Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
211/20.2T8STC.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: ADOPÇÃO
REQUISITOS
CONFIANÇA ADMINISTRATIVA DE MENORES
LIMITE DE IDADE
MEDIDA TUTELAR
Data do Acordão: 07/14/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - Atenta a interpretação sistemática e histórica do preceito, a “confiança” da criança a que se refere o n.º 3 do artigo 1980.º do CC, refere-se às modalidades elencadas no seu n.º 1, de confiança administrativa ou medida de promoção e protecção, de confiança com vista a futura adopção, e tem necessariamente de ocorrer antes dos quinze anos idade, não sendo esta norma excepcional, passível de interpretação analógica com outras formas de confiança da criança ocorridas antes daquela idade.
II - Se nenhuma daquelas modalidades de confiança tiver sido requerida até àquele limite de idade, mas entre os 15 e os 18 anos, a adopção já não será viável, por não se verificar um dos seus requisitos, sendo de confirmar a decisão recorrida que, com fundamento na sua manifesta improcedência, indeferiu liminarmente o requerimento de adopção (sumário da relatora).
Decisão Texto Integral: Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I - RELATÓRIO
1. M… e N… vieram propor, nos termos dos artigos 1974.º, n.º 1, do Código Civil[3] e 53.° do Regime Jurídico do Processo de Adopção, aprovado pela Lei n.º 143/2015, de 08.09[4], a presente acção tutelar cível pedindo que, realizadas as diligências necessárias e ouvidas as pessoas indispensáveis, seja decretada a adopção da jovem A… pelos Autores, alegando – para além da factualidade provada por documento, adiante reproduzida –, as suas condições económicas e habitacionais, que não têm filhos, vivem em união de facto há mais de 4 anos, e ainda que: «são considerados e respeitados, mostram capacidade e idoneidade no desempenho da função parental, tratam a jovem como sua filha e esta trata-os como pais, desde a data em que a jovem vive com os requerentes a têm tratado e cuidado com amor e carinho, educando-a como se fosse sua filha».
A jovem encontra-se bem integrada nesta família e é nela que tem vindo a moldar as suas estruturas afetivas, sociais e psicológicas e apresenta um excelente desenvolvimento físico, psicológico e emocional.
Mostram-se reunidos todos os pressupostos legais para ser decretada a adoção da jovem, nomeadamente, esta realiza o seu superior interesse, apresenta reais vantagens para a adotanda, funda-se em motivos legítimos e estão criados vínculos semelhantes aos da filiação, nos termos do art. 1974.º do CC, como aliás é reconhecido no relatório de acompanhamento e avaliação do período de pré-adoção elaborado pelo Equipa de Adoção do Centro Distrital de Setúbal do Instituto de Segurança Social, I.P., nos termos dos arts. 8.º aI. i) e 50.º nº 4 do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015 de 08/09 (doc. 8). (…)
Os AA. declaram que pretendem que dos apelidos da criança fiquem a constar os seus apelidos de "F…" e "dos S…", nos termos do art.º 1988.º nº 1, do CC (…), passando a chamar-se A…».


2. Determinada a apensação aos presentes autos do processo de regulação e alteração do exercício das responsabilidades parentais da jovem, o Ministério Público teve vista nos autos, promovendo a realização de diligências com vista à nomeação dos requerentes como curadores provisórios, e à audição dos progenitores para ser colhido o seu consentimento para a adopção.

3. Em 17.05.2020, foi proferida decisão que indeferiu «liminarmente o pedido de adoção, por ser manifestamente improcedente – artigo 590º do Código de Processo Civil».

4. Inconformados, os requerentes apresentaram o presente recurso de apelação, terminando com as seguintes conclusões:
«I - O presente recurso é interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo que indeferiu liminarmente o pedido de adopção, por entender não se encontrarem verificados os pressupostos legais exigidos pelo artigo 1980.° do Código Civil, com o que os recorrentes não se conformam, pois entendem que a Lei em causa deverá ser interpretada de forma diferente;
Il - O objecto do recurso é, pois, matéria de Direito;
III - A decisão recorrida entende que o n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil não pode ser extensivamente interpretado, "no sentido de integrar a confiança de uma criança no âmbito de processo tutelar cível de regulação das responsabilidades parentais, como é o caso", pelo que, considerando os elementos dos autos, entendeu não estarem cumpridos os requisitos para adopção estabelecidos no n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil;
IV - A questão central do presente recurso é, pois, saber se a "confiança" que é pressuposto da atribuição das responsabilidades parentais ao requerente da adopção releva para efeitos de aplicação do n.º 3 do artigo 1980.º do Código Civil, ou seja, se pode ser adoptado quem, à data do requerimento, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes, ou a um deles, no âmbito do exercício das responsabilidades parentais;
V - A decisão recorrida fundamenta-se no douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de Março de 2017, in www.dgsi.pt), a que adere, o qual responde negativamente à questão formulada na conclusão anterior, pelos fundamentos constantes das alegações supra, que se dão por reproduzidos, concluindo com decisão que, apesar de injusta, entende ser a única conforme à Lei;
VI - Nos presentes autos, o Instituto da Segurança Social, l.P., no relatório que fundamenta a confiança administrativa, transmite que a decisão de confiança administrativa foi baseada na circunstância de ser a requerente quem exerce as responsabilidades parentais; que os requerentes equacionaram a adoção há mais tempo, mas a requerente foi desaconselhada pelas técnicas a quem recorreu e pelo Tribunal, que sugeriram que seria melhor que A... crescesse; que esta menor "deseja muito que seja concretizada a adoção para que o sentimento de pertença à família seja pleno e que seja reconhecido do ponto de vista legal uma situação de facto"; que a concretização da adopção corresponde ao superior interesse da criança; e que a própria Segurança Social tem interpretação diversa do Tribunal da Relação de Évora.
VIl - A interpretação da Lei efectuada pelo Tribunal a quo, fundamentando-se no referido Acórdão, não é, com o devido respeito, a correcta;
VIII - A "confiança" que está em causa na atribuição das responsabilidades parentais é a maior "confiança" que o sistema jurídico pode depositar em alguém;
IX - A "confiança" depositada por decisão judicial no âmbito de regulação das responsabilidades parentais prevalece sobre a decisão de confiança administrativa;
X - Não é conforme ao Direito interpretar a Lei no sentido de admitir-se a adopção de quem, antes de perfazer 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes por decisão administrativa e não se admitir a adopção de quem, antes de perfazer 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes por decisão judicial;
Xl - O artigo 1980.° do Código Civil deve interpretar-se de acordo com o disposto no artigo 9.° do mesmo Código, ou seja, em conformidade com a letra e o espírito da Lei.
XII - No n.º 1 do artigo 1980.° do Código Civil o legislador não se limitou a dizer que podem ser adoptadas crianças "que tenham sido confiadas ao adoptante"; acrescentou "mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção"; ao invés, no n.º 3 o legislador estabelece apenas que pode ser adoptado quem "tenha sido confiado aos adoptantes ... ", suprimindo a expressa menção dos meios mediante os quais tal confiança foi entregue;
XIII - Se o legislador tivesse pretendido limitar o conceito de "confiança" constante do n.º 3 do artigo 1980.° do Código Civil às circunstâncias previstas no n.º 1, tê-la-ia consagrado; não o fazendo, presume-se que consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, logo, os meios de entrega da "confiança" constantes dos n.ºs 1 e 3 do Código Civil são distintos, sendo o n.º 3 mais abrangente, pois esta foi a solução consagrada pelo legislador;
XIV - Esta é igualmente a interpretação conforme ao pensamento do legislador (n.º 1 do artigo 9.° do Código Civil) e corresponde à interpretação sufragada pela letra da Lei (n.º 2 do artigo 9.° do Código Civil);
XV - Constitui princípio orientador do instituto da Adopção que o superior interesse da criança deve prevalecer em todas as decisões a proferir no âmbito do processo de adopção, sendo que in casu é a própria Segurança Social que afirma que a procedência do pedido corresponde ao interesse da menor, competindo ao Tribunal fazê-lo prevalecer;
XVI - A tese dos recorrentes é, ainda, sufragada não só pela Segurança Social (cfr. parecer junto), como por Jurisprudência e Doutrina, conforme consta das alegações supra, que se dão por reproduzidas;
XVII - O recurso à interpretação extensiva pressupunha que a situação não estivesse compreendida na letra da Lei, mas estivesse compreendida no seu espírito, ou seja, o legislador teria pretendido transmitir uma coisa mas as palavras traíram-no, levando-o a exprimir coisa diversa; a interpretação extensiva pressupõe que o sentido da Lei não cabe dentro da letra desta; ora, pelo contrário, in casu existe conformidade entre a letra e o espírito da Lei;
XVIII - Ainda que assim não fosse, hipótese que apenas por cautela de patrocínio referimos, sem conceder, sempre o recurso à interpretação extensiva imporia que a letra da Lei fosse interpretada de acordo com o espírito do legislador, o qual é no sentido de uma situação como a dos autos integrar as situações de admissibilidade de adopção para além dos quinze anos de idade do adoptando;
XIX - Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o artigo 9.° do Código Civil e n.º 3 do artigo 1980.° do Código Civil, pelo que deve a sentença proferida ser revogada, substituindo-se por outra que, considerando estarem verificados os pressupostos legais exigidos pelo artigo 1980.º do Código Civil, determine o prosseguimento dos autos em conformidade».

5. Pelo Ministério Público foram apresentadas contra-alegações, concluindo que «O Tribunal a quo interpretou correctamente o art. 1980º, nº 3, do Código Civil, não violando qualquer norma legal, sequer o art. 9º do Código Civil, devendo a decisão recorrida ser integralmente mantida».

6. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[5], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas questões cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, no caso em apreço, a única questão suscitada pelos Recorrentes reporta-se à interpretação da natureza da “confiança” a que se refere o n.º 3 do artigo 1980.º do CC, concretamente, se a mesma se reporta apenas à confiança judicial ou administrativa com vista à adopção previstas no n.º 1 do preceito, ou se é mais abrangente, incluindo nomeadamente a “confiança” decorrente da atribuição aos requerentes do exercício das responsabilidades parentais relativamente à jovem que pretendem adoptar.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto
Foram os seguintes os factos considerados adquiridos no despacho recorrido:
«1- A… nasceu no dia 17.07.2002, na freguesia de …, Concelho de Santiago do Cacém, Distrito de Setúbal, sendo filha de N… e de C….
2- Por sentença proferida no dia em 01 de Fevereiro de 2005[6], no âmbito do processo nº1392/04.8TBSTC (atualmente, nº 211/20.2T8STC –A), transitada em julgado, foi regulado o poder paternal da adotanda, que ficou a ser exercido em conjunto por ambos os pais, pese embora a menor tivesse ficado aos cuidados da aqui requerente.
3- Por sentença proferida no dia 14 de janeiro de 2013, no âmbito do processo de alteração do exercício das responsabilidades parentais com o nº 1392/04.8TBSTC-B[7] (atualmente, nº 211/20.2T8STC–B), transitada em julgado, as responsabilidades parentais foram atribuídas, em exclusivo, à requerente, e fixado o pagamento de uma prestação alimentícia a favor da jovem, por banda dos progenitores.
4- Os requerentes apresentaram a sua candidatura a adotantes em 14.10.2019, a qual veio a ser deferida pelo Instituto de Segurança Social, I.P. — Centro Distrital de Segurança Social de Setúbal.
5- Os progenitores nunca foram inibidos do exercício das responsabilidades parentais.
6- Por decisão de confiança administrativa com vista a futura adoção, de 06.04.2020, foi confirmada a permanência da jovem a cargo dos requerentes ao abrigo dos artigos 34.°, n.º 2, al. b) e 36.° n.º 8 al. a) do Regime Jurídico do Processo de Adoção, aprovado pela Lei n.º 143/2015 de 08/09.
7- A presente ação foi instaurada no pretérito dia 07.05.2020».
Do processo referido em 2. e dos presentes autos, consideram-se ainda relevantes as seguintes incidências processuais:
8 - Na acta da conferência de pais realizada no dia 01.02.2005, no processo referido em 2. consta que foi obtido «acordo entre os requeridos e as intervenientes acidentais, nos seguintes termos:-----
1. Os pais N… e C… exercerão em conjunto o poder paternal relativo à menor A... .------
A menor ficará confiada à guarda e cuidados de M…, que assegurará os cuidados necessários à mesma, e suportará os respectivos encargos; em caso de impedimento temporário de M… a menor poderá ficar com M…, mãe daquela.----
2. Não se fixam alimentos a pagar pelos progenitores dado que a sua situação económica não lhos permite prestar; os pais poderão contudo contribuir com roupas ou prendas se lhes for possível.----
3. Os pais poderão visitar a A… sempre que o entenderem, sem prejuízo do descanso e das futuras obrigações escolares da menor, e desde que para tanto avisem a M…, tal como vem acontecendo.----
Dada a palavra à Digna Curadora de Menores, junto deste Tribunal, por esta foi dito:--
”Satisfeitos os interesses da menor, na medida do possível, e atendendo à posição dos pais, promovemos a homologação por sentença do acordo que antecede".----
Seguidamente a Mmª. Juiz proferiu a seguinte:--- SENTENÇA
Quer pelo seu objecto, quer pela qualidade dos intervenientes, e ainda por acautelar suficientemente os interesses da menor, homologo por sentença o acordo a que os pais chegaram e supra referido, condenando-os a cumpri-lo nos seus precisos termos».
9 - Na acta da conferência de pais realizada no dia 14.01.2013, no processo referido em 3, consta que foi obtido acordo (entre os progenitores e a interveniente acidental ora requerente), nos seguintes termos: «1.º - A menor A… fica à guarda e cuidados de M… com quem residirá, sendo as responsabilidades parentais exercidas em exclusivo por esta;-
2.º - Cada um dos progenitores pagará a título de pensão de alimentos, a favor da menor A… a quantia de €50,00 (cinquenta euros), a entregar a M… até ao dia 8 de cada mês a que disser respeito, através de transferência bancária para a conta cujo NIB a mesma indicará;-
Quanto ao regime de visitas mantem-se o já acordado a folhas 20 e 21 da regulação do poder paternal.-
Considerando o Ministério Público e o Tribunal que por via deste acordo se encontravam “salvaguardados os superiores interesses da menor”, o Ministério Público nada teve a opor ao acordado, seguindo-se a sentença homologatória do transcrito acordo.
10 - No assento de nascimento da adoptanda, junto aos autos com o requerimento inicial consta: «Averbamento n.º 1, de 2010-07-15
Homologado acordo do exercício do poder paternal, nos termos da sentença de 1 de Fevereiro de 2005, proferida pelo Tribunal de Santiago do Cacém, 2.º Juízo, tendo a menor sido confiada a M… e pertencendo a ambos os pais o exercício do poder paternal (…).
Averbamento n.º 2, de 2013-02-28
Homologada alteração do acordo a que se refere o averbamento n.º 1, nos termos da sentença de 14 de Janeiro de 2013, proferida pelo Tribunal de Comarca do Alentejo Litoral, Sines – Juízo de Trabalho e Família e Menores, tendo a menor sido confiada a M…, que exercerá em exclusivo as responsabilidades parentais».
11 - No Relatório de Acompanhamento e Avaliação da Pré-Adoção, junto com o requerimento inicial, consta o seguinte PARECER:
«A motivação subjacente ao projeto de adoção por parte do casal, encontra-se relacionada com o desejo de tornar A… filha do ponto de vista legal, já que em termos de vinculação a mesma foi estabelecida desde que esta vive no seu agregado. Por outro lado, A… veio manifestar o interesse em ser adotada por aqueles que reconhece como pais.
Numa primeira fase, foi a mãe da candidata que assumiu esta criança desde os 9 dias de vida, sempre com o acompanhamento de N…, tratando-a como filha, prestando-lhe todos os cuidados e afeto necessários ao seu saudável desenvolvimento. O candidato conhece A… desde que iniciou relacionamento com N…, contava A... 4 anos, tendo-se estabelecido uma relação filial quando passa a viver com o casal aos 6 anos.
Verifica-se que A… é uma jovem desejada e feliz, reconhecendo no casal as figuras de referência primordiais, encontrando-se vinculada a ambos.
O casal sente A… como sua filha, desejando ver esta situação regularizada em termos jurídicos.
A família do candidato tem conhecimento da sua intenção de adotar A…, manifestando igualmente o desejo de que o processo seja regularizado.
N… e N… têm uma situação habitacional, profissional e económica estável e manifestam ter uma relação equilibrada.
Considera-se que estão estabelecidos os vínculos próprios da filiação entre os candidatos e A…, os quais se sentem respetivamente “pais” e “filha”, sendo esta adoção a forma de legalizar um vínculo afetivo há muito tempo estabelecido e uma forma de verem os seus direitos assegurados.
Face ao exposto, consideramos que os candidatos reúnem as condições para poder vir a adotar A…, sendo este o projeto de vida que melhor defende o superior interesse desta jovem, além de corresponder às expetativas das partes interessadas».
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III.2. – O mérito do recurso
O presente recurso vem interposto da decisão proferida pela primeira instância que indeferiu liminarmente a presente acção tutelar cível instaurada por M… e N…, com o fundamento de não se encontrarem «verificados os pressupostos legais», porquanto «a jovem já completou 15 anos de idade no dia 14 de outubro de 2017, muito antes da decisão de confiança administrativa aos adotantes, proferida pelo Centro Distrital da Segurança Social de Setúbal, que só ocorreu a 06.04.2020.
Como assim, não pode a “confiança” atribuída no âmbito da regulação e alteração do exercício das responsabilidades parentais relevar para a integração da expressão “tenha sido confiado” plasmada no citado nº3 do artigo 1980º do Código Civil.
Esta interpretação é revigorada pelo legislador no artigo 34º, nº1 o Regime Jurídico do Processo de Adoção, sob epígrafe “Pressupostos”, ao aludir que apenas a confiança no âmbito do processo judicial de promoção e proteção e a confiança administrativa, quando o adaptando não seja um enteado, podem relevar para efeitos de adoção».
A este respeito, sob a epígrafe «Quem pode ser adotado», dispõe o artigo 1980.º do CC, na redacção dada pela Lei n.º 143/2015, de 08.09, que aprovou o Regime Jurídico do Processo de Adopção, que:
«1. Podem ser adotadas as crianças:
a) Que tenham sido confiadas ao adotante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção;
b) Filhas do cônjuge do adotante.
2. O adotando deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adoção.
3. Pode, no entanto, ser adotado quem, à data do requerimento, tinha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adotantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adotante.”
Preenchidos os requisitos relativos à capacidade dos adoptantes plasmados no artigo 1979.º do CC, o fundamento do indeferimento refere-se ao pressuposto concernente à idade máxima da adoptanda porque à data da apresentação em juízo do requerimento de adopção (04.05.2020), a mesma tinha então 17 anos, idade superior à “idade regra”, prevista no n.º 2 do artigo 1980.º do CC, cabendo, pois, aquilatar se, no caso concreto, seria ou não aplicável a excepção prevista pelo legislador no n.º 3 do referido preceito, na parte em que permite a adopção de jovens com idade compreendida entre os 15 e os 18 anos, quando se verifique uma das circunstâncias que enumera, concretamente, para o que importa ao caso em presença, quando o adoptando, não se encontrando emancipado, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles, antes de perfazer quinze anos de idade.
Na realidade, decorrendo da factualidade acima elencada que a adoptanda não é filha de qualquer dos adoptantes e que à data do requerimento de adopção a jovem A… tinha já mais de 17 anos, idade que completara precisamente no dia do próprio pedido de confiança administrativa àqueles, é apodíctica a constatação de que à data do requerimento, a adoptanda, que ainda não tinha completado dezoito anos de idade, carecia de capacidade para o exercício de direitos, preenchendo pois o requisito concernente à qualidade de menor, atento o disposto nos artigos 122.º, 123.º e 130.º do CC[8]. Porém, sendo a regra respeitante à idade máxima do adoptando a decorrente do n.º 2 do artigo 1980.º, de acordo com cuja estatuição aquele deve ter menos de quinze anos à data do requerimento de adopção, a jovem A… apenas poderá ainda ser adoptada se a sua situação se enquadrar no segmento final do n.º 3 do preceito, isto é, se desde antes de perfazer os 15 anos tiver sido confiada aos adoptantes ou a um deles.
O cerne da questão decidenda reside, pois, em saber se a jovem adoptanda mantém ou não capacidade para ser adoptada, o que na situação em presença passa pela determinação de qual a natureza da “confiança” a que se reporta o legislador no n.º 3 do preceito. Terá a palavra sido usada pelo legislador por referência à confiança a que alude o n.º 1 do preceito, em sentido técnico-jurídico, ou com o seu significado natural?
Para melhor enfrentarmos aquela questão na demanda da solução preconizada pelo legislador para a situação de vida em presença, mister é relembrarmos os cânones da interpretação da lei condensados no artigo 9.º do CC, de acordo com cuja estatuição:
«1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
2. Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados».
Conforme adverte J. BAPTISTA MACHADO[9] este preceito «não tomou posição na controvérsia entre a doutrina subjectivista e a doutrina objectivista. Comprova-o o facto de se não referir, nem à “vontade do legislador”, nem à “vontade da lei”, mas apontar antes como escopo da actividade interpretativa a descoberta do “pensamento legislativo” (art.9.º, 1.º). Esta expressão, propositadamente incolor, significa exactamente que o legislador não se quis comprometer», como, aliás, o Ilustre Autor realça, citando um excerto da comunicação do então Ministro da Justiça, Doutor ANTUNES VARELA, à Assembleia Nacional, afirmando que “colocando-se deliberadamente acima da velha querela entre subjectivistas e objectivistas, a nova lei limitou-se a recolher uns tantos princípios que considerou aquisições definitivas da ciência jurídica, sem curar grandemente da sua origem doutrinária”»[10].
Assim, prossegue, «contrapõe-se letra (texto) e espírito (pensamento) da lei, declarando-se que a actividade interpretativa deve – como não podia deixar de ser – procurar este a partir daquela.
A letra (o enunciado linguístico) é, assim, o ponto de partida. Mas não só, pois exerce também a função de um limite, nos termos do art. 9.º, 2; não pode ser considerado como compreendido entre os sentidos possíveis da lei aquele pensamento legislativo (espírito, sentido) “que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso”. Pode ter que proceder-se a uma interpretação extensiva ou restritiva, ou até porventura a uma interpretação correctiva, se a fórmula verbal foi sumamente infeliz, a ponto de ter falhado completamente o alvo. Mas, ainda neste último caso, será necessário que do texto “falhado” se colha pelo menos indirectamente uma alusão àquele sentido que o intérprete venha a acolher como resultado da interpretação»[11].
Olhando, então, a esta luz a letra do n.º 3 do artigo 1980.º do CC, a exteriorização ínsita na disposição legal, no segmento do enunciado linguístico que ora nos preocupa, em que o legislador se refere à capacidade do adoptando menor de dezoito anos, quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adotantes ou a um deles, constitui o ponto de partida para «retirar desse texto um determinado sentido ou conteúdo de pensamento».
Na verdade, conforme sublinha o Autor que vimos seguindo, «o texto comporta múltiplos sentidos (polissemia do texto) e contém com frequência expressões ambíguas ou obscuras. Mesmo quando aparentemente claro à primeira leitura, a sua aplicação aos casos concretos da vida faz muitas vezes surgir dificuldades de interpretação insuspeitadas e imprevisíveis»[12].
Dir-se-ia que o tratadista poderia estar a escrever sobre a situação em presença, já que os Recorrentes dizem que o Tribunal a quo interpretou incorrectamente a noção de “confiança” ínsita na norma legal prevista no artigo 1980.º, n.º 3, do CC, violando o disposto no artigo 9.º daquela codificação.
Assim, com fundamento, desde logo, na letra da lei, defendem os Apelantes que a "confiança" que está em causa na atribuição das responsabilidades parentais é a maior "confiança" que o sistema jurídico pode depositar em alguém; donde, a seu ver, não é conforme ao Direito interpretar a Lei no sentido de admitir-se a adopção de quem, antes de perfazer 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes por decisão administrativa e não se admitir a adopção de quem, antes de perfazer 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes por decisão judicial.
Por isso, consideram que o artigo 1980.° do Código Civil deve interpretar-se de acordo com o disposto no artigo 9.° do mesmo Código, ou seja, em conformidade com a letra e o espírito da Lei, concluindo que se o legislador tivesse pretendido limitar o conceito de "confiança" constante do n.º 3 do artigo 1980.° do Código Civil às circunstâncias previstas no n.º 1, tê-la-ia consagrado; não o fazendo, presume-se que consagrou a solução mais acertada e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, logo, os meios de entrega da "confiança" constantes dos n.ºs 1 e 3 do Código Civil são distintos, sendo o n.º 3 mais abrangente, pois esta foi a solução consagrada pelo legislador; Esta é igualmente a interpretação conforme ao pensamento do legislador (n.º 1 do artigo 9.° do Código Civil) e corresponde à interpretação sufragada pela letra da Lei (n.º 2 do artigo 9.° do Código Civil).
Será assim?
Na realidade, consta dos acordos que foram homologados pelas sentenças acima referidas, e mostra-se averbado no assento de nascimento da jovem, tanto em relação à sentença homologatória de 1 de Fevereiro de 2005, como na de 14 de Janeiro de 2013, respectivamente, «tendo a menor sido confiada a M… e pertencendo a ambos os pais o exercício do poder paternal», e «tendo a menor sido confiada a M…, que exercerá em exclusivo as responsabilidades parentais». Portanto, a homologação judicial do exercício das responsabilidades parentais é uma forma de confiança.
Ademais, – e fazendo fé no relatório elaborado pela equipa da Segurança Social, a que acima nos referimos – estamos perante o caso de uma jovem que, desde os 9 dias de idade, foi ficando à guarda e cuidados, primeiro, da mãe da adoptante e, posteriormente, desta, tendo-se vindo a estabelecer entre a jovem e o casal de adoptantes «os vínculos próprios da filiação», sentindo-se «“pais” e “filha”», e «sendo esta adoção a forma de legalizar um vínculo afetivo há muito tempo estabelecido e uma forma de verem os seus direitos assegurados», tudo parecendo inculcar que por via da adopção da A… pelo casal se estaria a acautelar o superior interesse da jovem.
De facto, como salientou o Ministério Público nas suas contra-alegações «numa leitura meramente perfunctória e isolada do preceito normativo ínsito no aludido nº 3 do art. 1980º do Código Civil, parece que o legislador se refere a um qualquer tipo de confiança do adoptando conferida aos adoptantes, incluindo situação do guardião de facto, do guardião nomeado por uma qualquer decisão administrativa (incluindo o processo de promoção e protecção na CPCJ e o processo de confiança administrativa com vista à adopção) ou judicial (Regulação das responsabilidades parentais, Tutela, Apadrinhamento Civil, uma qualquer medida de promoção e protecção em processo judicial, etc).
Aderindo a esta interpretação, teríamos que concluir que a menor A… pode ser adoptada por ambos os AA, uma vez que se encontra aos cuidados da AA M… desde idade inferior a 15 anos. (…)
Todavia, estamos em crer que não foi essa a intenção do legislador, atendendo a argumentos de interpretação sistemática e histórica».
Indaguemos então porque bulas o Ministério Público – que, de acordo com o disposto no artigo 26.º do RJPA, intervém no processo de adoção defendendo os direitos e promovendo o superior interesse da criança – considera nestes autos que «o despacho recorrido se mostra correcto, devendo ser integralmente mantido», sufragando, tal qual a decisão recorrida, a interpretação do preceito que foi preconizada no aresto desta Relação de 09.03.2017[13], no qual, com fundamento na interpretação sistemática do preceito, se entendeu que «a situação de confiança da criança a que se refere o n.º 3 do art.º 1980.º do CC é necessariamente, a mesma confiança devidamente elencada e delimitada no n.º 1 do mesmo preceito», concluindo que «só releva para efeitos do alargamento da idade do adoptado a confiança da criança nos termos previstos no n.º 1 do art.º 1980.º do CC ou seja mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção, de confiança com vista a futura adoção».
A questão interpela-nos de forma ainda mais contundente porque não desconhecemos que, também na vigência dos normativos em apreço, e apenas escassos meses depois, a Relação de Lisboa, em acórdão de 08.06.2017[14], decidiu que «este regime deve aplicar-se, e a adopção ser decretada, apesar de à data do requerimento de adopção, a menor ter menos de 18 anos de idade, e só ter sido "confiada administrativamente", ao Requerente, quando tinha mais de 15 anos de idade e, sem que lhe tivesse sido anteriormente atribuído, o exercício das responsabilidades parentais».
Temos, pois, que o aresto proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa acabou por se ater ao ponto de partida, ou seja, à letra do n.º 3 do artigo 1980.º onde o legislador apenas menciona a palavra “confiança”, entendendo que no caso, em que a jovem adoptanda tinha sido confiada à Requerente (sua tia) desde os 3 anos, no âmbito da medida de apoio junto de outro familiar, se verificava o preenchimento do requisito atinente à capacidade da adoptanda.
Por seu turno, o citado acórdão deste Tribunal, após definir as situações-regra referentes às condições de adoptabilidade prevista no n.º 1 e indagar quais as excepções que a lei admite, concluiu que «Numa interpretação sistemática dos preceitos, não nos parece que a «confiança» a que se reporta o nº 3 do art.º 1980º do CC, possa corresponder a realidade distinta das situações previstas no seu nº 1. Aliás, não faria sentido que constituindo a previsão do nº 3 uma excepção à regra estabelecida nos números precedentes, tal excepção fosse mais abrangente que a “regra”».
Também na doutrina a interpretação preconizada vai neste mesmo sentido.
Conforme já anotava TOMÉ D´ALMEIDA RAMIÃO[15] a respeito do mesmo preceito da codificação civil na redacção vigente antes da alteração introduzida pelo RJPA, substancialmente correspondente à actual, «a regra é a de que só podem ser adoptados os menores com menos de quinze anos (antes de completar os 15 anos) de idade à data da entrada da petição inicial de adopção no tribunal.
Este limite de idade sofre, no entanto, duas excepções[16], a saber:
1.ª Pode ser adoptado o menor que, à data da entrada dessa petição inicial de adopção, tiver menos de dezoito anos (não ter completado os 18 anos) e não se encontre emancipado quando, desde idade não superior a quinze anos, tenha sido confiado (confiança administrativa, judicial ou mediante medida de promoção e protecção de confiança a pessoa selecionada para a adopção) aos adoptantes ou a um deles».
Alertando para o facto de que «esta exigência legal, como condição essencial à adopção, ao permitir apenas àqueles que querem adoptar, que os menores lhes tenham sido confiados por entidade administrativa (S. Social) ou judicial, visa acautelar situações menos claras e até ilícitas, e um controlo do Estado da adopção», e explicando detalhadamente a conjugação entre este preceito da codificação processual civil e todo o regime pertinente do processo de adopção, então constante dos artigos 8.º a 10.º do DL n.º 185/93, de 22.05, concluía o citado Autor que «no caso de não tendo havido confiança judicial, administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para adopção (…), não poderá ser decretada a sua adopção, por manifestamente improcedente, dada a falta dos respectivos pressupostos legais»[17].
Por seu turno, HELENA BOLIEIRO e PAULO GUERRA[18], em nota à excepção em presença, afirmam não relevar, a seu ver «qualquer outra confiança eventualmente aplicada à luz da nossa lei, mormente a prevista no artigo 1918.º do CC (como não relevava a confiança do antigo e tantas vezes usado artigo 19.º da OTM)».
Em anotação ao artigo 1980.º do CC, na sua actual redacção, ESTRELA CHABY[19], afiança que «a alínea a) do n.º 1 concretiza, sob o prisma da criança adotável, a imposição prevista na disposição geral contida no n.º 2 do art. 1974.º.V., no que respeita ainda o n.º 1, o disposto no art. 34.º do RJPA, que estabelece, em concretizadora correspondência com este preceito, que só pode ser proferida decisão de adoção se tiver havido prévia declaração de adotabilidade, prévia decisão de confiança administrativa ou prévia avaliação favorável quanto à pretensão de adoção do filho do cônjuge. Quanto à adotabilidade, que no referido art. 34.º a lei faz corresponder ao “decretamento de medida de confiança” com vista a adoção em sede de processo de promoção e proteção, v. também art. 2.º-c) do mesmo RJPA, que a define como a situação jurídica da criança beneficiária de uma decisão judicial ou administrativa de confiança com vista à adoção», esclarecendo ainda, em anotação ao artigo 1978.º do CC[20], que «após a reforma do regime da adoção operada pela Lei n.º 143/2015, que eliminou a providência tutelar cível de confiança judicial de menor, subsitem duas modalidades de confiança de crianças: a confiança administrativa (Arts. 34.º, n.ºs 1-b) e 2, 36.º e 37.º do RJPA) e a confiança decretada por um tribunal, em sede de promoção e proteção, através da aplicação de medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção (art. 62.º-A da LPCJP)».
Mais recentemente ainda, também em anotação ao referido preceito, ANA RITA ALFAIATE[21], afirma sem tibiezas entender «que a confiança de que se fala a este propósito, da adoção de crianças entre os 15 e os 18, confiadas antes dos 15, é a confiança administrativa ou a confiança com vista a futura adoção. Ou seja, ainda que se esteja perante o excecional caso de adoção de uma criança com mais de 15 anos, parece que é exigência legal que o seu projecto de vida passe por essa mesma adoção desde antes dessa idade».
Não vemos sequer que esta interpretação sistemática do preceito possa merecer dúvida, tanto assim que, pese embora a referida decisão, a mesma afirmação foi efectuada a dado passo do referido aresto da Relação de Lisboa, ali se referindo que «só releva para efeitos do alargamento da idade do adoptado a confiança da criança nos termos previstos no n.º 1, alínea a) do artigo 1980.º».
Não obstante, decidiu como antedito e, pese embora a assertiva posição primeiramente assumida, também esta última Autora, seguidamente e entre parêntesis, dá conta da «interpretação mais ampla da norma» acolhida no citado acórdão da Relação de Lisboa, «que, contudo, tem em conta o facto de existir uma entrega do adotado aos cuidados do adotante há vários anos e que justifica, no entendimento do tribunal, que acolhemos, o alargamento da expressão confiança, neste caso», sendo que aqueles Autores, na nota 111[22], aduzem que «embora se saiba existir quem defenda que o termo «confiado» do n.º 2 do artigo 1980.º do CC, não tem necessariamente que se referir a uma das três vias[23] para se obter a adoptabilidade de uma criança – pode tal aceitar-se, em nome do supremo interesse do adoptando e da realização da justiça, se entretanto houver, por exemplo, uma confiança administrativa, estando nós perante uma situação constituída de facto há largos anos [pense-se na situação em que, aos 13 anos, a criança foi confiada ao adoptante pelo artigo 35.º, n.º 1, alínea c), tendo sido confiado administrativamente ao mesmo quando ela tinha 17 anos].
Na situação em presença a confiança administrativa da jovem foi requerida quando perfez 17 anos, tendo sido concedida nos termos do n.º 8 do artigo 36.º do RJPA, na modalidade de confirmação da permanência da criança a cargo do candidato a adotante por se verificar então que o exercício das responsabilidades parentais relativas à esfera pessoal da criança havia sido previamente atribuído à adoptante, no âmbito de providência tutelar cível.
Vejamos, pois, se os elementos históricos da evolução do artigo 1980.º do CC nos confortam ou não no sentido de igualmente acolhermos posição semelhante àquela, num caso como o presente em que, pese embora não tenha havido decisão de confiança judicial ou administrativa, nem sequer qualquer medida de promoção e protecção, antes dos seus quinze anos, a jovem adoptanda se encontra há já vários anos à guarda e cuidados dos adoptantes, e especialmente da adoptante, deste praticamente os primeiros dias de vida.
Antes de mais, atentemos nas alterações que o legislador foi introduzindo na redacção do artigo 1980.º do CC[24], especialmente nos segmentos que sublinhamos.
Na versão original, o artigo 1980.º estatuía que «a adopção plena só será decretada quando, além dos requisitos estabelecidos no artigo 1974.º, se verifiquem os previstos nos dois artigos subsequentes», constando do artigo 1982.º, com a epígrafe (Quem pode ser adoptado plenamente), que «podem ser adoptados plenamente os filhos ilegítimos de um dos adoptantes, se o outro progenitor for incógnito ou tiver falecido, bem como os filhos de pais incógnitos ou falecidos, que tiverem estado ao cuidado de ambos os adoptantes ou de um deles desde idade não superior a sete anos».
Maior abertura relativamente a quem pode ser adoptado plenamente, foi introduzida na redacção dada pelo DL n.º 496/77, de 25.07, que na parte ora relevante passou a estabelecer no seu n.º 2 que «o adoptando deve ter menos de catorze anos; poderá, no entanto, ser adoptado o menor de dezoito anos não emancipado, quando desde idade não superior a catorze tenha estado, de direito ou de facto, ao cuidado dos adoptantes ou de um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante».
Nova alteração foi introduzida na redacção dada pelo DL n.º 185/93, de 22.05, desta feita aproximando-a em substância da actualmente vigente, e passando a ter o seguinte teor: «1 - Podem ser adoptados plenamente os menores filhos do cônjuge do adoptante e aqueles que tenham sido confiados, judicial ou administrativamente, ao adoptante.
2 - O adoptando deve ter menos de 15 anos à data da petição judicial de adopção; poderá, no entanto, ser adoptado quem, a essa data, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado, quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante».
Refere-se no preâmbulo deste diploma, para além da justificação da elevação para 15 anos do limite a que se refere o n.º 2 do artigo 1980.º do Código Civil, que se estabelece «a possibilidade de vir a ser adoptado quem, à data da petição judicial de adopção, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado, desde que tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles com idade não superior a 15 anos ou quando for filho do cônjuge do adoptante. Espera-se, por um lado, possibilitar a adopção de crianças com idade mais elevada e, por outro, privilegiar a desejável precocidade da adopção, sem prejuízo da necessária segurança».
Sublinhámos os indicados excertos da letra do preceito, e transcrevemos a fundamentação constante do preâmbulo do diploma para acentuar um aspecto não despiciendo: desde a alteração de 1993 que expressamente se deixou de equiparar para este fim a situação de adoptabilidade da criança que estava ao “cuidado de facto”, com aquela que se encontrava ao “cuidado de direito”, o que não pode deixar de ter significado na modificação introduzida pelo legislador, representando um consciente alargamento da intervenção do Estado nas situações de crise da família, com o fito de o mais precocemente possível dar à criança cuja família biológica o não assegure, um projecto de vida em família, e, cremos, obstar a indesejáveis entregas de facto veemente criticadas por ANTUNES VARELA[25] por poderem ter na sua génese o que denominou como “comércio jurídico da paternidade”.
Posteriormente, tanto a redacção dada ao artigo 1980.º pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, como a actual redacção, introduzida pela Lei n.º 143/2015, de 08 de Setembro, limitaram-se a adequar a estatuição do n.º 1 às alterações introduzidas nas modalidades de confiança previstas na Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo[26], referindo-se antes aos que «desde idade não superior a 15 anos, tenham sido confiados ao adoptante mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção» e dizendo agora no n.º 1, que «podem ser adotadas as crianças: a) Que tenham sido confiadas ao adotante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção de confiança com vista a futura adoção»[27] e admitindo no n.º 3, que possa ainda ser adoptado quem «desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante».
Em síntese da evolução operada no regime legal da adopção, podemos então referir que anteriormente à reforma de 1977 esta forma de constituição do vínculo familiar tinha uma aplicação muito restrita, no que respeitava aos adoptantes e aos adoptandos. Porém, com essa reforma, no que respeita aos adoptados, permitiu-se que o pudessem ser, tanto os filhos do cônjuge adoptante, filhos de pais incógnitos, órfãos, menores judicialmente declarados abandonados, como os que há mais de um ano residissem com o adoptante e estivessem a seu cargo.
Todavia, conforme acima já referimos, o DL 185/93, de 22.05, veio alterar o regime de adopção instituído após o 25 de Abril, limitando a partir de então a categoria dos adoptandos, no sentido de incluir, para além dos filhos dos cônjuges, apenas os que tivessem sido confiados, judicial ou administrativamente, ao adoptante. Em concordância, eliminou-se a referência anterior às situações de facto e, desde então, as alterações ocorridas dirigiram-se, no essencial, à eliminação do regime de adopção restrita e da confiança judicial, que veio a ser substituída pela medida de promoção e protecção de confiança com vista a adopção, prevista no artigo 35.º, n.º 1, alínea g), da LPCJP, aditada pela Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, na sequência das alterações efectuadas ao regime jurídico da adopção. Sublinhe-se que, nem neste regime nem no referido artigo 1980.º do CC, o legislador se referiu a qualquer uma das outras medidas de promoção e protecção, estabelecidas no n.º 1 do artigo 35.º da LPCJP, mormente à “confiança a pessoa idónea”, prevista na alínea c) do preceito[28].
Consequentemente, conforme o Ministério Público bem salientou nas suas contra-alegações, «na actualidade, para além da adopção de filhos do cônjuge, só subsistem as seguintes fontes de adoptabilidade: a confiança administrativa com vista a adopção e a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.
Em consonância com as aludidas alterações ao nº 1 do art. 1980º do Código Civil, procedeu-se à alteração à idade limite do adoptando, sem aditamento de outras fontes de adoptabilidade (nºs 2 e 3 do art. 1980º do Código Civil)
Igualmente, o regime processual de adopção regulamentado em legislação avulsa acompanhou as mesmas fontes de adoptabilidade. A título de exemplo, o art. 8º, nº 1, do DL 185/93 (com as alterações da Lei nº 31/2003), previa que “O candidato a adoptante só pode tomar o menor a cargo, com vista a futura adopção, mediante confiança administrativa, confiança judicial ou medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção”, e o art. 9º, nº 1, do mesmo diploma legal previa “Estabelecida a confiança administrativa, a confiança judicial ou a confiança a pessoa seleccionada para adopção, e após a verificação do processo de vinculação observada, o organismo da segurança social procede ao acompanhamento da situação do menor durante um período de pré-adopção…”.
Actualmente, o regime processual da adopção (RJPA) aprovado pela Lei nº 143/2015, é mais explícito quanto à noção de adoptabilidade, referindo logo no seu nº 2, c): “«Adotabilidade», situação jurídica da criança beneficiária de uma decisão judicial ou administrativa de confiança com vista à adopção”, para depois acrescentar no art. 34º, nº 1, com a epígrafe “Pressupostos”: “1 - A prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adoção depende de: a) Prévia declaração de adotabilidade decidida no âmbito de processo judicial de promoção e proteção, mediante decretamento de medida de confiança a que alude a alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis n.ºs 31/2003, de 22 de agosto, e 142/2015, de 8 de setembro; b) Prévia decisão de confiança administrativa, reunidos que se mostrem os necessários requisitos; c) Prévia avaliação favorável da pretensão expressa pelo candidato a adotante relativamente à adoção do filho do cônjuge, tendo em conta o superior interesse da criança.”
Com isto, não se quer dizer que esteja afastada a possibilidade de ser adoptada a criança que se encontre aos cuidados do candidato a adoptante, de facto ou de direito. Simplesmente, o procedimento terá que ser outro, conforme se trate de situação de guarda de facto ou de direito.
Vejamos.
Existindo apenas guarda de facto, o procedimento mais adequado será o guardião, desde logo, requerer a sua selecção como candidato a adoptante junto da segurança social e sinalizar a situação da criança junto da CPCJ ou do Ministério Público, tendo em vista a instauração de processo de promoção e protecção com requerimento de aplicação da medida de confiança a pessoa seleccionada para a adopção, tudo nos termos dos arts. 3º, nºs 1 e 2, d) – Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou e estabelecimento com estes de forte vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas responsabilidades parentais –, 21º, nº 2, g), 35º, nº 1, g), 38º, 65º, nº 2, e 72º da LPCJP.
Existindo guarda de direito (assumindo as responsabilidades parentais através de medida tutelar cível, seja RRP, Limitação/Inibição das responsabilidades parentais, Tutela ou Apadrinhamento Civil), o procedimento mais adequado será o guardião requerer junto da segurança social a confiança administrativa da criança, na modalidade de confirmação da permanência de criança a cargo do candidato a adoptante que sobre ela exerça já as responsabilidades parentais – arts. 2º c), 34º, nºs 1, b), nº 2, b), e 36, nº 8, do RJPA.
De todo o modo, qualquer que seja o fundamento da adopção, dentro dos únicos admissíveis (filho do cônjuge; confiança administrativa; medida protectiva de confiança com vista a adopção), a respectiva petição inicial deve ser apresentada em juízo antes de o adoptando completar 15 anos. Não obstante, o legislador optou por aceitar também as petições apresentadas em momento posterior (até aos 18 anos), desde que já se verificassem os requisitos da adopção num momento em que a criança ainda não completara 15 anos de idade».
Subscrevemos integralmente o iter percorrido[29] afigurando-se ter sido clara a intenção do legislador e, consequentemente, termos já todos os dados para responder à questão de saber, se, perante a verificação da existência de uma relação afectiva semelhante à que deve existir entre pais e filhos, estabelecida na sequência de uma entrega/confiança, de facto ou direito, que não tenha tido na sua génese ou evolução como horizonte futuro a adopção da criança manifestada por uma das vias estatuídas no n.º 1 do artigo 1980.º do CC antes de a mesma perfazer 15 anos, devem rectius podem os tribunais, com fundamento no superior interesse da criança, efectuar uma “interpretação ampla da norma” quanto aos requisitos definidos pelo legislador como condição de adoptabilidade?
Como é sabido, a perspectiva da criança nem sempre foi objecto de grandes preocupações, sendo preponderantes os «direitos» dos adultos sobre as mesmas, tanto assim que se falava em poder paternal e mesmo a adopção surgia centrada na pessoa do adoptante[30], este é o «século da criança»[31], por isso que hoje falamos em responsabilidades parentais e a adopção não é vista somente como um vínculo jurídico mas sobretudo como um vínculo afectivo que se estabelece entre duas pessoas, à semelhança da filiação natural, mas que não se baseia na verdade biológica, ou seja, independentemente dos laços de sangue, a que se refere o artigo 1586.º do CC, não se olvidando que o interesse superior da criança é que deve influenciar e determinar a aplicação do direito, tendo-se sempre presente que o mesmo não se pode confundir com o interesse dos pais e pode mesmo não ser coincidente com o interesse manifestado por estes.
Efectivamente, este princípio mostra-se internacionalmente consagrado no artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança o qual prevê que «[t]odas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança»; constitucionalmente protegido nos artigos 36.º, n.º 6, de acordo com o qual, os filhos não podem ser separados dos pais (presume-se ser esse o seu superior interesse), salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles, e sempre mediante decisão judicial - artigo 69.º, n.º 1, que estabelece o direito da criança à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, designadamente contra todas as formas de abandono de exercício abusivo da autoridade na família; e legalmente consagrado quer no já citado preceito, quer ainda no n.º 2 do artigo 1978.º do Código Civil, onde se refere que na verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
Ora, sendo o “interesse superior da criança”, um conceito jurídico indeterminado, a concretização do mesmo deve sempre ser norteada tendo por referência os princípios internacionais e constitucionais, na análise da situação concreta de cada criança enquanto ser humano único e complexo. Daí que o interesse superior de uma criança, nas suas circunstâncias de vida, não tenha de ser exactamente igual ao de outra criança com circunstâncias e vida diversas.
Assim, estando cometido aos pais o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos, conforme anuncia o n.º 5 do artigo 36.º da Constituição, cabendo-lhes, nos termos do artigo 1885.º do CC, de acordo com as suas possibilidades, promover o desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos, é natural que o processo de promoção e protecção deva subordinar-se ao princípio da prevalência da família, previsto no artigo 4.º, alíneas f), g) e h) da LPCJP, de acordo com o qual na promoção de direitos e protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, devendo a intervenção ser efectuada de modo a que eles assumam os seus deveres para com a criança e o jovem, respeitando o direito da criança à preservação das relações afectivas estruturantes, tudo em consonância com a Convenção Europeia dos Direitos e Liberdades Fundamentais e a Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança, de 20 de Novembro de 1989.
Não obstante, pensamos que a resposta à questão colocada terá de ser negativa.
Efectivamente, ao invés do preconizado pelos Apelantes, não se nos afigura que interpretação do preceito como a pretendida seja ainda interpretação extensiva, única admitida pelo artigo 11.º do CC a respeito de normas excepcionais, como é o n.º 3 do artigo 1980.º do CC, antes devendo qualificar-se já como interpretação analógica, expressamente proibida por via daquele comando legal.
Na realidade, como julgamos decorrer claramente da evolução legislativa antecedentemente exposta, foi manifesta intenção do legislador, por um lado, potenciar a precocidade do estabelecimento entre adoptantes e adoptandos do vínculo próprio da filiação e, por outro lado, estabelecer que a idade máxima para que exista a avaliação pelo Estado da intervenção na família, seja administrativa ou judicial, ocorra antes dos 15 anos do adoptando e tenha como finalidade a adopção.
De facto, só assim se compreendem as alterações introduzidas tanto no Código Civil como no Regime Jurídico da Adopção, não sendo espúrio recordar que certamente o legislador em 2015 não desconhecia alguns dos entendimentos a respeito da natureza da confiança em questão no artigo 1980.º, dos quais a doutrina dava eco, não tendo alargado o seu âmbito.
Deste modo, ao não incluir naquela confiança do n.º 3 do artigo 1980.º qualquer outra especificação, a mesma não pode deixar de reportar-se às únicas modalidades de confiança admitidas no n.º 1, requeridas até ao período temporal que o legislador expressamente previu como limite para a adoptabilidade no n.º 2, significando que não é uma qualquer intervenção do Estado na família que coloca a criança em condição de adoptabilidade mas apenas aquela intervenção que leva ao corte com a família biológica e à constituição ou confirmação dos laços semelhantes aos da filiação natural, com a família adoptante até aos 15 anos de idade. Se assim ocorrer, a capacidade do adoptando persiste caso o requerimento para a sua adopção dê entrada até perfazer 18 anos de idade[32].
Porém, se nenhuma daquelas modalidades de confiança tiver sido requerida até àquele limite de idade, mas entre os 15 e os 18 anos, a adopção já não será viável, por não se verificar um dos seus requisitos, como lamentavelmente acontece no caso em presença, onde, por razões que se desconhecem, pese embora desde 14.01.2013, pudesse ter sido solicitada a confiança administrativa da criança, apenas em 14.10.2019 esse pedido foi concretizado, inviabilizando aquele se apresenta como sendo o desejo de adoptantes e adotanda.
Nestes termos, a apelação improcede.
*****
III - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão proferida.
Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4.º, n.º 2, alínea f) do Regulamento das Custas Processuais.
Évora, 14 de Julho de 2020
Albertina Pedroso [33]
Tomé Ramião
Francisco Xavier
_______________________________________________
[1] Juízo de Família e Menores de Santiago do Cacém.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Doravante abreviadamente designado CC.
[4] Doravante abreviadamente designado RJPA.
[5] Doravante abreviadamente designado CPC.
[6] Consigna-se que se procedeu à correcção dos evidentes lapsos de escrita que constavam neste ponto 2, a respeito da data da sentença e do número do processo de Regulação das Responsabilidades Parentais, confirmados no PDF da acta daquela conferência de pais, solicitada pela ora Relatora à primeira instância, nos termos do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
[7] Corrige-se também o número do processo, em face do evidente lapso de escrita evidenciado pela certidão da acta da conferência de pais, de 14.01.2013, junta pelos requerentes com o requerimento inicial.
[8] Efectivamente, não estando em causa situação de emancipação, apenas aquele que perfizer dezoito anos de idade adquire a plena capacidade de exercício de direitos, ficando habilitado a reger a sua pessoa e a dispor dos seus bens, e, consequentemente, passando a não ser adoptável, por não haver já necessidade de suprimento da incapacidade decorrente da menoridade, por via do poder paternal, conforme previsto no artigo 124.º do CC.
[9] In Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, ALMEDINA, Coimbra, 1987, pág. 188.
[10] Para maior desenvolvimento a respeito da querela sobre os métodos hermenêuticos e sobre a posição do Código Civil, cfr. autor e obra citada, págs. 173 a 192, e OLIVEIRA ASCENSÃO, in O DIREITO – Introdução e Teoria Geral, 2.ª edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1980, págs. 341 a 387.
[11] Ainda sobre este tema, com profundidade, como lhe era habitual, pode ler-se: ENSAIO SOBRE A TEORIA DA INTERPRETAÇÃO DAS LEIS, MANUEL D. DOMINGUES DE ANDRADE e INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DAS LEIS, por FRANCESCO FERRARA, 3ª EDIÇÃO, Colecção STVDIVM, ARMÉNIO AMADO, EDITOR, SUCESSOR, COIMBRA, 1978.
[12] J. BAPTISTA MACHADO, ob. cit., pág. 175.
[13] Proferido no processo n.º 3939/16.8T8STB.E2, disponível em www.dgsi.pt, como os demais citados sem menção de outra fonte.
[14] Proferido no processo n.º 4692/16.0T8VFX.L1-8.
[15] Ora 1.º Adjunto, in A Adopção – Regime Jurídico Actual, 2.ª edição (revista e actualizada), Quid juris, pág. 46.
[16] A segunda, respeitante ao filho do cônjuge ou companheiro do adoptante, não releva na situação em presença.
[17] Cfr. 1.ª edição da obra citada, págs. 42 e 43.
[18] In A Criança e a Família: Uma Questão de Direito(s) - Visão Prática dos Principais Institutos do Direito da Família e das Crianças e Jovens, COIMBRA EDITORA, 2009, pág. 386, nota de rodapé 109.
[19] In Código Civil Anotado, ANA PRATA (coord.), vol. II, 2.ª edição, ALMEDINA, 2019, pág. 900.
[20] Idem, pág. 899.
[21] In Código Civil Anotado – Livro IV – Direito da Família, CLARA SOTTOMAYOR (Coord.), ALMEDINA, 2020, pág. 1020.
[22] Cfr. nota de rodapé 16.
[23] Na redacção então vigente.
[24] Para maiores desenvolvimentos quanto às actualizações introduzidas no artigo 1980.º do CC, relativamente a quem pode ser adoptado plenamente, situação comparada e enquadramento histórico, cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, in Código Civil Anotado, vol. V, COIMBRA EDITORA, págs. 524 a 526.
[25] In Direito da Família, 3.ª edição, pág. 127, nota 4.
[26] Doravante abreviadamente designada LPCJP.
[27] Isto porque «a alteração resultante da Lei n.º 143/2015, consistiu na eliminação, na epígrafe e no texto do preceito, da referência à confiança judicial do menor, providência tutelar cível eliminada neste reforma (…) subsistindo apenas a confiança administrativa e a confiança com vista à adoção decretada em processo de promoção e proteção» - cfr. ESTRELA CHABY, obra citada, em anotação ao artigo 1978.º-A, pág. 900.
[28] Cfr. TOMÉ D´ALMEIDA RAMIÃO, última obra citada, págs. 67 e 68, onde afirma que «apesar da pessoa idónea ter a criança à sua guarda, mediante a aplicação dessa medida, não dispensava a confiança judicial com vista a futura adopção, sob pena dessa pessoa não a poder adoptar».
[29] Com interesse quanto aos institutos da confiança administrativa e judicial, pode ver-se ANA RITA ALFAITE, ob. e loc. cit., pág. 1019.
[30] Cfr. DIOGO LEITE de CAMPOS e MÓNICA MARTINEZ de CAMPOS, in Lições de Direito da Família, 3.ª edição, Almedina, 2016, pág. 417.
[31] Cfr. Autores, ob. e local supra citado em 11.
[32] Com interessa a respeito do estabelecimento de um limite à idade do adoptando, cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional, com o n.º 551/2003, cujos argumentos se nos afigura terem aqui inteira aplicação, onde se afirmou que «não se encontra razão para que se considere que não cabe na discricionaridade do legislador exigir, como requisito da conversão, a menoridade do adoptando, (…) Não é, pois, arbitrária a exigência da menoridade; na verdade, não sendo já incapaz o adoptado, a conversão não produziria o efeito principal pretendido pela lei com a adopção plena, a criação de laços semelhantes aos da filiação natural; antes se projectaria sobretudo, na prática, no domínio sucessório; não se pode, assim, considerar que a norma em causa viole a protecção constitucional conferida à adopção».
[33] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado electronicamente pelos três desembargadores desta conferência.