Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
868/10.2TBALR.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: DANO FUTURO
ABALROAÇÃO
PERDA DE CAPACIDADE DE GANHO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
Data do Acordão: 10/20/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: ALTERADA
Sumário: 1. No cálculo dos danos patrimoniais futuros decorrentes da perda de ganho, deverá considerar-se a produção de um rendimento durante o tempo de vida previsível da vítima, adequado ao que auferiria se não fosse a lesão correspondente ao grau de incapacidade, e adequado a repor a perda sofrida.
2. Isto implica tomar em linha de conta a idade do lesado ao tempo do acidente, o prazo de vida previsível, os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos, o grau de incapacidade, e todos os outros elementos atendíveis.
3. As tabelas financeiras a que a jurisprudência recorre destinam-se a alcançar um minus indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade, que permitam a ponderação de variáveis não contidas nas referidas tabelas.
4. Não se justifica uma eventual dedução por entrega imediata do capital, quando a sentença é proferida mais de seis anos após a perda de emprego da vítima e os juros são concedidos apenas a partir da data de prolação da sentença.
5. Tendo a vítima ficado impedido de exercer a sua actividade profissional habitual, perdendo o emprego e sendo actualmente ajudado economicamente por familiares, justifica-se a elevação do resultado obtido através das tabelas financeiras em pelo menos 40%.
6. No caso de um jovem com 19 anos de idade à data do acidente, sujeito a quatro cirurgias e 125 sessões de fisioterapia, com alta cerca de dois anos e meio depois do acidente, ficando afectado de sequelas que implicaram a perda do seu posto de trabalho e incapacidade permanente para a sua profissão habitual, com um quantum doloris de grau 4 (numa escala de 1 a 7), dano estético de grau 4, défice permanente de integridade físico-psíquica de 7 pontos, sendo de admitir danos futuros, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3 e na actividade sexual de grau 2, sentimentos de tristeza, com isolamento e depressão, carecendo de apoio psicológico, justifica-se que a indemnização por danos não patrimoniais, de acordo com os mais recentes escalões indemnizatórios, seja fixada em € 50.000,00.
Decisão Texto Integral:





868/10.2TBALR.E1

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

AA, demandou BB Companhia de Seguros, S.A., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de € 250.034,50, bem como indemnização a liquidar referente a retribuições perdidas, devendo ainda pagar os tratamentos que se venham a revelar necessários por agravamento das lesões e da sua incapacidade.
Após contestação, a acção foi julgada parcialmente procedente, condenando-se a Ré a pagar ao A. as quantias de € 13.736,21 a título de danos futuros e de € 20.000,00 a título de danos morais (em ambos os casos com juros desde a data da sentença), bem como as quantias necessárias aos tratamentos do A., a liquidar posteriormente.
Inconformado, o A. apresentou recurso com as seguintes conclusões:
1. «Impugna o Apelante a decisão constante da sentença recorrida em matéria de facto.
2. Assim, quanto ao ponto 2.1.15 dos factos dados como provados considera-se que foi incorrectamente julgado (na parte em que se refere ao quesito 8.º da base instrutória) e que deveria ter sido dado como provado que o A. «Deslocou-se ainda a exames e consultas médicas, tendo efectuado despesas num total de 34,05€, dado que as deslocações foram na sua quase totalidade suportadas pela Ré».
3. Prova essa imposta pela conjugação do teor dos Docs. 6 a 13 juntos à p.i. e constantes das seguintes fls. dos autos: 59 o Doc. 6, 23 o Doc. 7, 60 o Doc. 8, 25 o Doc. 9, 51 o Doc. 10, 27 o Doc. 11, 26 o Doc. 12 e 52 o Doc. 13.
4. Quanto ao ponto 2.1.29 dos factos provados, entende-se que foi também incorrectamente julgado (na parte em que se refere aos quesitos 41.º a 43.º da base instrutória) e que deveria ter sido dado como provado o seguinte: «As sequelas do acidente para o A. tenderão a agravar-se, com alterações degenerativas do tornozelo esquerdo e da coluna vertebral pela claudicação da marcha, o que implica necessidade futura de ajudas medicamentosas que correspondem à necessidade permanente de recurso a medicação regular, neste caso analgésicos e antiespasmódicos, e tratamentos médicos regulares que correspondem à necessidade regular de tratamentos médicos para tratar e reduzir ao máximo as consequências do agravamento das sequelas e evitar retrocessos, neste caso tratamentos de fisioterapia (duas secções três vezes por ano).»
5. O que se impunha face ao teor do relatório pericial junto aos autos a fls. 214 a 217 v.º (cfr. o segundo parágrafo da respectiva pág. 6).
6. Também se entende incorrectamente julgado o ponto 2.1.30 dos factos provados (na parte em que se refere aos quesitos 36.º a 38.º da base instrutória), sendo que deveria ter sido dado como provado o seguinte: «O autor viveu com preocupação e angústia a evolução da sua situação clínica, continuando receoso relativamente à possibilidade de agravamento no futuro das sequelas que o afectam. O autor vive com preocupação e sofrimento o facto da perda de emprego devida ao acidente e de estar a ser sustentado pela mãe, sem as perspectivas de carreira que tinha antes do ocorrido. O autor passou a ser pessoa triste, deprimida e isolada (quando antes saía com os amigos e praticava desporto), sentindo-se limitado pelas sequelas físicas do acidente e a tal propósito tem inclusivamente sido forçado a ir a consultas com psicólogos e a medicar-se por indicação daqueles.». Prova que se impunha face aos seguintes depoimentos prestados em audiência e gravados e quanto aos quais o Tribunal a quo, na sua livre convicção, entendeu que «As testemunhas referidas, apesar do relacionamento familiar, prestaram declarações duma forma serena, segura e isenta de contradições merecendo, por isso, a credibilidade do Tribunal.»:
a) Da testemunha CC, gravado na audiência final de 27-11-2015 entre as 11h.12m.55s. e as 11h.39m.10s., sendo para esta matéria relevante a passagem da gravação que vai dos 21m.40s. aos 25m. do respectivo depoimento;
b) Da testemunha DD, gravado na audiência final de 27-11-2015 entre as 10h.30m.31s. e as 11h.12m.40s., sendo para esta matéria relevante a passagem da gravação que vai dos 36m.15s. aos 42m.06s. do respectivo depoimento;
c) Do Apelante, prestado a título de declarações de parte, gravado na audiência final de 27-11-2015 entre as 11h.40m.20s. e as 12h.13m.55s., sendo para esta matéria relevante a passagem da gravação que vai dos 23m.45s. aos 26m.21s. do respectivo depoimento.
7. Impugna ainda o Apelante a decisão constante da sentença em matéria de direito, na medida em que discorda, por os julgar manifestamente insuficientes, dos valores indemnizatórios fixados nas alíneas a) e b) do dispositivo decisório final para ressarcimento de danos patrimoniais futuros e de danos não patrimoniais.
8. Assim, a indemnização de 13 736,21€ atribuída ao Apelante na sentença recorrida com referência aos danos patrimoniais futuros é insuficiente para ressarcir tais danos, violando-se assim o disposto nos arts. 566.º,2 e 564.º,2 do Código Civil.
9. É com base na fórmula constante do acórdão da Relação de Coimbra de 04/04/1995, in CJ, ano XX 1995, tomo II, pág. 23, que se deve calcular a indemnização devida a tal título ao Apelante, pois só dessa forma se poderão levar em conta as previsíveis inflação anual, ganhos de produtividade e evoluções salariais por progressão na carreira e não com base na do acórdão do STJ citado na douta sentença recorrida e que desta fez uso, sendo consequentemente a indemnização assim calculada de 19 472,42€ (aplicando aquela fórmula por exemplo por utilização do simulador de indemnização por IPP constante de http://www.verbojuridico.net/anterior.html , elaborado pelo Dr. Joel Timóteo Ramos Pereira, Juiz de Direito com base nela).
10. A fórmula constante do citado Acórdão da Relação de Coimbra já contempla o esgotamento do capital no fim da vida do Apelante, tal como aliás a constante do Acórdão do STJ referido na sentença recorrida, pelo que não se deverá proceder a qualquer redução àquela soma indemnizatória atendendo ao facto de o Apelante a receber de uma só vez, contrariamente ao feito na sentença recorrida.
11. Deverá sim aquela soma de 19 472,42€ ser aumentada em 50% conforme efectuado na douta sentença recorrida atendendo a que o dano em causa não corresponde apenas a uma incapacidade parcial genérica que cause ao Apelante maiores dificuldades no exercício da sua profissão mas sim a uma muito mais grave incapacidade absoluta de exercer a referida profissão, incapacidade essa que se mostra comprovada nos autos.
12. Chega-se assim a uma indemnização a atribuir ao Apelante para reparação de danos patrimoniais futuros no montante de 29 208,63€, aceitando-se que seja este o seu valor actualizado face aos factores de actualização constantes da fórmula do acórdão da Relação de Coimbra acima utilizada.
13. Descontada a importância de 4 246,89€ já recebida pelo Apelante da Apelada (saldo sobrante em relação ao montante já recebido da Apelada computado na sentença recorrida para indemnização dos danos patrimoniais emergentes), deverá o Apelante receber a este título a quantia de 24 961,74€, soma essa sim justa e equitativa e que a Apelada deverá ser condenada a pagar-lhe.
14. Por outro lado, a sentença recorrida, ao fixar em apenas 20 000€ o valor actualizado da indemnização a pagar ao Apelante por danos não patrimoniais violou os arts. 496.º,1 e 3; 564.º,2 e 566.º,2 do Código Civil, pois deveria ter condenado sim a Apelada a pagar ao Apelante a tal título a quantia de 50 000€, já actualizada.
15. Na verdade o Tribunal a quo deveria ter levado em conta para lá dos graves danos não patrimoniais referidos no último parágrafo da sua pág. 25 e 1.º da sua pág. 26 que as sequelas do acidente para o A. tenderão a agravar-se, com alterações degenerativas do tornozelo esquerdo e da coluna vertebral pela claudicação da marcha e que o autor vive com preocupação e sofrimento o facto da perda de emprego devida ao acidente e de estar a ser sustentado pela mãe, sem as perspectivas de carreira que tinha antes do ocorrido. O autor passou a ser pessoa triste, deprimida e isolada (quando antes saía com os amigos e praticava desporto), sentindo-se limitado pelas sequelas físicas do acidente e a tal propósito tem inclusivamente sido forçado a ir a consultas com psicólogos e a medicar-se por indicação daqueles. (factos que como acima se alegou deverão ser dados como provados).
16. O conjunto dos danos não patrimoniais assim apurados nos autos leva a que seja da maior justiça fixar em 50 000€ a indemnização já actualizada a pagar a tal título ao Apelante, até por comparação com a situação julgada no acórdão do STJ, 2.ª Secção, Proc. 198/06TBPMS.C1.S1, datado de 24-04-2013, in www.dgsi.pt, em que por unanimidade se atribuiu por danos não patrimoniais indemnização de 40 000€ a uma lesada com 51 anos à data do sinistro, lesada essa que sofreu um período de incapacidade temporária profissional total fixável em 371 dias, acrescido de 30 dias para EMOS, quantum doloris fixável no grau 5 (de 1 a 7), incapacidade parcial permanente fixável em 4 pontos (o Apelante por comparação tinha 19 anos à data do acidente, teve incapacidade temporária total durante um total de 627 dias, quantum doloris fixado em 4 de 7 pontos e ficou impedido de exercer a sua profissão habitual, embora com a possibilidade de reconversão acima referida e ficou afectado de incapacidade parcial permanente de 7 pontos).
17. Deverá nestes termos a douta sentença recorrida ser revogada e substituída por douto acórdão que:
a) Condene a Apelada a pagar ao Apelante a quantia de 24 961,74€ a título de ressarcimento de danos patrimoniais futuros, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data de prolação da sentença da 1.ª instância (por ser a data da decisão actualizadora e com referência à qual a indemnização deverá ser calculada);
b) Condene a Apelada a pagar ao Apelante a quantia de 50 000€ a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a data de prolação da sentença da 1.ª instância (por ser a data da decisão actualizadora e com referência à qual a indemnização deverá ser calculada);
c) Mantendo-se no restante a condenação proferida sob a alínea c) do n.º 3 (Decisão) da sentença recorrida, com o que se fará JUSTIÇA!»

Por seu turno, a Ré produziu as seguintes contra-alegações:
I. «O presente recurso vem interposto da Sentença que, julgando parcialmente procedente o pedido, condenou a Recorrida ao pagamento, ao Recorrente, da "a) quantia de €13.736,21 a título de danos futuros, acrescido de juros à taxa legal, contados desde a data da prolação da Sentença" e "b) a quantia de €20.000 a título de danos morais, acrescido de juros à taxa legal, contados desde a data da prolação da Sentença";
II. No essencial - e como transparece da conclusão nº 17 do recurso sob resposta - o Apelante discorda apenas dos montantes arbitrados na Sentença em crise, propugnando que a condenação ao abrigo da alínea a) passe a cifrar-se em €24.961,74 e que a condenação ao abrigo da alínea b) passe a cifrar-se em €50.000;
III. A Recorrida não pode deixar de referir, no entanto, que lhe parece que a Sentença em crise não merece os reparos que lhe são feitos pelo Apelante, porquanto julgou correctamente a matéria de facto e aplicou exemplarmente o Direito. Foi por essa razão, aliás, que apesar de a Sentença lhe ser desfavorável, a Recorrida conformou-se com o respectivo teor;
IV. No que diz respeito ao ponto 2.1.15 dos factos provados, a Recorrida limita-se a afirmar que alguns dos documentos juntos aos autos - pelo menos na versão, não numerada, que foi entregue à Ré com a contestação - continuam ilegíveis, razão pela qual lhe é impossível - e também terá sido para o Tribunal, que apenas se louva nos documentos de fls. 19, 51, 52 e 60 - confirmar a aritmética do Autor;
V. No que diz respeito ao ponto 2.1.29 dos factos provados, a Recorrida entende que a impugnação terá de improceder porque o Autor pretende ver aditada à matéria de facto matéria que não havia alegado (Cfr., a esse respeito, o que constava dos artigos 41º a 44º da Base Instrutória, esses sim correspondentes à matéria alegada pelo Autor nos artigos 55º e 56º da Petição);
VI. O Tribunal só tem de socorrer-se da perícia - como meio de prova -para responder a matéria alegada pelas partes e não para suprir os respectivos défices de alegação;
VII. No que diz respeito ao ponto 2.1.30 dos factos provados, a Recorrente entende que a matéria que o Apelante pretende ver aditada está, em parte, contida no artigo 2.1.48 da matéria de facto dada como provada, na qual pode ler-se "Actualmente o Autor é ajudado economicamente pela mãe e por um irmão (factualidade incluída no quesito 35º da Base Instrutória)" e que a parte não provada - "sem as perspectivas de carreira que tinha antes do ocorrido" - não havia sido alegada e nem resulta da instrução da causa e, portanto, não devia ser dada como provada;
VIII. Por outro lado, que do segmento "O Autor passou a ser pessoa triste, deprimida e isolada (quanto antes saía com os amigos e praticada desporto) sentindo-se limitado pelas sequelas físicas do acidente e a tal propósito tem inclusivamente sido forçado a ir a consultas com psicólogos e a medicar-se por indicação daqueles." O Autor só alegou que "Para lá disso, todo o sofrimento físico porque passou e as visíveis limitações físicas de que padece causaram grande desgosto ao Autor, passou a ser uma pessoa taciturna e ensimesmada, quando era e é ainda um jovem, sentindo-se limitado para o resto da vida e fazendo atrozes comparações com os outros jovens da sua idade";
IX. Assim, e em primeiro lugar, o Autor não alegou a matéria que pretende ver dada como provada, em particular no que diz respeito às consultas de psicologia;
X. Quanto ao demais, é evidente que o Tribunal valorizou essa matéria tendo em conta, sobretudo, o que resulta da Perícia Médico-Legal. Pode ler-se na Sentença: "Volvendo ao caso dos autos temos que, como danos não patrimoniais, se provou, as lesões físicas, sequelas que a impedem de desfrutar em pleno de actividades desportivas e de lazer (grau 3/7) um quantum doloris de 4/7 correspondente ao sofrimento físico e o mal-estar do ofendido provocadas pelas lesões derivadas do acidente de que foi vítima, nomeadamente durante o período de incapacidade temporária e, finalmente, uma repercussão na actividade sexual de grau 2/7";
XI. Quanto aos danos patrimoniais futuros, a Recorrida não pode deixar de sublinhar que o que está em causa é, ainda e tão-só, uma questão de dano e que o comando legislativo é de reconstituição: o lesado deve ser reposto na situação que teria se não tivesse sofrido a lesão e não deve, por isso, ser colocado numa situação pior, nem melhor, do que a que teria;
XII. No caso, o lesado terminou o seu contrato de trabalho atentos os factos descritos em 2.1.34 a 2.1.39 da Sentença em crise, padecendo de uma incapacidade geral de 7 pontos (ponto 2.1.25, aceite pelo Autor), compatível com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional (ponto 2.1.26, aceite pelo Autor);
XIII. Apoiando-se em cálculos matemáticos, o Tribunal alcança um valor de €12.306,14, ao passo que o Autor alcança um valor de €19.472,42;
XIV. Usando a fórmula matemática celebrizada num outro Acórdão de referência (AC. TRC de 4.4.1995) e os dados económicos do Autor (taxa de crescimento da prestação de 2% e o salário real do Autor), obtemos um valor de €17.533; se considerarmos o valor actual do SMN, obteremos um valor na ordem do referido pelo Autor;
XV. Sublinha-se, assim e portanto, que os cálculos matemáticos para apuramento do dano patrimonial conduzem a resultados que são, no essencial, idênticos;
XVI. Ora, no caso, o Recorrente já "beneficiou", na Sentença em crise, do agravamento (em 50%) em virtude de a lesão ter afectado a sua actividade profissional habitual. Ora, esse agravamento não tem qualquer lógica patrimonial - poderá corresponder a uma dificuldade acrescida na obtenção de outro emprego ou não, i.e., essa dificuldade acrescida não é sequer previsível;
XVII. Ou seja: o Autor pretende beneficiar do sol na eira e da chuva no nabal, ao referir que a sua dificuldade futura deve ser ponderada mas que o seu benefício actual (ao receber antecipadamente parte - 7% - do que receberia ao longo da vida) não deve ser ponderado nesse juízo equitativo, pretensão que, evidentemente, não pode proceder;
XVIII. Com a Sentença em crise, o Tribunal já coloca o Autor numa situação patrimonial melhor do que a que teria se não fosse a lesão, porque o compensa para além do seu esforço acrescido, sem que a isso corresponda qualquer dano patrimonial verificado nos autos. Com a sentença em crise, o Autor vê a sua incapacidade de 7 pontos percentuais compensada como se equivalesse a uma incapacidade de 10,5 pontos percentuais;
XIX. Daí que seja incompatível - sob pena de se desrespeitar integralmente o disposto no artigo 562º do CC - pretender que a quantia arbitrada não seja deduzida em 1/5, em virtude de o Autor receber antecipadamente essa compensação;
XX. Com essa redução, o Autor é compensado no equivalente a 8,4 pontos percentuais (10.5-(10.5/5)=10.5.- 2.1 = 8.4), ainda assim num valor fixado acima do seu dano real, correspondente ao seu esforço acrescido (7 pontos percentuais);
XXI. Ou seja, por cada 470€ auferíveis pelo Autor, o correspondente ao seu esforço acrescido (7 pontos) é de 32,9€; o correspondente ao seu esforço acrescido agravado na lógica da Sentença é de 39,48€ o que equivale a uma diferença mensal de 6.58€ (1,4% do salário);
XXII. Ora, na lógica do Autor (sem a redução de 20% por força do recebimento antecipado), o Autor é, como vimos, compensado em 3.5% acima do seu dano real, correspondente ao seu esforço acrescido (7 pontos percentuais); isto é, por cada 470€ auferíveis pelo Autor, o correspondente ao seu esforço acrescido (7 pontos) é de 32,9€; o correspondente ao seu esforço acrescido sem a contabilização do benefício do recebimento antecipado é de 49,35€ o que equivale a uma diferença mensal de 16.45€ (3,5% do salário);
XXIII. A Sentença já contém, através desse agravamento, uma lógica equitativa que já transcende uma pura lógica de reposição do status quo ante, que o Recorrente pretende agravar numa forma que o Direito não consente;
XXIV. E não consente porque - e sobre isso não há dúvidas - o Autor não receberia aquele montante antecipadamente não fora a lesão, i.e., só receberia essa quantia aquando da sua reforma. A antecipação do recebimento constitui, portanto, um desvio ao princípio da reconstituição, que deve ser equitativamente temperado;
XXV. Aquilo que na Sentença injustamente em crise se procurou fazer foi, justamente, temperar os cálculos matemáticos à luz dos princípios consagrados no artigo 562º do Código Civil e do caso concreto, tendo em atenção, por um lado, a incapacidade para o trabalho habitual e, por outro, o recebimento antecipado;
XXVI. Pretender que a Sentença seja revogada no sentido de não abranger a dedução correspondente ao recebimento antecipado é desvirtuar toda a Sentença e a sua lógica equitativa;
XXVII. A Sentença deve, nesse particular, ser mantida, sob pena de flagrante violação do disposto no artigo 562º do CC;
XXVIII. Recorrente e Recorrida estão de acordo em que um dos referenciais mais correctos para aferir da justiça equitativa de uma determinada decisão judicial concernente à compensação por danos não patrimoniais é, justamente, a jurisprudência dos casos semelhantes;
XXIX. A Recorrida entende que a Sentença injustamente em crise aplicou correctamente o Direito, fornecendo uma solução equitativa e adequada ao artigo 496º do Código Civil;
XXX. E invoca, a seu benefício, Acórdãos recentes do STJ (disponíveis em www.dgsi.pt): AC. STJ de 28.01.2016 (Relatora Conselheira Maria da Graça Trigo); AC. STJ de 26.01.2016 (Relator Conselheiro Fonseca Ramos); AC. STJ de 21.01.2016 (Relator Conselheiro Lopes do Rego) e, por fim, o AC. STJ de 04.06.2015 (Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza).»

Corridos os vistos, cumpre-nos decidir.
Da impugnação da matéria de facto:
Estando reunidos os critérios exigidos pelo art. 640.º n.º 1 do Código de Processo Civil, vejamos os concretos pontos de facto impugnados pelo Recorrente.
Quanto ao ponto 2.1.15 da matéria de facto, relativo a despesas em deslocações a exames e consultas médicas, a primeira instância considerou provadas despesas num total de € 17,85, relativo a duas viagens de comboio de Lisboa para Santarém nos dias 9 e 18.03.2010, e uma viagem de táxi deste último dia. No entanto, junto com a petição inicial estão igualmente cópias dos bilhetes das viagens de ida de Santarém para Lisboa naquelas datas e outra viagem de táxi, pelo que, não estando tais documentos impugnados, se concederá razão ao Recorrente, fixando tais despesas num total de € 34,05.
No que concerne ao 2.1.29 da matéria de facto, o relatório pericial – na respectiva pág. 6, § 2.º – menciona ser de perspectivar dano futuro, relacionado com as alterações degenerativas do tornozelo esquerdo e da coluna vertebral pela claudicação da marcha. Ponderando que já no art. 55.º da petição inicial o A. havia alegado o desgaste ósseo continuado e progressivo da articulação do tornozelo esquerdo, com maior dificuldade de locomoção”, este facto deverá ser ponderado na decisão da matéria de facto. Expurgando ainda este ponto da matéria de facto de afirmações redundantes, fixar-se-á o mesmo como segue: «As sequelas tenderão a agravar-se, com alterações degenerativas do tornozelo esquerdo e da coluna vertebral pela claudicação da marcha, necessitando de forma permanente de medicação regular, neste caso analgésicos e anti-espasmódicos, e de tratamentos médicos regulares para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, neste caso duas sessões de fisioterapia, três vezes por ano.»
Finalmente, quanto ao ponto 2.1.30 da matéria de facto, no art. 46.º da petição inicial o A. alegou viver com preocupação e sofrimento a perda do emprego, sendo agora sustentado pela mãe, o que lhe causava complexos em relação ao seu futuro – e certo é que esta realidade se mostra confirmada nos depoimentos da mãe do A. e do seu irmão, prestados de forma coerente. Uma vez que se trata de matéria com relevância na aferição dos danos futuros e dos danos não patrimoniais, será introduzida neste ponto.
O A. alegou igualmente, no art. 47.º da sua peça, que as visíveis limitações físicas de que padece lhe causavam desgosto, tendo passado a ser pessoa taciturna e ensimesmada, sentindo-se limitado para o resto da vida e fazendo comparações com os outros jovens da sua idade. E certo é que dos mesmos depoimentos resulta provada a tristeza e o isolamento, com depressão associada às suas limitações físicas, necessitando de apoio psicológico (este último facto, embora não expressamente alegado, é instrumental à depressão e como tal será ponderado).
A redacção do ponto 2.1.30 fixar-se-á assim como segue: «O A. viveu com preocupação e angústia a evolução da sua situação clínica, continuando receoso relativamente à possibilidade de agravamento no futuro das sequelas que o afectam. Sentiu também preocupação e sofrimento com a perda do emprego, sendo agora sustentado pela mãe, o que lhe causava complexos em relação ao seu futuro. Sente tristeza e isola-se, padecendo de depressão associada às suas limitações físicas e necessitando de apoio psicológico.»

A matéria de facto fica assim estabelecida:
Da dinâmica do acidente:
2.1.1. No dia 04 de Setembro de 2007, cerca das 19 horas, o A. circulava pela Rua Marechal, no sentido X-Z ou Rua Dr. para a Estrada, vias daquela mesma localidade, conduzindo o motociclo com a matrícula 00-00-FM;
2.1.2. O que fazia na sua mão de trânsito;
2.1.3. No sentido contrário e no mesmo local circulava o EE, conduzindo o veículo automóvel ligeiro de mercadorias com a matrícula RS-00-00;
2.1.4. Quando ambos os veículos chegaram ao entroncamento com a Estrada Velha, o RS-00-00 mudou de direcção para a sua esquerda, atendendo ao sentido de marcha que levava, procurando entrar na Estrada Velha;
2.1.5. No entanto, o EE, ao fazer tal manobra, não cedeu passagem ao 00-00-FM, entrando na mão de trânsito contrária e assim obstruindo a passagem do motociclo conduzido pelo A.;
2.1.6. Consequentemente deu-se o embate da frente esquerda do RS-00-00 com a frente do 00-00-FM, embate que ocorreu já na mão de trânsito do 00-00-FM;
Das consequências do acidente:
2.1.7. Do embate resultou de imediato para o A. traumatismo crânio encefálico com perda de conhecimento e amnésia para o acidente;
2.1.8. Como consequência directa e necessária do embate e devido ao impacto com a frente do RS-00-00 e à posterior queda no chão, o A. sofreu as seguintes lesões:
a) fractura do colo do fémur, ncop fechada;
b) fractura das diáfises da tíbia e do peróneo, fechada;
c) fractura do maléolo medial (tornozelo), fechada;
tudo com referência ao seu membro inferior esquerdo;
2.1.9. Consequentemente, no dia do acidente o A. foi admitido no serviço de urgência do Hospital Distrital, onde foi submetido naquele mesmo dia:
a) intervenção cirúrgica à fractura do colo do fémur, com osteossíntese daquela fractura;
b) imobilização do membro inferior esquerdo para tratamento das fracturas mencionadas em 2.1.8., com aplicação de parafusos de fixação;
2.1.10. Para recuperação das lesões e da intervenção a que foi sujeito, o A. ficou internado no Hospital Distrital até 26 de Setembro de 2007, data em que, tendo recebido alta hospitalar, saiu daquele hospital;
2.1.11. Posteriormente, em 21/11/2007, veio o A. a ser de novo internado no Hospital Distrital de Santarém, para se proceder a intervenção cirúrgica para remoção de parafuso de fixação do tornozelo esquerdo que lhe tinha sido aplicado aquando do primeiro internamento, tendo saído após aquela intervenção, em 23/11/2007;
2.1.12. Em datas não concretamente apuradas o A. deslocou-se ao Centro de Saúde para fazer tratamentos;
2.1.13. O A. foi sujeito a intervenções cirúrgicas em 31/07/2008 e 29/01/2009, para extracção de material de osteossíntese;
2.1.14. Por repercussão das lesões sofridas em consequência do acidente o A. teve de se sujeitar a sessões de fisioterapia, com duas horas de duração entre 14 de Março de 2008 e 24 de Abril de 2009, num total de 125 sessões;
2.1.15. Deslocou-se ainda a exames e consultas médicas, tendo efectuado despesas num total de € 34,05, dado que as deslocações foram quase na sua quase totalidade suportadas pela Ré;
2.1.16. O A. foi seguido nos serviços médicos da Ré, que lhe determinaram o seguinte, quanto a períodos de incapacidade:
ITA/ITP/ % /Período/Nº de dias:
i. Incapacidade Temporária Absoluta 100% de 04.09.2007 a 27.11.2008; 434 dias;
ii. Incapacidade Temporária Parcial 20% de 28.11.2008 a 28.01.2009; 60 dias;
iii. Incapacidade Temporária Absoluta 100% de 29.01.2009 a 23.07.2009, 186 dias;
iv. Incapacidade Temporária Parcial 30% de 24.07.2009 a 30.03.2010, 246 dias;
2.1.17. Tendo alta, no dia 30.03.2010 com a atribuição de uma incapacidade de 5.91 pontos, mas sem impossibilidade de prestação do trabalho habitual;
2.1.18. Em resultado das lesões sofridas o A. teve um Período de Défice Funcional Temporário Total, situado entre 04/09/2007 e 27/11/2008 e entre 29/01/2009 e 23/07/2009, num total de 627 dias;
2.1.19. E um Período de Défice Funcionário Temporário Parcial situado entre 28/11/2008 e 28/01/2009 e entre 24/07/2009 e 30/03/2010, num total de 312 dias;
2.1.20. Teve igualmente um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Total situada entre 04/09/2007 e 27/11/2008 e entre 29/01/2009 e 23/07/2009, num total de 627 dias;
2.1.21. E um Período de Repercussão Temporária na Actividade Profissional Parcial situado entre 28/11/2008 e 28/01/2009 e entre 24/07/2009 e 30/03/2010 num total de 312 dias;
2.1.22. A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 30/03/2010;
2.1.23. Sofreu dores que no âmbito médico-legal correspondem a um Quantum Doloris fixável em 4/7;
2.1.24. Sofreu, ainda um Dano Estético Permanente fixável em 4/7;
2.1.25. Em consequência do acidente o A. ficou com um Défice Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 7 pontos sendo de admitir a existência de danos futuros;
2.1.26. As sequelas descritas são, em termos de Repercussão Permanente na Actividade Profissional impeditivas da actividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões na área da sua preparação técnico profissional;
2.1.27. A Repercussão nas Actividade Desportivas e de Lazer é no âmbito médico-legal fixável no grau 3/7;
2.1.28. E a Repercussão na Actividade Sexual é no âmbito médico-legal fixada no grau 2/7;
2.1.29. As sequelas tenderão a agravar-se, com alterações degenerativas do tornozelo esquerdo e da coluna vertebral pela claudicação da marcha, necessitando de forma permanente de medicação regular, neste caso analgésicos e anti-espasmódicos, e de tratamentos médicos regulares para evitar um retrocesso ou agravamento das sequelas, neste caso duas sessões de fisioterapia, três vezes por ano;
2.1.30. O A. viveu com preocupação e angústia a evolução da sua situação clínica, continuando receoso relativamente à possibilidade de agravamento no futuro das sequelas que o afectam. Sentiu também preocupação e sofrimento com a perda do emprego, sendo agora sustentado pela mãe, o que lhe causava complexos em relação ao seu futuro. Sente tristeza e isola-se, padecendo de depressão associada às suas limitações físicas e necessitando de apoio psicológico;
2.1.31. À data do acidente o A. trabalhava como armeiro de segunda para afirma FF S.A., após renovação sucessiva do seu contrato inicial, que havia já passado a contrato sem termo;
2.1.32. O A. auferia naquela data o vencimento mensal de € 455,40;
2.1.33. Após lhe ter sido dada alta mencionada em 24/07/2009 o A. tentou retomar o trabalho na FF tendo comparecido ao trabalho ainda alguns dias;
2.1.34. A actividade profissional do A. implicava que permanecesse de pé durante toda a jornada de trabalho;
2.1.35. A entidade patronal não tinha outro posto de trabalho que pudesse atribuir ao A. onde ele não tivesse de permanecer em pé todo o dia de trabalho;
2.1.36. Ao trabalhar em pé o A. verificou que tinha dores e cansaço muito fortes na perna esquerda;
2.1.37. Que se iam agravando ao longo do dia de trabalho;
2.1.38. Não conseguindo o A. estar de pé mais de 3 ou 4 horas seguidas;
2.1.39. Em 11 de Agosto de 2009 o A. enviou à sua entidade patronal o escrito de fls. 55, que a mesma recebeu, cujo teor é o seguinte:
“Assunto: Caducidade do contrato de trabalho
Conforme é do conhecimento de V. Exas., encontro-me definitivamente impossibilitado, por incapacidade derivada de acidente, de prestar o meu trabalho a V. Exas. Na verdade, na sequência do acidente de viação ocorrido em 4/9/2007, foi-me dada, em 24/07/2009, alta definitiva pelos serviços clínicos da Companhia de Seguros para a qual o culpado do acidente transferiu a sua responsabilidade. Fiquei afectado de incapacidade permanente que para grande desgosto meu me impede de prestar o meu trabalho a V. Exas. De facto verifico que não reúno as condições físicas mínimas que me permitam continuar a ocupar o meu posto de trabalho, que desejaria a todo o custo manter, tendo V. Exas constatado que não existe outro posto de trabalho que me possam atribuir.
Verifica-se assim a cessação automática do meu contrato de trabalho por caducidade ocorrida em 28/7/2009, nos termos do art. 343.º b) do Código de Trabalho sem necessidade de qualquer denúncia, comunicação ou pré-aviso de V. Exas ou da minha parte)”;
2.1.40. Após a data em que deixou de trabalhar na FF o A. tirou um curso de informática e realizou um estágio remunerado pelo Instituto de Emprego, numa empresa do ramo;
2.1.41. Em Janeiro de 2009 o vencimento mensal do A. era € 469,06;
2.1.42. Entre 04/09/2007 e 27/11/2008 o A. não auferiu qualquer remuneração (14 meses e 19 dias);
2.1.43. Entre 29/01/2009 e 23/07/2009 o A. não recebeu igualmente qualquer remuneração (5 meses e 24 dias);
2.1.44. A Ré pagou ao A. as seguintes quantias:
- em 15/02/2008 a quantia de € 1.755,60 a título de adiantamento salarial de 09/09/2007 a 31/01/2008 como adiantamento por conta da indemnização final;
- em 23/07/2008 a quantia de € 2.153,73 a título de adiantamento salarial de 01/02 a 31/07/2008 e despesas apresentadas tudo por conta da indemnização final;
- em 23/07/2008 a quantia de €2,90 como adiantamento por conta da indemnização final;
Da responsabilidade:
2.1.45. À data do acidente, a responsabilidade civil por danos emergentes da circulação do veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula RS-00-00 encontrava-se assumida pela Ré BB Companhia de Seguros S.A., por contrato de seguro do ramo “Automóvel” titulado pela Apólice nº 0045.80.389786;
2.1.46. A Ré, em 18/10/2007, remeteu aos pais do A. a carta junta como documento 20 da petição inicial, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde pode ler-se: “Assunto: acidente de viação em 04/09/07; Reportamo-nos ao acidente em epígrafe e servimo-nos deste meio para informar que assumimos a responsabilidade; deste modo agradecemos que logo que a situação clínica do filho de V. Ex.ªs o permita nos contactem para efeitos de marcação de uma consulta nos nossos serviços clínicos para exame e tratamento. Entretanto anexamos recibo de indemnização parcial relativamente aos objectos comunicados no valor acordado com o perito de EUR 170,00, o qual depois de legalizado deve ser apresentado à cobrança nos nossos serviços”,
Outros factos com interesse para a decisão da causa:
2.1.47. À data do acidente o A. tinha 19 anos de idade (nasceu a 28.07.1988);
2.1.48. Actualmente o A. é ajudado economicamente pela mãe e por um irmão;
2.1.49. A fs. 143 e com data de 29 de Novembro de 2011, o A. veio dar conhecimento que recebeu da Ré a quantia de € 10.000,00 a título de adiantamento por conta da indemnização a receber a final.

APLICANDO O DIREITO
1.ª Questão: Da indemnização por perda de ganho
Relativamente ao cálculo dos danos patrimoniais futuros decorrentes da perda de ganho, o tribunal deverá considerar a produção de um rendimento durante o tempo de vida previsível da vítima, adequado ao que auferiria se não fosse a lesão correspondente ao grau de incapacidade, e adequado a repor a perda sofrida. Isto implica tomar em linha de conta a idade do lesado ao tempo do acidente, o prazo de vida previsível, os rendimentos auferidos ao longo desta, os encargos, o grau de incapacidade, e todos os outros elementos atendíveis. Acima de tudo, há que reconstituir a situação que existiria não fora o acto danoso, e a indemnização terá de ter como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que poder ser atendida pelo tribunal e a que teria nessa data se não existissem danos - arts. 562.º e 566.º n.º 2 do Código Civil.
E se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente entro dos limites que tiver provados – n.º 3 deste art. 566.º.
Como se afirmou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2009, no Proc. 381-2002-S1, disponível em www.dgsi.pt, «a indemnização a arbitrar como compensação dos danos futuros previsíveis, decorrentes da IPP do lesado, deve corresponder ao capital produtor do rendimento de que a vítima ficou privada e que se extinga no termo do período provável da sua vida – quantificado, em primeira linha, através das tabelas financeiras a que a jurisprudência recorre, de modo a alcançar um minus indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade, que permitam a ponderação de variáveis não contidas nas referidas tabelas.»
Socorrendo-nos da tabela utilizada no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 04.12.2007, no Proc. 07A3836, igualmente adoptada no Acórdão da Relação do Porto de 08.05.2014, no Proc. 227/09.0TBRSD.P1, ambos publicados na referida base de dados, e ponderando um tempo provável de vida do A., de 75 anos (logo, com 54 anos de vida provável após o despedimento), uma perda inicial de rendimentos anuais de € 459,68 (€ 6.566,84 x 0,07) e aplicando a fórmula C = [(1 + 0,243%)54 - 1 : (1+0,243%)54 x 0,243%] x € 459,68, obtém-se o resultado de € 23.236,65.
Quanto a uma eventual dedução por entrega imediata do capital, entende-se não dever ter lugar neste caso concreto: o A. perdeu o emprego em Agosto de 2009 e os juros só foram concedidos desde a data de prolação da sentença em Janeiro de 2016, pelo que não se pode afirmar ocorrer alguma forma de enriquecimento ilícito, muito pelo contrário. Tanto mais que ocorre outro factor de agravamento da situação do A.: dadas as lesões na perna esquerda, não consegue estar de pé mais de 3 ou 4 horas seguidas, estando impedido de exercer a sua actividade profissional habitual e sendo actualmente ajudado economicamente pela mãe e por um irmão. O que tudo justifica a elevação do resultado obtido através da fórmula supra em pelo menos 40%.
De todo o modo, o que releva são os critérios de equidade, uma vez que estamos perante meras estimativas – art. 566.º n.º 3 do Código Civil. Tanto mais que as tabelas nos concedem «um minus indemnizatório, a corrigir e adequar às circunstâncias do caso através de juízos de equidade, que permitam a ponderação de variáveis não contidas nas referidas tabelas», como refere o aresto do Supremo Tribunal de Justiça de 05.11.2009 supra citado, pelo que, equitativamente, se considera justo e adequado valorizar este dano em € 35.000,00.
Porém, a este título o A. peticiona nas suas alegações apenas € 29.208,63, pelo que a ela nos cingiremos, em obediência ao princípio da limitação do pedido.
Deduzindo o saldo sobrante já recebido pelo A. da Ré, de € 4.246,89 (ponto 2.1.49 da matéria de facto), obtém-se a quantia final de € 24.961,74 que se peticiona, pelo que esta parte do recurso merece provimento.

2.ª Questão: Da indemnização por danos não patrimoniais
A este propósito, e tendo em atenção serem aplicáveis critérios de equidade, como previsto no art. 496.º n.º 3, primeira parte, do Código Civil, vejamos os padrões indemnizatórios seguidos recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça[1]:
· Acórdão de 04.06.2015, no Proc. 1166/10.7TBVCD.P1.S1: jovem de 17 anos, vários tratamentos médicos, intervenções e internamentos, alta mais de 4 anos depois do acidente, repercussões estéticas, quantum doloris de grau 6, e grave culpa da condutora do veículo causador do acidente – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 40.000,00;
· Acórdão de 21.01.2016, no Proc. 1021/11.3TBABT.E1.S1: jovem de 27 anos, múltiplos traumatismos, sequelas psicológicas, quantum doloris de grau 5, dano estético de 2 pontos; incapacidade parcial de 16 pontos, repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 2, claudicação na marcha e rigidez da anca direita – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 50.000,00;
· Acórdão de 26.01.2016, no Proc. 2185/04.8TBOER.L1.S1: jovem de 20 anos, desportista, que ficou com várias cicatrizes em zonas visíveis e padeceu de acentuado grau de sofrimento (quantum doloris de grau 5) e relevante dano estético – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 45.000,00;
· Acórdão de 28.01.2016, no Proc. 7793/09.8T2SNT.L1.S1: quantum doloris de grau 5, sujeição a quatro operações, internamento por longos períodos, mais duas operações a que ainda teria de se sujeitar, vários tratamentos de reabilitação, dano estético de grau 4 – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 40.000,00; e,
· Acórdão de 07.04.2016, no Proc. 237/13.2TCGMR.G1.S1: jovem de 22 anos de idade, défice funcional permanente de 8%, quantum doloris de grau 4, sequelas compatíveis com o exercício da actividade habitual mas implicando esforços suplementares, dano estético de grau 3, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 1 e diversas sequelas psicológicas – indemnização arbitrada por danos não patrimoniais: € 50.000,00.
No caso, sabemos que o acidente ocorreu quando o A. tinha 19 anos de idade, sendo sujeito a quatro cirurgias, a 125 sessões de fisioterapia e tendo alta cerca de dois anos e meio depois do acidente, com 627 dias de incapacidade temporária absoluta e 312 de incapacidade temporária parcial. Ficou afectado de sequelas que implicaram a perda do seu posto de trabalho e a incapacidade permanente para a sua profissão habitual. O quantum doloris foi de grau 4 (numa escala de 1 a 7), o dano estético é igualmente de grau 4, o défice permanente de integridade físico-psíquica é de 7 pontos, sendo de admitir danos futuros, a repercussão nas actividades desportivas e de lazer é de grau 3 e na actividade sexual de grau 2. Por outro lado, o A. ficou dependente economicamente da mãe e de um irmão, o que lhe causa complexos (naturais), sente tristeza, isola-se e padece de depressão, carecendo de apoio psicológico.
Ponderando os estalões indemnizatórios supra referidos, notando que o caso dos autos tem alguns parâmetros mais graves que o decidido no Acórdão de 07.04.2016 supra citado – o A. é mais jovem, ficou incapacitado para a sua profissão habitual e o dano estético e a repercussão nas actividades desportivas é mais grave – e não olvidando os seis anos decorridos desde a propositura da causa, entendemos equitativa a indemnização de € 50.000,00 peticionada a este título pelo Recorrente, pelo que também aqui se concede provimento ao recurso.

DECISÃO
Destarte, concede-se provimento ao recurso, alterando-se as als. a) e b) do dispositivo da sentença nos termos que seguem:
a) a indemnização ainda a pagar pela Ré, a título de danos patrimoniais futuros, fixa-se em € 24.961,74;
b) a indemnização a pagar pela Ré a título de ressarcimento de danos não patrimoniais, fixa-se em € 50.000,00.
No mais se mantém a decisão recorrida – taxa e tempo de contagem dos juros devidos por estes valores, bem como a condenação no pagamento dos tratamentos ainda necessários, constante da al. c) daquele dispositivo.
Custas do recurso pela Ré.
Évora, 6 de Outubro de 2016

Mário Branco Coelho (relator)

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Isabel de Matos Peixoto Imaginário

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Maria da Conceição Ferreira
[1] Todos os arestos citados estão publicados em www.dgsi.pt.