Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1471/13.0TBEVR-C.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: CUSTAS
INCIDENTE DE QUALIFICAÇÃO DA INSOLVÊNCIA
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em incidente de qualificação da insolvência, as custas continuam a caber, em regra, à massa insolvente, não se justificando, portanto, a aplicação da regra da causalidade, estabelecida no art.º 446º do CPC para a generalidade das situações processuais
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1471/13.0TBEVR-C.E1-2ª (2015)
Apelação-1ª (2013 – NCPC)
(Acto processado e revisto pelo relator signatário: artº 131º, nº 5 – NCPC)
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ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


No presente incidente de qualificação da insolvência, com vista à qualificação desta como culposa, enxertado no processo de insolvência respeitante à empresa declarada insolvente, «(…), Sociedade de Distribuição de Bricolage, Lda.», e em que, por sentença final proferida em 1ª instância, foi declarado afectado por tal qualificação o requerido (…), sócio-gerente da referida empresa, e declarada a sua inibição, pelo período de 2 anos e 6 meses, para administrar património de terceiros e para exercício do comércio, ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa, teve lugar a interposição de recurso de apelação dessa sentença final, por parte daquele requerido – o qual foi objecto de acórdão proferido em 8/10/2015 (a fls. 935-968), em que se decidiu julgar improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.

Nessa decisão, e em matéria de custas, foi determinado o seguinte:

«Custas pela massa insolvente (artos 304º e 303º, este com referência ao incidente de qualificação da insolvência, ambos do CIRE).»

Perante esta pronúncia, vem agora o Administrador da Insolvência, através de requerimento de fls. 984, requerer a reforma quanto a custas do acórdão proferido neste Tribunal, no sentido de ser rectificada essa imputação das custas da apelação à massa insolvente, o que considera tratar-se de manifesto lapso, devendo o respectivo pagamento ficar a cargo do requerido, enquanto recorrente vencido – arguição que se enquadra na previsão do artº 616º, nº 1, do NCPC.

Cumpre apreciar e decidir.
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Comece-se por dizer que não houve lapso na decisão quanto a custas inscrita no acórdão cuja rectificação ora se requer, sendo certo que a fundamentação de tal decisão reside precisamente nos preceitos legais que nela foram enunciados. Apenas caberá aqui, dadas as dúvidas suscitadas pela presente reclamação, uma maior explicitação das razões da opção tomada, para uma melhor compreensão do sentido da decisão.

Resulta do artº 304º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo Decreto-Lei nº 53/2004, de 18/3, a consagração de uma regra de custas de sentido divergente em relação ao regime geral das custas previsto na legislação processual civil (artos 527º e seguintes do NCPC). Ali se estabelece que as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente, desde que a insolvência seja decretada por decisão transitada em julgado, esclarecendo o artº 303º do mesmo Código que o processo de insolvência, para efeitos de tributação, abrange não só o processo principal, mas também vários incidentes processuais que enuncia, entre os quais o de qualificação da insolvência. Há, portanto, uma clara opção do legislador em afastar um segmento significativo de incidências processuais do processo de insolvência da aplicação da regra de causalidade que enforma, no essencial, o regime geral de custas. Pode-se discordar dessa opção ou considerá-la excessiva e inadequada nalgumas situações processuais (que podem ser penalizadoras para a massa insolvente), mas é a que parece ter sido acolhida pelo legislador.

À mesma conclusão chegou o Ac. RC de 5/12/2012 (citado, sem qualquer menção crítica, por ANA PRATA, JORGE MORAIS CARVALHO e RUI SIMÕES, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Almedina, Coimbra, 2013, p. 762), o qual – perante sentença de incidente de qualificação da insolvência (em que esta foi declarada como culposa e se decretou a inibição de sócio-gerente da insolvente), cujo segmento quanto a custas não procedeu à aplicação do mencionado artº 304º do CIRE, em atenção à oposição deduzida pelo inibido – formulou o seguinte entendimento: «Da articulação entre as disposições legais específicas do art. 304º do CIRE, que dispõe que as custas do processo de insolvência são encargo da massa insolvente se a insolvência tiver sido decretada por decisão transitada em julgado, e do art. 303º do mesmo diploma, que esclarece, para efeitos de tributação, o que abrange o processo de insolvência, concretizando que é o processo principal mais, entre outros, o incidente de qualificação da insolvência, resulta que as custas de tal incidente continuam a caber, em regra, à massa insolvente, não se justificando, portanto, a aplicação da regra da causalidade, estabelecida no art. 446º do CPC para a generalidade das situações processuais» (Proc. 1567/10.0TBVIS-C.C1, in www.dgsi.pt). Certamente essa mesma orientação explicará também que a decisão de 1ª instância aqui recorrida (cfr. sentença de fls. 651-683) tenha determinado, na sequência da procedência do incidente de qualificação da insolvência, e não obstante a oposição deduzida pelo requerido inibido (e ora recorrente), que as custas ficassem a cargo da massa insolvente – e sem que então tivesse sido questionada essa solução pelo ora requerente.

Reconhece-se que o entendimento que vimos de enunciar será certamente discutível e que o mesmo não é unívoco, havendo decisões dos tribunais superiores de sentidos divergentes nesta matéria, mas podemos indicar, a mero título exemplificativo, alguns arestos em que aquele foi adoptado (e publicados in www.dgsi.pt): Ac. RP de 28/9/2015 (Proc. 1826/12.8TBOAZ-C.P1), Ac. RL de 9/10/2014 (Proc. 1048/12.8TBPD-G.L1-6) e, nesta Relação, Acs. RE de 16/6/2011 (Proc. 465/05.4TBENT-A.E1) e de 12/3/2015 (Proc. 227/12.2TBSSB-D.E1), tendo neste último intervindo dois membros do presente colectivo, um dos quais o aqui relator.

Consequentemente, não será de atender à pretensão de rectificação do supracitado segmento do antecedente acórdão relativo a custas da apelação, mantendo-se o aresto reclamado sem qualquer alteração.
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Nestes termos, decide-se indeferir o pedido de reforma quanto a custas deduzido pelo Administrador da Insolvência (a fls. 984), relativo ao acórdão proferido a fls. 935-968 dos presentes autos, que assim se mantém na sua integralidade.

Notifique-se.
Évora, 03 / 12 / 2015
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes
Mário João Canelas Brás