Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1414/18.5T8STR-H.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA
REMUNERAÇÃO SUPLEMENTAR
Data do Acordão: 03/30/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - A majoração de 5% da remuneração variável do administrador de insolvência nomeado pelo juiz – n.º 7 do artigo 23.º do EAJ – calcula-se por referência ao grau de satisfação dos créditos e não por aplicação direta de 5% ao montante dos créditos satisfeitos.
II - O grau de satisfação dos créditos expressa-se aritmeticamente pela proporção ou percentagem entre o montante dos créditos admitidos a pagamento e o montante dos créditos pagos aos credores.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: 1414/18.5T8STR-H.E1

Acordam na 2ª secção do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
1. (…), administradora de insolvência, no processo em que foi declarado insolvente (…), veio requerer a aprovação da sua remuneração variável, no montante de € 27.752,83, a que acresce IVA, na qual incluiu a majoração de € 13.436,18 correspondente a 5% dos créditos satisfeitos (€ 268.723,60 x 5%).
Em vista do processo, o Ministério Público emitiu douto parecer por forma a defender que a majoração devida pelo grau de satisfação dos créditos deverá ser fixada em € 5.915,05 {[(266.263,60 x 100 : 599.328,06)x(266.263,60 : 100)] x 5%} e, por efeito da retificação desta parcela, a concluir que a renumeração variável (global) devida à Administradora da insolvência é de € 20.231,70, acrescida da IVA.
Parecer que mereceu a adesão expressa da credora (…) – STC, SA.

2. Seguiu-se despacho no qual se identificaram as razões de direito que justificam o desencontro das soluções – a interpretação do n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto dos Administradores Judiciais, com as alterações que lhe resultaram da Lei 9/2022, de 11/1 – e se considerou, por adesão à solução encontrada pelo acórdão desta Relação de 29/9/2022[1], aliás, relatado pelo ora 1º Adjunto e subscrito pela ora 2ª Adjunta, em concreto, o seguinte:
Foi apurado o valor total de receitas de € 26.451,48.
Deste valor deduzem-se as dívidas da massa insolvente que no caso concreto somam € 1.316,00.
O resultado da liquidação é de € 286.333,08 (€ 292.240,71 de receitas - € 5.907,63 de despesas). Sobre este incidirá a aplicação da taxa de 5%, obtendo o valor de € 14.316,65.
Este valor é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos.
Para obter o grau de satisfação dos créditos, haverá que deduzir ao resultado da liquidação a primeira parcela da remuneração acrescida de IVA e a remuneração fixa acrescida de IVA, ou seja, € 286.333,08 - € 14.316,65 x 23%IVA - € 2.000,00 x 23%= € 266.263,60.
Cifrando-se os créditos admitidos no valor total de € 599.328,06, conforme conta da lista definitiva de credores, o grau dos créditos satisfeitos é de 44,43%.
Aplicando esta percentagem ao valor de € 266.263,60 obtemos o valor de € 118.300,92. Aplicando a este valor a taxa de 5% obtém-se a majoração no valor de € 5.915,05.
Termos em que se apura uma remuneração variável no valor de € 20.231,70 (€ 14.316,65 + € 5.915,05), a que acresce IVA à taxa legal no valor de € 4.653,29, ou seja, o valor total de € 24.884,99.”

3. A Administradora de insolvência recorre e conclui assim a motivação do recurso:
“1. No âmbito do apenso G do processo de insolvência n.º 1414/18.5T8STR, que corre os seus termos no Juízo de Comercio de Santarém – Juiz 1, a Recorrente em 28.05.2021 veio prestar contas nos termos do artigo 62.º do CIRE (Petição com a Ref.ª 7755629).
2. Contas essas validadas por douta sentença proferida naquele apenso em 17.09.2021 (Ref.ª 87686321).
3. A Recorrente em 05.09.2022 (Ref.ª 8972818) calculou a sua remuneração variável nos termos do artigo 23.º do EAJ – Lei n.º 22/2013, de 26 de Fevereiro, alterada pela Lei n.º 9/2022, de 11 de Janeiro.
4. Do cálculo realizado resulta um valor de global de € 34.135,99 a título de remuneração variável, dos quais € 14.316,65 são a título de remuneração variável (artigo 23.º, n.º 4, alínea b), do EAJ), € 13.436,18 a título de majoração (artigo 23.º, n.º 7, do EAJ).
5. Sobre estes valores acresce IVA à taxa legal em vigor (€ 6.383,15).
6. No mesmo dia, a Recorrente submeteu a proposta de distribuição e rateio final (Ref.ª 8972819), considerando como devido o valor de remuneração por si calculado.
7. Em 11.09.2022 (Ref.ª 90876981) a Digníssima Procuradora do Ministério Publico veio opor-se ao cálculo efetuado pela Recorrente, adotando um método de interpretação da norma que, salvo melhor entendimento, não é o que resulta do espírito e letra da lei.
8. Por Requerimento de 19.10.2022 (Ref.ª 9101054) o credor (…) - STC, S.A. veio igualmente opor-se ao cálculo efetuado pela Recorrente.
9. No dia 24.11.2022, é proferido douto Despacho (Ref.ª 91698213) que decidiu fixar a remuneração variável em € 24.884,99.
10. Para o efeito, entendeu a Mm.ª Juiz a quo que o cálculo de majoração da remuneração variável efetuado pela Recorrente não se encontrava devidamente formulado, por desconsiderar o grau de satisfação dos créditos.
11. Considerou a Mm.ª Juiz a quo que "(…) no cálculo da majoração importa incluir o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, n.ºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a percentagem dos créditos satisfeitos e admitidos."
12. Determinando que o valor percentual obtido corresponderá ao grau de satisfação dos créditos, o qual se aplicará ao valor líquido da remuneração, sendo ao valor assim obtido que se aplica, por seu turno, a taxa de 5%.
13. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente entende que esta decisão incorre num erro de interpretação da norma substantiva prevista no n.º 7 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11/01.
14. Esta artigo nada refere quanto ao método, nem ao modo de cálculo adotado pelo julgador.
15. Ora, nada referindo, deve-se procurar o sentido literal da norma que é de aplicar 5% ao montante disponível para distribuição dos senhores credores.
16. Na antiga redação do n.º 1 do artigo 23.º do EAJ (redação da Lei n.º 79/2021, de 24/11): “1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.”
17. Como forma de cálculo, estabeleciam os n.º 2 a 5 do mesmo artigo que “2 - Os administradores judiciais referidos no número anterior auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na portaria referida no número anterior. 3 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme o regime previsto na portaria referida no n.º 1. 4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 5 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 3 e 4 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1. 6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções. 7 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10.000 por cada um dos devedores do mesmo grupo.”
18. Ou seja, na anterior legislação, para a fixação da remuneração variável do Administrador Judicial teria de socorrer-se ao referido artigo 23.º, majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos,
19. Este grau de satisfação era interpretado em conjugação com a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro.
20. E assim era porquanto a norma continha a seguinte expressão: "(…) em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1".
21. Portaria que fazia menção expressa ao método de aplicação aos coeficientes percentuais a aplicar a cada montante.
22. Com a recente alteração legislativa operada pela entrada em vigor da Lei n.º 55/2021, de 13/08, o referido artigo 23.º do EAJ passou a ter a seguinte redação: “1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 (euro). 2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto. 3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º. 4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano. 6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles. 8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções. 9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10 000 por cada um dos devedores do mesmo grupo. 10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro). 11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data.”
23. Esta constitui a principal novidade da Lei n.º 9/2022: a consagração de uma forma diversa de calcular a remuneração variável em função do resultado da liquidação – quando os autos assim o prossigam.
24. In casu, para a determinação do Resultado da Liquidação, a Recorrente deduziu às Receitas de Liquidação (€ 292.240,71) os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, nomeadamente, as despesas (totais) da liquidação € 3.279,88 e as custas do processo de insolvência € 2.627,75.
25. O n.º 6 do referido artigo exclui desta operação, a remuneração fixa referida no n.º 1.
26. Nos presentes autos temos um Resultado da Liquidação de € 286.333,08.
27. Ao Resultado (liquido) da Liquidação é aplicado o coeficiente de 5%, para alcançar o quantum da Remuneração Variável de € 14.316,65, acrescido de IVA, à taxa legal de 23% (€ 3.292,83).
28. O que corresponde a uma remuneração variável de € 17.609,48.
29. O n.º 7 do artigo 23.º do EAJ estabelece que “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
30. A lei prevê assim a majoração da remuneração variável em caso de liquidação, através da aplicação de novo fator de 5% sobre o valor pronto para distribuição sobre os credores.
31. Desta forma, a lei equipara o Administrador Judicial a um verdadeiro credor da Massa Insolvente.
32. Para o cálculo da majoração deduz-se ao Resultado (liquido) da Liquidação (€ 286.333,08), o montante global a pagar à Recorrente a título de Remuneração Variável (€ 17.609,48).
33. Assim se obtém o montante disponível para a satisfação dos créditos reclamados e satisfeitos que é de € 268.723,60.
34. A majoração prevista no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ será calculada aplicando o coeficiente de 5% sobre este valor, in casu , de € 13.436,18.
35. A este valor acresce IVA à taxa legal de 23% (€ 3.090,32).
36. Assim o valor (global) da majoração é de € 16.526,50.
37. E o valor global da Remuneração Variável (com majoração incluída) é de € 34.135,99.
38. Este é o valor que consta na proposta de distribuição e de rateio e na proposta de cálculo submetidas nos autos principais em 05.09.2022 (Ref.ªs 8972818 e 8972819).
39. O despacho ora em crise considera que para efeitos de cálculo da majoração, se deve aplicar um coeficiente percentil que a lei não indica, nem prevê.
40. Pelo que se trata de uma interpretação que não deve ser acolhida por não ser a que resulta expressa da letra da lei.
41. Nem tão pouco encontra fundamento no percurso histórico que foi feito até à sua aprovação.
42. De acordo com a posição adotada pelo Sr. Dr. Nuno Marcelo da Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo em artigo científico denominado “A renumeração do Administrador Judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de abril de 2022”: "(…) a nova fórmula de cálculo da remuneração variável em caso de liquidação, e ao contrário do que a letra do nº 7 parece sugerir, implica a total irrelevância que o grau (ou percentagem) de satisfação dos credores assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos."
43. Este Autor entende que os "(…) 5% da majoração vão incidir sobre o produto da liquidação já deduzido de todas as despesas da massa, incluindo a remuneração fixa e variável (esta, naturalmente ainda sem a majoração)".
44. Ademais, no douto Parecer solicitado pela APAJ – Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais em 20.11.2022, o Ilustre Professor Doutor Alexandre de Soveral Martins considera que "(…) a referência a um «grau» de satisfação feita no n.º 7 do art. 23.º do EAJ não significa que se tenha de efetuar uma primeira operação para reduzir o valor sobre o qual incidirá a percentagem de 5% ou uma primeira operação para reduzir o valor da percentagem a aplicar ao montante dos créditos satisfeitos. E muito menos há que aplicar a tabela que surgia no Anexo II da Portaria 51/2005".
45. Para este Autor "(…) a expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» pretende tornar claro, desde logo, que os créditos satisfeitos que contam para a majoração são os que se incluam nos créditos reclamados e admitidos;" nomeadamente para salvaguardar os créditos que, embora não reclamados, sejam por outro via do conhecimento, reconhecidos pelo Administradora Judicial (v. g. créditos constantes da contabilidade de uma sociedade devedor ou que, por qualquer outra via sejam do conhecimento do Administrador de Insolvência).
46. Ora, ao fazer assentar a operação de majoração da Remuneração Variável com base na aplicação de um coeficiente (5%) em função de um grau de satisfação do créditos admitidos percentualmente calculado e não legalmente previsto, o despacho em crise incorre na violação da norma substantiva prevista no artigo 23.º, por adoção de entendimento diverso ao expressamente previsto na referida norma.
47. Razão pela qual se impõe a sua correção de acordo com o legalmente previsto.
Termos em que, e nos melhores de direito que V.as Ex.as entendam suprir, deve o presente Recurso ser julgado procedente e, em consequência, o douto Despacho de 24.11.2022 (Ref.ª 91698213) ser revogado e substituído por outro que fixe o montante a receber pela Recorrente a título de Remuneração Variável no montante global de € 34.135,99, conforme calculado pela Recorrente nos Requerimentos (Ref.ª 8972818 e 8972819) de 05.09.2022.
Assim se fará a tão acostumada JUSTIÇA!”
Ao recurso respondeu a credora (…), STC, S.A. e o Ministério Público por forma a concluírem pela confirmação da decisão recorrida.
Observados os vistos legais, cumpre decidir.

II. Objeto do recurso
Considerando que o objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões neles insertas, salvo as questões de conhecimento oficioso (artigos 635.º, n.º 4 e 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, do Código de Processo Civil), nos recursos apreciam-se questões e não razões ou argumentos, os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do ato recorrido e vistas as conclusões do recurso, importa decidir se a majoração da remuneração variável, a que se reporta o n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, incide diretamente sobre o montante do produto da massa insolvente distribuída pelos credores.

III. Fundamentação
1. Factos relevantes
a) O resultado da liquidação ascendeu a € 286.333,08 (deduzidas as despesas de liquidação e as custas do processo de insolvência).
b) Foram admitidos créditos no valor de € 599.328,06.

2. Direito
2.1. Se a majoração da remuneração variável, a que se reporta o n.º 7 do artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial, incide diretamente sobre o montante do produto da massa insolvente distribuída pelos credores.
O administrador da insolvência nomeado pelo juiz tem direito à remuneração prevista no seu estatuto e ao reembolso das despesas que razoavelmente tenha considerado úteis ou indispensáveis [artigo 60.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE)].
Sobre esta remuneração – administrador judicial nomeado por iniciativa do juiz – o artigo 23.º do Estatuto do Administrador Judicial (EAJ), aprovado pela Lei n.º 22/2013, de 26/2, com as alterações da Lei n.º 9/2022, de 11/1), dispõe, designadamente, o seguinte:
1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 (euro).
(…)
4 - Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes:
a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5;
b) 5%. do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6.
5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano.
6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência.
7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
(…)”
A remuneração do administrador da insolvência, retendo o que para o caso releva, quando nomeado pelo juiz compreende uma parte fixa – € 2.000,00 – e uma parte (duplamente) variável: 5% do resultado da liquidação da massa insolvente [n.º 4, alínea b) e n.º 6]; uma majoração, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles [n.º 7].
A questão colocada nos autos prende-se com a interpretação desta última variável – majoração em 5% – uma vez que a decisão recorrida a calculou por referência ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos – expressando aritmeticamente este grau de satisfação por referência à proporção (percentagem) entre o montante dos créditos que foram admitidos a pagamento e o montante dos créditos pagos aos credores – e a Recorrente considera que a majoração de 5% deve incidir diretamente sobre o valor global de satisfação dos credores, isto é, sobre a quantia a ratear por eles.
A interpretação da norma não se mostra isenta de dificuldades, uma vez que grau de satisfação dos créditos e créditos satisfeitos são realidades de expressão económica distintas, cuja coincidência apenas se verificará em casos marginais de plena satisfação dos créditos admitidos – 100% de grau de satisfação dos créditos e 100% de créditos satisfeitos – e não expressar a norma, ao menos com clareza, corresponder a majoração a 5% do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos ou corresponder a majoração a 5% do montante dos créditos satisfeitos.
Ainda assim,
A solução defendida no recurso apresenta, para nós uma intransponível dificuldade hermenêutica que decorre da ablação de um dos seus segmentos necessariamente significativos – o grau de satisfação dos créditos – uma vez que transporta, em si, a ideia que a remuneração, em qualquer caso, corresponde a 5% do montante dos créditos satisfeitos e transforma em letra morta o grau de satisfação dos créditos.
Dificuldade identificada no já referido acórdão desta Relação de 29/09/2022: “caso a expressão não tivesse qualquer interesse para a justa solução do problema, na construção da regra o legislador teria de evitar qualquer referência ao “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”. E, se assim fosse, na redação da norma seria bastante a alocução normativa: «o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, […] em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles». Com efeito, não é inócua a expressão nem a mesma pode ser tratada como um mero elemento decorativo da norma colocada em crise. E, assim, para que a mesma tenha algum efeito prático e consequências jurídicas, importa estabelecer alguma correlação entre o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos e o montante dos créditos satisfeitos.”
Na fixação do sentido e alcance da lei o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, o que significa que a forma de expressão do legislador – a letra da lei – não pode ser ignorada pelo intérprete.
“Se se prescinde totalmente do texto já não há interpretação da lei, pois, já não estaremos a pesquisar o sentido que se alberga em dada exteriorização.”[2]
A solução preconizada pela decisão recorrida, ao fazer incidir a majoração de 5% sobre o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, não tem idênticos reveses interpretativos e confere sentido útil, embora corretivo, a todo o texto da norma, uma vez que encontra o grau de satisfação dos créditos admitidos e faz incidir sobre ela a percentagem de majoração, o que significa que esta incide – a final e ainda – sobre o montante dos créditos satisfeitos.
O elemento histórico apoia, se bem vemos, este sentido literal.
A majoração em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos estava presente na solução pregressa.
O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 3 e 4 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1” – artigo 23.º, n.º 5, do EAJ, aprovado pela Lei n.º 22/2013, sem as alterações da Lei n.º 9/2022.
A Portaria n.º 51/2005, de 20/1 – publicada na vigência do Estatuto do Administrador da Insolvência, aprovado pela Lei n.º 32/2004, de 22/7, e aplicada na vigência do referido n.º 5 do artigo 23.º do EAJ, sem as alterações da Lei n.º 9/2022, de 11/1 – estabelecia vários escalões progressivos do fator aplicável para cálculo da remuneração em função da percentagem dos créditos admitidos que foi satisfeita, quanto maior fosse a percentagem dos créditos satisfeitos maior seria a remuneração do administrador.
O n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, vigente, deixou cair o cálculo da majoração por aplicação dos fatores constantes da portaria (anterior n.º 5), introduziu uma fator constante do cálculo da majoração – 5% – e deixou inalterada a primeira parte da previsão da norma – “majoração, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados” – o que significa que o grau de satisfação dos créditos reclamados se manteve enquanto critério para cálculo da remuneração.
Solução de que resulta, aliás, a progressividade da remuneração – quanto maior for a base dos 5%, ou seja, o grau de satisfação dos créditos, maior a remuneração – presente nos escalões da Portaria.
Com ganhos de previsibilidade, a majoração não resulta de Portaria a publicar, resulta da aplicação do critério previsto na própria lei.
Acresce, que causa/função da norma – elemento teleológico – não parece coincidir, ao menos em toda a linha, com a presente na remuneração variável que é devida ao administrador em função da liquidação da massa insolvente [alínea b), n.º 4].
O resultado da liquidação da massa – cobrança de créditos e alienação de bens e direitos compreendidos na massa insolvente – depende do administrador, da sua maior ou menor diligência e do seu empenho e, assim, quanto maior o resultado da liquidação, maior a remuneração, daqui o estimulo; a repartição do produto obtido pela liquidação da massa pelos credores [n.º 7] depende, é certo, daquele produto, mas em tais operações releva essencialmente o que foi reclamado e admitido, independentemente da maior ou menor diligência do administrador na repartição, pagará aos credores o que lhes houver que caber no rateio do produto da liquidação.
Por isto que a justificação ou razão de ser, ao menos imediata, da majoração não é a de estimular o administrador a distribuir mais pelos credores – só poderá distribuir o que liquidou – é a de colocar, parte da remuneração do administrador, enquanto credor da insolvência, em pé de igualdade com os demais credores – a sorte deles será a sua – na medida em que parte da sua retribuição se mostra indexada, por assim dizer, ao grau de satisfação dos credores.
Em conclusão, a majoração de 5%G da remuneração variável do administrador de insolvência nomeado pelo juiz – n.º 7 do artigo 23.º do EAJ – calcula-se por referência ao grau de satisfação dos créditos e não por aplicação direta de 5% ao montante dos créditos satisfeitos.[3]
O grau de satisfação dos créditos expressa-se aritmeticamente pela proporção ou percentagem entre o montante dos créditos admitidos a pagamento e o montante dos créditos pagos aos credores
Havendo sido este o sentido da decisão recorrida, resta confirmá-la.
Improcede o recurso.

2.2. Custas
Vencida no recurso, incumbe à Recorrente pagar as custas (artigo 527.º, nºs 1 e 2, do CPC).

Sumário (da responsabilidade do relator – artigo 663.º, n.º 7, do CPC):
(…)

IV. Dispositivo
Delibera-se, pelo exposto, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente.
Évora, 30/3/2023
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário


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[1] Ac. RE de 29/9/2022 (proc. 260/14.0TBTVR.E1), disponível em www.dgsi.pt
[2] Oliveira Ascensão, O Direito, Introdução e Teoria Geral, 2ª ed. pág. 354.
[3] Neste sentido, o já citado Acórdão da Relação de Évora de 29/09/2022, o Acórdão da Relação de Coimbra de 28/09/2022 (proc. n.º 2495/20.7T8ACB.C1) e Acórdão da RP de 11/11/2022 (proc. 2631/20.3T8OAZ-E.P1), disponíveis em www.dgsi.pt.