Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2627/18.5T8STB.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA
VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA NO TRABALHO
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
i) Para que se verifique a negligência grosseira do sinistrado conducente à descaraterização do acidente é necessário que a sua conduta tenha sido temerária, manifestamente ofensiva da prudência que um trabalhador medianamente cuidadoso observaria se estivesse colocado na sua situação e conhecedor das mesmas circunstâncias.
ii) Não basta a violação geral de regras de segurança. É preciso que se prove que em concreto o trabalhador sabia que tinha que observar determinadas regras de segurança e que apesar disso não as cumpriu.
(Sumário pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelantes: F.N.A.L. (autor) e Salema & Merca, Lda (ré empregadora).
Apelados: os mesmos.
Outra ré não recorrente: Generali Seguros, SA.

Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Juízo do Trabalho de Setúbal, J1.

1. O autor intentou a presente ação emergente de acidente de trabalho contra Seguradoras Unidas, SA., e Salema & Merca, Lda, pedindo a condenação das RR., de acordo com as suas responsabilidades, a pagar-lhe a quantia de € 5 116,10 relativa a incapacidades temporárias, a pensão anual e vitalícia de € 1 034,01, a indemnização por danos morais de € 25 000 e € 325,78 a título de despesas de transporte, bem como os juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento.
Alegou, em síntese, que no dia 22/07/2017, pelas 10:00 horas, trabalhava sob as ordens, direção e fiscalização da Salemo & Merca, Lda, desempenhando as funções de operador de máquinas, nas instalações daquela em Palmela, mediante o pagamento do salário anual de € 10 689,04, quando foi atingido nas falangetas dos 2.º, 3.º e 4.º dedos da mão esquerda, pelo êmbolo da prensa hidráulica Dieffenbacher, sofrendo lesões que lhe causaram ITA durante 139 dias, ITP de 30% durante 119 dias e uma IPP de 9,6736 % desde 07/03/2018.
Mais alegou, que a Salemo & Merca, Lda tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Seguradoras Unidas, SA, entretanto incorporada na Generali Seguros, SA, pela retribuição anual de € 9 577,52, e que o acidente se deveu à inobservância das condições de segurança no trabalho.
Regularmente citadas, as RR. contestaram, alegando, a 1.ª R. que o acidente se deveu à falta de cumprimento das normas básicas de segurança pela 2.ª R.
E, a 2.ª R., que não teve qualquer culpa na produção do acidente e que a responsabilidade se encontrava integralmente transferida para a seguradora.
Foi proferido despacho saneador que procedeu à seleção da matéria de facto assente e à fixação da base instrutória, seleção essa que não foi objeto de reclamação.
Procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento conforme resulta da respetiva ata.
De seguida foi proferida sentença com a decisão seguinte:
Pelo exposto, julgo a presente ação procedente e, em consequência, declaro o evento ocorrido em 22 de Junho de 2017 que vitimou F.N.A.L. como acidente de trabalho e, em conformidade:
1. Condeno a Seguradoras Unidas, SA, sem prejuízo do exercício do direito de regresso, a pagar-lhe:
a) O capital de remição de uma pensão anual e vitalícia de € 648,54 (seiscentos e quarenta e oito euros e cinquenta e quatro cêntimos), devida desde 8 de março de 2018, a que acrescem juros, à taxa legal, desde o respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento;
b) A quantia de € 2 631,56 (dois mil, seiscentos e trinta e um euros e cinquenta e seis cêntimos) a título de diferenças de IT´s devidas até 07/03/2018, a que acrescem juros, à taxa legal, desde o respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento;
c) A quantia de € 325,78 (trezentos e vinte e cinco euros e setenta e oito cêntimos) a título de despesas com deslocações a Tribunal.
2. Condeno a Salemo & Merca, Lda a pagar-lhe:
a) O capital de remissão de uma pensão anual e vitalícia de € 385,48 (trezentos e oitenta e cinco euros e quarenta e oito cêntimos), devida desde 8 de março de 2018, a que acrescem juros, à taxa legal, desde o respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento;
b) A quantia de € 1 907,24 (mil, novecentos e sete euros e vinte e quatro cêntimos a título de IT’s devidas até 07/03/2018, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde o respetivo vencimento até integral e efetivo pagamento;
c) A quantia de € 5 000 (cinco mil euros) a título de indemnização por pelos danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a partir do trânsito em julgado da sentença.
Custas pela 2.ª R. (cfr. art. 527.º do Código do Processo Civil ex vi art.º 1.º n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho).
Registe e notifique.
Nos termos do art.º 120.º n.º 2, parte final, do Código de Processo de Trabalho fixo à ação o valor de € 25 943,59 (vinte e cinco mil, novecentos e quarenta e três euros e cinquenta e nove cêntimos).

2. Inconformados, vieram o autor e a empregadora, interpor recurso de apelação, que motivaram e as conclusões seguintes:
2.1 Ré empregadora:
A) A Sentença deve seguir iter decisório como indicado no artigo 607.º n.º 4 do CPC, devendo fazer a análise crítica das provas.
B) Ora decorre dos depoimentos das testemunhas atrás identificadas que a matéria de facto constante dos pontos 13.º e 19.º 25.º 26.º e 28.º conjugadamente não se manifestam coerentes devendo sofrer alterações,
C) Assim o ponto 13.º deverá ficar com a seguinte redação:
No dia 22/06/2017, pelas 10:00 horas, quando o sinistrado se encontrava a acertar a peça metálica colocada do lado esquerdo a prensa entrou em funcionamento devido ao incorreto acionamento dos botões que provocavam a descida do êmbolo.
D) O Ponto 19 não poderá ser dado como provado, porquanto entra em contradição direta com a matéria do ponto 28.º, sendo que o teor deste é o que resulta da prova testemunhal e documental, nomeadamente das fotografias, veja-se o anexo n.º 2 dos documentos que acompanharam a participação, devendo pois ser eliminado, sendo sobre este tema mantido no ponto 28.º
Sem conceder,
E) A Sentença recorrida deve ser revogada porque comete erro de julgamento na decisão sobre a culpa da ora recorrente,
F) Isto porque, independentemente da questão de deficiente enquadramento jurídico os factos provados, só por si, e independentemente da alteração da matéria de facto, são suficientes para se concluir pela exclusão da culpa grosseira da recorrente.
G) Há um vazio probatório sobre o motivo que levou à produção do acidente.
H) Resultando não se verificar violação, por parte da recorrente, das regras de segurança, higiene e saúde no trabalho, cuja observância teria provavelmente evitado a consumação do sinistro.
I) Não resultou demonstrada a verificação dos requisitos que implicam a responsabilização pela reparação de forma agravada da recorrente no acidente ocorrido, na qualidade de entidade empregadora.
J) Mais não se logrou estabelecer, o nexo de causalidade entre essa violação ou inobservância e o acidente.
K) Pois não se observou uma qualquer conduta/ atuação ilícita e culposa da recorrente.
M) Em sentido contrário, o que é dado a perceber da matéria facto (mesmo sem sofrer alteração) é uma atitude temerária do trabalhador que sem o cuidado mínimo e perante a evidência do perigo, age de forma imprudente e grosseiramente negligente.
O) A evidência do perigo dispensava qualquer sinalização, ou comando ou regra específica, pelo que, só uma atitude de absoluta distração pode explicar o comportamento deste, comportamento que foi contra as regras/instruções transmitidas aquando da formação que teve nomeadamente sobre o funcionamento da máquina, do posicionamento das mãos, e dos elementos daquela que provocavam a descida do embolo.
P) Pelo que se pode concluir que foi esta atitude do trabalhador que provocou o acidente.
Q) A formação que o trabalhador teve, uma vez que era um trabalhador qualificado, enquanto operador de máquina era suficiente atendendo que a máquina era de simples e fácil manuseamento
R) A responsabilidade pelo sinistro por ter sido transferida para a co-ré seguradora “Seguradoras Unidas SA”, sempre deveria implicar a absolvição direta da recorrente e a inerente condenação da entidade seguradora.
S) Com o presente recurso, pretende igualmente a recorrente pugnar pela responsabilização exclusiva da seguradora, co-ré “Seguradoras Unidas, SA”, por não resultar fundamentado o direito justificativo do direito de regresso.
T) A douta Sentença em recurso violou a lei e o direito, e violou a disposição dos artigo 14.º n.º 1 alíneas a) e b) e n.º 3 da Lei n.º 98/2009 de 4 de setembro e cometeu um erro de julgamento e é uma Sentença injusta,
Pelo que deve ser revogada e substituída por outra que julgue não se ter provado o nexo de causalidade entre a violação de uma qualquer norma de segurança que no caso se impusesse adotar pela empregadora e o acidente, absolvendo a recorrente desse pedido.
E outro sim, se ser ter verificado um comportamento temerário ou grosseiramente negligente do trabalhador ao descurar as instruções de manuseamento da máquina e desvalorizar o perigo evidente.
2.2 Autor:
1 – O presente recurso tem como fundamento o montante da indemnização fixada pelos danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado.
2 – O mui douto tribunal a quo condenou a entidade empregadora do sinistrado, Salema & Merca, Lda, a pagar-lhe a quantia de € 5 000 (cinco mil euros) a título de indemnização, quando deveria ter fixado o montante de € 25 000 (vinte e cinco mil euros), peticionada.
3- A sentença recorrida deu como provado que as lesões decorrentes do acidente de trabalho sofrido pelo aqui recorrente e a perspetiva de uma limitação funcional a nível pessoal e laboral para o resto da vida, lhe causaram dores e um sofrimento de diminuição pessoal e profissional, sendo as referidas lesões imputáveis ao comportamento ilícito e negligente da entidade empregadora, consideradas pelo tribunal a quo como graves, quer pelas suas consequências imediatas, quer pelos seus reflexos mediatos, mas acaba por concluir que atendendo ao grau de culpa do lesante e desconhecendo-se a sua situação económica, se julga razoável e equitativo fixar o montante de € 5 000 (cinco mil euros).
4 - Face aos factos pelo próprio tribunal a quo dados como provados e atenta a natureza das indemnizações e o que visam compensar, a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo sinistrado, não poderia ter deixado de ser bastante mais elevada do que a fixada no aresto a quo.
5 - A indemnização fixada não esteve em consonância com os princípios que estão na base da sua atribuição e mais uma vez revelou a endémica cultura, o pensamento e mentalidade miserabilista do julgador atual.
6 - Ao decidir como decidiu, o mui douto tribunal “a quo”, fixou uma compensação de danos não patrimoniais que peca por defeito, não é justa, razoável e tão pouco equitativa!
7 - Pelo contrário, beneficia a lesante, pese embora o seu comportamento ilícito e negligente, o grau elevado da sua culpa da sua conduta, e o facto das lesões sofridas pelo aqui recorrente, serem graves, alegando que se desconhece a sua situação económica, quando existiam nos autos e em sites públicos a que o tribunal a quo não é alheio, elementos que permitiam colmatar tal desconhecimento.
8 – O mui douto tribunal “a quo”, deveria ter condenado a entidade empregadora no total da indemnização por danos não patrimoniais peticionada, essa sim justa, razoável e equitativa, ao invés da quantia fixada, o que se requer.
Pelo exposto e com o mui douto suprimento de V.Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, condenando-se a apelada na totalidade do pedido quanto à indemnização pelos danos não patrimoniais.

3. A ré empregadora respondeu ao recurso do autor e manteve o já alegado no seu recurso.

4. O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer no sentido da confirmação da sentença recorrida.
Notificado, a empregadora respondeu e manteve o alegado anteriormente.

5. Dispensados os vistos por acordo, em conferência, cumpre apreciar e decidir.

6. Objeto do recurso

O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
Questões a decidir:
Recurso da ré empregadora:
1. Impugnação da matéria de facto.
2. Descaraterização do acidente de trabalho por culpa do sinistrado.
3. Responsabilidade agravada da empregadora.
Recurso do autor: montante da compensação pelos danos não patrimoniais.

II – FUNDAMENTAÇÃO

A) DE FACTO
A sentença recorrida considerou provada a matéria de facto seguinte:
1. No dia 22/06/2017, pelas 10h00, o sinistrado desempenhava as funções de operador de máquinas sob as ordens, direção e fiscalização da Salema & Merca, Lda, nas instalações desta, sitas na Estrada Municipal 533, Biscaia, Algeruz, Palmela (alínea A) dos factos assentes);
2. Auferindo o salário anual de € 10 689,04 [€ 675 x 14 (salário base) + € 5,12 x 242 dias (subsídio de refeição)] (alínea B) dos factos assentes);
3. No dia, hora e local acima indicados, quando o sinistrado se encontrava a efetuar a moldagem de peças com a prensa hidráulica Dieffenbacher, foi atingido nas falangetas dos 2.º, 3.º e 4.º dedos da mão esquerda (alínea C) dos factos assentes);
4. À data, a prensa hidráulica Dieffenbacher possuía um sistema de comando de duplo botão, introduzido há cerca de 4/5 anos, no painel frontal (alínea D) dos factos assentes);
5. O posto de trabalho do sinistrado permitia a colocação das peças a moldar e a retirada das peças moldadas sem necessidade de saída da zona de operação (alínea E) dos factos assentes);
6. A Salemo & Merca, Lda. tinha a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho transferida para a Seguradoras Unidas, SA através da apólice n.º 26019731 (alínea F) dos factos assentes);
7. O sinistrado sofreu traumatismo da mão esquerda com amputação de mais de 50% da terceira falange dos dedos indicador, médio e anelar (alínea G) dos factos assentes);
8. Lesões que lhe determinaram um período de 139 dias de incapacidade temporária absoluta e 119 dias de incapacidade temporária parcial de 30% (alínea H) dos factos assentes);
9. No exame médico efetuado no âmbito destes autos, o sinistrado foi considerado afetado de uma IPP de 9,6736%, com efeitos a 07/03/2018, por amputação da F3 de D4, da F3 de D3 e de mais de 50% da F3 de D2, com coto bem almofadado (alínea I) dos factos assentes);
10. A Seguradoras Unidas, SA pagou ao sinistrado a quantia de € 577,30 a título de indemnização por incapacidades temporárias (alínea J) dos factos assentes);
11. A Salemo & Merca, Lda. não pagou ao sinistrado qualquer quantia a título de indemnização por incapacidades temporárias (alínea K) dos factos assentes);
12. O curriculum vitae do sinistrado menciona a posse de Diploma e Certificado Técnico de Programação e Maquinação de CNC, com competências adquiridas em elementos de máquinas e dispositivos mecânicos, torneamento – Tecnologias e Operações, automatismos industriais – Liderança e Tecnologia e Propriedades dos materiais – Metalurgia e Metalomecânica (alínea L) dos factos assentes);
13. No dia 22/06/2017, pelas 10:00 horas, quando o sinistrado se encontrava a acertar a peça metálica colocada do lado esquerdo a prensa entrou em funcionamento (resposta ao artigo 1.º da base instrutória);
14. E, o êmbolo desceu realizando o movimento de prensagem (resposta ao artigo 2.º da base instrutória);
15. A alteração ao sistema de comando da prensa hidráulica Dieffenbacher não estava certificada (resposta ao artigo 4.º da base instrutória);
16. O painel de comando da prensa encontrava-se a cerca de 47 cm da zona de prensagem (resposta ao artigo 5.º da base instrutória);
17. Não havia qualquer elemento que impedisse o acesso do operador à zona de prensagem (resposta ao artigo 6.º da base instrutória);
18. O operador não precisava de manter as mãos no comando da prensa depois de o acionar (resposta ao artigo 7.º da base instrutória);
19. Não era possível interromper o movimento do êmbolo (resposta ao artigo 9.º da base instrutória);
20. O sinistrado percorreu 2 506 km, em transporte próprio nas deslocações para consultas e fisioterapia (resposta ao artigo 10.º da base instrutória);
21. As lesões decorrentes do evento referido e a perspetiva de uma limitação funcional a nível pessoal e laboral para o resto da vida causaram dores e um sentimento de diminuição pessoal e profissional (resposta ao artigo 11.º da base instrutória);
22. A apólice referida em F) cobria apenas a retribuição base de anual de € 9 577,52 ([€ 643,88 x 14 (salário base) + € 51,20 x 11 (subsídio de refeição)] (resposta ao artigo 12.º da base instrutória);
23. As peças a moldar encontravam-se colocadas numa superfície situada 20 cm abaixo da superfície onde descia o êmbolo da prensa (resposta ao artigo 13.º da base instrutória);
24. Durante a operação de moldagem o trabalhador colocava as peças previamente cortadas e preparadas na zona de prensagem (resposta ao artigo 14.º da base instrutória);
25. A prensa era acionada mediante o acionamento, em simultâneo, dos botões colocados em cada lado da superfície inferior da prensa (resposta ao artigo 15.º da base instrutória);
26. O funcionamento da prensa hidráulica Dieffenbacher dependia do acionamento simultâneo dos dois botões (resposta ao artigo 16.º da base instrutória).
27. Foi explicado ao trabalhador o modo de funcionamento da prensa e que antes de iniciar o processo de prensagem deveria testar o funcionamento da máquina, carregando autonomamente cada um dos botões que a acionavam (resposta ao artigo 19.º da base instrutória).
28. A prensa hidráulica Dieffenbacher possuía, no lado esquerdo, um botão vermelho de paragem de emergência (resposta ao artigo 20.º da base instrutória).

B) APRECIAÇÃO

B1) Impugnação da matéria de facto

A apelante empregadora conclui que o facto dado como provado no ponto 13 deve ser alterado e ficar com a redação seguinte:
“No dia 22/06/2017, pelas 10:00 horas, quando o sinistrado se encontrava a acertar a peça metálica colocada do lado esquerdo a prensa entrou em funcionamento devido ao incorreto acionamento dos botões que provocavam a descida do êmbolo”, por oposição aos factos dados como provados nos pontos 25 e 26 e com base na prova testemunhal produzida que indica.
O facto provado em 13 é este: “No dia 22/06/2017, pelas 10:00 horas, quando o sinistrado se encontrava a acertar a peça metálica colocada do lado esquerdo a prensa entrou em funcionamento”.
Pretende ainda que o facto dado como provado no ponto 19 seja dado como não provado por estar em oposição ao facto dado como provado no ponto 28.
Em relação à alteração do facto dado como provado no ponto 13, a apelante pretende que ao facto dado como provado seja acrescentada a expressão:” devido ao incorreto acionamento dos botões que provocavam a descida do êmbolo”.
Todavia, esta expressão tem manifestamente caráter conclusivo. Para concluirmos que ocorreu um incorreto acionamento dos botões e que foi devido a isso que o êmbolo desceu, teríamos que saber qual foi o facto concreto que conduziu a tal. A apelante não indica os factos concretos que possam conduzir à conclusão pretendida. As conclusões são extraídas pelo julgador a partir de factos concretos.
Assim, não se pode acrescentar ao facto provado no ponto 13 a expressão pretendida pela apelante.
Em relação ao facto provado no ponto 19, a apelante empregadora conclui que deve ser dado como não provado por estar em oposição com o facto dado como provado no ponto 28.
Os factos em causa são estes:
“19. Não era possível interromper o movimento do êmbolo.
28. A prensa hidráulica Dieffenbacher possuía, no lado esquerdo, um botão vermelho de paragem de emergência”.
Analisados os factos, entendemos que não existe contradição entre os dois.
A impossibilidade de interromper o movimento do êmbolo não é incompatível com a existência de um botão de paragem de emergência. Este pode existir mas não interromper o movimento. Note-se que está provado que foi introduzido um sistema há 4/5 anos que não foi certificado e nenhuma testemunha referiu que alguma vez foi testado.
Termos em que improcede a alteração da matéria de facto.

B2) Descaraterização do acidente de trabalho por culpa do sinistrado

Os casos de descaraterização de acidente de trabalho estão previstos no art.º 14.º n.º 1 e suas alíneas da Lei n.º 98/2009, de 04.09 e são os seguintes: o empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente:
a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;
b) Que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se a entidade empregadora ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
Este art.º 14.º prescreve ainda que: para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la (n.º 2); e entende-se por negligência grosseira, o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante de habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão (n.º 3).
Às causas de não reparação referidas no artigo 14.º, acresce a prescrita no artigo 15.º, quando o acidente provier de caso de força maior.
Em relação à violação das regras segurança, analisados os factos provados, não encontramos qualquer conduta do trabalhador que possa subsumir-se à violação das regras de segurança ao operar com a máquina.
Os factos provados não permitem concluir pela violação das regras de segurança sem causa justificativa pelo sinistrado.
Termos em que improcede esta fonte de descaraterização.
Em relação à negligência grosseira do sinistrado:
Esta causa de exclusão exige dois requisitos cumulativos: negligência grosseira e que se deva a culpa exclusiva do sinistrado.
A conduta do sinistrado deve ser temerária, manifestamente ofensiva da prudência que um trabalhador medianamente cuidadoso observaria se estivesse colocado na sua situação e conhecedor das mesmas circunstâncias.
Não é suficiente a culpa grave. O legislador exige uma culpa grave qualificada.
Não estão provados factos de onde resulte que o acidente resultou exclusivamente de um comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante de habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Os factos provados não permitem que se faça um juízo de censura tão severo sobre a conduta do sinistrado. Não basta que o comportamento seja culposo. Tem de revestir as qualidades de temeridade em elevado e relevante grau, o que não acontece no caso concreto.
Tudo ponderado, concluímos pela ausência de descaraterização do acidente com fundamento em negligência grosseira do sinistrado.
O acidente de trabalho de que foi vítima o sinistrado não se mostra descaraterizado, pelo que se declara como acidente de trabalho reparável nos termos legais.

B3) Responsabilidade agravada da empregadora

O art.º 18.º n.º 1 da Lei n.º 98/2009, de 04.09, prescreve que quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Esta norma jurídica prevê duas causas para a responsabilidade agravada da empregadora: culpa desta pela ocorrência do acidente (1.ª parte) ou independentemente da culpa, caso o acidente resulte da falta de observação de regras de segurança e saúde no trabalho pela empresa, seu representante ou entidade por ela contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra (n.º 2).
No primeiro caso exige-se a prova, a cargo do sinistrado ou beneficiário, dos pressupostos da responsabilidade civil e no segundo caso exige-se a prova, também a cargo do sinistrado ou do beneficiário, que o acidente resultou da violação das regras de segurança. Nesta última hipótese, exige-se que tenha ocorrido a violação de regras de segurança que a empresa estava legalmente obrigada a observar e o nexo de causalidade entre essa violação e o acidente[1].
Sobre esta matéria está provado:
“3. No dia, hora e local acima indicados, quando o sinistrado se encontrava a efetuar a moldagem de peças com a prensa hidráulica Dieffenbacher, foi atingido nas falangetas dos 2.º, 3.º e 4.º dedos da mão esquerda;
4. À data, a prensa hidráulica Dieffenbacher possuía um sistema de comando de duplo botão, introduzido há cerca de 4/5 anos, no painel frontal;
5. O posto de trabalho do sinistrado permitia a colocação das peças a moldar e a retirada das peças moldadas sem necessidade de saída da zona de operação;
12. O curriculum vitae do sinistrado menciona a posse de Diploma e Certificado Técnico de Programação e Maquinação de CNC, com competências adquiridas em elementos de máquinas e dispositivos mecânicos, torneamento – Tecnologias e Operações, automatismos industriais – Liderança e Tecnologia e Propriedades dos materiais – Metalurgia e Metalomecânica;
13. No dia 22/06/2017, pelas 10:00 horas, quando o sinistrado se encontrava a acertar a peça metálica colocada do lado esquerdo a prensa entrou em funcionamento;
14. E, o êmbolo desceu realizando o movimento de prensagem;
15. A alteração ao sistema de comando da prensa hidráulica Dieffenbacher não estava certificada;
16. O painel de comando da prensa encontrava-se a cerca de 47 cm da zona de prensagem;
17. Não havia qualquer elemento que impedisse o acesso do operador à zona de prensagem;
18. O operador não precisava de manter as mãos no comando da prensa depois de o acionar;
23. As peças a moldar encontravam-se colocadas numa superfície situada 20 cm abaixo da superfície onde descia o êmbolo da prensa (resposta ao artigo 13.º da base instrutória);
24. Durante a operação de moldagem o trabalhador colocava as peças previamente cortadas e preparadas na zona de prensagem (resposta ao artigo 14.º da base instrutória);
25. A prensa era acionada mediante o acionamento, em simultâneo, dos botões colocados em cada lado da superfície inferior da prensa (resposta ao artigo 15.º da base instrutória);
26. O funcionamento da prensa hidráulica Dieffenbacher dependia do acionamento simultâneo dos dois botões.
27. Foi explicado ao trabalhador o modo de funcionamento da prensa e que antes de iniciar o processo de prensagem deveria testar o funcionamento da máquina, carregando autonomamente cada um dos botões que a acionavam.
28. A prensa hidráulica Dieffenbacher possuía, no lado esquerdo, um botão vermelho de paragem de emergência”.
Escreveu-se na sentença recorrida:
“Sob a epígrafe “Obrigações gerais do empregador” dispõe o art.º 15.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, que estabelece o Regime Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho, na sua versão da Lei n.º 3/2014, de 28 de janeiro, que:
“1 - O empregador deve assegurar ao trabalhador condições de segurança e de saúde em todos os aspetos do seu trabalho.
2 - O empregador deve zelar, de forma continuada e permanente, pelo exercício da atividade em condições de segurança e de saúde para o trabalhador, tendo em conta os seguintes princípios gerais de prevenção:
a) Evitar os riscos; (…)
c) Identificação dos riscos previsíveis em todas as atividades da empresa, estabelecimento ou serviço, na conceção ou construção de instalações, de locais e processos de trabalho, assim como na seleção de equipamentos, substâncias e produtos, com vista à eliminação dos mesmos ou, quando esta seja inviável, à redução dos seus efeitos; (…)
e) Combate aos riscos na origem, por forma a eliminar ou reduzir a exposição e aumentar os níveis de proteção; (…)”
E prossegue:
“Por último, o art.º 20.º da Lei n.º 102/2009, de 10 de setembro, exige que o trabalhador receba uma formação adequada no domínio da segurança e saúde no trabalho, tendo em atenção o posto de trabalho e o exercício de atividades de risco elevado.
De acordo com o art.º 3.º do Decreto-Lei 50/2005, de 25 de fevereiro, que transpôs para a ordem jurídica Portuguesa a Diretiva n.º 89/655/CEE, do Conselho, de 30 de novembro, alterada pela Diretiva n.º 95/63/CE, do Conselho, de 5 de dezembro, e pela Diretiva n.º 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de junho, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, para assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho o empregador deve:
“a) Assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efetuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização; (…)”
Acrescentam os n.º 1 e 3 do art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro que, a fim de garantir a correta instalação e o bom estado de funcionamento dos equipamentos de trabalho, o empregador deve proceder à sua verificação, por pessoa competente, após a instalação ou montagem num novo local, antes do início ou do recomeço do seu funcionamento, bem como a verificações extraordinárias quando ocorram acontecimentos excecionais, nomeadamente transformações, que possam ter consequências gravosas para a sua segurança.
O empregador deve, ainda, prestar aos trabalhadores e seus representantes para a segurança, higiene e saúde no trabalho a informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados, a qual deve ser facilmente compreensível, escrita, se necessário, e conter, pelo menos, indicações sobre as condições de utilização dos equipamentos; as situações anormais previsíveis; e os riscos decorrentes de equipamentos de trabalho existentes no ambiente de trabalho ou de alterações dos mesmos que possam afetar os trabalhadores, ainda que não os utilizem diretamente (cfr. art. 8.º, n.º 1 e 2, alíneas a), b) e d), do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro.
Quanto aos requisitos mínimos gerais a que devem obedecer os equipamentos de trabalho (máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho) preveem os art.ºs 11.º a 22.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de fevereiro, que “Os sistemas de comando devem ser seguros e escolhidos tendo em conta as falhas, perturbações e limitações previsíveis na utilização para que foram projetados” (cfr. art. 11.º, n.º 5); “O equipamento de trabalho deve estar provido de um sistema de comando que permita a sua paragem geral em condições de segurança, bem como de um dispositivo de paragem de emergência se for necessário em função dos perigos inerentes ao equipamento e ao tempo normal de paragem” (cfr. art. 13.º n.º 1); “Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas” (cfr. art. 16.º, n.º 1)
Dos normativos supracitados resulta por demais evidente que qualquer empregador deve proceder a uma análise minuciosa dos riscos que envolve a atividade exercida, adotando as medidas adequadas à sua total eliminação ou, não sendo esta possível, a uma redução efetiva da exposição dos trabalhadores, fornecendo-lhes formação, equipamentos individuais de segurança e instituindo procedimentos de manutenção de equipamentos, de prevenção de riscos e de reação a qualquer perigo efetivo ou eminente.
No caso em apreço, ficou demonstrado que o A. procedia à moldagem de peças metálicas com o auxílio de uma prensa hidráulica, com um sistema de comando de duplo botão, no painel frontal, que não tinha sido sujeito a verificação após a sua introdução há cerca de 4/5 anos. Mais se provou que, não havendo qualquer elemento que impedisse o acesso do operador à zona de prensagem, embora fosse necessário acionar os dois botões em simultâneo, aquele não precisava de manter as mãos no comando da prensa depois de o acionar e que, não obstante existisse um botão vermelho de paragem de emergência, uma vez iniciado, não era possível interromper o movimento do êmbolo.
“Com efeito, ficou provado que, tendo sido explicado ao trabalhador o modo de funcionamento da máquina, carregando autonomamente cada um dos botões que a acionavam, a R. não cumpriu o dever de lhe ministrar uma formação adequada aos perigos e riscos decorrentes da utilização da prensa, nem se assegurou que a alteração introduzida ao sistema de acionamento desta era adequado, permitindo que o sinistrado acedesse à zona de prensagem durante o movimento do êmbolo.
Ou seja, não só se apurou que o equipamento utilizado na tarefa de moldagem das peças não tinha sido verificado após a transformação do sistema de comando, como o botão vermelho de paragem de emergência, não era adequado à eliminação do risco de contacto mecânico, não era apto a interromper o movimento do êmbolo que se tivesse iniciado, por contacto, direto ou indireto, ainda que inadvertido.
Com efeito, embora se tenha apurado que o movimento do êmbolo dependia do acionamento, em simultâneo, dos dois botões, provou-se que o operado não necessitava de manter as mãos no comando e que o botão vermelho de paragem de emergência não interrompia o movimento do êmbolo”.
Concordamos com o excerto da sentença acabado de transcrever.
A empregadora introduziu na prensa um sistema de comando de duplo botão, há cerca de 4/5 anos, no painel frontal, mas tal alteração ao sistema de comando da prensa hidráulica Dieffenbacher não estava certificada.
A empregadora violou de forma grave o dever que sobre si impendia de proceder à certificação do sistema para apurar se estava em correto funcionamento e não o fez.
Acresce que não ministrou formação ao trabalhador para o correto uso do equipamento, não sendo suficiente uma mera explicação verbal. Neste caso, exigia-se formação prática sobre a forma de trabalhar com a máquina, o que a empregadora não fez.
Estas violações básicas das regras de segurança são causais do acidente de trabalho sofrido pelo trabalhador. Quando há violação das regras de segurança não tem que se provar a culpa do empregador ou do seu representante. Sendo suficiente a violação das regras de segurança e o nexo de causalidade entre aquela e o acidente, o qual se verifica.
Termos em que a apelação da ré empregadora improcede totalmente.

B4) Os danos patrimoniais

O autor entende que lhe deve ser fixada a quantia de € 25 000 a título de danos não patrimoniais.
A sentença recorrida fixou esta quantia em € 5 000.
Os danos não patrimoniais são apurados em cada processo e é relativamente a cada caso concreto que é avaliada a sua repercussão na vida e na saúde dos lesados.
A compensação pelos danos não patrimoniais tem vindo a ganhar relevo e importância ao longo das últimas décadas, na medida em que se tem vindo a entender que a saúde não é apenas a que diz respeito ao corpo físico, mas também ao bem-estar emocional, psicológico, social, espiritual, financeiro, em resumo, diz respeito à qualidade de vida perdida em consequência do dano sofrido.
Como não é possível voltar a dar vida a quem morreu, desfazer as dores sofridas, as angústias, as ansiedades, os medos, atribui-se uma quantia pecuniária à vítima que não é uma indemnização, mas antes uma compensação que visa minorar esses padecimentos. A atribuição de uma quantia em dinheiro permitirá ao beneficiário o acesso a bens que de outro modo não teria e dessa forma mitigar o sofrimento.
Para compensar os lesados, deverá aplicar-se o disposto nos artigos 494.º e 496.º do Código Civil.
A aplicação do artigo 494.º deve ser tido em consideração nas situações em que o responsável responde com culpa. O bom senso manda atender às circunstâncias concretas do caso. Daqui resulta que a compensação a atribuir poderá ser fixada em montante inferior ou superior àquele em que o seria normalmente, se o justificarem a situação económica do responsável e do lesado e as demais circunstâncias do caso.
O artigo 494.º do CC prescreve em geral para todos os danos, patrimoniais e não patrimoniais. Tem em vista permitir atenuar a responsabilidade se as circunstâncias do caso concreto o justificarem.
Por seu turno, a primeira parte do n.º 3 do artigo 496.º do CC estabelece o critério especial que deve ser aplicado para calcular o montante pecuniário da compensação pelos danos não patrimoniais, quer exista ou não fundamento para a atenuação especial prevista no artigo 494.º do CC. Os danos serão liquidados equitativamente pelo tribunal, tendo em conta a gravidade dos danos em si e as circunstâncias do caso.
Com interesse direto para esta questão, está assente:
“7. O sinistrado sofreu traumatismo da mão esquerda com amputação de mais de 50% da terceira falange dos dedos indicador, médio e anelar (alínea G) dos factos assentes);
8. Lesões que lhe determinaram um período de 139 dias de incapacidade temporária absoluta e 119 dias de incapacidade temporária parcial de 30%;
9. No exame médico efetuado no âmbito destes autos, o sinistrado foi considerado afetado de uma IPP de 9,6736%, com efeitos a 07/03/2018, por amputação da F3 de D4, da F3 de D3 e de mais de 50% da F3 de D2, com coto bem almofadado;
21. As lesões decorrentes do evento referido e a perspetiva de uma limitação funcional a nível pessoal e laboral para o resto da vida causaram dores e um sentimento de diminuição pessoal e profissional”.
Tendo em conta as lesões sofridas, o tempo de incapacidade e as sequelas permanentes, com amputação da F3 de D4, da F3 de D3 e de mais de 50% da F3 de D2, em que o trabalhador fica definitivamente privado de partes do seu corpo físico, com evidente repercussão na sua saúde imaterial, bem como os demais elementos dos autos, nomeadamente a idade do sinistrado - nasceu em 04.05.1978 – afigura-se-nos adequada e proporcional a compensação a título de danos não patrimoniais no montante de € 20 000.
Procede assim nesta medida o recurso do sinistrado.

III - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação do autor/sinistrado procedente parcialmente e condena-se a empregadora a pagar-lhe a quantia de € 20 000 (vinte mil euros), a título de danos não patrimoniais, e improcedente a apelação da ré empregadora e confirma-se quanto ao mais a sentença recorrida.
Custas pela apelante ré empregadora no recurso que interpôs e na proporção do decaimento quanto ao recurso interposto pelo autor, sem prejuízo do apoio judiciário concedido a este.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 07 de abril de 2022.
Moisés Silva (relator)
Mario Branco Coelho
Paula do Paço
__________________________________________
[1] Ac. RE, de 11.07.2019, processo n.º 1270/15.5T8TMR.E1, www.dgsi.pt/jtre.