Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
81/15.2JBLSB-K.E1
Relator: FÁTIMA BERNARDES
Descritores: MEDIDA DE COAÇÃO
PRAZO
PRISÃO PREVENTIVA
PENA UNITÁRIA
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1 - Quando esteja em causa a extinção de uma medida de coação, pelo decurso do prazo de duração máxima, designadamente da prisão preventiva, resultando da lei a extinção da medida coativa (cf. artigo 215º do CPP), que deverá ser oficiosamente conhecida pelo tribunal, com a consequente libertação do arguido (cf. artigo 217º do CPP), não é necessária a prévia audição dos sujeitos processuais, designadamente do Ministério Público, devendo apenas, quando disso for o caso, observar-se o disposto no n.º 3 do artigo 217º do CPP, em relação ao ofendido.
2 - No caso do arguido ter sido condenado numa pena conjunta, resultante de cúmulo jurídico de várias penas parcelares, é a essa pena conjunta que se deve atender para efeitos do n.º 6 do artigo 215º do CPP, para efeitos de cálculo da medida da elevação do prazo máximo da prisão preventiva.
Decisão Texto Integral:

Acordam, em conferência, na Secção Penal, do Tribunal da Relação de Guimarães:

1 - RELATÓRIO
1.1. Nos autos de processo comum n.º 81/15.2JBLSB, foi proferido despacho, em 02/04/2020, pelo Senhor Juiz titular dos mesmos, ordenando a libertação do arguido (...), no dia 03/04/2020, com fundamento em que atingiu o limite máximo da prisão preventiva.
1.2. Inconformado com tal decisão, o Ministério Público interpôs recurso, para este Tribunal da Relação, extraindo da motivação apresentada, as conclusões que seguidamente se transcrevem:
«1º - O arguido foi detido em 29 de novembro de 2016, indiciado pela prática de crimes de branqueamento de capitais, detenção de arma proibida, roubo, furtos, dano e provocação de explosão.
2° - Os autos foram declarados de especial complexidade por decisão de 11 de maio de 2017.
3° - O arguido (...) veio a ser condenado, por acórdão de 29 de Maio de 2019, na pena única de 15 (quinze) anos de prisão.
4° - Veio este arguido a interpor recurso para o Tribunal da Relação de Évora, tal como o Ministério Público; O primeiro pedindo a atenuação da pena e o segundo, a agravação da mesma.
5° - O Tribunal da Relação manteve, nos seus precisos termos, o acórdão prolactado na 1º instância.
6° - Por despacho de 2 de abril de 2020, o Exm. juiz Presidente, titular dos autos, ordenou a libertação do arguido (...), por ter atingido o limite da prisão preventiva.
7° - Não teve o Exm. Juiz "a quo" em conta o preceito do nº 6 do art° 215° do CPP, que eleva para metade da pena, a prisão preventiva a que o arguido está sujeito, desde que seja confirmada em sede de recurso ordinário, a decisão da primeira instância.
8° - E assim sendo, a prisão preventiva elevar-se-ia para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses, por via da confirmação do acórdão, junto do Tribunal da Relação de Évora, o qual manteve a pena única do arguido nos 15 (quinze) anos de prisão.
9° - Por outro lado, ainda, o despacho que declarou extinta a medida de coacção prisão preventiva, ordenando a libertação imediata do arguido não foi precedida de promoção do Ministério Público.
10°- Verifica-se, in casu, uma nulidade insanável, nos termos previstos nos art°s 48° e 119°, al. b) do CPP, devendo, em consequência, ser ouvido o Ministério Público, substituindo-se o despacho do Exm. Juiz Presidente por outro que ordene a abertura de termo de "vista".
11º - A não se entender dessa forma, pela nulidade do despacho, sempre este deverá ser substituído por outro que decida que não foi ultrapassado o prazo da prisão preventiva, emitindo, em consequência, novos mandados de detenção contra o arguido.
12° - Foram violadas as disposições previstas nos art°s 215°, nº 6, 48° e 119°, al. b) do CPP.
V. Ex.as., no entanto, melhor decidirão e farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA.»

1.3. O arguido (...) respondeu ao recurso, pugnando, pela sua improcedência, formulando, a final, as seguintes conclusões:
«1. O recorrente foi detido em 29 de novembro de 2016, indiciado pela prática de crimes de branqueamento de capitais, detenção de arma proibida, roubo, furtos, dano e provocação de explosão.
2. Os autos foram declarados de especial complexidade por decisão de 11/05/2017
3. O recorrente (...) veio a ser condenado, por acórdão de 29 de Maio de 2019, na pena única de 15 anos de prisão.
4. Veio o recorrente a interpor recurso para o Tribunal da Relação de Évora tendo este mantido o acórdão prolactado na 1 ª instância.
5. O recorrente viu a sua sentença confirmada pelo Tribunal da Relação de Évora, tendo sido notificado da mesma em 12/03/2020.
6. A instância não transitou em julgado, por estar pendente de recurso interposto, em 12/05/2020, com efeito suspensivo, para o Supremo Tribunal de Justiça.
7. Foram efectivamente emitidos mandatos de libertação do Recorrente que se encontra, consequentemente, fora de Estabelecimento Prisional desde 03/04/2020.
8. Entender que o Recorrente deverá voltar, nesta fase, a cumprir prisão preventiva, após o próprio Tribunal de 1 ª Instância ter considerado que terá atingido o máximo da sua prisão preventiva, implicaria que o Arguido entrasse agora em cumprimento antecipado da pena.
9. O que contraria o teor literal da Lei (arts. 214º, 2, 215º, 6, 408º, 1, a), CPP), e envolveria a interpretação inconstitucional do nº 6 do artº 215º, por ofensa, entre outros, o nº 2 do artº 32º, CRP.
10. Em 19/11/2019, havia sido proferido despacho de conteúdo semelhante ao que agora se encontra em causa: "Quanto aos prazos máximos de vigência da prisão preventiva: Nos presentes autos mostra-se proferido acórdão condenatório, o qual, todavia, ainda não veio a merecer trânsito em julgado. Ademais, cumpre destacar que aos autos foi conferida especial complexidade. Perante tal realidade, o prazo máximo da prisão preventiva mostra- se firmado em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses - cfr. n.º 3 do artigo 215º do CPP -, o qual ocorrerá, quanto aos arguidos primeiramente sujeitos a tal estatuto coativo (os ouvidos em 3/12/2016) em 3/04/2020. Tenha-se em atenção, devendo averbar-se na capa dos autos e apenso próprio.
11. Ora, datando este despacho de 19/11/2019, e tendo sido averbado na capa dos autos e em apenso próprio, tendo ainda os autos ido a vistas do Ministério Público durante cerca de cinco meses, a verdade é que o mesmo Ministério Público apenas expressa opinião contrária, após o decurso de todo este tempo, quando interpõe o recurso a que agora se responde.
12. Mais, é o próprio Ministério Público que no seu recurso alega: "Por outro lado: Preceitua o artigo 48º do Código de Processo Penal que a legitimidade para promover o processo penal cabe ao MP, com as restrições dos artigos 49º a 52º, do mesmo diploma. O MP, titular da acção penal, promove-a, oficiosamente, (nos crimes públicos), mediante queixa (nos crimes semipúblicos) e constituição de assistente e dedução que acusação particular (nos crimes particulares). Havendo notícia e queixa por um crime de natureza semipública, o Ministério Público tem o poder-dever de determinar e dirigir o conjunto de 9 de 13 diligências que visam investigar a existência desse crime e determinar os seus agentes. (…) o MP intervém em todas as fases do processo penal, competindo-lhe, nos termos do artigo 53.º do CPP, «colaborar com o tribunal na descoberta da verdade e na realização do direito, obedecendo em todas as intervenções processuais a critérios de estrita objetividade» No artigo 119º, al. b), do Código de Processo Penal, a lei adjectiva qualifica expressamente a falta de promoção do processo penal pelo Ministério Público como uma nulidade insanável. O Ministério Público é sempre ouvido em sede de substituição ou revogação das medidas de coacção, nos termos do preceituado nos arts 212º, nº4 e 213º, nº3, ambos do CPP. (...)."
13. Ora, se assim é, o que se concorda, constitui a inexistência de recurso ou outra qualquer forma de oposição por parte do Ministério Público relativamente ao despacho de 19/11/2019 no que toca aos prazos máximos de prisão preventiva, bem como ao respectivo averbamento na capa do processo e em apenso próprio), durante cinco meses, uma clara anuência ao aí predito, não exercendo, s.m.o., o seu poder-dever, nem intervindo oficiosamente por qualquer forma.
14. Pelo que terá que se concluir pela inexistência de nulidade do despacho agora em crise.
15. Por outro lado, o mesmo despacho reviu ainda as medidas de coação então aplicadas da seguinte forma "nos termos do disposto no artigo 212º, nº 3 do CPP, "Quando se verificar uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação de uma medida de coação, o juiz substitui-a por outra menos grave ou determina uma forma menos gravosa da sua execução". Mais, estatui o artigo 213º que tal reexame é obrigatório no prazo máximo de três meses sobre a aplicação ou manutenção da medida. Conforme resulta do disposto no artigo 202º, nº 1 do CPP, a medida de coação de prisão preventiva apenas pode ser aplicada quando se julguem inadequadas ou insuficientes as medidas referidas nos artigos anteriores, tidas por menos gravosas. Como tal, a decisão de aplicação da prisão preventiva funda-se no facto de se haverem julgado insuficientes ou inadequadas todas as outras medidas de coação. In casu, e por reporte aos despachos que entenderam ser de aplicar aos arguidos mencionados a medida coativa de prisão preventiva, aí salientou-se, não só a gravidade dos crimes pelo qual se mostram indiciados, mas também a existência de perigo de fuga, a par de risco de perduração da atividade delituosa. Ora, cremos não se mostrarem tais perigos diminuídos, parecendo-nos, ao invés, reforçado o perigo de fuga, isto por inerência à aplicação, por acórdão condenatório (ainda não transitado em julgado), de penas de prisão efetiva. Considerando tal realidade, e uma vez que inexiste, pois, nos autos, matéria (de direito ou de facto) supervenientemente trazida, que invalide as decisões que aplicaram e mantiveram tais medidas coativas, cujo prazo máximo ainda não se mostra decorrido, deverão as mesmas manter-se. Notifique. Próximo reexame: até 19/02/2020.
Extraia cópia do presente despacho e junte ao apenso de acompanhamento das prisões preventivas já antes determinado constituir nos autos).
16. A verdade é que, em 19/02/2020 não foram revistas as medidas de coação, mostrando-se nesta data, grosseiramente excedido quase para o dobro, o prazo legal previsto no art. 213º nº 1 al. a) do C.P.P..
17. Mostrando-se o Recorrente em liberdade desde 03/04/2019, deixou de ser fundamento de manutenção da medida de coação de prisão preventiva, o "iminente perigo de fuga", porquanto, se o Recorrente pretendesse escusar-se dessa forma à justiça, um mês e meio seria tempo mais que suficiente para o fazer.
18. Em segundo lugar, relativamente à possibilidade de manutenção da actividade criminosa, o segundo critério levado em conta no último despacho de apreciação das medidas de coação acima transcrito, ambos os acórdãos proferidos nos presentes autos, amiúde dão conta de que os crimes eram alegadamente cometidos em grupo, pelo que estando praticamente todos os co-arguidos detidos preventivamente ou a cumprir pena de prisão, nunca seria possível ao ora Recorrente perpetuar a actividade criminosa que lhe é alegadamente imputada e de cuja condenação se recorreu agora para o Supremo Tribunal de Justiça.
19. - Portanto, acresce a todo o sobredito que se verifica uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a aplicação da prisão preventiva, atendendo a à alteração das condições subjacentes à aplicação das medidas de coacção, cfr. art. 212º, do C.P.P ..
20. Ora, como será possível considerar que continua a existir perigo de fuga caso se opte pela não manutenção da prisão preventiva, se o Recorrente se encontra em liberdade há um mês e meio?
21. Cumulativamente como será possível considerar que o arguido apresenta perigo de continuação da sua actividade criminosa, se pela mesma ainda não foi condenado com sentença transitada em julgado, não dispõe da companhia de qualquer dos co-arguidos afirmando qualquer dos acórdãos condenatórios proferidos nos presentes autos que, embora não existisse, porque efectivamente assim é, associação criminosa, alegadamente existia uma actividade criminosa apenas passível de ser levada a cabo por várias pessoas em conjunto?
22. Inevitável será pois concluir que se mostram verificados os pressupostos da revogação e da extinção da medida de coacção imposta - prisão preventiva.
23. Por fim, visando o nº 6 do artigo 212º do CPC visa evitar expedientes meramente dilatórios com vista a provocar a extinção da medida de coacção por esgotamento do prazo impõe-se referir que nenhum expediente meramente dilatório foi encetado pelo ora recorrente em qualquer fase do presente processo, sempre se sujeitando e cumprindo todos os prazos e datas estipulados pela Lei e pelo Tribunal, nunca de nada recorrendo para além dos Acórdãos com os quais não concordou e nunca invocando impossibilidade de comparecimento a qualquer diligência, pelo que o carácter de "extrema ratio" da medida de coacção que consubstancia a prisão preventiva, também por este motivo, não pode, nem deve ser-lhe aplicada.
Nestes termos, requer-se ao tribunal a quem, tendo em conta quer a situação processual actual e concreta, quer a sua implicação e efeitos na medida de coacção imposta, quer a previsão legal dos citados arts. 212º n.ºs, 2 e 4, 213º, 214º, n.º 1 al. e) e 215º, todos do CPP, que julgue válido o despacho recorrido mantendo revogada a medida de prisão preventiva e substituindo-a por outra mais atenuada e consentânea, não concedendo provimento ao recurso apresentado ordene a reparação dos erros verificados tendo em conta os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e razoabilidade das restrições aos direitos, liberdades e garantias fundamentais e a ofensa do disposto, entre outros, nos arts 18º, 2, 28º, 2, e 32º, 2, da CRP.
V. Ex.ss., no entanto, melhor decidirão e farão, como sempre, a habitual JUSTIÇA.»
1.4. O recurso foi regularmente admitido, tendo o Exm.º Sr. Juiz a quo proferido despacho de sustentação do despacho recorrido.
1.5. Nesta Relação o Exm.º PGA emitiu parecer no sentido de o recurso dever ser julgado procedente e, consequentemente, revogado o douto despacho recorrido e determinada a sua substituição por outro que admita e mantenha a prisão preventiva do arguido (...).
1.6. Foi cumprido o disposto no artigo 417º, n.º 2 do CPP, não tendo sido exercido o direito de resposta.
1.7. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, vieram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

2 – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Delimitação do objeto do recurso
Constitui jurisprudência uniforme que os poderes de cognição do tribunal de recurso são delimitados pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação de recurso (cf. artigos 403º, nº 1 e 412º, nºs 1, 2 e 3, do Código de Processo Penal), sem prejuízo, da apreciação das questões de conhecimento oficioso, como sejam as nulidades que não devam considerar-se sanadas (cf. artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal).
Assim, no caso em análise, considerando as conclusões extraídas pelo Ministério Público/recorrente, são duas as questões suscitadas:
- Existência de nulidade insanável, prevista no artigo 119°, al. b) do CPP, por o despacho recorrido, que declarou extinta a medida de coação de prisão preventiva e ordenou a libertação do arguido (...), ter sido proferido sem prévia audição do Ministério Público;
- Ilegalidade do despacho recorrido, por não ter decorrido o prazo de duração máxima da prisão preventiva a que se encontrava sujeito o arguido (...), atento o disposto no n.º 6 do artigo 215º do CPP.

2.2. O despacho recorrido é do seguinte teor:
«Ref.ª citius 5036433 - Vista a informação atualizada prestada pelo Tribunal da Relação de Évora, a qual dá conta de estar ainda pendente o prazo para a apresentação de reclamação ou invocação de nulidades (tendo sido já apresentada reclamação por parte do arguido (…), pendente de decisão), não sendo assim possível certificar a ocorrência de trânsito.
*
Na sequência da prolação do despacho deste Tribunal de 27/03/2020, por via do qual foram a generalidade dos arguidos convidados a esclarecer se pretendiam prescindir do direito de apresentação de reclamação ou invocação de nulidades face ao acórdão proferido em recurso, sob pena de, nada dizendo, se considerar não o pretenderem exercer, apenas os arguidos (…) (ref.ª citius 5041689) e (…) (5041687) vieram tomar posição, no sentido de manifestarem o propósito de exercer tal direito, do qual consequentemente não prescindem.
Mais, invocam a aplicação sub iudice da regra de suspensão da contagem de prazos processuais, por inerência ao regime legal aplicável por decorrência do decretamento do Estado de Emergência.
Por seu turno, pelo arguido (…) foi dito manter a reclamação e invocação de nulidade antes formulado perante o Tribunal da Relação de Évora.
Cumpre apreciar:
De antemão, e no que à suspensão da contagem de prazos invocada, a mesma improcede, na medida em que os presentes autos, reportando-se a arguidos presos, assume natureza urgente, devendo assim manter-se sob tramitação.
Sem prejuízo, e mesmo afastando tal suspensão, encontrar-se-á ainda em curso o prazo para a apresentação de reclamação por banda dos arguidos supra, o qual apenas se poderá considerar, quanto aos restantes arguidos notificados (com exceção de quem já o exerceu ou antes prescindiu expressamente da sua invocação) tacitamente preclodido.
Notifique.
Com cópia deste despacho de do antes proferido em 27/03/2020, dê conhecimento ao Tribunal da Relação de Évora.
*
Considerando o teor decisório supra, e bem aquele que se vem acolhendo nos anteriores despachos deste Tribunal, temos que:
- Do acórdão do Tribunal da Relação de Évora apenas poderão recorrer para instância superior os arguidos (...) e (…).
Destes, é a situação do primeiro (...) a situação mais premente, uma vez que o mesmo atingirá o limite máximo da prisão preventiva no dia 3/04/2020.
- Por outro lado, e no tangente aos restantes arguidos (que não poderiam apresentar recurso mas sim formular reclamação), as situações mais urgentes de decisão reportam-se aos arguidos (...) (que atinge o limite máximo de duração da prisão preventiva em 3/04/2020 - porquanto (…) já prescindiu de tal faculdade) e de (…) (que atingiria aquele limite em 7/04/2020).
Destes, o arguido (...) apresentou já reclamação, a qual se mostra pendente de decisão pelo Tribunal de recurso, inviabilizando nessa medida a declaração de trânsito em julgado da decisão quanto a si.
Já quanto a (…), o silêncio do mesmo face à anterior notificação do Tribunal deverá dar por preclodido tal direito.
Assim, importa apenas determinar, neste momento, e face ao evidenciado supra. a emissão de mandados de libertação relativamente aos arguidos (...) e (...), para cumprimento no próximo dia 3/04/2020 (por atingirem em tal data o limite máximo da prisão preventiva), caso não interesse a sua reclusão à ordem de outros autos.
(…)
Notifique.»

2.3. Colhem-se dos autos os seguintes factos com relevância para a apreciação das questões que cumpre decidir:
a) O arguido (...) foi detido, à ordem dos autos de que se trata, em 03 de dezembro de 2016, sendo-lhe aplicada a medida de coação de prisão preventiva, que foi sendo sucessivamente mantida e reafirmada nos despachos de reexame proferidos nas diversas fases do processo;
b) O processo foi declarado de especial complexidade por decisão de 11 de maio de 2017.
c) O arguido (...) veio a ser condenado, na 1ª instância, por acórdão de 29 de maio de 2019, pela prática dos crimes e nas penas parcelares e única que seguidamente se indicam:
- Seis crimes de branqueamento, p. e p. pelo artigo 368°-A do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão por cada um dos crimes;
- Um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86° n.º 1, alíneas c) e d) da Lei das Armas, na pena de 1 ano e 8 meses de prisão;
- Um crime de roubo, p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2, por referência ao 204º, nº 1, al. e) e n.º 2, al. a), f) e g) do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão;
- Um crime de furto, na forma tentada, p. e p. pelo artigo 203° n ° 1, 22° e 23° do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão;
- Oito crimes de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 203°, 204° n° 1, al. e) e n° 2, al. a), f) e g), ex vi do artigo 202° al. a), 22° e 23° do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão por cada um dos crimes praticados;
- Vinte crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203°, 204° n° 1, al. a) e n° 2, al. g) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão para cada um dos crimes;
- Três crimes de falsificação de documento agravado, p. e p. pelo artigo 256° n° 1, al. e) e n° 3 do Código Penal, na a pena de 1 ano de prisão para cada um dos crimes;
- Seis crimes de dano, p. e p. pelo artigo 212°, n° 1, do Código Penal, na pena de 6 meses de prisão para cada um dos crimes;
- Dezasseis crimes de dano qualificado, p. e p. pelo artigo 213° n° 2, al. a) do Código Penal, na pena de 3 anos de prisão por cada um dos crimes;
- Vinte e um crimes de provocação explosão, p. e p. pelo artigo 272° n° 1, al. b) do Código Penal, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão por cada um dos crimes;
Em cúmulo jurídico das enunciadas penas parcelares foi o arguido (...) condenado na pena única de 15 anos de prisão.
d) O arguido (...) interpôs recurso do acórdão proferido na 1ª instância, para o Tribunal da Relação de Évora, tal como o Ministério Público.
e) O Tribunal da Relação de Évora, proferiu acórdão, em 10/03/2020, decidindo manter, nos seus precisos termos, o acórdão da 1ª instância.
f) Em 02/04/2020, foi proferido o despacho ora recorrido, sem que previamente fosse aberta vista ao Ministério Público;
g) O Acórdão do TRE referido em e) ainda não transitou em julgado, tendo o arguido (...) vindo a interpor recurso para o STJ.

2.4. Apreciação do mérito do recurso
2.4.1. Da nulidade insanável, prevista no artigo 119°, al. b) do CPP
Invoca o Ministério Público recorrente a existência de nulidade insanável, nos termos do disposto no artigo 48º e 119º, al. b), ambos o CPP, por o despacho recorrido, que declarou extinta a medida de coação de prisão preventiva e ordenou a libertação do arguido (...), ter sido proferido sem que fosse precedido de promoção do Ministério Público, com as consequências daí decorrentes, substituindo-se o despacho recorrido, por outro que, determine a audição do Ministério Público, ordenando a abertura de Vista.
O arguido (...), afetado pela interposição do recurso, apresentou resposta, pronunciando-se no sentido de que a falta de audição do Ministério Público, constitui mera irregularidade, que não tendo sido tempestivamente arguida, já se encontra sanada.
Vejamos:
De acordo com o princípio geral que vigora no processo penal, em matéria de revogação e de alteração das medidas de coação, nos casos em que possam ser decididas oficiosamente, deve o juiz observar contraditório, procedendo à previamente à audição do Ministério Público e do arguido.
O enunciando princípio tem consagração no n.º 4 do artigo 212º do CPP, que dispõe que «A revogação e a substituição previstas neste artigo têm lugar oficiosamente, ou a requerimento do Ministério Público ou do arguido, devendo estes ser ouvidos, salvo nos casos de impossibilidade devidamente fundamentada (…)».
Existem, contudo, situações que constituem exceção ao referenciado principio geral, designadamente, em caso de reexame dos pressupostos da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação, em que o juiz procede oficiosamente a esse reexame, decidindo sobre a manutenção, substituição ou revogação de tais medidas coativas, ouvindo, sempre que necessário, o Ministério Público e o arguido (cf. artigo 213º, n.ºs 1 e 3, do CPP), ainda que a interpretação do n.º 3 do artigo 213º do CPP suscite alguma controvérsia[1], sobre a possibilidade do juiz dispensar a audição, sobretudo quando resultem alterados os pressupostos de facto que determinaram a aplicação da medida de coação em causa, não cabe aqui debruçar-nos sobre a questão, já que não é esse o caso dos autos.
E quando esteja em causa a extinção de uma medida de coação, pelo decurso do prazo de duração máxima, designadamente, da prisão preventiva, resultando da lei a extinção da medida coativa (cf. artigo 215º do CPP), que deverá ser oficiosamente conhecida pelo tribunal, com a consequente libertação do arguido (cf. artigo 217º do CPP), não é necessária a prévia audição dos sujeitos processuais, designadamente, do Ministério Público, devendo apenas, quando disso for o caso, observar-se o disposto no n.º 4 do artigo 217º do CPP, em relação ao ofendido.
Assim sendo, entendendo-se, como se entende, que a decisão do juiz que, oficiosamente, declara extinta a prisão preventiva e ordena a libertação do arguido sujeito a tal medida de coação, pelo decurso do prazo de duração máxima dessa medida, nos termos do disposto nos artigos 215º e 217º, ambos do CPP, não tem de ser precedida de prévia audição do Ministério Público, nem do arguido, há que concluir que, no caso dos autos, não ocorreu qualquer nulidade (cf. artigo 119º e 120º, do CPP), nem sequer irregularidade (cf. artigo 123º do CPP), pelo facto de o despacho recorrido ter sido proferido sem que fosse precedido da audição do Ministério Público e, para o efeito, ordenada a abertura de termo de Vista.
De referir que mesmo na hipótese de se considerar existir obrigatoriedade da audição do Ministério Público e, salvo o devido respeito pela posição contrária, em nosso entender a respetiva omissão constituiria uma irregularidade (cf. n.º 2 do artigo 118º e artigo 123º, ambos do CPP), atento o principio da legalidade das nulidades consagrado no n.º 1 do artigo 118º do CPP e não integrando a falta de audição do Ministério Público, na concreta situação, qualquer das nulidades previstas nos artigos 119º e 120º, ambos do CPP.
Este fundamento do recurso é, pois, improcedente.

2.4.2. Da ilegalidade do despacho recorrido, por não ter decorrido o prazo de duração máxima da prisão preventiva a que se encontrava sujeito o arguido (...), atento o disposto no n.º 6 do artigo 215º do CPP.
O Ministério Público recorrente pugna pela revogação do despacho recorrido e sua substituição por outro que mantenha o arguido (...) sujeito à medida de coação de prisão preventiva, por, contrariamente ao decidido, não ter decorrido o prazo de duração máxima de tal medida coativa, não tendo o Senhor Juiz a quo, atentado no disposto no n.º 6 do artigo 215º do CPP, de que resulta que o prazo máximo da prisão preventiva a que foi sujeito o identificado arguido se eleve para 7 (sete) anos e 6 (seis) meses, que não foi atingido.
O arguido (...) defende que deve ser mantida a decisão recorrida, por terem deixado de subsistir os pressupostos que determinaram que lhe fosse aplicada a medida de coação de prisão preventiva, designadamente, o perigo de fuga e de continuação da atividade criminosa e por não dever ser aplicado, no caso, o n.º 6 do artigo 215º do CPP.
Apreciando:
Sob a epígrafe “Prazos de duração máxima da prisão preventiva”, dispõe o art.º 215º do CPP, na parte que para o caso dos autos releva:
«1 – A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:
(…)
c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em 1ª instância;
d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado.
2 – Os prazos referidos no número anterior são elevados, respectivamente, para (…) um ano e seis meses e dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos ou por crime:
(…)
e) De branqueamento de vantagens de proveniência ilícita;
(…)
3 – Os prazos referidos no nº 1 são elevados, respetivamente, para (…), dois anos e seis meses e três anos e quatro meses, quando o procedimento for por um dos crimes referidos no número anterior e se revelar de excepcional complexidade, devido, nomeadamente, ao número de arguidos ou de ofendidos ou ao carácter altamente organizado do crime.
(…)
6 – No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.
(…)
Deste preceito resulta, na parte que aqui importa considerar, que:
- O prazo de duração máxima da prisão preventiva é de um ano e seis meses “sem que tenha havido condenação transitada em julgado” (al. d) do n.º 1).
- Este prazo geral, eleva-se, no entanto, para:
i) dois anos, quanto se proceder por qualquer dos crimes enunciados no n.º 2;
ii) três anos e quatro meses quando o procedimento for por qualquer desses crimes e se revelar de excepcional complexidade (n.º 3); e,
iii) na situação prevista no n.º 6, havendo confirmação da sentença condenatória da 1ª instância, por um tribunal superior, em sede de recurso ordinário, o prazo de duração máxima da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido aplicada. Esta norma só terá campo de aplicação se dela resultar um prazo de duração máxima da prisão preventiva superior ao que decorreria das regras estabelecidas nos n.ºs 1, 2 e 3.
O n.º 6 do artigo 215º foi aditado pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto.
Conforme decorre da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 109/X[2], subjacentes à alteração do artigo 215º do CPP que veio a ser introduzida pela Lei n.º 48/2007, estiveram os seguintes fundamentos: «Os prazos de prisão preventiva são reduzidos em termos equilibrados, para acentuar o carácter excepcional desta medida sem prejudicar os seus fins cautelares. Todavia, no caso de o arguido já ter sido condenado em duas instâncias sucessivas, o prazo máximo eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada. Embora continue a valer o princípio da presunção de inocência, consagrado no n.º 2 do artigo 32.º da Constituição, a gravidade dos indícios que militam contra o arguido justifica aí a elevação do prazo
«Os prazos de prisão preventiva são reduzidos em termos equilibrados, para acentuar o carácter excepcional desta medida, sem prejudicar os seus fins cautelares. Todavia, no caso do arguido ter sido condenado em duas instâncias sucessivas, o prazo máximo eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada. Embora continue a valer o princípio da presunção de inocência consagrado no n.º 2 do art.º 32 da Constituição, a gravidade dos indícios que militam contra o arguido justificará aí a elevação do prazo»[3].
Como refere Paulo Pinto de Albuquerque[4] «O que parece ter-se pretendido, através da previsão legal, é um prolongamento da prisão preventiva quando exista já um suficiente grau de certeza acerca da prática do crime, da sua autoria e da existência de culpa (baseado num duplo juízo condenatório), de modo a evitar que a extinção da medida de coacção pudesse vir a ocorrer por virtude da interposição de novo recurso (para o Supremo Tribunal de Justiça ou para o Tribunal Constitucional) ou da utilização de expedientes dilatórios que prolongassem artificialmente a duração do processo».
E conforme se escreve no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 777/09, de 02/12/2009[5] «A elevação do prazo máximo de prisão preventiva, nessa circunstância, assenta, por sua vez, em dois factores distintos: a confirmação do juízo condenatório por parte do tribunal superior implica de per si a prorrogação do prazo de prisão preventiva; a medida da pena influencia o limite temporal dessa prorrogação, visto que o prazo é ampliado em metade da pena que tiver sido fixada.
Por outro lado, esses dois factores são revelados pela sucessiva actividade cognitiva do tribunal no momento da elaboração da sentença. Em primeiro lugar, como determina o artigo 368º do CPP (também aplicável em sede de recurso – artigo 424º, n.º 2, do CPP), o tribunal aprecia a questão da culpabilidade, verificando se estão definidos os elementos constitutivos do tipo de crime, se o arguido praticou o crime ou nele participou, se actuou com culpa, se se verificou alguma causa de exclusão da ilicitude ou da culpa, e se se verificaram quaisquer outros pressupostos de que a lei faça depender a punibilidade do agente. Se se concluir que ao arguido deve ser aplicada uma pena, o tribunal pronuncia-se em seguida, nos termos consignados no subsequente artigo 369º, sobre a questão da determinação da sanção, verificando aspectos relativos aos antecedentes criminais do arguido, à sua personalidade e situação social, para efeito de fixar a espécie e medida da pena.
Facilmente se compreende o peso relativo que o legislador quis atribuir à resposta dada pelo tribunal a estas duas questões: um juízo confirmativo da existência de culpa determina a ampliação do prazo de prisão preventiva; a medida da pena determina o quantum dessa ampliação
A jurisprudência dos nossos Tribunais Superiores converge – não se conhecendo qualquer decisão em sentido divergente[6] – no entendimento de que havendo decisão de um Tribunal Superior que confirme a condenação proferida na 1ª instância, o prazo de duração máxima da prisão preventiva eleva-se para metade da pena fixada, ainda que a decisão do tribunal de recurso não haja transitado em julgado[7].
Como se faz notar no Acórdão do STJ de 27/06/2018, proferido no proc. n.º 6/15.5GAPRT-H.S1[8], «A norma do art. 215.º, n.º 6, do CPP, reclama que seja proferido acórdão da Relação que confirme, a decisão da 1.ª instância e não a "imutabilidade" do acórdão da relação.»
E o Tribunal Constitucional já decidiu, no Acórdão n.º 603/2009[9], no sentido de não considerar inconstitucional a norma do nº 6 do art. 215º do CPP interpretada como considerando que há confirmação da sentença condenatória quando o tribunal superior mantém a pena aplicada ou estabelece pena superior, passando nesse caso o prazo da prisão preventiva para metade da pena agravada.
A questão que, neste âmbito, não reúne consenso na doutrina e na jurisprudência é a de saber se no caso de concurso de crimes, em que o arguido é condenado numa pena conjunta, se, para efeitos de aplicação do n.º 6 do artigo 215º do CPP, deve atender-se à pena única ou se só se deve considerar a pena parcelar aplicada ao crime que determinou a prisão preventiva ou, tendo sido vários os crimes que a determinaram, o punido com a pena mais grave.
O entendimento maioritariamente defendido na jurisprudência do STJ vai no sentido de que estando o arguido condenado numa pena conjunta, a elevação do prazo máximo da prisão preventiva, nos termos previstos no n.º 6 do artigo 215º do CPP, deverá incidir sobre essa pena[10].
Sufragamos esta entendimento, por se considerar que é o que melhor de adequa à letra e à ratio da norma, por o n.º 6 do artigo 215º se referir à condenação em “pena” e, no caso de condenação em “pena conjunta”, ser esta a pena que substancialmente releva uma vez que as concretas penas singulares cominadas, pelos crimes em concurso, perdem autonomia.[11]
Neste entendimento e baixando ao caso dos autos, temos que:
- Nos autos em referência foi aplicada ao arguido (...), em 03/12/2016, a medida de coação de prisão preventiva, a qual foi sendo sucessivamente mantida e reafirmada nos despachos de reexame proferidos nas diversas fases do processo e no acórdão proferido na 1º instância;
- O arguido foi condenado, por acórdão proferido em 29/05/2019, na 1.ª instância, na pena única de 15 anos de prisão.
- O acórdão proferido na 1.ª instância foi objeto de recurso por parte do arguido Leonildo da Fonseca, tendo sido confirmado por acórdão desta Relação de 10/03/2020, o qual não transitou em julgado, tendo o mesmo arguido vindo a interpor recurso para o STJ.
O prazo de duração máxima da prisão preventiva a que o arguido (...) se encontrava sujeito, tendo havido condenação em 1ª instância – onde lhe foi aplicada a pena única de quinze anos de prisão e estando em causa procedimento, entre outros, por crimes que integram os mencionados no n.º 2 do artigo 215º do CPP e declarado de excecional complexidade –, que era de três anos e quatro meses (n.º 1, al. d), n.º 2 e n.º 3, do artigo 215º do CPP), tendo a condenação, em 1.ª instância, sido confirmada por acórdão deste Tribunal da Relação, ainda não transitado em julgado – por dele ter sido interposto recurso para o STJ, estando a decorrer o prazo para essa interposição, à data em que foi proferido o despacho recorrido – e atento o disposto no n.º 6 do artigo 215º do CPP, elevou-se para sete anos e seis meses.
Assim e dado que o arguido (...) se encontrava preso desde 03/12/2016, forçoso é concluir que não estava ainda esgotado – muito longe disso – o prazo máximo da prisão preventiva, à data de 03/04/2020, em que teve lugar a sua libertação, em cumprimento do ordenado no despacho recorrido.
Consequentemente e considerando que inexistem quaisquer elementos de que resulte ter havido alteração dos pressupostos de facto e de direito, que determinaram que fosse aplicada ao arguido (...) a medida de coação de prisão preventiva e a que fosse sucessivamente mantida, nas diversas fases do processo, no acórdão proferido na 1ª instância e ulteriormente, impõe-se revogar o despacho recorrido, determinando-se que seja substituído por outro que levando em consideração o prazo de duração máxima da prisão preventiva, nos termos sobreditos, mantenha o arguido (...) sujeito a tal medida coativa, aguardando, nessa situação, os ulteriores trâmites do processo e a decisão que, no âmbito do recurso que foi interposto, venha a ser proferida pelo STJ, emitindo-se os competentes mandados de detenção.
O recurso do Ministério Público é, pois, procedente.

3 – DISPOSITIVO
Nestes termos e pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:

Revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que seja substituído por outro que tenha em consideração o prazo de duração máxima da prisão preventiva, resultante do disposto no n.º 6 do artigo 215º do CPP, nos termos sobreditos, mantenha o arguido (...) sujeito a tal medida coativa, aguardando, nessa situação, os ulteriores trâmites do processo e a decisão que, no âmbito do recurso que foi interposto, venha a ser proferida pelo STJ, emitindo-se os competentes mandados de detenção.

Sem tributação.
Évora, 08 de setembro de 2020
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[1] Cf., entre outros, Ac.s da RC de 14/04/2004, processo n.º 1135/04 e de 04/03/2020, processo n.º 301/19.4PCCBR-B.C1, acessíveis em www.dgsi.pt.
[2] Acessível em http://app.parlamento.pt/webutils/docs/doc.pdf...
[3] Cfr. Ac. do TC n.º 603/09, de 02.12.2009, in http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20090603.html.
[4] In Comentário ao Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, págs. 595 e 596, citado no Ac. do STJ de 10/08/2018, proc. 56/18.0YFLSB, acessível em www.dgsi.pt.
[5]Disponívelinhttp://www.pgdlisboa.pt/jurel/cst_busca_palavras.php?buscajur=constitucionalidade&ficha=2573&pagina=102&exacta=&nid=9168
[6] De notar que o Ac. do TRL de 23/02/2012, proferido no proc. 88/09.9PJSNT-F.L1-9, acessível em www.dgsi.pt, que o Senhor Juiz a quo cita em apoio da posição que defende relativamente à interpretação da norma do n.º 6 do artigo 215º do CPP – no sentido de que a prorrogação dos prazos máximos da prisão preventiva ocorrerá apenas quando se mostra esgotada a via do recurso ordinário, embora não se relevando ainda possível a certificação do trânsito por se mostrarem em curso prazos de reclamação ou de recurso de outra índole (perante o Tribunal Constitucional) –, não vai ao encontro desse entendimento, sendo que nesse aresto a questão controvertida sobre a qual o Tribunal da Relação tomou posição foi sobre a interpretação a dar à expressão “confirmação da sentença condenatória”, para efeitos do disposto no n.º 6 do artigo 215º, no caso de um arguido ter sido condenado em 1ª instância numa determinada pena, dessa condenação ter sido confirmada pelo Tribunal da Relação e de a pena ter sido reduzida pelo STJ, tendo acolhido a entendimento de que «Para efeitos do art.215, n.º 6, do Código de Processo Penal, há confirmação da sentença quando o tribunal superior aplica uma pena de prisão inferior à que fora aplicada na sentença recorrida».
[7] Neste sentido, entre muitos outros, cf. os Acórdãos enunciados na motivação de recurso e pelo Exm.º PGA, no Parecer emitido, entre os quais, o Ac. deste TRE de 14/02/2012, proc. n.º 5/09.6GBSTB-B.E2 e o Ac. da RC de 23/02/2011, proc. 1499/08.2PBVIS-G.C e vide, ainda, Ac.s do STJ de 19/03/2015, proc. n.º 5/13.1SWLSB-D.S2 e de 10/08/2018, proferido no proc. n.º 56/18.0YFLSB, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
[8] In Boletim de Sumários do STJ, 2018, págs. 364 e 365. Vide, ainda, no mesmo sentido, entre muitos outros, Ac. do STJ de 23/04/2015, proc. n.º 8/13.6MACSC-E.S1, in www.dgsi.pt.
[9] Sumariado in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, pág. 842.
[10] Neste sentido, vide, entre outros, Ac.s do STJ de 23/04/2015, proc. n.º 8/13.6MACSC-E.S1 e de 19/03/2015, proc. n.º 5/13.1SWLSB-D.S2 e de 06/01/2015, proc. n.º 128/14.0YFLSB.S1, acessíveis in www.dgsi.pt. e Cons. Maia Costa, in Código de Processo Penal Comentado, 2016, 2ª edição, Almedina, pág. 839.
[11] Cf. citado Ac. do STJ de 19/03/2015, proferido no proc. n.º 5/13.1SWLSB-D.S2.