Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
744/18.0T9BJA.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: INSTITUTO DE SEGURANÇA SOCIAL
PEDIDO CÍVEL
NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO
NULIDADE
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Sumário: I - A falta de notificação, ao lesado “Instituto da Segurança Social I.P.”, da acusação e para deduzir, querendo, pedido de indemnização civil, não consubstancia uma nulidade (sanável ou insanável), porquanto no processo penal estas são típicas - artigo 118º, nº 1, do C. P. Penal - e a referida falta de notificação não é considerada como nulidade em qualquer preceito legal.
II - Essa omissão consubstancia uma mera irregularidade (artigo 118º, nº 2, do C. P. Penal), que devia ter sido arguida perante o tribunal de primeira instância, no prazo e termos do disposto no artigo 123º do C. P. Penal.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular que com o nº 744/18.0T9BJA, do Tribunal Judicial da Comarca de Beja, Juízo Local Criminal de Beja, o Ministério Público fazendo uso da prerrogativa prevista no artigo 16º, nº 3 do Código de Processo Penal, requereu o julgamento, em processo comum e perante juiz singular, de:
- Associação de Solidariedade Social “…..”, NIF …., NISS …., com sede na Rua (…..);
- (……);
- (……);
- (……) e;
- (……).
Imputando-lhes a prática:
- Às arguidas (…..), em co-autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT (Regime Geral das Infracções Tributárias).
- À arguida Associação de Solidariedade Social “…..”, em autoria mediata de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT.
As arguidas (…..) apresentaram contestação oferecendo o merecimento dos autos, juntaram prova documental, arrolaram testemunhas e requereram prova documental.
As demais arguidas não apresentaram contestação nem arrolaram testemunhas.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, tal como resulta da análise das respectivas actas.

Questão Prévia:
Da extinção do Procedimento Criminal da Arguida Associação de Solidariedade Social “…..”:
Do teor da informação junta em audiência, designadamente da declaração junta a 14-10-2022 extrai-se que foi lavrado registo de cancelamento do registo da Associação de Solidariedade Social “…..”, em 2018.
Atendendo a que se demonstra nos autos ter já ocorrido o cancelamento do registo da arguida, julga-se, nos termos do disposto nos artigos. 127º nº 1 e 128º nº 1 do Código Penal, extinto o procedimento criminal no que respeita à arguida Associação de Solidariedade Social “…..”.
No decurso da audiência foi comunicada a possibilidade de se proceder a alteração não substancial dos factos descritos na acusação, nada tendo sido requerido.
Terminada a audiência de julgamento veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu:
a) Declarar extinto o procedimento criminal movido contra a arguida Associação de Solidariedade Social “…..” nos termos do artigo 127º do Código Penal;
b) Absolver a arguida (…..) da prática em co-autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT;
c) Absolver a arguida (…..) da prática em co-autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT;
d) Absolver a arguida (…..) da prática em co-autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT;
e) Absolver a arguida (…..) da prática em co-autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 3 do RGIT;
f) Condenar a arguida (…..) pela prática em co-autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87º, nº 1 do RGIT na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete euros), perfazendo um total de € 1.400,00 (mil e quatrocentos euros);
g) Condenar a arguida (…..) pela prática em co-autoria material de um crime de burla tributária, previsto e punido pelo artigo 87º, nºs 1 e 2 do RGIT na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, condicionada ao pagamento, no prazo da suspensão, do valor de € 6.100,42 (seis mil, cem euros e quarenta e dois cêntimos) à Segurança Social.
Desta sentença o lesado “Instituto da Segurança Social, I.P.”, veio a interpor recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
A. Vem o presente Recurso da omissão de notificação do despacho de acusação em violação do disposto no nº 2 do artigo 77º e no nº 5 do artigo 283º do CPP, a qual determinou que o recorrente não pudesse atempadamente deduzir o pedido de indemnização, pois que não sendo ainda parte civil no processo não podia ter conhecimento da data em que ao arguido foi notificado o despacho de acusação, já que o pedido de indemnização seria a sua primeira intervenção processual.
B. A aplicabilidade plena da norma jurídica contida no nº 2 do artigo 75º e nº 2 do artigo 77º do CPP só será alcançada se a respetiva interpretação considerar que a intenção do legislador, não poderia ser outra senão a de conferir uma proteção e confiança ampliadas ao lesado que se tiver manifestado relativamente à dedução do pedido de indemnização.
C. Para que a partir dessa notificação possa com certeza e segurança jurídicas calcular o prazo de que dispõe para deduzir o pedido de indemnização.
D. Vem também o presente recurso da omissão da notificação do despacho que indeferiu o pedido de indemnização civil, em clara violação do disposto no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e nº 2 do artigo 219º do Código do Processo Civil aplicável “ex vi” por força do disposto no artigo 4º do CPP.
E. Demonstra-se assim preterida formalidade legal essencial e violação do princípio da equidade processual previsto no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
F. Pelo que deveria o Meritíssimo Juiz “a quo” em sede de sentença, ter-se pronunciado relativamente ao pedido de indemnização civil, de modo a que o recorrente pudesse então ter tomado conhecimento da decisão proferida sobre este assunto.
G. Destarte, não tendo o lesado aqui recorrente sido notificado de nenhuma das decisões que o afetaram nos seus direitos, tal omissão gera a nulidade da sentença proferida, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 379º do CPP.
Termos em que, no provimento deste Recurso deve revogar-se a decisão recorrida, seguindo o processo os ulteriores termos legais.
Com o que se fará Justiça.

Inconformada com a sentença condenatória a arguida (…..) da mesma interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
A. A recorrente foi condenada pela prática de um crime de burla tributária p.p. pelo artigo 87º nºs 1 e 2 do RGIT na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 anos e 6 meses, condicionada ao pagamento, no prazo da suspensão, do valor de 6.100,42 € à Segurança Social
B. Discorda a recorrente da medida da pena principal e da pena de substituição que lhe foi aplicada.
C. A medida da pena deve ser determinada em função da culpa do agente e das necessidades de prevenção.
D. No caso concreto as exigências de prevenção geral apesar de poderem ser tidas como elevadas são-no de uma forma moderada, sendo que as exigências de prevenção especial são muito reduzidas.
E. Para a determinação da medida da pena deve ainda o Tribunal considerar todas as circunstâncias que não fazendo parte do crime, possam resultar a favor ou contra o agente.
F. A arguida não tem antecedentes criminais de qualquer espécie, confessou os factos, foi ela própria que denunciou a situação à segurança social, não obteve para si qualquer benefício patrimonial.
G. O valor do benefício indevidamente obtido para a Associação de Solidariedade Social (…..) (6.100,42 €) situa-se muito próximo do limiar mínimo da moldura penal prevista para o crime de burla tributária previsto e punido pelo artigo 87º nº 2 do RGIT.
H. Nessa medida, em obediência aos critérios da adequação e proporcionalidade, também a medida da pena concreta se deverá situar muito próximo do limite mínimo da moldura penal aplicável.
I. Em função das circunstâncias do ilícito, e das que não fazendo parte do tipo crime resultam a favor e contra a arguida e da culpa desta, a pena de prisão de um ano e nove meses, peca por excessiva, desadequada e desproporcionada.
J. Com a medida da pena concretamente aplicada à arguida, o Tribunal “a quo” violou o artigo o artigo 71º do Código Penal, uma vez que não valorou de forma igual os factores que pesam contra e a favor da arguida, dando maior valoração aos factores que resultam contra a mesma.
K. Deve por isso a pena principal ser reduzida para uma pena de prisão não superior a um ano e dois meses de prisão.
L. Em relação à pena de substituição, com o devido respeito, entende à arguida que a mesma não foi devidamente ponderada pelo Tribunal “a quo”
M. As penas de substituição não são todas iguais, tem diferentes graduações e estão relacionadas com a pena principal.
N. A prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena de substituição intermédia entre a multa e a suspensão da execução da pena de prisão.
O. “In casu” não se vislumbram fundamentos para afastar a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena principal.
P. O facto de a arguida estar a trabalhar não constitui motivo impeditivo para a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade.
Q. Por outro lado, a pena principal aplicada foi inferior a dois anos de prisão, as finalidades da punição e as necessidades de prevenção geral e especial não são beliscadas com a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade
R. O Tribunal “a quo” não ponderou, como devia, se a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade era suficiente para garantir as finalidades da punição por referência à suspensão de execução da pena de prisão.
S. A arguida nunca foi questionada no sentido de saber se dava, ou não, a sua concordância a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade, o que só por si demonstra que o Tribunal “a quo” não chegou seriamente a ponderar essa hipótese.
T. Caso tivesse sido questionada nesse sentido, teria manifestado a sua concordância, o que expressamente faz agora.
U. A pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade apresenta-se como apta, suficiente e adequada a garantir as finalidades da punição e através delas, a confiança na norma violada e a protecção do bem jurídico.
V. Ao não ponderar devidamente a aplicação da pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade o Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 58º nº 1 do Código Penal
W. Do mesmo modo, violou o Tribunal “a quo” os princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade de da proibição do excesso.
X. Ao substituir a pena principal pela suspensão dessa mesma pena, sem a devida ponderação comparativamente à pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, o Tribunal “a quo” violou ainda o princípio da igualdade.
Y. Efectivamente com a decisão tomada relativamente à pena de substituição, o Tribunal “a quo” colocou as arguidas condenadas numa posição de desigualdade, desfavorece claramente a aqui recorrente em relação à arguida Rosa Matias, uma vez que desobriga esta de qualquer pagamento à Segurança Social e impõe a aqui recorrente o pagamento da quantia de 6.100,42 € como condição para a suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada.
Termos em que e nos melhores de direito, sempre com mui douto suprimento de V. Exas. Venerandos Desembargadores, nos termos do artigo 58º nº 1 do Código Penal, deverá a douta sentença recorrida ser substituída por outra que, determine como pena principal uma pena de prisão não superior a um ano e dois meses, substituída por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
Assim se fazendo Justiça.


Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 413º, do Código de Processo Penal, o Ministério Público respondeu aos recursos, pronunciando-se no sentido da sua improcedência, (transcrição):

- Recurso do “Instituto da Segurança Social I.P.”:
A. Veio o lesado Instituto da Segurança Social, I.P., interpor recurso, para o Tribunal da Relação de Évora, sobre a omissão de notificação do despacho de acusação em violação do disposto no nº 2 do artigo 77º e nº 5 do artigo 283º do CPP, a qual determinou que o recorrente não pudesse atempadamente deduzir o pedido de indemnização, pois que não sendo ainda parte civil no processo não podia ter conhecimento da data em que ao arguido foi notificado o despacho de acusação, já que o pedido de indemnização seria a sua primeira intervenção processual.
B. Vem também recorrer da omissão da notificação do despacho que indeferiu o pedido de indemnização civil, em clara violação do disposto no nº 4 do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa e nº 2 do artigo 219º do Código do Processo Civil aplicável “ex vi” por força do disposto no artigo 4º do CPP..
C. Não pode o Ministério Público concordar com as conclusões apresentadas pelo Recorrente, porquanto, efetivamente o Instituto da Segurança Social, I.P., não foi notificado do despacho de acusação, acontece, porém, que a omissão dessa formalidade não tem os efeitos jurídicos pretendidos – a revogação da decisão recorrida (Sentença).
Vejamos, é que sobre esta matéria fazemos nossas as palavras do Ac. do TRE, de 30-10-2007, disponível em http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/6CA520B9751D232F80257DE100574B9D:
D. O pedido de indemnização civil pode ser deduzido pelo lesado desde o início do inquérito até ao fim do prazo referido e demarcado pelo artigo 77º do CPP.
E. O nº 3 do artigo 77º do Código de Processo Penal visa, em última instância, permitir ao lesado, menos diligente, que não manifestou nos autos, no decurso do inquérito, o propósito de deduzir pedido cível, ou que não foi notificado nos termos do nº 2 do mesmo preceito, ainda que devesse sê-lo, para ser ressarcido, no âmbito do processo penal, dos prejuízos sofridos com o crime.
F. A falta de notificação da acusação ao lesado (não constituído assistente) não constitui nulidade, sanável ou insanável, como resulta do disposto nos artigos 118º, nº 1, e 119º do Código de Processo Penal, uma vez que não se encontra elencada no nº 2, do artigo 120º do mesmo diploma, nem como tal prevista em qualquer outra disposição legal. Tal omissão só constituiria nulidade insanável se fosse designada como tal por disposição expressa (artigo 119º do Código de Processo Penal)
G. Não constituindo nulidade só poderia constituir uma irregularidade processual, nos termos do artigo 123º, nº 1, do Código de Processo Penal e, por isso dependente de arguição, que não foi feita em devido tempo.
H. E também não é caso de suprimento oficioso da mesma, pois que tal irregularidade não só não afeta a validade intrínseca do ato (ou seja, daquela mesma Acusação), como não afeta os atos posteriores ou os direitos processuais do Recorrente, nos exatos termos pretendidos (a dedução de pedido cível), pelo que não pode ser oficiosamente conhecida (artigo 123º nº 2, do Código de Processo Penal):
I. Perante a omissão de notificação da acusação pública ao lesado e uma vez ultrapassado o prazo prevenido no nº 3 do artigo 77º do Código de Processo Penal, aquele apenas poderá recorrer ao foro cível para ressarcimento dos danos emergentes da prática do crime, de harmonia com o disposto no artigo 72º, nº 1, alínea i), do Código de Processo Penal.
J. Fica também prejudicada a pretensão do Recorrente respeitante à omissão da notificação do despacho que indeferiu o pedido de indemnização civil, é que o Recorrente pode recorrer ao foro cível para dirimir a questão da indemnização civil decorrente da prática do crime.
Nestes termos, não deve ser dado provimento ao Recurso interposto pelo Recorrente, Instituto da Segurança Social, I.P., devendo ser mantida na íntegra a Sentença proferida nos presentes autos.

- Recurso da arguida (…..):
1. A Sentença proferida a 14-10-2022, nos autos em epígrafe, condenou a arguida (…..), pela prática, como coautora material, na forma consumada de 1 (um) crime burla tributária, p. e p. pelo artigo 87º, nºs 1 e 2, do RGIT. na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, condicionada ao pagamento, no prazo da suspensão, do valor de € 6.100,42 (seis mil, cem euros e quarenta e dois cêntimos) à Segurança Social.
2. Inconformada com a condenação, a arguida (…..) interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Évora, apresentando, em síntese, as seguintes conclusões:
a) Da impugnação da matéria de direito:
i. Entende a Recorrente que a medida concreta da pena é manifestamente excessiva, tendo em conta o grau de ilicitude, a intensidade do dolo, as exigências da prevenção geral e especial, e considera que as necessidades de prevenção geral são moderadas, e as necessidades de prevenção especial são diminutas, pelo que o tribunal a quo violou o artigo 71º do Código Penal (cfr. - Conclusões dos pontos A. a K. do recurso interposto pela recorrente).
ii. Entende ainda a Recorrente que a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade é uma pena de substituição intermédia entre a multa e a suspensão da execução da pena de prisão e que não se vislumbram fundamentos para afastar a aplicação da prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena principal. Ao não aplicar à arguida a pena de substituição de trabalho a favor da comunidade o Tribunal a quo violou o artigo 58º, nº 1, do Código Penal (cfr. - Conclusões dos pontos L. a V. do recurso interposto pela recorrente).
iii. Que o Tribunal a quo os princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e da proibição do excesso, e violando também o princípio da igualdade da medida em que não ponderou a aplicação de pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade (cfr. - Conclusões dos pontos W. e X. do recurso interposto pela recorrente)
Pelo exposto, a Recorrente requereu que o recurso fosse procedente e que fosse substituída a sentença por outra que, determinasse a aplicação de uma pena de prisão não superior a um ano e dois meses e a sua substituição por uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade.
3. Não pode o Ministério Público concordar com as conclusões dos pontos A. a K. do recurso interposto pela recorrente, porquanto, em face dos factos dados como provados e não impugnados, das circunstâncias do caso, o Mmo. Juiz a quo observou todas as disposições legais aplicáveis ao critério de escolha da medida da pena.
Vejamos,
4. Pela prevenção geral (positiva) faz-se apelo à consciencialização geral da importância social do bem jurídico tutelado e ao restabelecimento ou revigoramento da confiança da comunidade na efetiva tutela penal dos bens tutelados.
5. Com a prevenção especial, pretende-se a ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva) e a dissuasão da prática de futuros crimes (prevenção especial negativa) – veja-se a este propósito a título meramente exemplificativo, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10-03-2010, in www.dgsi.pt.
6. Por outras palavras, o modelo de determinação da medida da pena que melhor combina os critérios da culpa e da prevenção é aquele que comete:
a) À culpa (corolário do princípio da legalidade enunciado no artigo 1º, do Código Penal e à dignidade da pessoa humana) a função - única, mas nem por isso menos decisiva - de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena;
b) À prevenção geral, a função de fornecer uma “moldura de prevenção”, cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (traduzido na necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada, no restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime);
c) À prevenção especial, a função de encontrar o quantum exato de pena, dentro da referida “moldura de prevenção”, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente - Veja-se, neste sentido, o Ac. STJ de 15-02-2012.
7. No que concerne à determinação da medida das penas concretamente a aplicar aos arguidos, nos termos do disposto no artigo 71º, nº 1, do CP, será feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção geral e especial, e nos termos do nº 2 do mesmo artigo, deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do elemento do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele.
8. Constituindo a culpa o limite inultrapassável da medida da pena (artigo 40º, nº 2, do Código Penal), e decorrendo o seu limite mínimo de considerações ligadas à prevenção geral, a medida exata da pena será fruto das exigências de prevenção especial.
9. O Tribunal a quo ponderou:
“Circunstâncias comuns às arguidas:
- O grau de ilicitude dos factos praticados – elevado, comunicando pelo menos um utente fictício;
- A intensidade do dolo – directo;
- A ausência de antecedentes criminais averbados ao certificado de registo criminal.
- As exigências de prevenção geral – elevadas, considerando a necessidade de garantir uma correcta utilização dos dinheiros públicos.
- As arguidas encontram-se social, profissional e familiarmente inseridas;
- O benefício foi em prol da Associação que prossegue fins de solidariedade social:
(…)
Específicas da arguida (…..):
- O concreto montante encontra-se muito próximo do limiar da agravação, isto é, pouco superior.
- A arguida confessou os factos.
- A arguida denunciou a situação junto da Segurança Social.
- A arguida exercia profissão remunerada na associação.”.
10. Entendemos que o Tribunal a quo teve em consideração todos os fatores (culpa, prevenção geral e especial, e a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do elemento do tipo de crime, depunham a favor da agente ou contra ela, e condenou a arguida (…..) pela prática em coautoria material de um crime de burla tributária, p.p. pelo artigo 87º, nºs 1 e 2 do RGIT, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, condicionada ao pagamento, no prazo da suspensão, do valor de € 6.100,42 (seis mil, cem euros e quarenta e dois cêntimos) à Segurança Social.
11. Note-se que este tipo de crime em abstrato é punível com uma pena de prisão de 1 a 5 anos, situando-se a pena aplicada abaixo do limite médio, tendo em conta como é sabido as necessidades de prevenção geral neste tipo de crime é elevada, uma vez que este tipo de crime é cada vez mais frequente nesta Comarca, assim como a nível nacional, havendo, portanto, uma necessidade da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada, e o dolo é direto, daí que a punição se afaste do seu limite mínimo.
12. Assim, entendemos que o Tribunal a quo cumpriu todos os preceitos para a aplicação da pena à arguida, não assistindo, nesta parte, razão à Recorrente.
13. No que toca às conclusões dos pontos L. a V. do recurso interposto pela recorrente, nas quais vem alegar que não existem fundamentos para afastar a prestação de trabalho a favor da comunidade em substituição da pena principal e por isso o Tribunal a quo violou o artigo 58º, nº 1, do Código Penal, também não assiste razão à Recorrente, vejamos:
14. O artigo 14º, do RGIT, que sob a epigrafe “Suspensão da execução da pena de prisão”, que dispõe no seu nº 1, que: “A suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.”
15. Entendemos que bem andou o Mmo. Juiz do Tribunal a quo na medida em que cumpriu todos os requisitos legais em vigor no ordenamento jurídico, designadamente no artigo 14º do RGIT.
16. Perante o circunstancialismo apurado mostra-se ajustada e adequada a suspensão da execução da pena de prisão aplicada à arguida/recorrente, pelo período respetivo, condicionada ao pagamento, do montante das vantagens indevidamente obtidas.
17. Entendemos também que a substituição da pena de prisão imposta por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade, nos termos do artigo 58.º do Código Penal, não realizava de forma adequada e suficiente as necessidades de punição, neste caso (atenta a natureza do crime cometido pela arguida/recorrente, a forma como foi executado e o que se apurou em audiência de julgamento, designadamente, tendo em atenção que trabalha como assistente de ação direta, onde aufere um salário mensal de cerca de 657,00€), razão pela qual sempre se impunha a preferência por aquela outra que lhe foi aplicada com a finalidade de repor os benefícios indevidamente obtidos, que no caso em apreço se mostra possível.
18. Pelo exposto, entendemos que o Tribunal a quo cumpriu todos os preceitos legais para a substituição da pena a que a arguida/recorrente foi condenada, não assistindo, nesta parte, razão à Recorrente.
19. Por último e no que toca às conclusões dos pontos W. e X. do recurso interposto pela recorrente, e nas quais alega que o Tribunal a quo violou os princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e da proibição do excesso, e violando também o princípio da igualdade da medida em que não ponderou a aplicação de pena de substituição de prestação de trabalho a favor da comunidade, também não lhe assiste qualquer razão.
20. É que o princípio da proporcionalidade tem inscrito uma função de controlo que emerge sempre que a proteção de interesses públicos possa entrar em conflito com os direitos fundamentais e liberdades públicas dos cidadãos, o que no âmbito penal ocorre com frequência.
21. Nele se integram uma série de postulados que são uma evidente derivação do respeito do bem liberdade e da assunção de um critério democrático de conformação do direito que apresentam a matriz de outros princípios como o de exclusiva proteção de bens jurídicos ou de mínima intervenção.
22. Para Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 392 e ss., sob a temática do princípio da proporcionalidade referem que importa distinguir os requisitos da idoneidade, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. Estas três exigências são requisitos intrínsecos de toda a medida processual restritiva de direitos fundamentais e exigíveis, tanto no momento da sua previsão pelo legislador, como na sua aplicação prática.
23. O respeito pelo princípio da idoneidade exige que as limitações dos direitos fundamentais antecipadas pela lei estejam adaptadas aos fins legítimos a que se dirigem e que as mesmas sejam adequadas à prossecução das finalidades em função da sua adequação quantitativa e qualitativa e de seu espaço de aplicação subjetivo.
24. Significa isto que o juízo sobre a idoneidade não se esgota na comprovação da aptidão abstrata de uma medida determinada para conseguir determinado objetivo, nem na adequação objetiva da mesma, tendo em consideração as circunstâncias concretas, mas também requer o respeito pelo princípio da idoneidade a forma concreta e ajustada como é aplicada a medida para que não se persiga uma finalidade diferente da antecipada pela lei.
25. Pelo exposto, entendemos que o Tribunal a quo se limitou a aplicar a legislação em vigor aplicando de forma correta o já citado artigo 14º do RGIT, o qual determina que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos.
26. Assim o Tribunal a quo não violou os princípios constitucionais da necessidade, proporcionalidade e da proibição do excesso, nem o princípio da igualdade, não assistindo, nesta parte, razão à Recorrente/arguida.
Nestes termos, não deve ser dado provimento ao Recurso interposto pela arguida, devendo ser mantida na íntegra a decisão que a condenou.

Neste Tribunal da Relação de Évora, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência dos recursos interpostos.

Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o lesado e a arguida apresentado qualquer resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -

Na sentença recorrida consta o seguinte (transcrição):

De relevante para a decisão da causa, excluindo-se factos conclusivos e matéria de direito ou que correspondam a meios de prova, resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. A arguida Associação de Solidariedade Social “…..” é uma IPSS registada na Direcção Geral de Segurança Social, cujo registo de alteração dos estatutos foi lavrado pelo averbamento nº 2, à inscrição nº 73/00, a fls. 72 do Livro nº 8 das Associações de Solidariedade Social, considerando-se efectuado em 01-08-2011.
2. Os órgãos sociais da Associação referida em 1, nos termos estatutários, são constituídos por uma Assembleia Geral, um Conselho Fiscal e uma Direcção.
3. A arguida Associação de Solidariedade Social “…..” tinha, no período que se narrará infra, um Acordo de Cooperação na resposta social de Apoio Domiciliário, de ora em diante designado SAD, datado de 28-10-2011, pelo qual se obrigou a prestar serviços que satisfizessem as necessidades básicas dos utentes mediante o pagamento pontual e regular de comparticipações a efectuar pelo Centro Distrital de Beja.
4. A referida resposta social tinha uma capacidade definida para 40 utentes, dos quais 20 estariam abrangidos pelo acordo.
5. A arguida (…..) presidiu e representou a Associação arguida entre 2011 até 20 de Agosto de 2015.
6. A arguida (…..) presidiu e representou a Associação arguida entre 20 de Agosto de 2015 e 2018.
7. A arguida (…..) foi vice-presidente da Associação arguida entre 20 de Agosto de 2015 e 2018.
8. A arguida (…..) foi diretora técnica da instituição no período compreendido entre 1 de Março de 2013 e 28 de Fevereiro de 2016.
9. Por motivos relacionados com dificuldades económicas da Associação arguida, e bem sabendo que a subsistência económica da mesma estava absolutamente dependente do pagamento da participação da Segurança Social, as arguidas (…..), em comunhão de esforços e vontades gizaram um plano que consistia no envio de listagens e inserção na plataforma da Segurança Social de um número de utentes superior aos que usufruíam do serviço, com o propósito de que a Segurança Social pagasse a respectiva comparticipação, a que sabiam não ter direito.
10. De acordo com a divisão de tarefas, (…..) inseria, com o acordo de (…..), na plataforma informática disponibilizada para o efeito, a qual, pela natureza das suas funções, tinha perfeito conhecimento do número de utentes que efectivamente beneficiavam do serviço, e quais os que poderiam ser declarados para efeitos de pagamento da prestação por parte da Segurança Social.
11. Assim, no período compreendido entre Janeiro de 2014 e Janeiro de 2016, a Associação prestou o referido serviço a um número de utentes não concretamente apurado, mas inferior, pelo menos em um utente, ao número de utentes comunicados, sendo certo que, e de acordo com o registo efectuado pela arguida (…..) na aplicação o Instituto de Segurança Social, Centro Distrital de Segurança Social de Beja, procedeu ao pagamento pelos serviços prestados a um número mais elevado de utentes, a saber:
– Quadros constantes da decisão recorrida que se dão aqui por reproduzidos.
12. As discrepâncias entre os utentes que efectivamente beneficiaram e o seu pagamento pela Segurança Social, e os que foram declarados pela Associação arguida, deram origem ao pagamento indevido de comparticipações por parte da Segurança Social no montante de, pelo menos, de € 6.100,42 (seis mil, cem euros e quarenta e dois cêntimos).
13. As arguidas (…..) sabiam quais eram os utentes que beneficiavam do serviço e quais os que reuniam os pressupostos para o pagamento da comparticipação da segurança social.
14. Não obstante, em comunhão de esforços e vontades e execução de um plano, (…..), nos períodos referidos supra, decidiram elaborar listas e inserir as mesmas na plataforma da Segurança Social com informações falsas, inserindo e declarando que prestavam serviço a um número superior de utentes, para a prática de atribuições patrimoniais por parte da Segurança Social, facto que sabiam ser falso.
15. Conseguiram assim obter, para a Associação, um benefício patrimonial ilegítimo no valor de, pelo menos, € 6.100,42 (seis mil, cem euros e quarenta e dois cêntimos).
16. As arguidas (…..) agiram livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal.
17. Desde a sua admissão que a Directora Técnica, (…..), se dedicava à organização do SAD, procedendo à admissão, efectuando as visitas domiciliárias, e organizando e mantendo actualizado todo o processo individual dos utentes, sendo ainda de sua responsabilidade efectuar as comunicações mensais ao Centro Distrital de Segurança Social com a listagem dos utentes beneficiários desta valência.
18. Desde o ano de 2014 que a arguida (…..) padece de depressão.
19. Do acordo de cooperação de serviço de apoio domiciliário datado de 28 de Outubro de 2011, subscrito por (…..), em representação da Associação e o Instituto de Segurança Social, IP/Centro Distrital de Beja consta, entre o mais:
a. Cláusula II (Finalidade) 1. O serviço de Apoio Domiciliário enquadra-se nos seguintes fins estatutários da instituição: artigo 3º “Para a realização dos seus objectivos, a associação propõe-se criar e manter as valências de: a) Apoio Domiciliário; b) Centro de Dia; c) Lar de Idosos; d) Centro de Convívio; e) Actividades dos tempos livres (A.T.L.)” // 2. O Serviço de Apoio Domiciliário presta serviços e desenvolve actividades visando especialmente: a) Contribuir para a melhoria da qualidade de vida dos indivíduos e famílias; b) Garantir a prestação de cuidados de ordem física e apoio psicossocial a indivíduos e famílias, de modo a contribuir para o seu equilíbrio e bem-estar; c) Apoiar os indivíduos e famílias na satisfação das necessidades básicas e actividades da vida diária; d) Criar condições que permitam preservar e incentivar as relações inter-familiares; e) Colaborar e/ou assegurar o acesso à prestação de cuidados de saúde; f) Contribuir para retardar ou evitar a institucionalização; g) Prevenir situações de dependência, promovendo a autonomia.
b. Cláusula VII (Obrigações da Instituição) 1. A instituição obriga-se a: a) Garantir o bom funcionamento da reposta social, assegurar o bem-estar e a segurança dos utilizadores no respeito pela sua individualidade; b) Assegurar uma estrutura de recursos humanos qualitativa e quantitativamente adequada ao normal desenvolvimento das actividades, respeitando, no mínimo, os rácios de pessoal constantes da cláusula X do presente acordo; c) Promover e enquadrar a participação de voluntários devidamente formados nas actividades da resposta social; d) Dispor de Regulamento Interno de funcionamento da resposta social; e) Planificar anualmente as actividades a desenvolver pela resposta social; f) Organizar um processo individual do utente; g) Afixar em local visível o nome do Director Técnico, e outra documentação exigível pela legislação/normativos em vigor; h) Proceder ao envio obrigatório das respectivas contas anuais, para aposição do competente visto; i) Celebrar, por escrito, contratos de prestação de serviços com os utentes ou seus representantes legais; j) Fornecer ao Centro Distrital informações e outros dados, designadamente de natureza estatística e, em especial, as alterações de frequência dos utentes, em conformidade com a orientação Técnica divulgada através da Circular nº 6, de 06.04.2004 da Direcção-Geral de Solidariedade e Segurança Social; k) Ter em consideração as orientações normativas emanadas pelos serviços competentes do ministério da tutela, em matéria de recursos humanos e ainda no que respeita à comparticipação dos utentes e famílias pela utilização dos equipamentos e serviços; l) Facultar, quando para tal for solicitado pelo Centro Distrital, o acesso na própria Instituição, aos elementos relativos à situação sócio-económica dos utentes e famílias; m) Colaborar com o Centro Distrital e com outras instituições e organismos tendo em vista o desenvolvimento de actividades de interesse comum e o melhor aproveitamento de recursos humanos e materiais disponíveis; n) Avaliar o funcionamento da resposta social decorridos, no máximo, 3 anos da celebração do presente acordo, sem prejuízo de serem efectuadas avaliações sistemáticas do desenvolvimento das actividades.
20. As arguidas não têm qualquer antecedente criminal averbado aos seus certificados de registo criminal.
21. A arguida (…..) denunciou os factos à Segurança Social.
- Das condições socioeconómicas da arguida (…..):
22. A arguida é professora.
23. Aufere mensalmente cerca de € 1.000,00 líquidos.
24. Vive em casa de um familiar, sozinha.
25. Tem um filho com 23 anos, que se encontra a completar os seus estudos, ao qual comparticipa nas despesas em cerca de € 200,00 mensais.
26. Despende para pagamento parcial da mensalidade do lar onde o seu pai se encontra internado em cerca de € 200,00.
27. Despende em medicação e consultas de psicologia para o seu filho cerca de € 100,00 mensalmente.
28. Completou o Mestrado em Ciência da Educação.
- Das condições socioeconómicas da arguida (…..):
29. A arguida é ajudante de acção directa.
30. Aufere mensalmente € 657,00.
31. Vive com os seus pais, em casa própria destes.
32. Não contribui para as despesas domésticas.
33. Completou o 12º ano de escolaridade.
34. Frequentou o curso de Estudos Portugueses e Gestão Turística.
- Das condições socioeconómicas da arguida (…..):
35. A arguida é cozinheira.
36. Aufere mensalmente € 800,00.
37. Vive em casa própria com o seu marido.
38. O seu marido aufere rendimento.
39. Tem um filho maior de idade.
40. Despende em medicação cerca de € 30,00 mensais.
41. Completou o 12º ano de escolaridade.
- Das condições socioeconómicas da arguida (…..):
42. A arguida é assistente de call center.
43. Aufere mensalmente € 700,00.
44. Vive em casa dos seus pais, com estes.
45. Despende mensalmente num crédito pessoal € 200,00.
46. Despende mensalmente num crédito automóvel a quantia de € 170,00.
47. É licenciada em Serviço Social.
- Das condições socioeconómicas da arguida Associação de Solidariedade Social “…..”:
48. A arguida encontra-se sem qualquer actividade.

(…………………………………………………)

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código e, as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).
No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões que se suscitam são as seguintes:
- Recurso do “Instituto da Segurança Social I.P.”:
- Nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por omissão de notificação do despacho de acusação, nos termos do disposto no artigo 77º, nº 2 e 283º, nº 5, do Código de Processo Penal.
- Nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por omissão de notificação do despacho que indeferiu o pedido civil deduzido, artigo 28º. Nº 3, da Constituição da República Portuguesa, 219º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 4º, do Código de Processo Penal.
- Recurso da arguida (…..):
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à medida da pena aplicada.
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à pena de substituição aplicada, porquanto deveria ser a prestação de trabalho a favor da comunidade, artigo 58º, do Código de Processo Penal.

- Da nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por omissão de notificação do despacho de acusação, nos termos do disposto no artigo 77º, nº 2 e 283º, nº 5, do Código de Processo Penal.
Vem o “Instituto da Segurança Social”, arguir a nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº alínea c), por omissão de pronúncia sobre a omissão da notificação da acusação ao lesado Instituto da Segurança Social, para nos termos do disposto nos artigos 283º, nº 5 e 77º, nº 2, do Código de Processo Penal, deduzir pedido civil.
O artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, estatui que é nula a sentença “quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.
Efectivamente resulta dos autos, que o lesado “Instituto da Segurança Social I.P.”, não foi notificado da acusação para deduzir querendo pedido civil, nos termos do disposto no artigo 77º nº 2, do Código de Processo Penal, contudo tal ausência de notificação não consubstancia uma nulidade sanável ou insanável, porquanto no processo penal estas são típicas – artigo 118º, nº 1, do Código de Processo Penal e, a referida falta de notificação da acusação ao lesado, não é considerada como nulidade em qualquer preceito legal.
Então esta omissão consubstancia uma mera irregularidade, artigo 118º, nº 2, do Código de Processo Penal, que devia ter sido arguida perante o tribunal de 1ª instância no prazo e termos do artigo 123º, do mesmo diploma legal estando vedado a este Tribunal da Relação o seu conhecimento, pois, como refere Germano Marques da Silva, em Curso de Processo Penal, vol. II, 3ª edição, Editorial Verbo, 2002, pág. 89, “ainda antes da arguição e mesmo que a irregularidade não seja arguida, pode oficiosamente ser reparada ou mandada reparar pela autoridade judiciária competente para aquele acto enquanto mantiver o domínio dessa fase do processo” e, aliás, “mal se perceberia que, sendo a irregularidade o menos relevante dos vícios processuais, tivesse um regime mais devastador do que as nulidades relativas estas, se não forem arguidas no prazo de 10 dias, ficam sempre definitivamente sanadas – artigos 120º e 105º, nº 1 do Código de Processo Penal” – cfr. Ac. R. de Guimarães de 21-11-2005, Proc. nº 1877/05-1, disponível em www.dgsi.pt.
Não tendo o ora recorrente invocado, atempadamente e perante o tribunal “a quo” (que praticou o acto em causa e o competente para reparar o vício) a falta de notificação da acusação para a dedução de pedido civil, na acção penal, sempre tal irregularidade estará sanada.
Assim, pelo exposto, não se reconhece a nulidade da sentença, por alegada omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº1, al. c), do Código de Processo Penal, improcedendo nesta parte o recurso interposto.

- Da nulidade da sentença proferida nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, por omissão de notificação do despacho que indeferiu o pedido civil deduzido, artigo 20º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, 219º, nº 2, do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do artigo 4º, do Código de Processo Penal.
Resulta do disposto no artigo 20º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa, que “todos têm direito, nos termos da lei, à informação e consulta jurídicas, ao patrocínio judiciário e a fazer-se acompanhar por advogado perante qualquer autoridade”.
Por outro lado, consta do artigo 219º, nº 2, do Código de Processo Civil, que: “a notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto”.
Desde já, cumpre em dar por reproduzido tudo o suprarreferido sobre a nulidade constante do artigo 379º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Penal, constituindo também a falta de notificação do despacho judicial de 28-01-2022, que rejeitou o pedido civil deduzido em 21-01-2022 pelo “Instituto da Segurança Social I.P.” por tal pedido ser manifestamente extemporâneo, uma mera irregularidade sanada pelo decurso do prazo para a sua arguição.
Pois não consubstancia uma nulidade insanável ou sanável, nos termos do disposto nos artigos 119º, 120º e 121º, nº 3, do Código de Processo Penal ou em qualquer outra disposição legal.
Por outro lado, não se verifica no caso qualquer inconstitucionalidade por violação do disposto no artigo 20º, nº 3, da Constituição da República Portuguesa, pois a invocada falta de notificação não retira qualquer direito ou exercício de qualquer direito ao recorrente, pois sempre poderá recorrer à jurisdição cível para dirimir a questão da indemnização civil decorrente da prática do crime.
Assim, pelo exposto, também neste caso não se reconhece a nulidade da sentença, por alegada omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379º, nº1, al. c), do Código de Processo Penal, improcedendo também nesta parte o recurso interposto.
Por tudo exposto improcede na sua globalidade o recurso interposto pelo “Instituto da Segurança Social I.P.”

A alteração da factualidade assente na 1ª instância poderá ocorrer pela verificação de algum dos vícios a que aludem as alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova – cfr. ainda artigo 431º, do citado diploma –, verificação que, como acima se deixou editado, se nos impõe oficiosamente.
Em comum aos três vícios, terá o vício que inquina a decisão em crise que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
Quer isto significar que não é possível o apelo a elementos estranhos à decisão, como por exemplo quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento, só sendo de ter em conta os vícios intrínsecos da própria decisão, considerada como peça autónoma – cfr. Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., pág. 871, Simas Santos e Leal-Henriques, “Recursos em Processo Penal”.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada invocado pelo recorrente, (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local citados, quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher.
Porventura, melhor dizendo, só se poderá falar em tal vício quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito e quando o tribunal deixou de investigar toda a matéria de facto com interesse para a decisão final”.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.
Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.”, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra e local mencionados.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.
Ou, dito de outro modo, há tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.” – cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, a mesma apreciou os factos aportados na acusação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Então do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum, não se perfila a existência de qualquer um dos vícios elencados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final, como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e de igual modo não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
Por outro lado, conceda-se, a decisão recorrida, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame criterioso, das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal “a quo” decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma objectiva e motivada e, portanto, capaz de se impor aos outros.
Em consequência, mantém-se e, sedimentada se mostra, a factualidade assente pelo Tribunal “a quo”, não se vislumbrando na decisão recorrida vício ou nulidade cujo conhecimento oficiosamente ou a requerimento se imponha a este Tribunal “ad quem”.
Por tal, não resulta existir qualquer dos vícios constantes do disposto no artigo 410º, nº 2, alíneas a), b) ou, c), do Código de Processo Penal, bem como não se mostra verificado qualquer nulidade da sentença, nos termos do disposto no artigo 379º, nº 1 e, nº 2, do mesmo Código ou nos termos dos artigos 410º, nº 3 e, 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, que não devam considerar-se sanadas.

Recurso da arguida (…..):

- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à medida da pena aplicada.
Importa desde logo ter presente (faz doutrina e jurisprudência de há muito sedimentadas) que, em sede de medida da pena, o recurso não deixa de reter o paradigma de remédio jurídico (na expressão de Cunha Rodrigues), no sentido de que a intervenção do tribunal de recurso, (também) neste particular, deve cingir-se à reparação de qualquer desrespeito, pelo tribunal recorrido, dos princípios e normatividade que definem e demarcam as operações de concretização da pena na moldura abstracta determinada na lei.
Vale por dizer que o exame da concreta medida da pena estabelecida na instância, suscitado pela via recursiva, deve aproximar-se desta, senão, quando haja de prevenir-se e emendar-se a fixação de um determinado “quantum” em derrogação dos princípios e regras pertinentes, cumprindo precaver (desde logo à míngua da imediação e da oralidade de que beneficiou o Tribunal “a quo”) qualquer abusiva fixação de uma concreta pena que não se revele congruente e proporcionada.
Os critérios, que devem presidir à quantificação das penas concretamente aplicáveis, são os estabelecidos pelo artigo 71º, do Código Penal, sob a epígrafe “Determinação da medida da pena”, estatui:
“1 – A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos pela lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do arguido ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 – Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena”.
O nº 1 do artigo 40º do Código Penal estabelece como finalidade da aplicação de penas a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, o nº 2 do mesmo normativo prescreve que em caso algum a pena ultrapasse a medida da culpa.
O momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Por outro lado, há que ter presente que um dos princípios a que obedece o Código Penal é o princípio da culpa, segundo o qual não pode haver pena sem culpa, nem pena superior à medida da culpa.
Sobre as finalidades da punição consignadas no artigo 40º, do Código Penal e sobre os critérios concretos a observar no doseamento da pena, apenas se dirá de forma resumida, reproduzindo Figueiredo Dias, em “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª ed., pág. 84, que “a pena concreta é limitada no seu máximo inultrapassável pela medida da culpa; dentro desse limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função das exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais”.
Postas estas considerações gerais, que devem estar presentes no juízo conducente às penas concretas e adequadas, o artigo 71º, nº 1, do Código Penal preceitua, na senda do citado artigo 40º, que a determinação concreta da pena, dentro dos limites legalmente definidos, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção e o nº 2 do mesmo artigo determina que o tribunal atenda a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor ou contra o agente, enumerando algumas a título exemplificativo, circunstâncias estas que nos darão a medida das exigências de prevenção em concreto a realizar porque indicadoras do grau de violação do valor em causa e da prognose de no futuro o agente se poder determinar com o respeito pelo valor penalmente protegido.
Resulta do disposto no artigo 87º, do RGIT:
“1 - Quem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias.
2 - Se a atribuição patrimonial for de valor elevado, a pena é a de prisão de 1 a 5 anos para as pessoas singulares e a de multa de 240 a 1200 dias para as pessoas colectivas.”.
Assim, neste caso concreto não tendo sido impugnado pelo recurso interposto, é pena de prisão de 1 (um) a 5 (cinco) anos.
Perante os pressupostos já enunciados, e o nível da ilicitude, deparamo-nos com um elevado desvalor da acção, atendendo ao circunstancialismo que rodearam a prática dos factos, nomeadamente pela apropriação indevida de recursos da Segurança Social, defraudando um património assistencial colectivo de apoio aos mais frágeis e indefesos da nossa sociedade, devendo acentuar-se as razões de prevenção em relação a tais condutas.
Analisadas tais circunstâncias das condutas em apreço e bem assim as que o Tribunal “a quo” enumerou, logo evidente se torna que o circunstancialismo em causa aponta para um limite mínimo ditado pela prevenção geral de integração acima do limite mínimo previsto na norma incriminadora, sob pena de insuficiente defesa do ordenamento jurídico.
E, à luz da prevenção especial que no caso não pode deixar de ter conteúdo negativo de intimidação individual, temos também um quadro que aponta para a necessidade de a pena também se situar acima do limite mínimo da medida abstracta legalmente prevista, atenta a personalidade da arguida, reflectida nos factos pela mesma praticados.
Resultando da sentença recorrida:
“Importa assim pesar as necessidades de prevenção geral positiva [elevadas, atenta a necessidade sentida pela comunidade numa distribuição justa e equitativa dos apoios sociais e de garantir o equilíbrio e património da Segurança Social] com as necessidades de prevenção especial positiva [reduzidas atendendo a que a arguida não tem nenhum um antecedente criminal averbado ao seu CRC], entendendo este Tribunal que uma pena de multa se mostra suficiente para acautelar as finalidades da punição.
Em segundo lugar há que proceder à determinação da medida da pena a aplicar dentro da moldura legal que, nos termos do art. 71º do Código Penal, deve obedecer aos critérios da culpa do agente e das exigências de prevenção.
Tal tem que ser conjugado com o art. 40º do Código Penal que prevê que as penas visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração social do agente, sendo que a pena não pode, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.
Tem o julgador que proceder à ponderação de qual o limiar mínimo para que a tutela dos bens jurídicos seja comunitariamente reintegrada. Por outro lado, a culpa do agente, revelada através da sua actuação na prática dos factos, surge como limite na pena concreta a aplicar.
Prevê o art. 71º, nº 2 do Código Penal que ainda se deve atender na determinação concreta da pena a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele. Todavia tais circunstâncias só podem ser valoradas uma vez, isto é, não o podem ser ao nível da tipicidade do crime e ao nível da culpa concomitantemente.
Nestes termos, importa proceder à ponderação dos factores relevantes para a determinação da medida concreta da pena, à luz do nº 2 do artigo 71º, importando ponderar, quanto ao crime de que as arguidas vão condenadas:
Circunstâncias comuns às arguidas:
- O grau de ilicitude dos factos praticados – elevado, comunicando pelo menos um utente fictício;
- A intensidade do dolo – directo;
- A ausência de antecedentes criminais averbados ao certificado de registo criminal.
- As exigências de prevenção geral – elevadas, considerando a necessidade de garantir uma correcta utilização dos dinheiros públicos.
- As arguidas encontram-se social, profissional e familiarmente inseridas;
- O beneficio foi em prol da Associação que prossegue fins de solidariedade social.
(…)
Específicas da arguida (….):
- O concreto montante encontra-se muito próximo do limiar da agravação, isto é, pouco superior.
- A arguida confessou os factos.
- A arguida denunciou a situação junto da Segurança Social.
- A arguida exercia profissão remunerada na associação.
(…)
No que se refere a (…..), atenta tal moldura penal, entende este Tribunal que ponderando conjuntamente as circunstâncias atrás referidas, as políticas de reinserção social e as exigências de prevenção quanto à prática de futuros crimes, tem-se por adequado aplicar à arguida Sara Nozes a pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão”.
Pelo exposto, no doseamento da pena de prisão aplicada, parece-nos que o Tribunal “a quo” ponderou devidamente as circunstâncias apuradas e as aludidas finalidades das penas, sendo que a pena fixada não ultrapassa a medida da culpa da arguida.
Todo o circunstancialismo que nos autos resulta provado, afastam liminarmente, qualquer possibilidade de diminuição da culpa da arguida, da ilicitude dos factos e, das necessidades de prevenção que resultam dos autos.
Ora, atentos os factos julgados provados, o bem jurídico protegido pela incriminação e, as circunstâncias indicadas na decisão recorrida, não se vislumbra na matéria sedimentado no Tribunal “a quo”, qualquer margem que permita afirmar que a medida da culpa da arguida foi excedida, afigurando-se a pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) de prisão, doseada em medida adequada aos factos apurados e ademais fixada com equilibrado critério.
Assim, o princípio moderador da culpa não se mostra beliscado com a pena de prisão fixada à arguida (…..).
Nestes termos, cremos que é de manter a pena aplicada pelo Tribunal “a quo”, à arguida, a qual não afronta os princípios da necessidade, proibição de excesso ou proporcionalidade das penas – cfr. artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa –, antes é adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico e não ultrapassa a medida da culpa da arguida.

- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, relativamente à pena de substituição aplicada, porquanto deveria ser a prestação de trabalho a favor da comunidade, artigo 58º, do Código de Processo Penal
Estipula o artigo 58º do Código Penal, de acordo com a sua atual redação:
“1 -Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir, nomeadamente em razão da idade do condenado, que se realizam, por este meio, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
2 - A prestação de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o tribunal considere de interesse para a comunidade.
(…)
5 - A pena de prestação de trabalho a favor da comunidade só pode ser aplicada com aceitação do condenado.
(…)
No caso exposto nos presentes autos, além de faltar um dos requisitos formais da aplicação de tal pena de substituição – o consentimento da arguida –, também falta o pressuposto material.
Este último consiste no facto de tal pena se revelar adequada e suficiente à realização das finalidades da punição, ou seja, suscetível de facilitar – e, no limite, alcançar – a socialização do condenado, sem se mostrar incompatível com exigências mínimas de prevenção e integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico. (Figueiredo Dias, ob. cit. p. 378, § 588).
No presente caso dos autos, a pena de substituição em causa não se revela adequada à realização das finalidades da punição, dado que não é a inatividade da arguida o motivo impulsionador da prática do crime, pois a arguida encontra-se a trabalhar, mas a sua incapacidade no caso concreto, de conformar o seu comportamento de acordo com a lei.
Como aliás resulta explicito da sentença recorrida:
“No caso em apreço entende-se que a substituição da pena de prisão aplicada à arguida (…..) por prestação de trabalho a favor da comunidade não é adequada face às circunstâncias do ilícito bem como a arguida se encontrar a exercer profissão”.
É hoje entendimento largamente dominante que se impõe ao juiz o dever de fundamentar especificamente quer a concessão, quer a denegação da suspensão, pese embora o nº 4 do artigo 50º, do Código Penal, apenas fale em dever de fundamentação no caso de concessão da suspensão (assim, o afirma Figueiredo Dias in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, págs. 345, § 522).
Em cumprimento do específico dever de fundamentação atrás exposto, dir-se-á que é dever do juiz assentar o incontornável «juízo de prognose», favorável ou desfavorável, em bases de facto capazes de suportarem com alguma firmeza. O que não quer dizer, obviamente, que o juiz tenha de atingir a certeza sobre o desenrolar futuro do comportamento do arguido. É o que salienta Figueiredo Dias quando refere (ob. cit. pág. 344, § 521), “que o que está aqui em causa não é qualquer «certeza», mas a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser lograda, o tribunal deve encontrar-se disposto a correr certos riscos – digamos: fundado e calculado – sobre a manutenção do agente em liberdade”.
Havendo, porém, razões sérias para duvidar da capacidade do agente de não repetir crimes, se for deixado em liberdade, o juízo de prognose deve ser desfavorável e a suspensão negada, o que vinifica que o principio in dubio pro reo só vale para os factos que estão na base do juízo da probabilidade, mas desta deve o tribunal estar convencido (cfr. Jescheck, § 79, I 3, apud Figueiredo Dias, ob. e loc. cit.).
Por outro lado, convém ainda ter na devida conta, que “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial e de socialização – a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Pois “que estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral, sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico.
Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor as socializações em liberdade, que ilumina o instituto em análise” (Figueiredo Dias, ob. cit. p. 344, § 520).
Aditar-se-á, em remate, que, se é certo que a socialização do arguido deve ser uma preocupação sempre presente na aplicação de qualquer que seja a pena, ela não é o objetivo primeiro desta delicada tarefa, pois há limites inultrapassáveis que importa observar: a socialização não pode sobrelevar a prevenção.
Em suma, sempre que se aplique uma pena de prisão não superior a 5 anos, o tribunal deve suspender a execução da pena, se “atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
A suspensão da execução da pena constitui, portanto, um poder vinculado do julgador, que a deverá decretar sempre que se encontrem reunidos os pressupostos para aplicação da medida.
Face ao preceituado no artigo 50º do Código Penal, a condenação do arguido em pena inferior a 5 anos de prisão obriga o julgador a equacionar a possibilidade de suspender a execução da pena, fazendo um juízo de prognose acerca da possibilidade de a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, devendo atender para tal:
- À personalidade do agente
- Às condições da sua vida
- À sua conduta anterior e posterior ao crime
- E às circunstâncias do crime
e concluir no sentido de haver esperança de que o arguido, em liberdade, adira sem reservas, a um processo de socialização.
Conforme entendimento dos tribunais superiores, “não são considerações de culpa que interferem na decisão sobre a execução da pena, mas apenas razões ligadas às finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização, estas acentuadamente tidas em conta no instituto da suspensão, desde que satisfeitas as exigências de prevenção geral, ligadas à necessidade de correspondência às expectativas da comunidade na manutenção da validade das normas violadas” (Ac. do STJ de 10-11-1999 – Proc. 823/99, relatado pelo Cons. Armando Leandro).
Retornando ao caso concreto, após este breve excurso doutrinal, haverá que reconhecer-se que o comportamento passado da arguida, documentado nos autos abona a favor de um juízo de prognose favorável à suspensão de pena.
A arguida encontra-se familiar e socialmente integrada, não se querendo ver quebrar a sua inserção social, o que é um forte estímulo para esta manter uma conduta de acordo com o direito, a que acresce o facto de a mesma se encontrar inserida laboralmente.
Entende-se, pois, que a simples ameaça da pena de prisão é ainda suficiente para acautelar as finalidades das penas.
Então a suspensão da execução da pena de prisão aplicada pelo período de 2 anos e 6 meses por forma a permitir uma satisfação integral da condição que se lhe irá impor bem como para verificação da sua ressocialização, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 50º, nº 5 do Código Penal, se mostra adequada e proporcional à culpa da arguida manifestada nos factos.
Por fim, dispõe ainda o artigo 14º do RGIT que a suspensão da execução da pena de prisão aplicada é sempre condicionada ao pagamento, em prazo a fixar até ao limite de cinco anos subsequentes à condenação, da prestação tributária e acréscimos legais, do montante dos benefícios indevidamente obtidos e, caso o juiz o entenda, ao pagamento de quantia até ao limite máximo estabelecido para a pena de multa.
Assim, sendo a arguida (….) condenada numa pena de prisão suspensa na sua execução pela prática do crime de burla tributária impõe-se condicionar a mesma ao pagamento, no prazo da suspensão, do valor do benefício de € 6.100,42 (seis mil, cem euros e quarenta e dois cêntimos) respeitante às prestações indevidamente obtidas.
Ademais, face às concretas condições económicas da arguida, auferindo (…..) cerca de € 700,00 mensais que será comportável que a mesma proceda ao pagamento do referido montante naquele período (um valor de cerca de € 203,00 mensais).
Com efeito, considerando que o principal objetivo da aplicação das penas de substituição fosse produzir o necessário efeito choque (o típico sharp schock effect) na arguida, sem os inconvenientes habituais das penas curtas de prisão, atendendo às circunstâncias pessoais desta, afigura-se-nos que facto de ter sido condenada em pena de prisão ainda que suspensa sob regime de prova, pelo que se afigura como possível a obtenção do referido efeito choque.
Assim, em conclusão, decorre, necessariamente, que este Tribunal “ad quem”, não pode deixar de julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela recorrente (…..), relativo à medida da pena de prisão e da pena de substituição aplicadas, confirmando-se, consequentemente, a sentença recorrida.
Nestes termos improcedem, portanto, as pretensões constantes das motivações e conclusões do recurso interposto pela arguida (…..), confirmando-se consequentemente a sentença recorrida.
Em vista do decaimento total nos recursos interpostos pelo lesado “Instituto da Segurança Social I.P.” e pela arguida (…..), ao abrigo do disposto no artigo 515º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação individual dos recorrentes nas custas, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que gozem.


III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:

- Julgar improcedentes os recursos interpostos pelo lesado “Instituto da Segurança Social I.P.” e pela arguida (…..), confirmando-se a sentença recorrida.
Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que gozem.


Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 23-01-2024

Fernando Pina
João Carrola
Maria Gomes Perquilhas