Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
146/14.8T8SSB
Relator: JOÁO GOMES DE SOUSA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES
PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
CONTRADITÓRIO
INÍCIO DO PRAZO
Data do Acordão: 05/05/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Havendo dúvidas sobre a data de interposição de recurso de impugnação judicial em processo contra-ordenacional e pedindo o tribunal esclarecimentos à entidade administrativa sobre o momento da entrada do recurso, ao arguido deve ser dado conhecimento dos elementos recebidos para que possa exercer os seus direitos de “audiência e defesa” (artigo 32º, n. 10 da C.R.P.) sobre esse concreto ponto fulcral para a admissibilidade do recurso.
Decisão Texto Integral:


Proc. n.º 146/14.8T8SSB

Acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No recurso de contra-ordenação que correu termos no Tribunal Judicial de St, Instância Local de SB, SCG J2 – com o número supra indicado, ME – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S.A. foi condenada por decisão da Câmara Municipal de SB que lhe aplicou uma coima no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), pela prática da contra-ordenação sancionável pelos artigos 67.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 178/2006, de 05/09 e artigo 22.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29/08.

Inconformada com a decisão proferida pela entidade administrativa impugnou judicialmente a decisão com vista à sua absolvição.


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Por despacho de 24 de novembro de 2014 o tribunal de St – Instância Local de SB – rejeitou liminarmente o recurso de impugnação judicial por extemporâneo – fls. 87 e vº.

Inconformado com a rejeição recorre o arguido com as seguintes conclusões (transcritas):

1. Vem a Recorrente apresentar recurso contra a decisão do Tribunal de 1.ª Instância que lhe rejeitou o recurso impugnação da decisão administrativa proferida no âmbito do processo de contraordenação n.º 96/2012 da Câmara Municipal de SB por extemporaneidade.

2. Tendo duvidado da tempestividade do recurso interposto pela Recorrente, o Tribunal recorrido proferiu despacho que ordenou a notificação da Câmara Municipal de SB para vir aos autos informar em que data é que tinha rececionado o referido recurso.

3. Sucede que, nem o mencionado despacho, nem a resposta da Câmara Municipal, foram notificados à Recorrente.

4. A falta de notificação à Arguida do referido despacho e da informação fornecida pela Câmara Municipal de SB coartou, incontestavelmente, o exercício do direito ao contraditório pela Recorrente.

5. Esta é mesma linha de pensamento que perfilham António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, já na senda do defendido por Soares Ribeiro, e crê-se, também, a posição do Tribunal Constitucional revelada no Acórdão n.º 496/97, num caso semelhante ao sub judice.

6. A necessidade de notificação da posição da entidade administrativa face a uma eventual intempestividade do recurso justifica-se não só pelo mero direito que o arguido tem de estar informado sobre a tramitação do processo que poderá cominar numa decisão condenatória para o mesmo, como também por ser essencial para a descoberta da verdade.

7. Pois que, a descoberta da verdade só se alcança com a audição de ambas as partes envolvidas na causa.

8. Não se olvida, portanto, que estamos perante uma violação do princípio do contraditório e do direito de defesa da Recorrente bem plasmados no artigo 32.º, n.ºs 1, 5 e 7 da Constituição da República Portuguesa, por parte do Tribunal ora recorrido.

9. A preterição da notificação à Arguida da informação prestada pela entidade administrativa acerca da tempestividade da apresentação da impugnação judicial constitui uma omissão de uma diligência que se reputa essencial para a descoberta da verdade.

10. Tal omissão configura, por isso, a nulidade prevista no artigo 120.º, n.º 2, al. d), 2.ª parte, do Código de Processo Penal, que fere a decisão recorrida e que aqui se argui para os devidos efeitos legais.

11. Acresce ainda que, ao vedar o direito de defesa à Recorrente, o Tribunal a quo impossibilitou-se de fixar devidamente, como a lei o obriga, a matéria de facto que fundamenta a decisão, nos termos do disposto no artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal.

12. Ora, com efeito, o Tribunal, na decisão recorrida, para além de não ter propriamente enumerado os factos que fundamentaram a sua decisão, também não pôde relacionar os factos provados e não provados, atendendo a que, antes de proferir a decisão em causa, não convocou a outra parte – a Recorrente – para se pronunciar.

13. Não cumpriu, desta forma, o Tribunal, o prescrito no citado artigo 374.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, o que acarreta forçosamente a nulidade da sentença ora recorrida, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a) do Código de Processo Penal, que se argui.

14. A impugnação judicial foi apresentada à Câmara Municipal de SB dentro do prazo legal.

15. A Câmara Municipal de SB notificou a Recorrente da decisão que proferiu por carta datada de 07.10.2014, por sua vez, expedida a 08.10.2014 (cfr. documentos n.ºs 1 e 2).

16. A notificação seguiu em carta registada com prova de receção e não com aviso de receção, como refere a decisão recorrida.

17. No envelope, no qual se envia à Recorrente a referida decisão, pode ler-se: “Registo com prova de recepção”, “notificação via pos” (presume-se “pos” que seja “postal”), “Art.º 113.º n.º 1 alínea b) e n.ºs 5 e (… - não se consegue ler) Código Processo Penal” (cfr. documento n.º 3).

18. A Recorrente foi notificada nos termos do disposto do artigo 113.º, n.º 1, al. b) e n.º 5 do CPP e tão-só ao abrigo deste diploma legal.

19. De acordo com este preceito legal, a notificação por via postal simples considera-se efetuada no 5.º dia útil posterior ao da expedição.

20. No nosso caso, uma vez que a carta foi expedida no dia 08.10.2014, a Recorrente considera-se notificada, pois então, a 13.10.2014.

21. Ainda que não tenha sido notificada ao abrigo deste preceito legal, mas apenas do anterior, refira-se que dispõe o artigo 43.º, n.º 10, da Lei n.º 50/2006, de 29 de Agosto que: “As notificações efectuadas por simples carta registada presumem-se feitas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil.”

22. Ora, também por via deste diploma legal, considerando que a Recorrente foi notificada por simples carta registada, a mesma foi recebida em 13.10.2014.

23. Ora, atendendo a que o prazo para impugnação é de 20 dias úteis, conforme refere, e bem, a sentença recorrida, o prazo terminou a 10.11.2014.

24. Data esta – a de 10.11.2014 – em que foi enviada, via correio eletrónico, para a Câmara Municipal de SB, a impugnação judicial ” (cfr. documento n.º 4).

25. Tais factos poderiam ter sido alegados e provados tivesse a Recorrente sido notificada para exercer o seu direito ao contraditório em relação à informação prestada pela referida entidade administrativa ao Tribunal a quo.

26. A Recorrente, legitimamente, calculou o seu prazo com base na notificação que lhe foi feita, não podendo ser prejudicada por quaisquer erros que tenham, eventualmente, existido por parte da secretaria da entidade administrativa que a notificou (cfr. artigo 157.º, n.º 6 do Código de Processo Civil).

27. Pelo que, face a todo o exposto, deve o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo, admitindo-se a impugnação judicial apresentada pela Recorrente.


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A Digna Procuradora Adjunta respondeu ao recurso, defendendo a sua improcedência, com as seguintes conclusões:

1) Carece, salvo melhor opinião, e sempre com muito respeito, de fundamento legal, a alegada violação do direito ao contraditório relativamente a um pedido de informação efectuado à Câmara Municipal de SB no sentido de indicar a data em que o recurso foi apresentado junto daquela Entidade.

2) O recurso da decisão administrativa apresentado pela arguida/Recorrente foi apresentado fora do prazo previsto no artigo 59.º, n.º do RGCO, não colhendo os argumentos aduzidos por aquele uma vez que, o mesmo foi notificado da decisão condenatória, por carta registada com aviso de recepção, em 09/10/2014.

3) Ainda que o recurso tenha sido apresentado por via electrónica no dia 10/11/2014, sempre seria o mesmo extemporâneo, uma vez que o prazo para apresentação daquele terminou dia 09/11/2014.

4) Posto isto, e porque nenhum reparo nos merece o Douto Despacho recorrido, dúvidas não temos de que o Tribunal “a quo” andou bem ao decidir nos moldes em que o fez, razão pela qual pugnamos pela sua manutenção.


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Nesta Relação, a Exmª Procuradora-geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Foi observado o disposto no nº 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal.


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B - Fundamentação:

B.1 – É o seguinte o teor do despacho recorrido:

«ME – Sociedade Imobiliária, SA veio impugnar judicialmente a decisão condenatória proferida pela Câmara Municipal de SB que lhe aplicou uma coima no valor de € 15.000,00 (quinze mil euros), pela prática da contra-ordenação sancionável pelos artigos 67.º, n.º 2, alínea a) do DL n.º 178/2006, de 05/09 e artigo 22.º, n.º 3, alínea b) da Lei n.º 50/2006, de 29/08.

A decisão condenatória foi notificada ao arguido, por carta registada com aviso de recepção, em 09.10.2014 (fls. 54).

Nos termos do artigo 43.º, n.º 11 da Lei n.º 50/2006, de 29/08 «Havendo aviso de recepção, a notificação considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificando, mesmo quando o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente na sede ou domicílio do destinatário, presumindo-se, neste caso, que a carta foi oportunamente entregue àquele».

De acordo com o artigo 59.º, n.º 1 e 3, do RGCO (DL n.º 433/82, de 27 de Outubro, com alterações introduzidas pela Declaração de 06 de Janeiro, pelo DL n.º 356/89, de 17 de Outubro, pela Declaração de 31 de Outubro 1989, pelos DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, e DL n.º 323/2001, de 17 de Dezembro, e pela Lei n.º 109/2001, de 24 de Dezembro), a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial, sendo o recurso feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.

Consequentemente, sendo a impugnação judicial a via legalmente prevista para obstar a que a decisão administrativa se torne definitiva, a falta de interposição do competente recurso pelo arguido ou seu defensor, no prazo de 20 (vinte) dias úteis após o seu conhecimento pelo arguido, torna a decisão definitiva.

Esse prazo suspende-se aos sábados, domingos e feriados e o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte – artigo 60.º, n.º 1 e 2, do mesmo diploma.

Tal prazo não tem natureza judicial, não lhe sendo por isso aplicável o regime previsto pelo artigo 145º, n.º 5, do Código de Processo Civil, nem as demais normas previstas no citado diploma legal, designadamente em matéria de dilação do prazo.

No caso concreto, não se vislumbram fundamentos para a dilação prevista no artigo 73.º do Código de Procedimento Administrativo.

O recurso de impugnação judicial foi apresentado na autoridade administrativa em 20.11.2014 (fls. 86).

O arguido não alegou qualquer facto do qual se infira que apenas tomou conhecimento da decisão administrativa em data posterior àquela que consta do aviso de recepção junto aos autos, acto que desencadeia a contagem do prazo.

O prazo de 20 dias terminou no dia 06.11.2014.

Em conformidade com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, do RGCO, o juiz rejeitará, por meio de despacho, o recurso feito fora do prazo ou sem respeito pelas exigências de forma.

Pelo exposto, rejeito o recurso apresentado pelo arguido ME Sociedade Imobiliária, SA, por extemporaneidade.

Custas pelo Recorrente, fixando a taxa de justiça em 1 UC - artigos 94º,n.º 3, e 8.º, n.º 4 do RCP e Tabela III Anexa.

Notifique e comunique à autoridade administrativa».


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Cumpre decidir.

B.2 - O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da respectiva motivação – 412º, n.º 1, do Código de Processo Penal - de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95, aplicável ao processo contra-ordenacional.

Não há que conhecer de vício de conhecimento oficioso.

É questão a conhecer – e apenas – a extemporaneidade do recurso de impugnação judicial.


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B.3 – Estamos a tratar de um recurso de “impugnação judicial”, como tal definido por lei – artigo 59º, n. 1 do RGCO (Dec-Lei n. 433/82, de 27-10). Logo, para a sua interposição é necessário apresentar escrito dirigido ao tribunal judicial competente – artigo 61º RGCO – não obstante apresentado à entidade administrativa decisora, no prazo de 20 dias.

Não cabe nesta decisão o desenvolvimento deste tema nem o apurar para já da aplicação de normas do direito subsidiário aplicável, mas apenas apurar se o recurso é extemporâneo e, para tanto, saber se a decisão de rejeição do recurso dispunha de todos os dados e cumpriu todas as formalidades aplicáveis.

Para a sua decisão o tribunal recorrido pediu esclarecimentos à entidade administrativa sobre o momento da entrada do recurso, tendo recebido como resposta daquela que o recurso havia dado entrada a 20-11-2014.

Sem mais, sem que à arguida fosse dada a oportunidade de exercer os seus direitos de “audiência e defesa” (artigo 32º, n. 10 da C.R.P.) sobre esse concreto ponto fulcral para a admissibilidade formal do recurso, o tribunal decidiu-se pela rejeição do mesmo.

A arguida vem agora, afirmar e fazer prova prima facie de que a notificação terá ocorrido antes daquela data. A ser assim o tribunal terá que se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso face aos novos dados trazidos à liça pela recorrente.

E não vale dizer que sempre o recurso seria de rejeitar face à nova data indicada pela recorrente por duas razões: primo porquanto o tribunal recorrido não se pronunciou sobre a matéria; secundo porque a aplicabilidade ou não do artigo 145º, n. 5 do Código de Processo Civil (actual artigo 139º, n. 5 do mesmo código) é questão que, para além de controvertida, também não foi concretamente aplicada na decisão recorrida mas apenas referida en passant sem aplicação ao caso concretamente apreciado.

Por tudo é o recurso procedente nesta parte ficando as restantes questões prejudicadas, devendo o tribunal recorrido dar a conhecer à arguida a informação recebida da entidade administrativa sobre a data da notificação e conceder-lhe o direito de “audiência e defesa”.


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C - Dispositivo:

Face ao que precede se decide conceder provimento ao recurso, determinando-se que o tribunal recorrido dê a conhecer à arguida a informação recebida da entidade administrativa sobre a data da notificação e lhe conceda em prazo o direito de “audiência e defesa”, após o que deve lavrar novo despacho sobre a admissibilidade do recurso.

Sem tributação.

Évora, 05 de Maio de 2015

(Processado e revisto pelo relator)

João Gomes de Sousa

Felisberto Proença da Costa