Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
384/14.7T8OLH-D.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
INSOLVÊNCIA CULPOSA
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Data do Acordão: 06/04/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Ainda que exista um aparente quadro de omissão parcial relativamente à fundamentação de um determinado facto, face à sua ligação ao poder de reapreciação sobre a matéria de facto, por força do princípio do máximo aproveitamento e da intenção profilática relativamente à eliminação de excessos formais no trânsito de processos entre instâncias, a legislação vigente também autoriza que, com base nos elementos existentes nos autos e com o recurso a presunções, o raciocínio do julgador «a quo» seja corrigido ou completado pelo Tribunal da Relação, sem necessidade de dar cumprimento da alínea d) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil.
2. A alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo n.º 1 do artigo 662.º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória, antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova
3. A responsabilidade pessoal e solidária das pessoas consideradas culpadas perante os credores do devedor, pelo montante não satisfeito dos seus créditos, constitui uma solução inovadora do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas que se encontra sujeita às regras da responsabilidade civil prevista no artigo 483.º do Código Civil e aos princípios e às regras associadas à obrigação de indemnização sediadas no direito civil.
4. A condenação a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos não é uma regra de comodidade decisória que albergue de forma genérica e abstracta a co-responsabilidade global pelo pagamento das quantias em dívida e o nº 4 do artigo 189.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas estabelece que o juiz deve fixar o valor da indemnização ou os critérios para quantificar o valor desses créditos.
5. A fixação do montante da indemnização prevista na alínea e) do n.º 2 do mesmo preceito legal, deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal e, em termos objectivos, o que está em causa é a diferença entre o valor global do passivo da insolvência e o activo que o pode cobrir.
6. Em função dos princípios gerais da obrigação de indemnização, do nexo de causalidade e dos critérios do cálculo de indemização, entendemos que, em norma, os responsáveis pela condenação referida na alínea e) do n.º 1 do artigo 189.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas apenas respondem pelo dano efectivamente causado com o comportamento delituoso.
7. Em face das circunstâncias do caso concreto, no que concerne ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito, sopesando os fins pretendidos pela legislação, quando é perfeitamente quantificado o montante da disponibilidade de bens da sociedade insolvente utilizados em proveito próprio, sempre que esta ocorra numa fase final do funcionamento da empresa e não estando demonstrados outros comportamentos que contribuam para a ocorrência da situação de insolvência, afigura-se excessivo que o afectado pela responsabilidade tenha de indemnizar os credores do devedor no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, quando a sua conduta lesiva apenas impossibilita parcialmente e na medida da apropriação indevida o cumprimento das obrigações vencidas a suportar pela pessoa colectiva.
8. Em função disso, deve ser limitada a condenação inscrita na aludida al. e) do n.º 2 do artigo 189.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ao valor do prejuízo efectivamente causado quando este é inferior ao montante dos créditos não satisfeitos, caso o mesmo seja economicamente quantificável.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 384/14.7T8OLH-D.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo de Comércio de Lagoa – J2
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
A sociedade “(…), Limitada” foi declarada insolvente e o subsequente incidente de qualificação da insolvência julgado parcialmente procedente, tendo o afectado pela qualificação (…) interposto recurso desta decisão.
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A “(…) – Sociedade de Investimento e Consultadoria, Unipessoal Limitada” veio requerer a abertura do incidente de qualificação da insolvência, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Para tanto, a requerente alegou que a insolvente não fez entrega ao Administrador Judicial da documentação referente à sua contabilidade, desde de 2011; os sócios e gerentes de facto sabiam que os capitais próprios da sociedade eram inferiores a metade do capital social; existiram problemas na apresentação das contas referentes aos exercícios de 2012, 2013 e 2014; ocorreu a violação do dever de entrega das declarações contributivas e tributárias e bem como da obrigação de manter a contabilidade organizada, com prejuízos sérios e relevantes para a compreensão da situação patrimonial da devedora.
Mais sustentou que o estabelecimento da devedora se encontrava encerrado e sem exercer actividade desde 2013, os sócios gerentes dissiparam equipamento e bens móveis aí existentes e celebraram um acordo de revogação do contrato de arrendamento por via do qual o administrador de facto recebeu na sua conta pessoal quantias avultadas.
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Foi declarada a abertura do incidente de qualificação da insolvência com carácter pleno nos termos do nº 1 do artigo 188º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
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O Administrador de Insolvência proferiu parecer – que viria a ser posteriormente complementado – no qual reiterou a factualidade e as conclusões que foram alegadas pela requerente e, com base nisso, propôs a qualificação da insolvência da devedora como culposa e com a afectação dos seus gerentes de facto e de direito.
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O Ministério Público emitiu parecer no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa nos termos dos artigos 185º e 186º, nºs 1 e 2, alíneas d) e h), do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. No entanto, considera inexistir violação reiterada do dever de colaboração, em face do teor dos esclarecimentos que foram posteriormente prestados pelo Administrador de Insolvência.
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Os requeridos (…) e (…) vieram deduzir oposição e impugnaram os factos e as conclusões jurídicas articuladas pela requerente no seu articulado.
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Foi proferido despacho saneador no qual foi identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova, que não sofreram qualquer reclamação.
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Realizada audiência de discussão e julgamento, o Tribunal «a quo» decidiu:
a) qualificar como culposa a insolvência da sociedade “(…), Limitada”.
b) absolver os requeridos (…) e (…) da declaração de afectados pela qualificação da insolvência da devedora.
c) declarar (…) afectado pela qualificação da insolvência da sociedade “(…), Limitada”.
d) declarar (…) inibido para o exercício do comércio, e para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, pelo período de três anos.
e) determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por (…).
f) condenar (…) a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos nos autos, até às forças do respectivo património, sendo o valor da indemnização o devido, de acordo com os créditos reconhecidos.
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O afectado pela qualificação não se conformou com a referida decisão e o recurso apresentado continha as seguintes conclusões:
«A) A decisão do Tribunal a quo é nula de acordo com o disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código Processo Civil, pois existe contradição entre o facto dado provado no ponto 10 dos factos provados e a motivação da decisão de facto.
B) Efectivamente, o Tribunal a quo dá, no ponto 10, como provado que “na sequência da realização do pagamento do valor mencionado em 9), o requerido (…) canalizou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias”.
C) Contudo, na motivação de facto refere que tal não se extrai diretamente da valoração da prova documental mas da confissão do próprio requerido (…) que admitiu ter canalizado parte de um crédito, que era da titularidade da sociedade devedora, para o custeamento de “despesas ditas de pessoais”, mas conexas com a atividade por si desenvolvida com o fito de debelar o passivo da sociedade.
D) Ora se são despesas conexas com a atividade desenvolvida pelo Requerido (…) para debelar o passivo da sociedade, não podem as mesmas ser consideradas despesas próprias.
E) Não poderia o Tribunal a quo dar como provado, como o fez no nº 10 dos factos dados como provados que “na sequência da realização do pagamento do valor mencionado em 9), o requerido (…) canalizou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias”.
F) Para fundamentar essa decisão de facto remete o Tribunal a quo para as declarações do Requerido ora Recorrente que disse:
“Sr. (…): Utilizados deste dinheiro tenho 101 mil quinhentos e nove euros.
Sra. Juíza: E a restante parte?
Sr. (…): A verdade é só uma …quer dizer…não há…não vale a pena….isto é…a verdade é só uma…eu andei pelo caminho sem nenhum tipo de rendimentos…quer dizer…a suportar despesas pessoais mas a trabalhar para isto e quer dizer…de algum lado tinha que vir…ou ia roubar…
Sra. Juíza: Portanto, foi para assegurar a sua subsistência?
Sr. (…): Não, a subsistência e a capacidade…quer dizer…no fundo de tratar deste assunto pequenas coisas que no fim somam quatro ou cinco mil euros que não posso imputar diretamente aqui, mas que gastei para isto.
Sra. Juíza: As pessoas não vivem do ar também há convicção disso (24/01/2020 – 10:16:29 – aos 25m e 10 segundos do seu depoimento)
G) Salvo o devido respeito, o que se pode retirar deste depoimento é que o gerente de facto pagou despesas de subsistência para continuar a trabalhar para reduzir o passivo da sociedade insolvente.
H) Se não pagasse essas despesas não conseguiria continuar essa tarefa de redução do passivo.
I) Que efectivamente veio a conseguir, tendo reduzido um passivo de € 149.015,39, o existente em 2013, para € 30.469,19, o reclamado como crédito no âmbito da insolvência.
J) Facto reconhecido na douta sentença recorrida.
K) Ora, esta realidade de pagar despesas de subsistência, como, não e dito, mas imagina-se, alimentação, eventualmente deslocações, despesas de combustível, foi feito com o único propósito de salvaguardar a solvabilidade da empresa.
L) Ora sendo estas despesas de subsistência conexas com a actividade desenvolvida pelo Sr. (…) para debelar o passivo da sociedade.
M) Não pode o Tribunal a quo dar como preenchidas as alíneas d) e e) do nº 2 do artigo 186º do CIRE, que pressupõem precisamente o raciocínio contrário, que é, favorecimento pessoal ou de terceiro em prejuízo da sociedade. Este raciocínio resulta claro da letra da lei, onde consta “… uso de crédito ou bens da sociedade contrário ao interesse desta”.
N) Bem como a expressão “em proveito pessoal”, quando tudo o que foi gasto foi em proveito da sociedade.
O) Sendo certo, que as mesmas não ultrapassaram o montante de quatro a cinco mil euros como o recorrente referiu. Repare-se que não existe outra prova, nem é referido que exista.
P) Não podendo o Tribunal a quo, unicamente através do depoimento do Sr. (…), dar como provado que o mesmo “canalizou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias”.
Q) Nem tendo o Tribunal a quo fundamentado a sua decisão de como chegou ao valor de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos).
R) Deveria ter sido dado como não provado o ponto 10 dos factos dados como provados por não ter sido feito prova do mesmo e por estar em contradição com a motivação da decisão.
Nestes termos, deve ser revogada a sentença recorrida em sua substituição ser proferida uma outra que declare improcedente a qualificação da insolvência como culposa, declarando-a fortuita».
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Não foram apresentadas contra-alegações. *
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do citado diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da questão da existência:
i) nulidade prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
ii) erro na definição da matéria de facto.
iii) erro interpretação e aplicação do direito quanto à existência de conduta culposa na insolvência. *
III – Decisão de facto:
3.1 – Factos provados:
Com interesse para a boa decisão da causa apuraram-se os seguintes factos:
1. A sociedade “(…), Limitada” foi declarada insolvente por sentença datada de 21/08/2015.
2. A insolvência da devedora foi requerida em 12 de Novembro de 2014 pela «(…) – Sociedade de Investimento e Consultadoria, Unipessoal, Limitada».
3. Os requeridos (…) e (…) foram nomeados, por deliberação datada de 29 de Julho de 2011, gerentes de direito da devedora.
4. A sociedade devedora era, contudo, sem oposição dos gerentes de direito, e sem prejuízo da subscrição o ocasional de documentos por parte dos mesmos, exclusivamente administrada pelo requerido (…).
5. Desde a data da sua constituição, que remonta ao ano de 2011, que a actividade da devedora revelou não ser lucrativa, tendo a mesma terminado o primeiro exercício, relativo ao ano de 2011, com um passivo de € 110.430,83 (cento e dez mil e quatrocentos e trinta euros), o segundo exercício, relativo ao ano de 2012, com um passivo de 136.421,21 € (cento e trinta e seis mil euros e vinte e um cêntimos) e o terceiro exercício, relativo ao ano de 2013, com um passivo de € 149.015,39 (cento e quarenta e nove mil e quinze euros e trinta e nove cêntimos).
6. Em 27 de Fevereiro de 2014, o legal representante da requerente «(…) – Sociedade de Investimento e Consultadoria, Unipessoal, Limitada.», (…), celebrou em nome próprio, com (…), que interveio nesse ato como gestor de negócios da devedora “(…), Limitada”, um acordo por via do qual a devedora se comprometia, juntamente, com os seus sócios, a ceder, pelo preço de € 100.000,00 (cem mil euros), a (…) a totalidade do seu capital social.
7. O referido acordo foi celebrado com o fito de saldar a totalidade do passivo da devedora, tendo, em cumprimento desse desígnio (…), suportado despesas da responsabilidade da sociedade “(…), Limitada” no montante global de € 30.876,29 (trinta mil, oitocentos e setenta e seis euros e vinte e nove cêntimos).
8. Por acordo escrito, datado de 01 de Dezembro de 2014, celebrado entre (…) e (…), os mesmos declararam revogar todo e qualquer acordo que houvessem subscrito e que fosse referente à cedência da totalidade das quotas da titularidade dos três únicos sócios da devedora, tendo nessa ocasião sido acordado e efectuado o pagamento, a (…), do montante de € 30.000,00 (trinta mil euros) e o requerido (…) se comprometido, igualmente, por via de tal acordo, a pagar ao dito (…) o montante adicional de € 16.000,00 (dezasseis mil euros), comprometendo-se, este último, por sua vez, a não instaurar qualquer acção contra (…), contra a devedora e respectivos sócios a solicitar o cumprimento do contrato ou quaisquer valores.
9. Por acordo escrito, datado de 30 de Setembro de 2014, a devedora, actuando por intermédio dos seus gerentes de direito, revogou o contrato de arrendamento referente ao espaço no qual se encontrava instalado o seu estabelecimento, o que fez mediante a estipulação do pagamento, por parte do dono do imóvel à insolvente, de uma contrapartida financeira que foi fixada no montante de € 112.500,00 (cento e doze mil e quinhentos euros).
10. Na sequência da realização do pagamento do valor mencionado em 9), o requerido (…) canalizou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias.
11. As contas da sociedade devedora referentes aos anos de 2012 e 2013 foram depositadas junto da competente Conservatória do Registo Comercial em 21/07/2014.
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3.2 – Factos não provados:
Com interesse para a decisão da causa não se provou que:
1) que os requeridos tivessem feito desaparecer o equipamento e os bens móveis existentes no estabelecimento da devedora.
2) que os requeridos tivessem alienado uma vitrine, com valor de mercado de € 4.000,00 (quatro mil euros), pelo valor de € 4,00 (quatro euros).
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IV – Fundamentação:
4.1 – Nulidade por os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou por ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade:
É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (artigo 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil).
A este propósito, Alberto dos Reis refere «dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda enferma de erro de actividade (erro de construção ou formação»)[1].
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica: se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial[2].
Na concepção de Antunes Varela «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro de construção do silogismo judiciário»[3].
Está sedimentada na doutrina e na jurisprudência a ideia de que esta nulidade se verifica quando existe um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue direcção distinta.
A nossa lei impõe que o silogismo da decisão se ache correctamente estruturado por forma a que a conclusão extraída corresponda às premissas de que ele emerge e a desconformidade não está no conteúdo destas, mas no processo lógico desenvolvido. E essa oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta, pois quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento. Se, ao invés, ocorrer a assinalada desconformidade, a decisão é nula por contradição entre a fundamentação lavrada e o segmento decisório[4] [5].
Em síntese, a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, só acontece quando aqueles conduzirem a uma decisão diferente. Analisada a estrutura da decisão e as conexões existentes entre os motivos de facto e de direito a que faz apelo e o veredicto final verifica-se que existe uma lógica na arquitectura da sentença e, dessa forma, a invocada nulidade não se verifica.
Aliás, no conjunto de factos, considerações e conclusões tiradas pelos recorrentes parece incontroverso que os mesmos não colocam em causa o erro de construção do silogismo judiciário mas antes se dirigem claramente à injustiça do decidido, embora tenham invocado a aludida nulidade.
Assim sendo, também carece de fundamento a arguição efectuada ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
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4.2 – Da impugnação da matéria de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados (e não provados) certos factos, pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
O recorrente entende que deve ser considerado como não provado o ponto 10[6] dos factos provados, porque, no seu entendimento, existe uma contradição entre a factualidade ali inscrita e a fundamentação da decisão de facto.
Embora admitindo que possa ter utilizado no máximo cerca de € 5.000,00 (cinco mil euros) de dinheiro da empresa, o recorrente adianta que, para além da confissão, não existe qualquer prova donde se possa retirar que o montante utilizado seja aquele que consta do ponto 10º dos factos provados. Ao mesmo passo, o recorrente nega que a verba tenha sido utilizada em proveito pessoal e afiança que essas disponibilidades foram destinadas a actividades conexas ao funcionamento da empresa, «com o único propósito de salvaguardar a solvabilidade da empresa».
Na verdade, a Meritíssima Juíza de Direito reconhece que se trata de matéria confessada pelo próprio requerido (…), «que admitiu ter canalizado parte de um crédito, que era da titularidade da sociedade devedora, para o custeamento de “despesas ditas de pessoais”, mas conexas com a atividade por si desenvolvida com o fito de debelar o passivo da sociedade».
Após descrever a situação financeira da empresa, os motivos que levaram ao encerramento da sociedade e de contextualizar a negociação para a devolução da loja ao senhorio, negócio esse que permitiu garantir capital para pagamento do passivo acumulado, quando interpelado directamente sobre o destino do remanescente não utilizado na liquidação de dívidas, o afectado (…) reconheceu que empregou parte do dinheiro para suportar despesas pessoais para tratar destes assuntos.
O referido (…) estimou que essas verbas atingiriam os 4 (quatro) ou 5 (cinco) mil euros, mas sem ter a certeza sobre o concreto montante utilizado, até por que «a situação entrou de facto num estado de tal maneira de descontrolo, que eu provavelmente nalgumas coisas não agi da melhor forma». Passando depois a referir que «foi encurralado» e «a pressão é de tal maneira» que justifica a falta de pagamentos e que culmina no processo de reversão de dívidas.
Notou-se também um decréscimo da qualidade da prestação probatória, quando foi confrontado pelas perguntas formuladas pelo mandatário da requerente do incidente de qualificação a propósito dos pagamentos efectuados e da respectiva relação com a celebração do contrato de cessação do arrendamento. E, finalmente, já no seu segmento terminal, no momento em que era interrogado pelo mandatário a quem passou procuração, as declarações tomadas em causa acabaram por ser prejudicadas pelo seu estado emocional, que possivelmente precipitou o encerramento da produção de prova relativamente ao afectado.
Por isso, face a este estado de incerteza contabilística e às oscilações da prestação do dito (…), o raciocínio dedutivo efectuado pela Julgadora «a quo» não merece censura, dado que se reporta a dados objectivos que se traduzem no diferencial existente entre a verba recebida a título de cessação do contrato de arrendamento e a que foi aplicada no pagamento de dívidas. E estes pagamentos estão documentados no processo de insolvência e são reconhecidos pelo administrador judicial.
E este juízo conclusivo baseia-se essencialmente na lógica e no cálculo aritmético e é assim susceptível de prevalecer sobre a subjectividade de um depoimento de um interessado directo na composição do litígio.
Com efeito, o Tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (nº 3 do artigo 466º do Código de Processo Civil). As declarações do afectado foram avaliadas pelo Tribunal, tomando em atenção a natureza supletiva[7] e as cautelas que doutrinal[8] [9] [10] [11] e jurisprudencialmente[12] são enumeradas a este propósito, face à existência de um interesse próprio, directo e imediato na resolução da causa. Neste enquadramento, somos adeptos da tese que admite a validade da prova por declarações de parte quando a mesma se reporta essencialmente a «acontecimentos do foro privado, íntimo ou pessoal dos litigantes»[13] [14].
Ao reconhecer os problemas associados à fiabilidade deste meio de prova, a nível doutrinal e jurisprudencial foi construída uma linha de actuação que se baseia na ideia que inexistindo outros meios de prova que minimamente corroborem a versão da parte, a mesma não deve ser valorada, sob pena de se desvirtuar na totalidade o ónus probatório, evitando que as acções se decidam apenas com base nas declarações das próprias partes[15] [16] [17].
No entanto, no contraste entre as declarações aqui em causa e o teor da motivação sobre a decisão de facto não existe motivo para valorar de forma diferente a prova e com isto promover a alteração da matéria de facto nos termos propostos.
Na realidade, sopesados todos os argumentos esgrimidos pelas partes e a interpretação da audição de todo o suporte magnetofónico gravado e a demais prova presente nos autos, a Meritíssimo Juíza de Direito estava legitimada a decidir factualmente nos termos em que o fez.
Ainda que porventura tivesse ocorrido uma omissão parcial do Tribunal de Primeira Instância relativamente à completa fundamentação do ponto 10) dos factos provados não existiria necessidade de ordenar a remessa dos autos para efeitos do cumprimento da al. d) do nº 2 do artigo 662º do Código de Processo Civil. Na situação vertente, face à sua ligação ao poder de reapreciação sobre a matéria de facto, por força do princípio do máximo aproveitamento e da intenção profilática relativamente à eliminação de excessos formais no trânsito de processos entre instâncias, a lei legislação vigente também autoriza que, com base nos elementos existentes nos autos e com o recurso a presunções, o raciocínio do julgador «a quo» seja corrigido ou completado.
O argumento decisivo para confirmar a factualidade integrada no ponto em discussão funda-se numa presunção judicial e na avaliação racional de um negócio de cessação do arrendamento celebrado e da sua confrontação com a confissão parcial. Na realidade, o acordo escrito contido no facto 9) implicava que a verba em causa fosse integralmente disponibilizada à empresa que se encontrava em situação de insolvência iminente e no plano do fluxo financeiro e até contabilisticamente isso não aconteceu relativamente ao montante de € 11.940,72, independentemente do teor confessório ou não das declarações prestadas pelo gerente de facto.
Aliás, mesmo que estas declarações não tivessem sido prestadas era possível certificar que existia um diferencial entre o valor global dos pagamentos efectuados aos credores e a verba resultante da extinção do contrato de arrendamento nos termos em que essa asserção foi decretada pelo Juízo de Comércio de Olhão. Esse era dinheiro da sociedade e não poderia ser utilizado para garantir o sustento ou o pagamento de despesas pessoais do afectado pela insolvência culposa. E o gerente de facto era a única pessoa que teve acesso e geriu o referido dinheiro.
Por último, a alocução fundamento para impor decisão diversa, nos termos proclamados pelo nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil, não se basta com a possibilidade de uma alternativa decisória antes exige que o juízo efectuado pela Primeira Instância esteja estruturado num lapso relevante no processo de avaliação da prova. E esse erro relevante não ocorre no presente caso.
O suporte probatório não impõe decisão diversa nos termos prescritos pelo nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil e, assim sendo, o ponto relacionado com a impugnação promovida pelo recorrente não merece acolhimento.
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4.3 – Da qualificação da insolvência:
4.3.1 – Considerações gerais sobre a qualificação da insolvência e a certificação do preenchimento da presunção de culpa:
A insolvência é qualificada como culposa ou fortuita, mas a qualificação atribuída não é vinculativa para efeitos da decisão de causas penais, nem das acções a que se reporta o nº 2 do artigo 82º (artigo 185º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação dolosa ou com culpa grave do devedor ou dos seus administradores de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao início do processo (nº 1 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
A apreciação da culpa deve ser feita à luz da disciplina contida no nº 2 do artigo 186º[18] do Código da Insolvência e da Recuperação da Empresa e o nº 3[19] do mesmo preceito provisiona situações em que a responsabilidade se presume.
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Sobre esta matéria debruçam-se Carvalho Fernandes[20], Carneiro da Frada[21], Luís Menezes Leitão[22], Maria do Rosário Epifânio[23] [24], Catarina Serra[25] [26] [27], Coutinho de Abreu[28], Nuno Pinto Oliveira[29] [30], José Engrácia Antunes[31], José Manuel Branco[32], Adelaide Menezes Leitão[33], Miguel Pupo Correia[34], Maria Elisabete Ramos[35], Maria de Fátima Ribeiro[36], Carla Magalhães[37], Liliana Pinto de Carvalho[38], Rui Pinto Duarte[39] [40] e Rui Estrela de Oliveira[41] [42], entre outros.
Para a qualificação da insolvência importa que tenha ocorrido uma conduta do devedor ou dos seus administradores de facto ou de direito que tenha criado ou agravado o quadro de insolvência, que esse comportamento voluntário e ilícito corresponda a uma actuação dolosa ou cometida com culpa grave e é necessário que a situação causal tenha ocorrido nos três anos anteriores ao início do processo de insolvência.
O nº 2 do artigo 186º elenca, de forma taxativa, nas suas alíneas a) a i), as situações fácticas que implicam a caracterização da insolvência como culposa e ali estão presentes presunções iuris et de iure, inilidíveis, que fundamentam a existência de um quadro de culpa grave, da existência do nexo de causalidade entre a conduta tipificada e a criação ou agravamento da situação de insolvência[43] [44] [45].
Verificada a existência de factos que se reconduzam às situações previstas no nº 2 do artigo 186º do CIRE, extrair-se-á em princípio (a lei extrai, ficciona) a ilação da verificação da insolvência culposa, sem necessidade de comprovação (ou alegação) de outros factos[46].
Nesta dimensão, em sumário intercalar, perante presunções iuris et de iure, pela gravidade que evidenciam, dispensa-se a verificação do nexo causal. Assim, a insolvência irá sempre considerar-se culposa, a não ser que o afectado prove que não praticou o acto censurável[47].
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4.3.2 – Da situação concreta: do preenchimento das alíneas d) e f) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas:
Tendo em atenção a base factual apurada, o Tribunal recorrido decidiu que os requeridos (…) e (…) não poderiam ser afectados pela qualificação da insolvência da devedora “(…), Limitada”. E relativamente ao gerente de facto o juízo decisório afasta igualmente o preenchimento do conceito de incumprimento em termos substanciais da obrigação de manter contabilidade organização e do dever de apresentação tempestiva à insolvência, bem como da exigência de colaboração com o administrador judicial. O conspecto factual também não autorizou a integração da facttispecies da al. a) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas. E quanto a todos estes elementos da previsão legal, a decisão mostra-se transitada relativamente aos factos indícios convocados, que estão assim os mesmos a coberto do efeito caso julgado.
É indiscutível que o requerido (…) era o administrador de facto da sociedade insolvente, sublinhando o acto postulativo recorrido que «o fazia sem o necessário rigor, nomeadamente, ao nível contabilístico» e que o mesmo «canalizou parte de um crédito, que era da titularidade da própria sociedade, para o pagamento de despesas pessoais».
Em função dessa confusão de patrimónios, o Juízo de Comércio de Lagoa julgou que estavam preenchidas as hipóteses normativas contidas nas alíneas d) e f) do nº 2 do artigo 186º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, o qual prevê que se considera sempre culposa a insolvência, na modalidade de dolo ou culpa grave.
Neste particular é de atender que na sequência do acordo de revogação do contrato de arrendamento relativamente a espaço para instalação de estabelecimento comercial a sociedade requerente recebeu uma contrapartida financeira no valor de € 112.500,00 (cento e doze mil e quinhentos euros).
Porém, nem todo este dinheiro foi canalizado para as contas e caixa da sociedade. Na verdade, na sequência da realização do pagamento do valor em causa, o requerido (…) destinou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias.
Existe assim uma disposição de bens do devedor em proveito pessoal que se enquadra na esfera de previsão das convocadas normas. Com efeito, aquela verba deveria ter sido integralmente canalizada para o património da empresa com o objectivo de garantir o pagamento de dívidas ou o exercício corrente da actividade empresarial.
Neste domínio o referido (…) actuou como se tivesse o domínio global e exclusivo deste montante, gastando-o a seu bel-prazer sem qualquer controlo societário, favorecendo assim a sua esfera patrimonial em detrimento dos interesses societários.
Mesmo que as despesas pessoais em causa pudessem integrar o conceito de despesas reembolsáveis, as mesmas nunca foram documentadas, não integraram o acervo contabilístico da sociedade insolvente nem existe prova que foram utilizadas em proveito da insolvente.
Efectivamente, o gerente de facto não ilidiu as presunções legais editadas a propósito pela referida norma e, pelo contrário, o conspecto factual apurado permite inequivocamente extrair a existência do nexo causal entre o comportamento apropriativo e a situação de agravamento da insolvência.
É de concluir que o gerente de facto se apropriou dessas verbas, a coberto da personalidade colectiva da empresa, em acto de desconsideração da mesma. E, nessa medida, não merece assim censura o veredicto do Tribunal recorrido relativamente a este segmento da decisão, uma vez que, na realidade, dispôs de uma verba de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) de forma ilegítima e contra os interesses societários, diminuindo assim conscientemente o património da sociedade insolvente.
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4.3.3 – Dos efeitos da qualificação:
Os efeitos enumerados no artigo 189º[48] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas foram aplicados pelo Tribunal.
A propósito da insolvência culposa, o Tribunal Constitucional emitiu posição no sentido de que «esses efeitos jurídicos são cumulativos e automáticos, como claramente decorre do proémio do nº 2 do artigo 189º, pelo que, uma vez proferida tal decisão, não pode o juiz deixar de aplicar todas essas medidas. Não obstante, a determinação do período de tempo de cumprimento das medidas inibitórias previstas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 189º do CIRE (inibição para a administração de patrimónios alheios, exercício de comércio e ocupação de cargo de titular de órgão nas pessoas colectivas aí identificadas) e, naturalmente, a própria fixação do montante da indemnização prevista na alínea e) do nº 2 do mesmo preceito legal, deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal»[49].
A doutrina também tem entendido que o juiz deverá ter em conta a gravidade do comportamento e o seu contributo para a situação de insolvência ou o seu agravamento – a gravidade do comportamento poderá ser aferida em função do preenchimento do nº 2 ou do nº 3 [50] [51].
As medidas aplicadas a propósito do tempo de inibição para o exercício do comércio e actos congéneres e a perda de créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos por (…) mostram-se justas, adequadas e proporcionais.
Além disso, o requerido (…) foi condenado a indemnizar os credores no montante dos créditos não satisfeitos nos autos, até às forças do respectivo património, sendo o valor da indemnização o devido, de acordo com os créditos reconhecidos.
Esta medida confere uma protecção acrescida aos credores que não conseguem ver os seus créditos satisfeitos pela massa insolvente. E é inspirada na necessidade de afectar bens alheios[52] ao pagamento do passivo societário.
No nº 4 do artigo 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas o legislador estabelece que o juiz deve fixar o valor da indemnização ou os critérios para quantificar esse valor. Esta não é uma regra de comodidade decisória que albergue de forma genérica e abstracta a co-responsabilidade global pelo pagamento dos créditos não satisfeitos, antes exige o estabelecimento de um nexo causal entre o comportamento delituoso e a concretização ou o agravamento da situação de insolvência.
Na interpretação desta norma Carvalho Fernandes e João Labareda defendem que «em termos objectivos, o que está em causa é a diferença entre o valor global do passivo da insolvência e o activo que o pode cobrir. Esse, por isso, será o critério matricial a adoptar pelo Juiz». A dupla de comentadores avança ainda que o significado desta menção «será o de permitir ao juiz referenciar factores que, designadamente em razão das circunstâncias do processo, devam mitigar o recurso, puro e simples, a meras operações aritméticas de passivo menos resultado do activo»[53].
Carina Magalhães advoga que a fixação do valor a indemnizar vai depender da tramitação do processo em concreto e a indemnização deve ser balizada por esse montante mesmo que o dano efectivamente causado seja superior ou inferior[54].
Rosário Epifânio subsume esta medida preventiva, repressiva e punitiva na responsabilidade aquiliana proposta nos termos do artigo 483º[55] [56] do Código Civil, sendo que o dano reside no montante de créditos causalmente não satisfeitos no âmbito do processo de insolvência.
Adelaide Leitão entende que a disciplina constitui uma reprodução dos efeitos do artigo 818º[57] do Código Civil sobre a execução de bens de terceiro quando tenham ocorrido actos em prejuízo do credor e, por conseguinte, a obrigação de indemnizar é dependente do delito[58].
Posto isto, em função dos princípios gerais da obrigação de indemnização[59], do nexo de causalidade[60] e dos critérios do cálculo de indemnização[61], entendemos que, em norma, os responsáveis pela condenação referida na alínea e) do nº 1 do artigo 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas apenas respondem pelo dano efectivamente causado com o comportamento delituoso. E, como tal, se o prejuízo realmente experimentado for inferior ao montante dos créditos não satisfeitos deve a responsabilidade estar assim limitada aos danos causais provocados aos credores, sob pena de, assim não sendo, se estar a violar o princípio da proporcionalidade constitucionalmente consagrado.
O princípio da proporcionalidade desdobra-se em três sub-princípios: princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); princípio da exigibilidade (essas medidas restritivas têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato); princípio da justa medida, ou proporcionalidade em sentido estrito (não poderão adoptar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos)[62].
Numa leitura segundo um critério de razoabilidade e de equidade a relação concretamente existente entre a carga coactiva e repressiva decorrente da medida adoptada – pagamento do montante dos créditos não satisfeitos – e o peso real e específico da utilização de fundos pertencentes à pessoa colectiva – o requerido (…) canalizou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias – tem aqui um parâmetro de aparente desproporção, em face das circunstâncias do caso concreto.
A actividade interpretativa é levada a cabo por todos os Tribunais como é postulado no artigo 204.º da Constituição da República Portuguesa e, assim, nesta dimensão, devemos recorrer ao critério da interpretação conforme à lei fundamental, à luz do sobredito princípio da proporcionalidade.
O princípio da interpretação conforme à Constituição tem como pressuposto a unidade e ausência de contradições da ordem jurídica, implicando que a actividade interpretativa seja feita em conformidade com a norma normarum[63] [64] [65].
Gomes Canotilho sublinha que o princípio da interpretação conforme, enquanto instrumento interpretativo de fiscalização de normas, implica que, «em alternativa à declaração ou julgamento da inconstitucionalidade de um preceito expurgando-o ou desaplicando-o ao caso sub iudice, se atente na polissemia do preceito que contém a norma sindicada, com o intuito de possibilitar uma interpretação em harmonia com a Lei Fundamental»[66] [67]. Com a mesma posição pode ser consultado Karl Larenz[68].
As sentenças de interpretação conforme à Constituição constituem «decisões judiciais que, com base no princípio da segurança jurídica, visam moderar os efeitos da decisão de inconstitucionalidade ou não inconstitucionalidade»[69] [70].
No que concerne ao princípio da proporcionalidade em sentido estrito, em face dos fins pretendidos pela legislação, quando é perfeitamente quantificado o montante da disponibilidade de bens da sociedade insolvente utilizados em proveito próprio, sempre que esta ocorra numa fase final do funcionamento da empresa[71] e não estando demonstrados outros comportamentos que contribuam para a ocorrência da situação de insolvência, afigura-se excessivo que o afectado pela responsabilidade tenha de indemnizar os credores do devedor no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças do respectivo património, quando a sua conduta lesiva apenas impossibilita parcialmente e na medida da apropriação indevida o cumprimento das obrigações vencidas a suportar pela pessoa colectiva.
E, por isso, é admissível limitar a condenação inscrita na aludida al. e) do nº 2 do artigo 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas ao valor do prejuízo efectivamente causado quando este é inferior ao montante dos créditos não satisfeitos, caso o mesmo seja economicamente quantificável.
Nestes termos, em conclusão, por questões associadas ao princípio da proporcionalidade e a razões de equidade impõe-se que, no caso concreto, o conteúdo normativo da alínea e) do nº 2 do artigo 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, na sua interacção com o nº 4 do mesmo dispositivo, seja interpretado no sentido de que a condenação deve ficar limitada ao valor do prejuízo efectivamente causado quando este é inferior ao montante dos créditos não satisfeitos.
Em função deste juízo revoga-se parcialmente a sentença recorrida, passando a condenação inscrita na aludida al. e) do nº 2 do artigo 189º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a ser restrita ao pagamento do montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos).
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V – Sumário:
(…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se:
a) julgar parcialmente procedente o recurso interposto, revogando-se a alínea f) da parte decisória, passando a condenação inscrita na aludida alínea e) do nº 2 do artigo 189.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas a ser restrita ao pagamento do montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros, setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias.
b) no mais, é confirmada a decisão sob recurso.
Custas do recurso a cargo do recorrente e da massa falida, na proporção do respectivo decaimento, tendo em atenção o valor da causa para efeitos tributários, face ao disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
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Processei e revi.
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Évora, 04/06/2020
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
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[1] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra, 1984, pág. 122.
[2] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, pág. 670.
[3] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1985, pág. 686.
[4] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2005, in www.dgsi.pt.
[5] No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 09/07/2014, in www.dgsi.pt.
[6] (10) Na sequência da realização do pagamento do valor mencionado em 9), o requerido (…) canalizou o montante de € 11.940,72 (onze mil, novecentos e quarenta euros e setenta e dois cêntimos) ao pagamento de despesas próprias.
[7] Paulo Pimenta, Processo Civil, Declarativo, Almedina, 2014, pág. 357.
[8] Para José Lebre de Freitas, A acção declarativa comum, à luz do Código de Processo Civil de 2013, pág. 278, «a apreciação que o juiz faça das declarações de parte importará sobretudo como elemento de clarificação do resultado das provas produzidas e, quando outros não haja, como prova subsidiária, máxime as partes tiverem sido efectivamente ouvidas».
[9] Elisabeth Fernandez, «Nemo Debet Essse Testis in Propria Causa? Sobre a (in)coerência do Sistema Processual a este propósito», Julgar Especial, Prova difícil, 2014, pág. 27, pugna que, até à entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26/06, as razões determinantes da rejeição deste meio de prova assentavam no «receio de perjúrio; as partes têm um interesse no resultado da acção e podem ser tentadas a dar um testemunho desonesto e finalmente mesmo que as mesmas não sejam desonestas, estudos psicológicos demonstram que as pessoas têm uma maior tendência a recordar factos favoráveis do que factos desfavoráveis pelo que o depoimento delas como testemunhas nos processos em que são partes não é, por essa razão de índole psicológica, fidedigno».
[10] As Malquistas declarações de parte – “Não acredito na parte porque é parte”, em Colóquio organizado no Supremo Tribunal de Justiça, estudo disponível na página web do STJ e ainda em www.trp.pt/.../as%20malquistas%20declaraes%20de%20parte_juizdireito%20luis%20f... A sobredita visão pessimista sobre a fiabilidade do meio de prova é rebatida por Luís Filipe Sousa que defende que «(ii) a degradação antecipada do valor probatório das declarações de parte não tem fundamento legal bastante, evidenciando um retrocesso para raciocínios típicos e obsoletos de prova legal; (iii) os critérios de valoração das declarações de parte coincidem essencialmente com os parâmetros de valoração da prova testemunhal, havendo apenas de hierarquizá-los diversamente».
[11] Carolina Henriques Martins, Declarações de Parte, pág. 56, estudo editado na internet em
https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/28630/.../Declaracoes%20de%20parte.pdf, nesta discórdia valorativa sobre a fiabilidade do meio de prova, diz que aquilo que é relevante é que o juiz análise «o discurso da mesma tendo sempre presente a máxima da experiência que dita a escassa fiabilidade do mesmo quanto às afirmações que a esta são favoráveis».
[12] De acordo com o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/04/2014, in www.dgsi.pt. este inovador meio de prova, dirige-se primordialmente, às situações de facto em que apenas tenham tido intervenção as próprias partes, ou relativamente às quais as partes tenham tido uma percepção directa privilegiada em que são reduzidas as possibilidades de produção de prova (documental, testemunhal ou pericial), em virtude de terem ocorridas na presença das partes.
[13] Remédio Marques, «A aquisição e a Valoração Probatória dos Factos (Des)Favoráveis ao Depoente ou à Parte», Julgar, Jan-Abril, 2012, nº 16, pág. 168.
[14] Ou, seguindo a formulação de Elisabeth Fernandez, Obra citada, pág. 37, o recurso a meio de prova é admissível quando se destina a apurar «factos de natureza estritamente doméstica e pessoal que habitualmente não são percepcionados por terceiros de forma directa».
[15] Remédio Marques, A aquisição e a valoração probatória de factos (des)favoráveis ao depoente ou a parte chamada a prestar informações ou esclarecimentos, Caderno II – O novo Processo Civil – Contributos da Doutrina no decurso do processo legislativo designadamente á luz do Anteprojecto e da Proposta de Lei nº 133/XII, Centro de Estudos Judiciários, pág. 92.
[16] Idêntico posicionamento prático é defendido pelos juízes de Direito Paula Faria e Ana Luísa Loureiro, em Primeiras Notas ao Código de Processo Civil – Os Artigos da Reforma, 2ª edição, pág. 395.
[17] Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 15/09/2014 e 20/11/2014, in www.dgsi.pt.
[18] Nos termos do nº 2 do artigo 186º «considera-se sempre culposa a insolvência do devedor, que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham:
a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor;
b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com ele especialmente relacionadas;
c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação;
d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros;
e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário aos interesses deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto;
g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência;
h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantido uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor;
i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no nº 2 do artigo 188º».
[19] 3 - Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido:
a) O dever de requerer a declaração de insolvência;
b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.
[20] Carvalho Fernandes, A Qualificação da Insolvência e a Administração da Massa Insolvente pelo Devedor, Themis, edição especial, 2005.
[21] Carneiro da Frada, A Responsabilidade dos Administradores na Insolvência, separata da Revista da Ordem dos Advogado, Ano 66, II, Lisboa, 2006.
[22] Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, 5ª edição, Almedina, Coimbra, 2013.
[23] Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016.
[24] Maria do Rosário Epifânio, O Incidente de qualificação de insolvência, in Estudos em Homenagem ao Professor Saldanha Sanches, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra 2001.
[25] Catarina Serra, Decoctor ergo fraudator? – A insolvência culposa (esclarecimentos sobre um conceito a propósito de umas presunções), in Cadernos de Direito Privado nº 21, 2008.
[26] Catarina Serra, O Novo Regime Português da Insolvência. Uma Introdução, Almedina, Coimbra, 2004, págs. 61 e ss.
[27] Catarina Serra, Lições de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2018, págs. 298-304.
[28] Coutinho de Abreu, Direito das Sociedades e Direito da Insolvência: Interações, in Catarina Serra (coord.), IV Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2017.
[29] Nuno Pinto Oliveira, Responsabilidade civil dos administradores pela insolvência culposa, in Catarina Serra (coord.), I Colóquio de Direito da Insolvência de Santo Tirso, Almedina, Coimbra, 2014, págs. 195 e ss.
[30] Nuno Pinto Oliveira, Responsabilidade civil dos administradores – Entre Direito Civil, Direito das Sociedades e Direito da Insolvência, Coimbra Editora, Coimbra, 2015.
[31] José Engrácia Antunes, O âmbito subjectivo do incidente de qualificação da insolvência, in Revista de Direito da Insolvência, 2017, nº 1.
[32] José Manuel Branco, A qualificação da insolvência (análise do instituto em paralelo com outros de tutela dos credores e enquadramento no regime dos deveres dos administradores), AA. VV, Processo de Insolvência e acções conexas, Centro de Estudos Judiciários, Lisboa, 2014.
[33] Adelaide Menezes Leitão, Insolvência culposa e responsabilidade dos administradores na Lei 16/2012, de 20 de Abril, in Catarina Serra (coord.), I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2013.
[34] Miguel Pupo Correia, Inabilitação do insolvente culposo, in Lusíada – Revista de Ciência e Cultura, 2011, nºs 8-9, págs. 237 e seguintes.
[35] Maria Elisabete Ramos, Insolvência da sociedade e efectivação da responsabilidade civil dos administradores, Separata do Boletim da Faculdade de Direito, 2007, vol. LXXXXIII, págs. 449 e ss.
[36] Maria de Fátima Ribeiro, A responsabilidade dos administradores pela insolvência: evolução dos direitos português e espanhol, in Revista de Direito das Sociedades, 2015, vol. 14, págs. 68 e ss.
[37] Carla Magalhães, Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão geral, in Maria do Rosário Epifânio, Estudos de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2015.
[38] Liliana Pinto de Carvalho, Responsabilidade dos administradores perante os credores resultante da qualificação da insolvência como culposa, Revista de Direito das Sociedades, 2013, nº 4.
[39] Rui Pinto Duarte, Responsabilidade dos administradores: coordenação dos regimes do CSC e do CIRE, in Catarina Serra (coord.), III Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 151 e ss.
[40] Rui Pinto Duarte, Estudos Jurídicos Vários, Almedina, Coimbra, 2015, págs. 731 e ss.
[41] Rui Estrela de Oliveira, Uma brevíssima Incursão pelos incidentes de qualificação da insolvência, in O Direito, ano 142º, 2010, V, págs. 931-987.
[42] Rui Estrela de Oliveira, O incidente de qualificação de insolvência, in Insolvência e consequências da sua declaração – Formação contínua 2011/2012 do Centro de Estudos Judiciários, https://educast.fccn.pt.
[43] Neste sentido Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, pág. 680-682.
[44] Manuel Carneiro da Frada, in A responsabilidade dos administradores na insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66, Set. 2006, pág. 692.
[45] No plano jurisprudencial podem ser consultados, entre outros, os acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 14/11/06, do Tribunal da Relação do Porto de 22/05/07, de 18/06/07, de 13/09/07, de 27/11/07, do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/01/08 e do Tribunal da Relação de Guimarães de 20/09/07, todos disponíveis in www://dgsi.pt.
[46] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10/02/2011, in www.dgsi.pt.
[47] Carina Magalhães, Incidente de qualificação da Insolvência, in Estudos de Direito da Insolvência, coordenadora Maria do Rosário Epifânio, Almedina, Coimbra, 2015, pág. 121.
[48] Artigo 189.º (Sentença de qualificação)
1 - A sentença qualifica a insolvência como culposa ou como fortuita.
2 - Na sentença que qualifique a insolvência como culposa, o juiz deve:
a) Identificar as pessoas, nomeadamente administradores, de direito ou de facto, técnicos oficiais de contas e revisores oficiais de contas, afetadas pela qualificação, fixando, sendo o caso, o respetivo grau de culpa;
b) Decretar a inibição das pessoas afetadas para administrarem patrimónios de terceiros, por um período de 2 a 10 anos;
c) Declarar essas pessoas inibidas para o exercício do comércio durante um período de 2 a 10 anos, bem como para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa;
d) Determinar a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente detidos pelas pessoas afectadas pela qualificação e a sua condenação na restituição dos bens ou direitos já recebidos em pagamento desses créditos.
e) Condenar as pessoas afetadas a indemnizarem os credores do devedor declarado insolvente no montante dos créditos não satisfeitos, até às forças dos respetivos patrimónios, sendo solidária tal responsabilidade entre todos os afetados.
3 - A inibição para o exercício do comércio tal como a inibição para a administração de patrimónios alheios são oficiosamente registadas na conservatória do registo civil, e bem assim, quando a pessoa afetada for comerciante em nome individual, na conservatória do registo comercial, com base em comunicação eletrónica ou telemática da secretaria, acompanhada de extrato da sentença.
4 - Ao aplicar o disposto na alínea e) do n.º 2, o juiz deve fixar o valor das indemnizações devidas ou, caso tal não seja possível em virtude de o tribunal não dispor dos elementos necessários para calcular o montante dos prejuízos sofridos, os critérios a utilizar para a sua quantificação, a efetuar em liquidação de sentença.
[49] Acórdão nº 280/2015, publicado no DR 115/2015, II Série.
[50] Maria do Rosário Epifânio, obra citada, pág. 137.
[51] Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa 2015, págs. 692-698.
[52] António Manuel Carneiro da Frada, a responsabilidade dos Administradores na Insolvência, Revista da Ordem dos Advogados, ano 66, vol. II, Lisboa, Setembro de 2006, págs. 674-675 e 684-699.
[53] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, páginas 697 e 698.
[54] Carina Magalhães, Incidente de qualificação da insolvência. Uma visão geral, in Estudos de Direito da Insolvência, Coordenadora: Maria do Rosário Epifânio, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 133 a 135.
[55] Artigo 483.º (Princípio geral):
1. Aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação.
2. Só existe obrigação de indemnizar independentemente de culpa nos casos especificados na lei.
[56] Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª edição, Almedina, Coimbra, 2016, págs. 140-142.
[57] Artigo 818.º (Execução de bens de terceiro):
O direito de execução pode incidir sobre bens de terceiro, quando estejam vinculados à garantia do crédito, ou quando sejam objecto de acto praticado em prejuízo do credor, que este haja procedentemente impugnado.
[58] Adelaide Menezes Leitão, insolvência culposa e responsabilidade dos administradores na Lei nº 16/2012, de 20 de Abril, in I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 279-280.
[59] Artigo 562.º (Princípio geral):
Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação.
[60] Artigo 563.º (Nexo de causalidade):
A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão.
[61] Artigo 564.º (Cálculo da indemnização):
1. O dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão.
2. Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior.
[62] Neste sentido, podem ser consultados acórdãos do Tribunal Constitucional nº 187/2001, de 2 de Maio, nº 632/2008, de 23 de Dezembro e nº 360/2016 de 8 de Junho de 2016, todos disponíveis in www.tribunalconstitucional.pt/tc/ acordaos/.
[63] Maria Cristina Queiroz, O princípio da interpretação conforme à Constituição. Questões e perspectivas. In Revista da Faculdade de Direito da Universidade do Porto. 2010, Ano VII, p. 314.
[64] Konrad Hesse, Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad.: Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Fabris Editora, 1998, p. 70-71.
[65] Bernardo de Castro, As sentenças de interpretação conforme à Constituição. Análise dos limites jurídico-funcionais do Tribunal Constitucional nas relações com as demais jurisdições, in Revista Eletrónica de Direito Público, disponível em https://www.e-publica. pt/volumes/v3n2a10.html.
[66] Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ª edição, Coimbra, Almedina, 2014, pág. 1310.
[67] A este propósito pode ser consultado o acórdão do Tribunal Constitucional nº 360/2012 no qual se refere que o princípio da interpretação conforme constitui um princípio interpretativo e não um parâmetro de controlo da constitucionalidade.
[68] Karl Larenz, em Metodologia da Ciência do Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 1997, pág. 480, assinala que uma interpretação que não contradiga os princípios da Constituição «é possível segundo os demais critérios de interpretação, há-de preferir-se a qualquer outra em que a disposição viesse a ser inconstitucional. A disposição nesta interpretação é então, nesta interpretação, válida. Disto decorre, então que de entre as várias interpretações possíveis segundo os demais critérios sempre obtém preferência aquela que melhor concorde com os princípios da Constituição».
[69] Bernardo de Mendonça Teixeira de Castro, As sentenças intermédias na ordem constitucional nacional: análise da sua legitimidade à luz do princípio da separação de poderes. Braga: Universidade do Minho, 2015, pág. 70.
[70] Maria Benedita Urbano, Curso de Justiça Constitucional. Evolução Histórica e Modelos de Controlo da Constitucionalidade. Coimbra: Almedina, 2014, pág. 78.
[71] O negócio que fundamenta a obrigação de indemnizar os credores foi realizado em 30/09/2014, o pedido de insolvência entrou em juízo em 12/11/2014 e a medida foi decretada em 21/08/2015.