Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
38/12.5ZRSTB.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO AUTÊNTICO
Data do Acordão: 01/16/2019
Votação: DECISÃO DO RELATOR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REJEITADO
Sumário:
I – Constitui documento autêntico a declaração pela qual uma universidade atesta que um determinado aluno se encontra inscrito na mesma e o curso que frequenta.
Decisão Texto Integral:
Da análise do recurso resulta haver motivo para a rejeição pelo que passa a proferir-se

DECISÃO SUMÁRIA – arts. 417º, nº 6 - b) e 420º, nº 1 –a) do CPP.

1. No processo comum singular n.º 38/12.5ZRSTB, do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, foi proferida sentença a condenar o arguido CC como autor de um crime de falsificação de documento do art.º 256º n.º 1 a) e 3 do CP, na pena de 400 dias de multa, à razão diária de € 6, o que perfaz a quantia global de €2.400,0 (dois mil e quatrocentos euros).

Inconformado com o decidido, recorreu o arguido, concluindo:

“a) O arguido confessa os factos considerados como provados em sede de Primeira Instância.

b) O arguido praticou tais factos num contexto particular, e de necessidade, conquanto não tinha dinheiro para prover o seu sustento, ou para comprar o bilhete de regresso para o seu país;

c) O arguido encontrava-se em Portugal a estudar na referida Universidade Lusófona, auferindo uma bolsa de estudo concedida pelo Governo de São Tomé e Príncipe;

d) O arguido frequentou os dois primeiros anos da licenciatura, sendo certo que quando se preparava para se matricular no terceiro ano, o Governo de São Tomé e Príncipe não procedeu ao pagamento da bolsa, sendo que as mesmas nunca foram pagas até esta data;

e) Face ao facto de não ter qualquer dinheiro, quer para proceder ao pagamento da inscrição na Universidade quer para pagamento das propinas quer, mesmo, para prover as suas despesas de alimentação, pagamento do quarto onde residia, o arguido tentou regressar para São Tomé;

f) O arguido não tinha dinheiro suficiente para comprar a passagem de avião de regresso ao seu país;

g) Como também não podia requerer o prolongamento da sua estadia em Portugal, conquanto não havia renovado a sua matrícula na Universidade, uma vez que não tinha dinheiro para tal, fruto do não pagamento da bolsa de estudo por parte do Governo de São Tomé;

h) O arguido, para não permanecer em Portugal de forma ilegal, e também porque muitos dos seus colegas que se encontravam em situação semelhante o fizeram, decidiu falsificar o documento em apreço;

i) O arguido reconhece qua tal decisão foi errada, mas nenhuma outra lhe ocorreu perante a necessidade de angariar dinheiro para comprar a passagem de regresso (acabou por ser uma familiar a emprestar-lhe a quantia necessária);

j) O arguido não se conforme com a medida da pena de multa que lhe foi aplicada;

k) O arguido encontra-se a residir e trabalhar em São Tomé e Príncipe, onde exerce, actualmente, a atividade de jornalista;

l) O arguido aufere mensalmente a quantia correspondente a €140,00 (cento e quarenta euros);

m) Os ordenados auferidos em São Tomé e Príncipe são uma realidade completamente diferente daqueles auferidos em Portugal;

n) É com a quantia de €140,00 que o arguido provê o sustento do seu agregado familiar, nomeadamente as despesas de alimentação, vestuário, casa, eletricidade, água, entre todas as outras, o qual é composto por si, pela sua esposa e por dois filhos menores de idade;

o) O Tribunal a quo enquadrou de forma errada a conduta do arguido, designadamente ao considerar o documento falsificado como estando abrangido pela previsão do n.º 3 do artigo 256.º do Código Penal;

p) A certidão em causa – que foi o documento falsificado – não constitui documento autêntico ou com igual força.

q) Sendo manifesto que também não tem a natureza dos documentos mencionados de seguida no citado n.º 3 do artigo 256.º do Código Penal;

r) A definição de documento autêntico consta do artigo 363.º do Código Civil, sendo que, salvo melhor opinião, a certidão pela qual uma universidade declara que um aluno se encontra inscrito na mesma não integra tal conceito;

s) O documento em apreço não é emitido por autoridade pública, por notário ou por um oficial público provido de fé pública;

t) Tais documentos são emitidos por um funcionário, tratando-se de actos administrativos;

u) Motivo pelo qual o arguido devia unicamente ter sido punido nos termos do n.º 1 al. a) do artigo 256.º do Código Penal;

v) E, consequentemente, a pena de multa devia ter sido ponderada dentro da moldura prevista nos termos do n.º 1 do artigo 47.º do Código Penal;

w) No que respeita à prevenção geral, naturalmente que a mesma tem relevância, e, muito embora o crime de falsificação de documentos gere alarme social, é manifesto que tal não sucedeu no presente caso.

x) Sendo certo que o arguido se encontra na disposição de ser punido pelos factos que praticou, até porque os confessou;

y) Ao nível da prevenção especial, sempre se dirá que os factos foram praticados no contexto anteriormente descrito, o qual é um contexto particular, em que o arguido se viu numa situação de falta de meios de subsistência – devido ao incumprimento por parte do Governo de São Tomé e Príncipe – e em que os seus colegas estavam a adotar uma conduta semelhante;

z) Ou seja, a sua vontade individual, perante a adversidade, diluiu-se na vontade coletiva, pois a sua única vontade, para além de ter dinheiro para comer, era obter dinheiro suficiente para comprar uma viajem de regresso ao seu país;

aa) Não obstante da Sentença já constar que a favor do arguido milita o facto de este não ter antecedentes criminais e o tempo já decorrido desde a prática dos factos;

bb) Sempre se dirá que, na presente data, o arguido não tem quaisquer antecedentes criminais (ou processo em curso para além do presente), já decorreram mais de seis anos sobre a data dos factos, sem que o arguido tenha tido qualquer processo judicial ou problema de natureza judicial;

cc) Encontra-se inserido na sociedade, a trabalhar, tendo uma família constituída, composta por si, pela sua esposa e por dois filhos menores, não reside em Portugal, pelo que ao nível da prevenção especial não constitui qualquer tipo de ameaça;

dd) No que concerne à pena de multa a aplicar, face ao exposto, entende-se que a mesma se situa entre o mínimo de 10 e o máximo de 360 dias;

ee) Atentos todos os critérios vertidos para a determinação da medida da pena, nomeadamente o decurso do tempo, a ausência de antecedentes, o contexto em que foram praticados os factos, as condições económico-sociais em que o arguido atualmente vive; mormente o seu agregado familiar, o facto de não residir em Portugal,

ff) Deve o arguido ser punido em pena de multa pelo mínimo de 10 dias.

gg) No que tange ao valor dia, convirá ter presente que o mínimo de €5,00 apenas é aplicado às pessoas que vivam – em território nacional – no mínimo existencial;

hh) Ora, tendo presente que em S. Tomé e Príncipe o salário mínimo é de €44,90, o mínimo existencial é de €1,49/dia;

ii) Entende-se que ao arguido deve apenas ser admoestado;

jj) Não se entendendo como exposto supra, o arguido foi condenado numa medida quase equivalente a 65% do limite máximo, num montante que objetivamente não pode suportar;

kk) A medida da pena de multa aplicada ao arguido, quer quanto ao número de dias quer quanto ao montante diário, deve ser contextualizada e reapreciada, fixando-se as mesmas no limite mínimo legal, de forma, não só a ser cumprida a mais elementar justiça, como também a possibilitar que o mesmo possa proceder ao seu pagamento;

ll) A pena de multa a aplicar ao arguido não deve ser superior 240 dias, à taxa diária de €5,00, aplicando-se, posteriormente, o disposto no artigo 60.º do Código Penal, isto é, deve o arguido ser apenas admoestado.”

Na oportunidade concedida, o Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência do recurso e a manutenção do decidido na sentença.

Neste Tribunal, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer opinando também pela improcedência do recurso

Cumprido o art. 417º, nº2, o arguido nada acrescentou.

2. A sentença, na parte que agora interessa, tem o seguinte teor:

“A) Matéria De Facto Provada

1º O arguido frequentou o Curso Superior de Ciências da Comunicação e da Cultura na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias no ano de 2009/2010, não tendo contudo renovado a sua matrícula no ano lectivo 2001/2012 e relativa ao 3º ano do referido curso.

2º Sucede que em data não concretamente apurada, mas anterior ao dia 29.05.2012, o arguido decidiu forjar um certificado supostamente emitido pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, que certificava a sua matrícula no 3º ano do Curso Superior de Ciências da Comunicação e da Cultura.

3º Para o efeito, o arguido digitalizou um formulário com a insígnia e o respectivo carimbo da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, e apôs nesse documento os seguintes dizeres:

«Em face dos arquivos desta Universidade, reconhecida de interesse público pelo Decreto –lei nº92/98, de 14/04, certifica-se para os devidos efeitos que CC, filho de … e de …, passaporte S-041---, emitido a 15-07-2002, pela República Democrática de S. Tomé e Príncipe, nascido a 04.05.1982, natural de S. Tomé e Príncipe, se encontra matriculado)(a) com o número 2009--- e frequenta o 3º ano do Curso Superior de Ciências da Comunicação e da cultura no ano lectivo de 2011-12, de acordo com o Despacho nº 11741/2009, de 14 de maio, dando lugar, na sua conclusão, à titularidade do grau de licenciatura.

Lisboa, 12 de Janeiro de 2012. Serviço de Tesouraria».

4º Na posse deste documento por si forjado, no dia 29.05.2012, o arguido dirigiu-se à Delegação Regional do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras de Lisboa e Vale do Tejo, em Setúbal, e requereu a concessão de A.R. temporária/permanente, nos termos do art. 91º nº 3 da Lei nº 23/07, de 04.07.

5º Com o objectivo de obter a referida A R. temporária/permanente, o arguido entregou o referido certificado, que sabia não corresponder à verdade, por não se encontrar matriculado no 3º ano do Curso Superior de Ciências da Comunicação e Cultura no ano de 2011 e 2012, na Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias.

6ºAo agir do modo acima descrito, o arguido previu e quis entregar o aludido certificado por si forjado, que sabia não corresponder à verdade, o que fez com o intuito de obter junto do SEF a renovação da Autorização de Permanência no nosso país.

7º Com a sua actuação, o arguido violou a confiança pública e a fé pública que merecem os documentos enquanto meios de prova, lesando também a segurança e credibilidade do seu tráfico jurídico.

8º O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, sabendo que a sua conduta não lhe era permitida por contrária à lei.

9º O arguido não tem antecedentes criminais.
(…)
A) Da Medida Concreta da Pena
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta do arguido, importa agora determinar a medida da pena correspondente.

Cabe desde logo, in casu, escolher a natureza da pena aplicável.

Nos termos do preceituado no art.º 70º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Assim, no caso em que se entenda ser suficiente, quanto à prevenção geral e especial, a medida da pena não privativa da liberdade deve ser essa a pena escolhida pelo tribunal.

Em causa está a promoção da recuperação social do delinquente e ao mesmo tempo a satisfação das exigências de reprovação e de prevenção do crime (cfr. art.º 40º n.º 1 do Código Penal).

In casu, a prevenção geral é premente, na medida em que a sociedade não permite actos destes, que defraudam as entidades de educação e do estado, criando desse modo uma enorme insegurança e e colocando em causa a credibilidade do próprio Estado e Serviços de Educação.

As expectativas e a indispensabilidade da sociedade confiar na justiça, para sentir o mínimo de segurança é muito relevante.

Em termos de prevenção especial a mesma é diminuta, na medida em que o arguido não incorreu na prática de qualquer tipo de ilícito nem em momento anterior nem posterior aos factos, e ainda o tempo já decorrido desde a prática dos factos, mais de dois anos.

Pelo que, no caso sub judice, a medida não privativa da liberdade é adequada e suficiente face à prevenção geral e especial da pena (cfr. art.º 70º do CP).

A determinação da medida da pena concreta, faz-se nos termos do art. 71º do Código Penal, em função da culpa do agente, do grau de ilicitude do facto, da intensidade do dolo, das condições pessoais dos arguidos, tudo sem que se esqueçam as exigências de prevenção e reprovação do crime.

Ainda nesse contexto há que atender à previsão legal dos art.º 72º e 73º do mesmo código, verificando se, in casu, existem circunstâncias que atenuem especialmente a pena.

Ora, ponderada a factualidade dada como provada, cremos que quer em termos de ilicitude, quer em termos de culpa, a mesma é grave, quer pelo tipo de documento falsificado quer pelos objectivos pretendidos com a falsificação do mesmo.

A favor do arguido releva apenas o facto de não ter antecedentes criminais e o tempo já decorrido desde a prática dos factos.

O tribunal desconhece as condições económicas do arguido, pelo que fixa a taxa diária próxima dos mínimos.

Tudo ponderado, entende-se que, in casu, será de aplicar a pena em concreto, pela prática de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art.º 256º n.º 1 a) e n.º 3 do CP, de 400 dias de multa, à razão diária de € 6, o que perfaz a quantia global de € 2.400, 00 (dois mil e quatrocentos euros).”

3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, independentemente do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº2 do CPP (AFJ de 19.10.95), – que, no caso, não se detectam – as questões a apreciar respeitam (a) ao erro de subsunção e (b) à medida da pena de multa

(a) Do erro de subsunção
O recorrente encontra-se condenado como autor de um crime de falsificação de documento do art.º 256 n.º 1 a) e 3 do CP e não questiona, nem a matéria de facto provada, nem a configuração desta como crime de falsificação. Impugna, sim, a verificação da agravante prevista no nº 3 do art. 256º.

O art. 256º, n.º 1, al. a) do CP pune “quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo, ou preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, fabricar ou elaborar documento falso, ou qualquer dos componentes destinados a corporizá-lo”. E o nº 3 agrava a pena nos casos em que (e ao que ora interessa) a falsificação diga respeito “a documento autêntico ou com igual força”.

Argumenta o arguido que a certidão em causa (o documento falsificado) não constitui documento autêntico ou com igual força, que a definição de documento autêntico consta do artigo 363.º do Código Civil e a certidão pela qual uma universidade declara que um aluno se encontra inscrito na mesma não integra tal conceito, que este documento não é emitido por autoridade pública, por notário ou por um oficial público provido de fé pública, que é emitido por um funcionário, tratando-se de um acto administrativo.

Como justificação da verificação da circunstância qualificativa especial, na sentença disse-se apenas: “O crime é, neste caso, punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos ou com pena de multa de 60 a 600 (cfr. art.º 256º n.º 1 in fine e art.º 47º n.º 1 ambos do Código Penal), pois que está em causa um documento com força de documento autêntico.”

Do contraditório do recurso nada de mais relevante resultou, tendo o Ministério Público acompanhado o decidido na sentença.

O arguido fabricou documento pretensamente emitido por um estabelecimento de ensino universitário, a atestar a sua inscrição e frequência de 3º ano de licenciatura. Trata-se de um documento com força de documento autêntico, como se diz na sentença, e os factos praticados realizam realmente a forma qualificada do crime.

Contrariamente ao defendido pelo recorrente, o documento em causa não tem a natureza de um simples documento particular, elaborado por particular. Trata-se, sim, de uma declaração de estabelecimento de ensino, que visa precisamente certificar, com uma força acrescida e fazendo fé pública, que o aluno frequenta esse mesmo estabelecimento de ensino. Tanto assim é, que, a ser verdadeiro, seria o bastante para comprovar a declarada qualidade de estudante.

A punição com a pena abstracta mais grave deriva precisamente desta especial perigosidade que determinado tipo de documento(s) comporta(m), pois trata-se de documento com força probatória igual à do documento autentico.

O recorrente defende uma interpretação do tipo penal agravado que o circunscreva à noção de documento autêntico do Código Civil. Mas considera-se ser de subscrever a posição de Helena Moniz no Comentário Conimbricense ao Código Penal (tomo II, p. 687), no sentido de que, aqui, “deverá entender-se por documentos autênticos não só aqueles que como tal são entendidos de acordo com a noção de documento autêntico do Código Civil, mas também todos os outros que tenham origem igualmente numa autoridade pública”.

Em suma, o reforço da tutela justifica-se pela maior perigosidade que estes documentos comportam.

E, diga-se para concluir, que essa perigosidade é, no caso, a mesma, quer se trate de documento emitido por universidade pública ou por universidade privada. Pois de acordo com a Lei nº 62/2007 (que estabelece o Regime jurídico das instituições de ensino superior) as instituições de ensino superior, tanto as públicas como as privadas, prosseguem o mesmo interesse público e, de acordo com o art. 33.º, as segundas têm mesmo de requerer e obter o “Reconhecimento de interesse público” sob pena de não poderem funcionar (nº 6 – “A não verificação de algum dos pressupostos do reconhecimento de interesse público de um estabelecimento de ensino superior privado determina a revogação daquele, nos termos desta lei”).

Por tudo, a qualificação jurídica dos factos efectuada na sentença é de confirmar.

(b) Da pena de multa
O recorrente considera excessiva a medida da multa, tanto no que respeita à fixação em dias, como ao montante diário. Mas a impugnação da pena resulta claramente de improceder.

Na verdade, desde logo ela é feita em parte na decorrência de pretensão que foi já desatendida (de enquadramento dos factos provados no tipo de crime menos grave) e, na parte restante, com base em factos que não constam dos factos provados da sentença.

O recorrente alega em recurso várias circunstâncias relativas aos fins ou motivos que teriam determinado a sua conduta, bem como factos sobre a sua situação pessoal, mas nada consta dos factos provados da sentença.

Na ausência de impugnação da matéria de facto, bem como de arguição de nulidade ou vício da sentença (vícios que, oficiosamente, também ali se não detectam), a matéria de facto é de considerar definitivamente estabilizada. E não servindo o recurso como meio de “contestação” da acusação – pois é no prazo da contestação que o arguido pode alegar os factos pessoais que pretende provar em julgamento, e na audiência de julgamento que os deve provar e, eventualmente, pessoalmente narrar – de nada lhe serve agora vir “confessar” o crime (como refere no recurso) e invocar em sua defesa factos não provados (em sede própria). Consigna-se também que, da análise do processo, resulta não ser detectável que, nas concretas circunstâncias processuais, o tribunal tenha violado os poderes/deveres de investigação no que respeita à averiguação e prova dos factos pessoais do condenado (o arguido esteve ausente do julgamento, ausentou-se do país, a defesa nada diligenciou ou requereu, para o notificar da sentença decorreram quatro anos).

O recurso visa sempre, e apenas, a reparação de erros de julgamento. Não é e não serve a continuação do julgamento. Adite-se que, também em matéria de pena, o recurso mantém o seu arquétipo de recurso-remédio. A Relação intervém na pena, alterando-a, apenas quando detecta incorrecções ou distorções no respectivo processo aplicativo, na interpretação e emprego das normas legais e constitucionais que regem em matéria de pena. Não procede como se o fizesse ex novo, como se inexistisse uma decisão de 1ª instância.

Com efeito, quer a doutrina mais representativa, quer o Supremo Tribunal de Justiça têm sufragado o entendimento de que a sindicabilidade da medida concreta da pena em via de recurso abrange a determinação da pena que desrespeite os princípios gerais respectivos, as operações de determinação impostas por lei, a indicação e consideração dos factores de medida da pena, mas “não abrangerá a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, excepto se tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada” (Figueiredo Dias, DPP. As Consequências Jurídica do Crime 1993, §254, p. 197)”.

Nesta margem de actuação da 2ª instância, e independentemente da manifesta fragilidade do próprio recurso pelas razões referidas, não deixa de se consignar o acerto do processo aplicativo da pena, no afastamento da prisão e na opção pela multa. E então ao optar pela multa, compreende-se, e ainda se aceita, que esta deva corresponder às exigências de prevenção identificadas no processo (mais elevadas as de prevenção geral, atenta a primariedade do condenado, mas ainda medianas as de prevenção especial, já que os factos pessoais agora alegados são externos à decisão do recurso).

4. Face ao exposto, decide-se rejeitar o recurso atenta a sua manifesta improcedência (arts. 420º, nº1, al. a) e 417º, nº 6 –b) do CPP).

Custas pelo recorrente que se fixam em 3UC (art. 420º, nº3 do Código de Processo Penal).

Évora, 16.01.2019

(Ana Maria Barata de Brito).