Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
68/14.2T8VRS-B.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: AGENTE DE EXECUÇÃO
HONORÁRIOS
ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
VENDA JUDICIAL
Data do Acordão: 12/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – A remuneração adicional ao Agente de Execução prevista no artigo 50.º, n.º 5, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto, foi expressamente pensada pelo legislador para os processos de execução para pagamento de quantia certa, pressupondo a imputação da recuperação da quantia à atividade desenvolvida pelo AE, cujo resultado a remuneração adicional visa premiar, o mesmo é dizer, que a remuneração adicional se justifica quando a recuperação ou a garantia dos créditos da execução seja devida à eficiência e eficácia da atuação daquele.
II – Tal remuneração adicional está umbilicalmente ligada ao desenvolvimento pelo AE, no âmbito daquele tipo de processo, das tarefas essenciais à concretização do cumprimento coercivo da obrigação, mas já não está prevista para as outras modalidades do processo executivo.
III – A dita remuneração adicional, não é aplicável à situação em que a intervenção do agente de execução ocorreu, para efetuar a venda, em leilão eletrónico, no âmbito de um processo especial de divisão de coisa comum.
IV – Não havendo lacuna, também não se aplica a norma constante do artigo 17.º, n.º 6, do RCP, para atribuir um valor remuneratório acrescido à AE.
V – O pagamento das despesas e honorários fixos ao AE, não viola o princípio da igualdade, já que é essencialmente diversa a sua intervenção no âmbito de um processo de execução para pagamento de quantia certa, e num processo especial de divisão de coisa comum.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 68/14.2T8VRS-B.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I. RELATÓRIO
1. LL, Agente de Execução nomeada na presente ação de divisão de coisa comum para proceder à venda, por meio de leilão eletrónico, do prédio objeto deste processo, tendo sido notificada do despacho proferido em 30.09.2022 (Ref.ª 10373322), que deferiu a reclamação apresentada pelas partes, considerando injustificado o pedido de remuneração adicional por si apresentado, e não se conformando com o mesmo, interpôs o presente recurso de apelação formulando as seguintes conclusões [transcrição]:
«1. A Portaria 282/2013 visou, essencialmente, juntar, organizando e regulamentando de forma clara, coerente e num único diploma, toda a até aí vasta colecção de normas avulsas e dispersas que regulamentavam os trâmites da acção executiva, mormente os actos dos AEs, e delineou assim a forma de actuação, prática dos Actos e demais responsabilidades, deveres e obrigações dos mesmos, aí regulamentando vários institutos essenciais e inerentes a estas funções, onde se destaca o recurso ao leilão electrónico.
2. Os AEs encontram-se vinculados a esta Portaria para a prática de todos os actos relativos á venda de imóveis em leilão electrónico, como descritos, nomeadamente, nos artigos 19º e seguintes, daquela Portaria, mesmo que tais actos sejam praticados no âmbito de um processo não-executivo.
3. Nesse regime se inclui a matéria relativa à remuneração dos AEs aferida não ao facto de se restringir tal atuação aos processos de natureza executiva, mas sim àqueles actos em si, praticados que sejam no âmbito de processos judiciais, de natureza executiva ou não.
4. A interpretação da norma constante do artigo 50º, nº 5, al. a) da Portaria 282/2013 adoptada pelo Douto Despacho a quo no sentido de excluir a sua aplicação as atuações do AE fora do processo executivo, mostra-se injustificadamente restritiva, criando diferenciação onde a mesma não existe e mostra-se assim, violadora do princípio constitucional da igualdade, previsto no artigo 13º da CRP.
5. Com efeito, a AE pratica os mesmos atos, cumpre exatamente as mesmas funções, observa as mesmas normas e regras ao proceder á venda em leilão eletrónico quer no âmbito de processo executivo, quer no âmbito de processo civil, como é o caso dos presentes autos.
6. Ao restringir a aplicação da remuneração adicional ao AE ao âmbito do processo executivo, ignorando a aplicabilidade dos mesmos institutos e figuras no âmbito das restantes formas processuais, o que não possui fundamento na letra ou espírito da Portaria, levaria a que não fosse possível então o recurso às modalidades de venda ou outros actos dos AEs fora dessa forma processual, levando, em ultima ratio, à inaplicabilidade de todo o diploma nas restantes áreas processuais, e à necessidade de regulamentação de figuras semelhantes para os restantes ramos do direito processual!
7. O que não faz sentido nem literal nem sistemicamente é a possibilidade de os tribunais ora entenderem recorrer a certas normas do diploma, recusando outras com tal fundamento relativo ao tipo processual!
8. Dando cumprimento ao princípio da igualdade, deverá a remuneração a atribuir ser semelhante em quaisquer dos casos, atenta a natureza e igualdade daquelas funções e respectivo conteúdo, seja qual for a forma processual em causa!
9. A aplicação das normas ínsitas na Portaria 282/2013 aos actos praticados pelos AE abrange tais actos, mesmo que aplicados fora do âmbito do processo executivo, aí se incluindo a remuneração devida ao AE pela venda do bem imóvel por meio de leilão eletrónico.
10. Mal andou, assim, o Douto despacho recorrido ao recusar a aplicação da norma contida no artigo 50º, nº 5, al. a) da Portaria 282/2013, devendo ser anulado e substituído por outro que reconheça aquela remuneração adicional à AE.
11. Caso assim se não entenda, sempre haveria nos autos lugar a uma remuneração adicional a liquidar á AE, por via do próprio Regulamento das Custas Processuais, no seu artigo 17º, nº 6, norma essa que, apesar de invocada expressamente pela recorrente no seu requerimento de resposta á reclamação suscitada pelos requerentes, foi ignorada e não aplicada pelo Mmo Juiz a quo, assim se configurando omissão ou recusa de aplicação da norma no Douto despacho recorrido.
12. Entende a ora recorrente que, ainda que se entendesse que a Portaria 282/2013 não seria passível de aplicação, como se entendeu no Douto Despacho recorrido, então sempre deveria o Douto Tribunal determinar, em alternativa, o montante da remuneração a atribuir, nos termos do disposto no artigo 17º, nº 5 do RCP, através da aplicação de uma percentagem até 5% daquele valor da venda.
13. Na determinação desse valor percentual nada impediria o Tribunal de se socorrer da norma ínsita no artigo 50º, nº 5, al. a) da Portaria, como factor de cálculo, até por semelhança com o mesmo tipo de funções, quando exercidas no âmbito do processo executivo.
14. O Douto Tribunal recorrido entendeu claramente que a AE tinha exercido todos os actos necessários para o sucesso da venda, e que a sua actuação foi relevante e determinante para a venda do imóvel, o que constitui factor fundamental para a aplicação daquela remuneração adicional.
15. Ainda que se entendesse que o valor calculado pela AE se mostrava excessivo por aplicação da norma da Portaria, sempre deveria o Douto Tribunal a quo proceder á sua redução, justificando a mesma, e determinar um valor que considerasse ajustado, por aplicação da norma contida no artigo 17º, nº 6 do RCP, atribuindo uma remuneração pelo trabalho prestado.
16. A remuneração dos colaboradores e intervenientes processuais deve ser vista de forma condigna e desprovida de falsos pudores ou preconceitos; as normas jurídicas preveem essa remuneração, não cabendo aos aplicadores e intérpretes do Direito obstaculizar a tal pagamento de forma aleatória ou diferenciada.
17. Ao não aplicar a norma contida no artigo 17º, nº 6 do RCP, violou o Douto Tribunal recorrido aquele princípio da igualdade, plasmado no artigo 13º da nossa CRP, permitindo assim que o trabalho executado pela AE nos autos ficasse desprovido daquela remuneração adicional, em flagrante desigualdade com o exercício das mesmas funções no âmbito do processo executivo.
18. Mesmo que se concluísse pela não aplicabilidade directa da norma constante na Portaria 282/2013 ao caso dos autos, sempre deveria o Tribunal ter aplicado a norma constante do artigo 17º, nº 6 do RCP para atribuir um valor remuneratório adicional à AE, ainda que diverso do por ela reclamado; nessa determinação do valor aplicado, poderia ainda o Douto Tribunal recorrido socorrer-se da norma contida no artigo 50º, nº 5, al. a) da Portaria para fundamentar o cálculo do valor a pagar.»

2. Pelas partes foram apresentadas contra-alegações, defendendo que a situação dos Autos não se trata de uma ação executiva para cobrança e/ou recuperação de qualquer valor em dívida, que a nomeação e a intervenção da agente de execução nos autos foi-o tão só pela impossibilidade de acesso da secretaria dos tribunais à plataforma eletrónica para venda de bens, e pugnando pela improcedência do recurso.

3. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II.1. – Objeto do recurso
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, a única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se é ou não devida à Agente de Execução (AE) a pretendida remuneração adicional, e, em caso negativo, se o Tribunal devia ter aplicado a norma constante do artigo 17.º, n.º 6, do RCP, para atribuir um valor remuneratório adicional à AE, ainda que diverso do valor por ela reclamado.
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II.2. – Incidências processuais relevantes
Para além do que se extrai do despacho recorrido, que infra se transcreverá, para a decisão do presente recurso importa ainda considerar que:
1. Na conferência de interessados que teve lugar nos autos de divisão de coisa comum, em 22.03.2012, foi consignado que:
«Iniciada a conferência, (…) por ambas as partes foi dito que não lograram obter acordo quanto à adjudicação do prédio objecto da presente acção, pretendendo então que o mesmo seja vendido, podendo os consortes concorrer à venda, nos termos do Art.º 1056, nº 2 do CPC.
Para valor base propõem o que é indicado no relatório pericial junto aos autos, ou seja, 430.000,00€ (quatrocentos e trinta mil euros), fls. 214 e seguintes.
De seguida, pelo Mm.º Juiz de Direito foi proferido o seguinte DESPACHO:
"Considerando a posição assumida pelos interessados, determina-se que seja efectuada a venda do imóvel objecto dos presentes autos, nos termos da aludida disposição legal, podendo os consortes concorrer à mesma.
Tal venda assumirá a forma de propostas em carta fechada designando-se oportunamente data abertura das mesmas e publicitação».
2. Pelos despachos proferidos em 26.09.2012 e 02.10.2012, foi designada data para abertura de propostas em carta fechada, (dia 28 de Novembro de 2012, às 10.00 horas), fixando-se em 70% do valor da avaliação do bem, constante do relatório pericial de fls. 214 e ss, o valor da venda a anunciar (ou seja, 301.000,00€).
3. Cumpridas as formalidades legais, em 28.11.2012, no auto de abertura de propostas verificou-se não existir qualquer proposta em carta fechada, tendo a Mmª Juiz proferido despacho a determinar a venda do bem através de negociação particular, tendo sido concedido às interessadas presentes o prazo requerido para virem indicar encarregado da venda.
4. Em 25.01.2013, foi proferido despacho a determinar a notificação das “partes para virem aos autos indicar encarregado da venda por negociação particular determinada por despacho que antecede, como requereram em sede da diligência de abertura de propostas”, tendo aquelas informado que não lhes foi possível encontrar encarregado da venda, e requerido fosse o tribunal a nomeá-lo.
5. Por despacho proferido em 05.03.2013, foi determinado que se averiguasse junto da lista oficial, indicando pessoa que desde já se nomeia, tendo a secção informado em 12-04-2013, que “desconhece pessoa a indicar, como encarregado da venda, uma vez que o único que existia, veio pedir escusa por motivo de doença. Mais informo que não existe qualquer lista oficial para o fim acima referido”.
6. Notificadas as partes, por requerimento de 15.04.2013, vieram requerer “nos termos do disposto no art. 905º nº 3 do CPC, seja designada encarregada da venda a sociedade Barómetro - Mediação Imobiliária, Lda., titular do estabelecimento ERA, sito em Vila Real de Santo António.
7. Por despacho de 04.06.2013, foi nomeada a sociedade comercial indicada, para proceder à venda no prazo de 30 dias.
8. Notificada para informar do estado da venda, veio por requerimento de 22.12.2014, informar que estava a promover a venda do imóvel pelo valor de 550 000,00€
9. Novamente notificada veio a ERA, por requerimento de 22.01.2016, reiterar aquela informação.
10. Em 09.05.2016, vieram as AA. habilitadas, dizer que “tendo em conta que até à presente data ainda não foi vendido o prédio objecto da lide, requerem sejam designadas como encarregadas de venda, para além da sociedade de mediação imobiliária BARÓMETRO – Mediação Imobiliária, Lda. (ERA – VRSA), as seguintes sociedades de mediação imobiliária:
“GALA COLORIDA” (www.galacolorida.pt), e “EASYGEST” (www.easygest.com.pt).
11. Este requerimento foi deferido por despacho de 20.10.2016, nomeando-se também as indicadas sociedades.
12. Por requerimento de 08.11.2016, veio ERA informar que nos últimos doze meses o imóvel tinha tido 3 visitas físicas, não possui certificado energético o que impossibilita legalmente qualquer publicitação e limita quase totalmente o respetivo trabalho; está a ser promovido por um preço desajustado, juntando um pré-estudo de mercado, afirmando que a própria família AA, concorda com esse estudo e deseja a sua comercialização pelo valor de 350.000,00€, sendo contudo necessário a vossa autorização para o efeito; mais referiu que o imóvel está num estado de degradação muito elevado, sendo inclusive difícil a sua visita por parte dos clientes ao seu interior.
13. Por requerimento de 20.12.2016, as AA. habilitadas vieram requerer que “de acordo com a informação prestada pela ERA, se fixe o valor de 350.000,00€ (trezentos e cinquenta mil euros) para venda do prédio objecto da lide”.
14. Por despacho de 20.02.2017, foi determinada a notificação dos encarregados da venda, da fixação daquele valor e, por despacho de 03.05.2017, “atenta a ausência de informação na sequência da notificação”, foi determinada a notificação dos “encarregados de venda para informarem sobre o estado da venda do bem nos presentes autos”.
15. Por e-mail de 18.05.2017, EasyGest veio informar que “o estado da venda do bem continua na mesma situação, ou seja, ainda não tivemos nenhuma proposta de aquisição do mesmo”.
15. Por email de 18.05.2017, Galacolorida enviou relatório da promoção e venda do imóvel.
16. Por carta da mesma data (entrada em 22.05.2017), ERA veio informar em termos semelhantes ao referido supra (sem certificado energético e estado de degradação muito elevado)
17. Foi proferido despacho a determinar que os autos aguardassem mais dois meses e fossem novamente notificados os 3 encarregados da venda, tendo estes respondido, nos mesmos termos, e tendo a ERA referido ainda que desde a anterior consulta não houve qualquer visita e acrescentado “não existir informação rigorosa sobre o estado do imóvel nomeadamente no que respeita aos espaços comerciais arrendados… desconhecendo-se as implicações legais das mesmas”.
18. Tendo falecido a requerida, a instância foi declarada suspensa por despacho de 10.02.2018.
19. Cessada a suspensão, em 25.11.2021, foi proferido o seguinte despacho: “determino que se notifiquem as três sociedades imobiliárias nomeadas nos autos para exercer o cargo de encarregadas de venda do imóvel objecto da presente divisão de coisa comum, dando-lhe conhecimento que os autos já não se encontram suspensos, pelo que devem dar cumprimento à venda do bem conforme determinado anteriormente, através de negociação particular.
20. Por requerimento de 04.01.2022, fazendo uma súmula do que antecede, constataram as partes que «atento o histórico do processo anteriormente relatado e o mais que consta dos autos, é manifesto que a venda por negociação particular não se tem revelado adequada à alienação do prédio “sub judice”», requerendo «que se proceda à aludida venda em leilão eletrónico, através da plataforma “e-leilões”, pelo valor base de 350.000 € (trezentos e cinquenta mil euros), por se afigurar que tal modalidade, inexistente na data em que se efectuou a venda por proposta em carta fechada, é a que mais publicidade garante à aludida venda e melhor serve o propósito dos presentes autos.»
21. Em 13.01.2022, foi proferido o seguinte despacho (Ref.ª 9637423):
«Atentos os fundamentos invocados, os quais se mostram atendíveis e justificados pela análise atenta da tramitação que antecede, tendo inclusive merecido a adesão da Habilitada Santa Casa da Misericórdia de Vila Real de Santo António, defere-se o solicitado e determina-se a venda do prédio objecto dos autos por leilão electrónico, nos termos do art. 837.º, do CPC.
Valor base: 350.000 € (trezentos e cinquenta mil euros).
Prazo: 60 (sessenta) dias”.
22. Em 14-01-2022, a secção abriu “conclusão” «com informação a V. Exa. de que, a publicidade e a venda a que alude o art. 837º do CPC., com o consequente anúncio da página informática (determinada pela aplicação da Portaria nº 282/2013, de 29-08), não é possível ser efectuada. O sistema informático ¨"CITIUS" permite a publicação do anúncio, mas não a colocação da venda na página informática», tendo sido proferido o seguinte despacho:
«Em face da impossibilidade de colocação do imóvel à venda na página informática pela secretaria deste Tribunal, determina-se a nomeação de um agente de execução para proceder à venda em questão».
23. Em 19.01.2022, com menção abaixo do endereço dos autos de “Divisão de Coisa Comum 68/14.2T8VRS”, e identificação das partes, com indicação do “Assunto: Nomeação de AE/venda em leilão electrónico”, a Senhora Agente de Execução foi notificada “de que foi nomeada AE para proceder à venda através de leilão electrónico do imóvel constante dos documentos e despachos, que se juntam. Imóvel registado na Conservatória do Registo Predial de Vila Real de Santo António sob a ficha ….
Valor base: 350.000,00 (trezentos e cinquenta mil euros)”.
24. Em 06.04.2022, as requerentes apresentaram requerimento no qual informaram haver “procedido ao pagamento dos honorários devidos” e requeram “se dê cumprimento aos despachos de 13.01.2022 (refª 122805340) e de 14.01.2022 (refª 122838360), anunciando a venda do prédio objecto da acção, na plataforma e-leilões, pelo valor base de 350.000€”.
25. Em 29.04.2022, foi apresentado requerimento de identificação de AE e em 30.05.2022, a AE juntou notificação aos interessados informando “que se encontra a decorrer o leilão relativo ao imóvel penhorado nos autos. Link: (…)
Datas: Início: 28-05-2022; Fim: 29-06-2022.
26. Em 30.06.2022, consta junta aos autos a seguinte DECISÃO DO AGENTE DE EXECUÇÃO:
«Findo o leilão electrónico, verifica-se que a melhor proposta para aquisição do bem abaixo indicado e identificado na certidão em anexo, é superior a 85% do valor base, estando assim reunidas as condições para que se concretize a adjudicação do bem ao proponente, logo que: Seja depositado o preço e demonstrado nos autos o cumprimento das obrigações fiscais, designadamente, a liquidação do Imposto sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis e do Imposto de Selo, a concretizar no prazo de 15 dias contados da notificação da presente decisão, nos termos do nº 2 do artigo 824º do CPC. (…)
ADQUIRENTE: Cumtava – Sociedade Imobiliária SA; NIF: 503 771 651.
REQUERENTE: CC; Viúva; NIF: …
VALOR MÍNIMO: 297.500,00 € (Duzentos e noventa e sete mil e quinhentos euros).
VALOR DA MELHOR PROPOSTA: 371.532,05 € (Trezentos e setenta e um mil quinhentos e trinta e dois euros e cinco cêntimos).
BEM A SER ADJUDICADO: Prédio urbano sito na Rua … em Vila Real de Santo António, concelho de Vila Real de Santo António, freguesia de Vila Real de Santo António, constituído em propriedade total, em que fazem parte as seguintes divisões com utilização independente, divisão A ,C, D e E destinado ao comércio, divisão B e F destinado à habitação, inscrito na respectiva matriz sob o nº … e descrito na CRP de Vila Real de Santo António sob o nº … da freguesia de Vila Real de Santo António.
27. Nesse mesmo dia, e em 15.07.2022, consta a notificação da referida sociedade na qualidade de proponente, para, no prazo de 15 (quinze) dias, efetuar o pagamento do valor de 99.000,00 €, correspondentes a uma parte do preço, do bem adjudicado, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 824º do CPC.
28. Em 21.07.2022, a AE juntou o comprovativo dos pagamentos daquelas quantias e a nota discriminativa provisória, da qual as interessadas reclamaram em 10.08.2022, sumariando o acima descrito quanto à sua nomeação, afirmando e concluindo «como segue:
A AE inclui na referida nota objecto da presente reclamação a verba de 7.920,24 € (sete mil novecentos e vinte euros e vinte e quatro cêntimos), a título de honorários por resultados obtidos. (…)
No caso vertente, até pelo tipo de processo que está em causa e atendendo à actividade realizada pela AE é manifesto que não se justifica qualquer remuneração adicional.
Sendo assim infundada a quantia fixada a título de “honorários por resultados obtidos”, por violação do disposto no artigo 50º da Portaria nº 282/2013, de 29 de Agosto».
29. Notificada para exercer o contraditório, em 22.09.2022, a AE respondeu nos seguintes termos:
«1º Em 19/01/2022 recebeu a Agente de Execução despacho para ser Encarregada da Venda em leilão eletrónico do imóvel em Vila Real de Santo António, freguesia de Vila Real de Santo António.
2º Em 28/02/2022 procedeu ao pedido de provisão para iniciar as diligências de venda.
3ºApós recebimento da mesma procedeu à deslocação ao local para constatação do bem, falando com as partes, verificando o estado do imóvel. Colocação do edital de venda e tiragem das fotografias de todos os espaços possíveis para colocação do imóvel na plataforma dos leilões.
4ºApós colocação na plataforma dos leilões procedeu às respetivas notificações às partes em 30/05/2022 que estava a decorrer o leilão com inicio em 28/05/2022 e que finalizava em 29/06/2022.
5ºPor diversas vezes falou via telefone com os proponentes de forma a lhes tirar quaisquer dúvidas e explicar todos os procedimentos.
6ºTerminado o Leilão em 30/06/2022 notificou as partes e o proponente da decisão da Agente de Execução.
7ºDecorrido o prazo legal notificou o proponente para o depósito do preço e pagamento dos impostos.
8ºApós recebimento do valor e do pagamento dos impostos elaborou a Agente de Execução o respetivo Título de Transmissão.
9ºSalvo o devido respeito não corresponde à verdade não se poder aferir que o valor recuperado da quantia exequenda não tenha decorrido da atividade e diligências realizadas pela Agente de Execução, pois a quantia exequenda resultou das diligências e esforços feitos pela Agente de Execução, nomeadamente na constatação do imóvel, tiragem das fotos, colocação de edital de venda, inserção na plataforma e todas as explicações dadas aos diversos proponentes de forma a que os mesmos pudessem licitar sem quaisquer duvidas.
10ºTal como qualquer encarregada da venda tem a Agente de Execução o direito de lhe ser atribuída uma percentagem sobre o valor recuperado.
11ºA Agente de Execução baseou-se na Portaria 282/2013 de 29 de Agosto uma vez que foi Encarregada da Venda.
12ºCaso o valor recuperado não possa ser achado através da Portaria mencionada tem a mesma direito a uma percentagem de acordo com o nº 6 do artº 17º do código das custas processuais que pode ser variável até 5% do valor “Os liquidatários, os administradores e entidades encarregadas da venda recebem a quantia fixada pelo Tribunal até 5% do valor da causa ou dos bens vendidos”
Por dar valor inferior pela portaria em relação à tabela das custas processuais apresentou a Agente de Execução o valor achado através da Portaria.
Face ao exposto e por ter direito a uma remuneração que vai de 2% a 5% conforme valor recuperado solicita ao Meritíssimo a apreciação e deferimento do mesmo”.
30. Em 30.09.2022, foi proferido o despacho recorrido, com o seguinte teor:
«Notificados da Nota Discriminativa apresentada pela Agente de Execução, vieram os Requerentes da presente acção de divisão de coisa comum dela reclamar, pedindo a sua rectificação.
Alegam, em suma, que não lhe é devida a quantia de € 7.920,24 € (sete mil novecentos e vinte euros e vinte e quatro cêntimos), a título de honorários por resultados obtidos. Referem que para que a Agente de Execução procedesse à venda por leilão electrónico, as requerentes pagaram-lhe em 06.04.2022 os honorários devidos.
Terminam alegando que, no caso vertente, até pelo tipo de processo que está em causa e atendendo à actividade realizada pela Agente de Execução, é manifesto que não se justifica qualquer remuneração adicional.
Notificada, veio a Sra. Agente de Execução responder, pugnando pelo pagamento da quantia em causa. Alega, em suma, que não corresponde à verdade não se poder aferir que o valor recuperado da quantia exequenda não tenha decorrido da atividade e diligências realizadas pela Agente de Execução, pois a quantia exequenda resultou das diligências e esforços feitos pela Agente de Execução, nomeadamente na constatação do imóvel, tiragem das fotos, colocação de edital de venda, inserção na plataforma e todas as explicações dadas aos diversos proponentes de forma a que os mesmos pudessem licitar sem quaisquer duvidas.
Termina referindo que tal como qualquer encarregada da venda, tem a Agente de Execução o direito de lhe ser atribuída uma percentagem sobre o valor recuperado e que por dar valor inferior pela portaria em relação à tabela das custas processuais apresentou a Agente de Execução o valor achado através da Portaria n.º 282/2013 de 29.08.
Cumpre apreciar e decidir.
Compulsados os autos, nesta matéria retira-se o seguinte:
- os presentes autos não são de execução mas de divisão de coisa comum, ainda que à venda do bens objecto da divisão se apliquem as regras próprias do processo executivo;
- no âmbito dos presentes autos, foi ordenada por despacho de 13.01.2022 a venda do imóvel objecto dos autos através de leilão electrónico (cfr. refª 122805340);
- para o efeito (proceder à venda através de leilão electrónico do imóvel) foi nomeada a Sra. Agente de Execução LL;
- notificados para o efeito, os Requerentes procederam em 07.03.2022 e em 06.04.2022 ao pagamento das quantias de € 418,01 e de € 468,21, a título de honorários fixos da Sra. Agente de Execução (cfr. ref.ª 9862387 e ref.ª 9918780).
- a Sra. Agente de Execução deu cumprimento ao antedito despacho e publicitou a venda em causa na plataforma e-leilões;
- A anunciada venda recebeu, por parte da sociedade comercial, uma proposta de aquisição pelo valor de € 371.532,05 (trezentos e setenta e um mil quinhentos e trinta e dois euros e cinco cêntimos).
Embora nem todos esses actos estejam documentados nos autos, admite-se que a Sra. Agente de Execução se tenha deslocado ao local para verificar o imóvel, falado com as partes, verificado o estado do imóvel, tirado fotografias de todos os espaços possíveis, procedido às respectivas notificações das partes da colocação à venda do imóvel na plataforma dos leilões, que tivesse falado diversas vezes ao telefone com os proponentes de forma a tirar-lhes quaisquer dúvidas e explicar todos os procedimentos e notificado as partes e o proponente da proposta aceite.
Porém, todos os actos enquadram-se no âmbito das funções naturais e essenciais de um encarregado de bens e encontram-se devidamente remunerados e compensados pelos seguintes descritivos constantes da Nota de Honorários apresentada pela Sra. Agente de Execução:
“Despesas de Expediente – quantidade 1 - IVA 23,00% - valor € 1285,85;
Actos internos concretizados – quantidade 25 – valor unitário € 5,10 - IVA 23,00% - valor € 127,50;
Actos externos – quantidade 6 – valor unitário € 51,00 – IVA 23,00% - valor € 306,00;
Honorários fixos – quantidade 4 – valor unitário € 255,00 – IVA 23,00% - valor € 1020,00”.
Ora, salvo melhor entendimento, a aludida Portaria n.º 282/2013 de 29.08, no seu art. 50º, n.º 5, apenas atribuiu ao agente de execução uma remuneração adicional no caso dos processos executivos para pagamento de quantia certa. E percebe-se porquê, já que está em causa o pagamento coercivo de uma dívida, que se encontra por liquidar geralmente há algum tempo e a vencer-se juros de mora.
Nos presentes autos, inexiste qualquer dívida a saldar, não há qualquer montante garantido para pagamento de dívidas. Pretendia-se apenas e tão só vender um imóvel e distribuir o produto da sua venda por dois comproprietários, na proporção das suas quotas.
Assim, não obstante reconhecer-se que o trabalho praticado pela Sra. Agente de Execução foi relevante e determinante para a venda do imóvel, entende o Tribunal que o mesmo se enquadra dentro dos actos habituais para uma venda através de leilão electrónico e portanto não justifica a atribuição de uma remuneração adicional, encontrando-se os seus actos totalmente retribuídos e compensados pelos itens “Despesas de Expediente”, “Actos internos concretizados”, “Actos externos” e “Honorários fixos” constantes da sua Nota Discriminativa.
Face ao exposto, defere-se a reclamação apresentada pelos Requerentes e consequentemente, determina-se a notificação da Sra. Agente de Execução para proceder à rectificação da sua Nota Discriminativa em conformidade com o acima decidido».
*****
II.3. – O mérito do recurso
A primeira questão que cumpre apreciar e decidir – pois dela dependerá estar ou não prejudicada a apreciação da segunda –, é a de aquilatar se, em face do circunstancialismo factual acima descrito, na venda efetuada no âmbito de uma ação de divisão de coisa comum, a Senhora Agente de Execução[4], nomeada para proceder à venda do imóvel indiviso em leilão eletrónico, tem ou não direito à remuneração adicional que liquidou.
Com efeito, as partes naquele processo especial, ora Apeladas, aceitaram a liquidação das demais quantias constantes na nota de honorários e despesas, melhor descritas no despacho recorrido, no valor global de 2.739,35€, ali se incluindo o item “Honorários fixos – quantidade 4 – valor unitário € 255,00 – IVA 23,00% - valor € 1020,00”, reclamando apenas da liquidação da verba de 7.920,24, a título de honorários por resultados obtidos.
No despacho recorrido, considerou-se que não era aplicável ao caso o disposto no artigo 50.º, n.º 5, da Portaria n.º 282/2013, de 29 de agosto[5], defendendo a Apelante, que a remuneração adicional prevista neste preceito é devida, não fazendo sentido, nem literal nem sistemicamente, a possibilidade de os tribunais entenderem recorrer a certas normas do diploma, recusando outras com fundamento relativo ao tipo processual, devendo a sua aplicação ser semelhante em qualquer tipo de processos, atenta a natureza e igualdade daquelas funções e respetivo conteúdo, seja qual for a forma processual em causa, devendo dar-se cumprimento ao princípio da igualdade.
Vejamos.
Atenta a forma como a Apelante colocou a questão, cumpre primeiramente determinar se a referida Portaria 282/2013, de 29 de agosto, que regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis, e concretamente a remuneração do agente de execução [artigo 1.º, alínea o)], é ou não aplicável à situação em apreço em que a intervenção do agente de execução ocorreu para efetuar a venda, em leilão eletrónico, no âmbito de um processo especial de divisão de coisa comum.
A respeito dos honorários do agente de execução, rege o artigo 50.º da indicada Portaria n.º 282/2013, cujo n.º 1 prescreve que o agente de execução tem direito a ser remunerado pela tramitação dos processos, atos praticados ou procedimentos realizados de acordo com os valores fixados na tabela do anexo VII da presente Portaria, os quais incluem a realização dos atos necessários, com os limites nela previstos.
Nesta parte dos atos realizados pela Apelante, que têm a remuneração especifica já considerada na conta apresentada, os Apelados aceitam pagar, incluindo o valor dos honorários pedidos, reclamando por a quantia respeitante à remuneração adicional, não ser devida, e assim foi entendido na decisão recorrida.
E bem, segundo cremos.
Com efeito, estabelece o n.º 5 do referido artigo 50.º, que nos processos executivos para pagamento de quantia certa, no termo do processo é devida ao agente de execução uma remuneração adicional, que varia em função: a) Do valor recuperado ou garantido; b) Do momento processual em que o montante foi recuperado ou garantido; c) Da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar.
Este número tem de ser conjugado com os seguintes, concretamente com o n.º 6, no qual se define, para os efeitos do presente artigo, o que se entende por: a) «Valor recuperado» o valor do dinheiro restituído, entregue, o do produto da venda, o da adjudicação ou o dos rendimentos consignados, pelo agente de execução ao exequente ou pelo executado ou terceiro ao exequente; e b) «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.
Importa ainda ter presente o que estabelecem os n.ºs 9 a 11, do artigo 50.º, que têm o seguinte teor:
«9 - O cálculo da remuneração adicional efetua-se nos termos previstos na tabela do anexo VIII da presente portaria, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
10 - Nos casos em que, na sequência de diligência de penhora de bens móveis do executado seguida da sua citação seja recuperada ou garantida a totalidade dos créditos em dívida o agente de execução tem direito a uma remuneração adicional mínima de 1 UC, quando o valor da remuneração adicional apurada nos termos previstos na tabela do anexo VIII seja inferior a esse montante.
11 - O valor da remuneração adicional apurado nos termos da tabela do anexo VIII é reduzido a metade na parte que haja sido recuperada ou garantida sobre bens relativamente aos quais o exequente já dispusesse de garantia real prévia à execução».
Por seu turno, no Anexo VIII consta, antes da tabela propriamente dita, que «o valor da remuneração adicional do agente de execução destinado a premiar a eficácia e eficiência da recuperação ou garantia de créditos na execução nos termos do artigo 22.º é calculado com base nas taxas marginais constantes da tabela abaixo, as quais variam em função do momento processual em que o valor foi recuperado ou garantido e da existência, ou não, de garantia real sobre os bens penhorados ou a penhorar».
Finalmente, e porque é de interpretação de lei que se trata, a realizar nos moldes definidos no artigo 9.º do Código Civil[6], devemos ainda atentar no preâmbulo da mesma Portaria onde, relativamente aos honorários do agente de execução, o legislador deu nota da sua intenção referindo que «com vista a promover uma maior eficiência e celeridade na recuperação das quantias devidas ao exequente, reforçam-se os valores pagos aos agentes de execução, a título de remuneração adicional, num sistema misto como o nosso, que combina uma parte fixa com uma parte variável. Uma vez que parte das execuções é de valor reduzido, prevê-se a atribuição de um valor mínimo ao agente de execução quando seja recuperada a totalidade da dívida, precisamente para incentivar a sua rápida recuperação.
Procura-se igualmente estimular o pagamento integral voluntário da quantia em dívida bem como a celebração de acordos de pagamento entre as partes que pretendam pôr termo ao processo. Para tanto, prevê-se o pagamento de uma remuneração adicional ao agente de execução quando a recuperação da quantia tenha tido lugar na sequência de diligências por si promovidas, ou a dispensa do pagamento de qualquer remuneração adicional ao agente de execução quando, logo no início do processo, a dívida seja satisfeita de modo voluntário, sem a intermediação do agente de execução».[itálico nosso]
Como é bom de ver, logo pelo teor literal do preceito, a remuneração adicional foi expressamente pensada pelo legislador para os processos de execução para pagamento de quantia certa, pressupondo a imputação da recuperação da quantia à atividade desenvolvida pelo AE, cujo resultado a remuneração adicional visa premiar, o mesmo é dizer, que a remuneração adicional se justifica quando a recuperação ou a garantia dos créditos da execução seja devida à eficiência e eficácia da atuação daquele.
Portanto, tal remuneração adicional está umbilicalmente ligada ao desenvolvimento pelo AE, no âmbito daquele tipo de processo, das tarefas essenciais à concretização do cumprimento coercivo da obrigação, mas já não está prevista para as outras modalidades do processo executivo, por exemplo, para a entrega de coisa certa.
Na verdade, todo o processo executivo visa o cumprimento coercivo de uma obrigação que, obviamente, não foi voluntariamente cumprida. Porém, o legislador circunscreveu deliberadamente a remuneração adicional ao âmbito do processo executivo para pagamento de quantia certa, o que se compreende atento o fim de rápida e eficaz recuperação do crédito exequendo, que visa prosseguir, premiando assim a atividade diligente que seja desenvolvida pelo AE na execução, visando a satisfação coerciva do credor.
In casu, constatada a indivisibilidade do imóvel, na fase executiva da ação[7], e na sequência da falta de acordo sobre a sua adjudicação, na conferência de interessados foi determinada a sua venda a terceiro, tendo em vista a subsequente repartição do produto da venda na proporção das quotas de cada um dos consortes (cfr. dispunha o artigo 1056.º, n.º 2, do CPC vigente aquando da conferência de interessados, e que ora tem correspondência no artigo 929.º, n.º 2, do CPC).
Pese embora no âmbito dos artigos que regulam este processo especial nada se disponha quanto ao procedimento a observar para a venda de bens indivisíveis, a verdade é que, nas disposições reguladoras do processo especial, e concretamente no n.º 2 do artigo 549.º do CPC, o legislador veio expressamente prever que quando haja lugar à venda de bens, esta é feita pelas formas estabelecidas para o processo de execução, observando-se as especificidades enunciadas, e incumbindo ao oficial de justiça a prática dos atos que, no âmbito do processo executivo, são da competência do agente de execução.
Portanto, no segmento final do artigo 549.º, n.º 2, do CPC, o legislador veio subtrair ao princípio da aplicação subsidiária das normas que regulam o processo ordinário de execução respeitantes à venda de bens, a competência para a prática dos atos que neste são da competência do agente de execução, e que nos processos especiais o legislador expressamente comete ao oficial de justiça.
Como é sabido, havendo expressa regulação de determinada matéria no âmbito do processo especial, apenas podem ser convocadas as normas comuns que sejam compatíveis com aquela específica e própria normação.
Assim sendo, temos de concluir que se nos processos especiais o legislador defere ao oficial de justiça a competência para a prática dos atos atinentes à venda de bens, que no âmbito do processo executivo são da competência do agente de execução, o mesmo é dizer que afasta neste caso a competência-regra deste para a prática de todas as diligências deste específico processo executivo, incluindo a venda de bens, como previsto no artigo 719.º, n.º 1, do CPC.
Mas, para além da especificidade já referida, à venda de bens no processo especial de divisão de coisa comum, aplicam-se as disposições relativas às modalidades de venda estabelecidas para o processo de execução, atualmente previstas nos artigos 811.º e ss. do CPC[8], e concretamente na alínea g), que prevê a venda em leilão eletrónico, nos termos referidos no artigo 837.º da mesma codificação, que estipula:
“1 - Exceto nos casos referidos nos artigos 830.º e 831.º, a venda de bens imóveis e de bens móveis penhorados é feita preferencialmente em leilão eletrónico, nos termos a definir por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
2 - As vendas referidas neste artigo são publicitadas, com as devidas adaptações, nos termos dos n.ºs 2 a 4 do artigo 817.º,
3 - À venda em leilão eletrónico aplicam-se as regras relativas à venda em estabelecimento de leilão em tudo o que não estiver especialmente regulado na portaria referida no n.º 1”.
Conforme já se afirmou no aresto deste Tribunal de 14.03.2019[9], «como resulta do n.º 1 deste artigo, esta é a modalidade da venda que foi erigida pelo legislador como preferencial quando esteja em causa a venda de bens móveis ou imóveis, como é o caso, tendo o legislador remetido a definição dos termos da modalidade da venda para portaria do membro do Governo responsável para a área da justiça.
Em conformidade com esta habilitação legal veio a Portaria n.º 282/2013, de 29 de Agosto (diploma que regula vários aspectos das acções executivas cíveis), regulamentar nos artigos 20º a 26º os termos em que se processa a venda por leilão electrónico, prevendo o dito artigo 20º que o leilão electrónico “… se processa em plataforma electrónica acessível na Internet, nos termos definidos na presente portaria e nas regras do sistema que venham a ser aprovadas pela entidade gestora da plataforma e homologadas pelo membro do Governo responsável pela área da justiça”, e, o n.º 1 do artigo 21º, que “[a] entidade gestora da plataforma electrónica, a qual é definida por despacho do membro do Governo responsável pela área da justiça, disponibiliza a todos os interessados, em sítio da Internet de acesso público definido nas regras do sistema, a consulta dos anúncios de venda de bens que decorra através de leilão electrónico bem como as regras do sistema.”.
Nesta sequência, foi publicado o Despacho n.º 12624/2015, de 9 de Novembro, que definiu como entidade gestora da plataforma de leilão electrónico www.e-leiloes.pt a Câmara dos Solicitadores, com efeitos reportados a 19 de Setembro de 2015, e homologou as regras do sistema www.e-leiloes.pt, anexas a este despacho, tal como aprovadas pela Câmara dos Solicitadores, na qualidade de entidade gestora do referido sistema, por deliberação do seu Conselho Geral de 19 de Setembro de 2015».
Posto este enquadramento geral, para a apreciação do nosso caso importa ainda atentar que pese embora tenha definido como entidade gestora da plataforma a então Câmara dos Solicitadores (hoje Ordem dos Solicitadores e Agentes de Execução), em face da constatação de que “a esmagadora maioria dos processos de execução são tramitados por agentes de execução”, o citado despacho ministerial, publicado na 2.ª Série do Diário da República, n.º 219, a 9 de novembro de 2015, não deixou de ponderar que “deve ainda assegurar-se que esta plataforma poderá ser utilizada para a realização de leilões no contexto de outros processos, estando preparada para acolher a atividade de outros profissionais, como sejam os administradores judiciais e os oficiais de justiça que atuem como agentes de execução”, prevendo no artigo 1.º, n.º 3, que rege sobre o respetivo âmbito que “[p]odem ainda ser colocados à venda na plataforma www.e-leiloes.pt, nos termos do disposto no artigo 17.º, quaisquer bens cujas regras de venda devam ou possam ser sujeitas às regras estabelecidas no presente regulamento”.
Estabelece este preceito sobre a utilização da plataforma no âmbito de outros processos, prevendo o seu n.º 1 que a mesma “pode ainda ser utilizada em processos distintos dos previstos no n.º 2 do artigo 1.º ou noutros âmbitos em que se justifique a utilização de uma plataforma de leilões eletrónicos”, designadamente nos processos de execução em que tenha sido designado oficial de justiça [alínea a)], fazendo depender a utilização da plataforma nesses casos, da celebração de protocolo entre a Câmara dos Solicitadores e a entidade responsável ou representante dos responsáveis pela venda ou encarregue da regulamentação da atividade dos responsáveis pela venda (n.º 2).
Atenta a informação prestada pela secretaria na conclusão aberta em 14-01-2022, «de que, a publicidade e a venda a que alude o art. 837º do CPC., com o consequente anúncio da página informática (determinada pela aplicação da Portaria nº 282/2013, de 29-08), não é possível ser efectuada. O sistema informático ¨"CITIUS" permite a publicação do anúncio, mas não a colocação da venda na página informática», ficamos sem conseguir descortinar se a implementação da plataforma www.e-leiloes.pt, que se encontra disponível para os agentes de execução desde 2016, está efetivamente preparada para acolher a atividade de outros profissionais, como sejam os administradores judiciais e os oficiais de justiça, faltando a celebração do protocolo referido no despacho acima citado, ou se apenas não está divulgada entre os oficiais de justiça a possibilidade da sua utilização, bem como a forma de acesso e autenticação por parte dos utilizadores com faculdade de colocarem bens em leilão, a que se referia o n.º 3, alínea a).
Seja como for, a verdade é que, na sequência daquela informação, o tribunal a quo determinou que fosse nomeado AE para efetivar a venda do imóvel por aquela via, tendo sido nomeada a ora Apelante, que foi expressamente notificada nos termos sobreditos, bem sabendo que os autos em referência eram um processo especial e não um processo de execução, como insistiu em referir. Tanto assim é, que de imediato deu início aos procedimentos necessários para fazer a venda do imóvel, e não àqueles que são os atos típicos de um processo de execução para quantia certa.
Ora, nos presentes autos, nenhuma dessas diligências executivas prévias à venda tiveram lugar, pura e simplesmente porque os requeridos são os titulares do imóvel, não havendo nenhum crédito a garantir, mas apenas uma situação de indivisão na qual os comproprietários não se queriam manter.
Não estamos, portanto, perante situações iguais, que determinem a convocação do princípio da igualdade, para com esse fundamento se reconhecer à Apelante o direito à remuneração adicional variável.
Consequentemente, não merece censura a decisão recorrida, que considerou não ser aplicável ao caso aquela remuneração.
Vejamos, agora, se é caso de aplicação da norma constante do artigo 17.º, n.º 6, do RCP, para atribuir um valor remuneratório acrescido à Apelante, questão por esta suscitada e que, não tendo sido objeto de pronúncia em primeira instância, pode este Tribunal conhecer, nos termos previstos no artigo 665.º, n.º 2, do CPC.
Em fundamento do pretendido, a Apelante invocou novamente o princípio da igualdade, mas cremos que sem fundamento, também neste caso.
Efetivamente, dispõe o artigo 17.º, n.º 6, do Regulamento das Custas Processuais, que “os liquidatários, os administradores e as entidades encarregadas da venda extrajudicial recebem a quantia fixada pelo tribunal, até 5 % do valor da causa ou dos bens vendidos ou administrados, se este for inferior, e o estabelecido na tabela iv pelas deslocações que tenham de efetuar, se não lhes for disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tribunal”.
Trata-se realmente de remuneração variável pensada para quem intervém no processo para proceder a uma venda, mas apenas não sendo agente de execução, já que, quando tem esta qualidade aplica-se à sua remuneração a dita portaria.
De facto, se bem virmos, quando o agente de execução é simultaneamente encarregado da venda, por negociação particular, a Portaria estabelece expressamente para si a remuneração fixa, específica por tal ato, de 1% sobre o valor da venda (anexo VII, ponto 1.3.)
Mas, percorrendo esse diploma, e o referido despacho ministerial, não vemos qualquer remuneração acrescida quando a venda ocorre por via de leilão eletrónico, e não cremos que tal constitua alguma lacuna a integrar.
Corolário dessa ideia, é o disposto no artigo 11.º, que rege sobre o agente de execução que certifica o leilão, prevendo no seu n.º 4, que “o agente de execução que certifica a conclusão do leilão é remunerado pela Câmara dos Solicitadores com o valor de:
a) 0,75 UC quando um dos seus escritórios se situe no mesmo concelho do local onde tem lugar o ato de certificação de conclusão do leilão previsto no n.º 2 do artigo 8.º;
b) 1 UC, fora dos casos previstos na alínea anterior, quando um dos seus escritórios se situe no mesmo distrito ou em concelho confinante àquele onde tem lugar o ato previsto no n.º 2 do artigo 8.º;
c) 1,5 UC nas demais situações”.
Isto dito, vemos que nem na Portaria, nem no subsequente despacho ministerial, que expressamente se debruçam sobre esta modalidade ágil de venda, foi previsto um pagamento adicional quando a venda é feita por esta via.
De facto, tal compreende-se se tivermos em conta o que se afirmou no ponto V daquele despacho onde se verifica que este tipo de venda foi prevista para “criar uma solução que, com custos reduzidos para as partes, assegure a total transparência e independência do ato da venda, criando condições para a maximização do valor dos bens, a fim de beneficiar todos os agentes processuais”.
Assim, não havendo nenhuma lacuna, nem qualquer violação do princípio da igualdade, por estarmos perante situações diversas, ao contrário do que invocou a Apelante, o que não faz sentido, nem literal nem sistemicamente, era a possibilidade de os tribunais entenderem recorrer a esta norma da Portaria 282/2013, excecional e manifestamente pensada para outro tipo de processo, ou a regras gerais estatuídas para vendas com contornos diversos, para atribuir a agente de execução cuja intervenção no processo se limitou à venda de um imóvel indiviso por leilão eletrónico, uma remuneração adicional que visa premiar a sua diligência na recuperação de créditos, ou uma remuneração que ocorre no decurso de diligências várias para a concretização de uma venda, onde o seu encarregado não tem ao dispor uma plataforma com as características da e-leilões.
Por isso, não se vê como concluir que, pese embora com intervenção direta da AE, que cumpriu com diligência as funções decorrentes da sua nomeação, a venda do imóvel indiviso por esta via, dê lugar a remuneração maior do que o pagamento das suas despesas e honorários pelos atos praticados, nos termos do artigo 43.º da mencionada Portaria.
Nestes termos, e sem necessidade de maiores considerações, o presente recurso improcede totalmente.
Vencida, a Apelante suporta as custas de parte do recurso, atenta a sua integral sucumbência quanto à pretensão revogatória da decisão, e o princípio da causalidade vertido no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4 e 533.º, todos do CPC.
*****
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o presente recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.
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Évora, 15 de dezembro de 2022
Albertina Pedroso [10]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António - Juiz 2.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Doravante, abreviadamente AE.
[5] Que regulamenta vários aspetos das ações executivas cíveis, e no que respeita à remuneração do AE plasmou o regime que havia sido aprovado pela Portaria n.º 225/2013, de 10 de Julho, que alterando a Portaria n.º 331-B/2009, de 30.03, igualmente entendeu ser “crucial introduzir algumas alterações ao regime vigente em matéria de honorários e despesas inerentes à atividade do agente de execução. Trata-se de uma matéria particularmente relevante, não só para os próprios profissionais que desempenham as funções de agente de execução, como também para as partes que terão de suportar tais custos”. Para maior aprofundamento da evolução do regime da remuneração dos agentes de execução, cfr., CARLOS VALTER FURTADO DOS SANTOS, dissertação de mestrado em solicitadoria, ramo de agência de execução, intitulada “OS HONORÁRIOS DOS AGENTES DE EXECUÇÃO E DOS SOLICITADORES”, sendo Orientador o Professor Dr. Armando Ferreira Soares Veiga, Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra, 30 de novembro de 2017, disponível online.
[6] Doravante abreviadamente CC.
[7] Conforme sustenta NUNO ANDRADE PISSARRA, na vigência do CPC de 2013, é ainda “legítimo continuar a distinguir uma fase declarativa e uma fase executiva na ação de divisão de coisa comum, aquela dirigida a definir o direito à divisão, esta a efetivá-lo”, in Processos Especiais, Vol. I, coordenação de RUI PINTO e ANA ALVES LEAL, AAFDL, Lisboa 2020, pág. 167.
[8] Apesar de à data em que foi determinada a venda do imóvel a terceiro, se aplicar o disposto nos artigos 866.º e ss. da anterior redação do CPC, atento o disposto no artigo 6.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26 de junho e a referida aplicação subsidiária do processo de execução, é a redação vigente à data em que a Apelante foi notificada para proceder à venda que ora é aplicável.
[9] Proferido no processo n.º 2708/12.9TBPTM-A.E1, relatado pelo ora 1.º Adjunto, e sendo 1.ª Adjunta a ora 2.ª Adjunta, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos três desembargadores desta conferência.