavam autorizadas a ir à arca frigorífica que aí estava a buscar géneros que eram consumidos no café/restaurante – é irrelevante para a decisão da causa e não permite questionar a correção de raciocínio que levou o tribunal a dar como provados tais factos, pois que não está em causa a autorização que a arguida (ou outras pessoas) tinha para entrar na casa, para aí recolher bens necessários ao funcionamento do café/restaurante do dono da casa, enquanto funcionária do dito estabelecimento e no exercício de tais funções, mas a entrada na casa (de habitação) sem autorização e contra a vontade de quem a habitava no momento em que aí se introduz, com finalidade que nada tem a ver com aquelas funções e, portanto, que não cabe, de acordo com as regras da experiência comum, no âmbito daquela autorização; fora do exercício das suas funções ninguém disse – nem sequer a arguida se atreve a dizê-lo, porque seria absurdo - que ela estava autorizada a entrar na referida casa, pois que não faz qualquer sentido que aquela autorização abrangesse a entrada, fora do exercício das suas funções, naquela casa, enquanto casa de habitação, ainda por cima para discutir com a ofendida, que aí vivia, o que, deve dizer-se, não faz qualquer sentido.
Mas ainda que assim não se entendesse, a partir do momento em que é interpelada a sair e não sai, como consta do ponto 3 da matéria de facto dada como provada (este não questionado), ela permanece ilicitamente no interior da casa, contra a vontade da ofendida, facto que integra o elemento objetivo do crime de violação de domicílio pela qual foi condenada (ver art.º 190 n.º 1 do CP.
Improcede, por isso, a impugnação da matéria de facto relativamente ao crime de violação de domicílio.
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C – Se as provas transcritas em A.b) e B.b.2) impõem decisão diversa da recorrida relativamente aos factos dados como provados nos pontos 5 e 8, ou seja:
5. Já no exterior da habitação, a arguida dirigiu-se à porta da entrada da mencionada habitação e desferiu pontapés na mesma, causando estragos na mesma, amolgando-a, cuja reparação ascendeu ao valor de 373,30 euros”.
8. Ao atuar do modo descrito em 5, a arguida agiu com o desígnio, que logrou concretizar, de danificar a porta de entrada da casa, bem sabendo que não era sua pertença e que agia contra a vontade do seu dono e da assistente, que fruía a mesma”.
Relativamente a esta matéria não resultam dúvidas que a arguida deu pontapés na porta, no exterior da habitação (o que resulta das declarações da assistente, que ouviu o barulho, e dos depoimentos das testemunhas BG, que também ouviu o som dos mesmos, e da testemunha LCP, que viu a arguida “dar murros na porta e pontapés”).
Suscitam-se dúvidas quanto aos danos concretos causados, todavia, dar pontapés numa porta é conduta idónea, de acordo com as regras da experiência comum e os critérios da normalidade, a causar danos, danos que a assistente alega existirem (“três amolgadelas e… o punho da porta…” e são confirmados pela testemunha LC Cerdeira, que fez o orçamento para a substituição da porta (que se encontra junto aos autos) e concretizou os danos que a mesma apresentava em termos idênticos aos apontados pela assistente (“mais ou menos a 60/70 cm do nível do chão, tinha amolgadelas… eram vários…”).
Ora, fazendo apelo às regras da experiência comum, esta conclusão é lógica e coerente, pois que, de acordo com as regras da experiência comum e os critérios da normalidade, é perfeitamente normal que dos pontapés dados na porta tenham resultado danos, o mesmo é dizer que aquela conduta da arguida era idónea a causar os danos invocados, por outro lado, não impõe decisão diversa da recorrida o facto do orçamento ter sido feito com base em fotografias (como declarou a assistente) ou com base na deslocação ao local (como disse a testemunha que elaborou o orçamento), pois que se trata de contradição de pormenor, meramente aparente (a assistente pode ter mostrado a fotografia e o orçamento pode ter sido feito com base na perceção que a testemunha teve no local, realidades perfeitamente compatíveis), que não põe em causa o essencial da questão, que é a de saber se da conduta da arguida resultaram amolgadelas na porta.
Ou seja, as provas apresentadas pela recorrente não impõem decisão diversa da recorrida, não
permitem concluir que a decisão do tribunal está errada, que a sua convicção se formou em violação das regras da experiência e os critérios da normalidade.
E como se escreveu no acórdão do STJ de 18.08.2004, Proc. 1937/04, in www.dgsi.pt, citado noa parecer do Ministério Público (fol.ªs 207), “1. A censura da decisão da matéria de facto não pode assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação da convicção do tribunal, mas na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente, porque não existem os dados objetivos em que assenta ou porque foram violados princípios de aquisição desses dados ou não ouve liberdade de formação da convicção.
2. Assentado a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válidos para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum”.
Consequentemente, mostrando-se a convicção do tribunal perfeitamente lógica e coerente, suportada numa análise criteriosa das provas produzidas e conforme com as regras da experiência comum, a simples divergência da recorrente quanto ao decidido – por haver contradições em determinados depoimentos - não é, só por si, fundamento para questionar a bondade da decisão recorrida.
Improcede, por isso, também esta questão.
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9.6. – 6.ª questão (se as penas aplicadas devem ser reduzidas)
Pretende a arguida que, “atendendo a todas as circunstâncias do caso… a medida concreta da pena fixada pelo tribunal a quo deveria ter sido bem menos severa…
As circunstâncias presentes no caso em apreço, nomeadamente, o dolo, o facto de não ser elevado o grau da ilicitude, a inexistência de antecedentes criminais, os motivos que a levaram à prática dos factos ilícitos… as consequências não muito gravosas resultantes da prática dos ilícitos… e principalmente as condições sócio económicas, sociais e familiares da recorrente… deveriam ter sido consideradas pelo tribunal a quo… e a pena de multa deveria ter sido fixado no limite mínimo previsto na moldura penal abstrata…”.
O tribunal condenou a arguida:
Relativamente ao crime de injúria, na pena de 70 dias de multa (dentro da moldura de 10 dias a 120 dias), relativamente ao crime de violação de domicílio, na pena de 100 dias de multa (dentro da moldura de 10 dias a 240 dias) e relativamente ao crime de dano na pena de 120 dias de multa (dentro da moldura de 10 dias a 360 dias).
Para assim decidir o tribunal ponderou, por um lado, a ausência de antecedentes criminais da arguida e o facto de estar socialmente inserida, por outro, “o grau de intensidade dos ilícitos, considerando a respectiva natureza, medianamente intensos”, o dolo com que a arguida atuou – na modalidade de dolo direto – as consequências “não muito gravosas resultantes da prática dos ilícitos e a situação social, económica, profissional e familiar da arguida” dada como provada.
Ora, antes de mais deve dizer-se que na determinação da medida concreta da pena o tribunal deve atender a todas as circunstâncias – provadas - que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham contra o agente e a seu favor, pelo que não relevam no recurso outras circunstâncias que não constam da matéria dada como provada na decisão recorrida.
Depois, deve anotar-se que são bem elevadas as exigências de prevenção que no caso se fazem sentir, seja de prevenção geral, atenta a natureza dos crimes e frequência com que são praticados, seja de prevenção especial, pois que a arguida, não obstante não ter antecedentes criminais, não interiorizou o desvalor das suas condutas, pois que não reconheceu – e continua a não reconhecer - a gravidade dos factos que praticou, circunstância que releva ao nível da necessidade da pena, enquanto medida necessária (e adequada) a dissuadi-la da prática, no futuro, de idênticos comportamentos.
Ora, perante este quadro, e sopesando, por um lado, as exigências de prevenção geral e especial que no caso se fazem sentir, por outro, as circunstâncias em que os crimes são cometidos e sua gravidade – veja-se que a arguida atuou com dolo direto em todos eles - por outro, ainda, o elevado grau da culpa com que a arguida atuou, as penas aplicadas, não indo além da culpa, mostram-se criteriosamente ponderadas, não nos merecendo qualquer censura.
Também a pena única, de 200 dias de multa, dentro da moldura de 120 dias a 290 dias, se mostra criteriosamente ponderada, atento o conjunto dos factos e a personalidade da arguida, que, não obstante o tempo decorrido, não revelou qualquer juízo de autocensura ou arrependimento dos mesmos – antes continua a negar a sua responsabilidade – o que reforça as exigências de prevenção especial que se fazem sentir e que a pena visa alcançar.
Deve dizer-se que a recorrente, nesta parte, se limita a alegar que “não foram tidas em consideração as circunstâncias que depõem a favor da arguida e as suas condições familiares e sociais” – que o foram, mas que não merecem o relevo que ela lhe atribui – e que a sua condenação vai para além da sua culpa, “traduzindo-se numa violação do princípio da adequação, proporcionalidade de necessidade”, o que não é verdade, pelas razões que se deixaram expostas.
Improcede, por isso, a 6.ª questão supra enunciada.
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9.7. – 7.ª questão (o pedido de indemnização civil).
A demandante havia pedido a condenação da arguida demandada no pagamento da quantia de 1 950,83 €, acrescida de juros de mora até efetivo e integral pagamento.
Tal pedido foi julgado parcialmente procedente e a demandada condenada no pagamento à demandante da quantia de 1 000,00 euros, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 4%, desde a data da sentença até integral pagamento.
O valor do pedido é inferior ao valor da alçada do tribunal recorrido, como o valor da condenação é inferior a metade da alçada do mesmo tribunal, pelo que a decisão recorrida, nessa parte, não é passível de recurso (art.º 400 n.º 2 do CPP e 24 da LOTJ, com a alteração que lhe foi dada pelo DL 303/07, de 24.04).
Consequentemente, não se conhece do recurso no que respeita à parte cível.
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10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal:
- em negar provimento ao recurso interposto pela arguida e, consequentemente, em confirmar a sentença recorrida, no que à matéria crime respeita;
- em não tomar conhecimento do recurso no que à parte cível respeita.
Custas pela arguida, fixando-se a taxa de justiça em quatro UC (art.ºs 513 e 514 do CPP e 8 n.º 5 e tabela III anexa do RCP).

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)

Évora, 05-05-2015

Alberto João Borges

Maria Fernanda Pereira Palma