Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
306/13.9TBGLG-A.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: PRESCRIÇÃO DE CRÉDITOS
MEAÇÃO
CONTAGEM DOS PRAZOS
Data do Acordão: 12/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Até à partilha do património do casal, os bens que o integram continuam a pertencer a essa massa patrimonial, cujos bens só serão integrados no património de cada um dos cônjuges, com a sentença homologatória da partilha.
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 306/13.9TBGLG-A.E1 (Apelação)
Comarca de Santarém (Entroncamento-IL-SCG-J2)
Recorrente: (…)
Recorrido: (…)
R78.2015

I. (…) intentou a presente Acção Declarativa Comum, contra (…), peticionando a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 34.542,88 Euros, a que acrescem juros de mora vencidos e vincendos até integral pagamento, importando os primeiros, nesta data, em € 2.964,06 Euros.
A Ré contestou, invocando, para além do mais, a prescrição do direito que o Autor pretende exercer nestes autos, por já terem decorrido mais de três anos entre a data em que foi decretado o divórcio de Autor e Ré, e a data da propositura da presente acção.
O Réu deduziu resposta à excepção de prescrição, concluindo pela sua improcedência.

No Despacho Saneador, a Sr.ª Juíza “a quo”, conheceu da invocada excepção de prescrição nos seguintes termos:
Na sua contestação, veio a ré invocar a prescrição dos créditos exigidos pelo autor, uma vez que considera que as partes se divorciaram em 7 de Outubro de 2008, e que deverá ser desde essa data que o prazo prescricional deve ser contado. Tendo em conta que, nos termos do artigo 482.º do Código Civil, o prazo prescricional é de 3 anos, entende dever ser absolvida do pedido.
Notificado para responder à excepção invocada, veio o autor alegar que, apesar de o seu direito existir a partir da data em que foi decretado o divórcio entre autor e ré, posteriormente foi instaurado processo de inventário no Tribunal da Golegã, no qual o autor apresentou relação de bens, que foi notificada à ré, data em que o prazo prescricional foi interrompido – 09.06.2009.
Assim, entende que apenas na data em que transitou em julgado a decisão que pôs termo ao processo começou a correr novo prazo prescricional, ou seja, em 25.09.2011, pelo que ainda não decorreu o prazo de prescrição.
Cumpre decidir.
O autor invoca como origem dos créditos invocados, o enriquecimento sem causa, por parte da ré, no montante que alega ter pago nas obras do imóvel que veio a ser adjudicado a esta.
Nos termos do artigo 482.º do C.C.: “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.
Ora, salvo melhor entendimento, considera o Tribunal que o autor apenas teve conhecimento do direito que eventualmente poderá competir-lhe a partir da data em que o imóvel foi adjudicado à ré, uma vez que antes, o referido imóvel era bem comum, tanto mais que desde o divórcio ainda o autor alega ter efectuado pagamentos quanto ao mesmo.
Como tal, entende o Tribunal que o direito que possa eventualmente existir na esfera do autor, apenas prescreverá três anos contados sobre a data da conferência de interessados, ou seja, 15.09.2011, o que implicará 15.09.2014.
Tendo a presente acção dado entrada em 2013, o que interrompeu a prescrição, não se completou ainda o prazo prescricional. Por outro lado, ainda que tal não se entendesse, nos termos do artigo 327.º, n.º 1, do C.C., a prescrição sempre teria estado interrompida, como aliás invoca o autor, desde a notificação da relação de bens, e até à decisão definitiva do processo, o que implicaria também o indeferimento da invocada excepção de prescrição.
…”

Inconformada com tal decisão, veio a Ré interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
1. Ao não ter indeferido a Petição Inicial por ser manifestamente improcedente o pedido do autor, conforme previsto no artigo 590.º, 1, CPC, o despacho não aplicou a lei.
2. Ou, se assim não entendesse, deveria o despacho recorrido ter julgado nulo o processo, em virtude da verificação da excepção peremptória do caso julgado, uma vez que o autor pretende repetir neste processo o recebimento sob as vestes de "enriquecimento sem causa" daquilo já lhe foi pago no processo de inventário como "tomas" (note-se que o caso sub judice respeita a custos de construção de bem comum dos cônjuges, que foi partilhado).
3. Os "créditos" reclamados pelo Autor nesta acção, ainda que o Tribunal a quo admitisse a sua discussão fora do âmbito do processo de partilha subsequente a divórcio que correu entre as partes, não poderiam deixar de estar sujeitos ao regime jurídico geral previsto para o invocado "enriquecimento sem causa".
4. O despacho recorrido desconsidera não apenas o expressamente previsto no artigo 482.º do Código Civil que manda atender à "data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável", como também o disposto no artigo 318.º do mesmo diploma, que não contempla a partilha de bens, não fazendo depender quaisquer efeitos atinentes à prescrição do processo de inventário, limitando a suspensão da prescrição "entre os cônjuges".
5. Existe errada interpretação e aplicação da lei pelo despacho recorrido, que considera, na senda aliás do alegado pelo próprio recorrido, "apesar de o seu direito existir a partir da data em que foi decretado o divórcio entre autor e ré", suspender-se o prazo de prescrição pelo tempo em que decorre o processo de inventário.
6. Verifica-se contradição insanável no despacho recorrido que considera estarmos perante "créditos" próprios, impertinentes ao processo de inventário e, simultaneamente, faz depender da data da conferência de interessados "o direito que possa eventualmente existir".
7. O despacho recorrido ignora que a suspensão da prescrição, contrariamente à interrupção, não invalida o tempo já decorrido e, assim, deixa de se pronunciar sobre questão que não poderia ter deixado de decidir, o que constitui uma nulidade.
…”
Cumpre decidir.

II. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

A Apelante, na introdução das suas Alegações de Recurso, delimita ao presente recurso, nos seguintes termos:
“O presente recurso incide sobre o despacho que julgou "interrompida" a prescrição por via do processo de inventário subsequente a divórcio que correu entre as partes, indeferindo a excepção de prescrição invocada pela Recorrente:
"O autor invoca como origem dos créditos invocados, o enriquecimento sem causa, por parte da ré, no montante que alega ter pago nas obras do imóvel que veio a ser adjudicado a esta ( ... ) considera o Tribunal que o autor apenas teve conhecimento do direito que eventualmente poderá competir-lhe a partir da data em que o imóvel foi adjudicado à ré, uma vez que antes, o referido imóvel era bem comum, tanto mais que desde o divórcio ainda o autor alega ter efectuado pagamentos quanto ao mesmo".

Pelo que este Tribunal, embora as conclusões do presente recurso vão muito para além do objecto do Despacho recorrido, restringirá a apreciação do presente recurso, ao âmbito do referido Despacho que apreciou exclusivamente a invocada excepção de prescrição.

A questão a decidir resume-se assim, apenas, a saber se os créditos reclamados pelo Autor estão prescritos.

Por via da presente acção pretende o Autor ser ressarcido de diversas despesas que efectuou com o prédio que foi adjudicado à Ré, no Processo de Inventário para separação de meações do dissolvido casal, que foi constituído por Autor e Ré, despesas essas que foi efectuando ao longo do tempo, desde o período de solteiro até momento posterior ao divórcio.
Entende a Ré que tais créditos estão prescritos, por entender que o prazo de prescrição dos mesmos se deve contar desde a data do divórcio, que ocorreu em 07 de Outubro de 2008.
Não entendeu assim o Autor, que invocou que apesar de o seu direito existir a partir da data em que foi decretado o divórcio entre Autor e Ré, posteriormente foi instaurado processo de inventário no Tribunal da Golegã, no qual o Autor apresentou relação de bens, que foi notificada à Ré, data em que o prazo prescricional foi interrompido – 09.06.2009 –, pelo que entende que apenas na data em que transitou em julgado a decisão que pôs termo ao processo começou a correr novo prazo prescricional, ou seja, em 25.09.2011, pelo que ainda não decorreu o prazo de prescrição.
O Tribunal “a quo”, divergindo do entendimento das partes, veio a considerar que o início do prazo de contagem do prazo de prescrição a que alude o art.º 482º do Cód. Civ., apenas se iniciou a partir da data da conferência de interessados, que se realizou em 15/09/2011, pelo que à data da entrada da presente acção, não estava decorrido o aludido prazo de prescrição.

Nos termos do disposto no art.º 482º do Código Civil, “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.
A questão sobre a qual divergem as partes e o Tribunal “a quo”, é a do momento a partir do qual se deve contar o prazo de prescrição dos créditos invocados pelo Autor, independentemente da bondade da sua pretensão.
Na constância da comunhão conjugal “os bens comuns constituem uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia, e que pertence aos dois cônjuges, mas em bloco, podendo dizer-se que os cônjuges são, os dois, titulares de um único direito sobre ela” (Pereira Coelho, Curso de Direito de Família, 2ª Ed., pág. 506.).
Pelo que até à partilha desse património, os bens que o integram continuam a pertencer a essa massa patrimonial, cujos bens só serão integrados no património de cada um dos cônjuges, com a sentença homologatória da partilha.
Sendo certo que do acto de licitação em bens dessa massa patrimonial comum, apenas resulta o direito do licitante de lhe ser adjudicado, por força da sentença de partilha, o bem licitado (vide Lopes Cardoso, Partilhas Judiciais, Vol. II, pág. 309).
Tendo o dissolvido casal recorrido ao processo de inventário para proceder à partilha do património comum (que correu termos sob o n.º 98/09.6TBGLG), só por via do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, é que cessou a indivisão do património comum do dissolvido casal, transferindo-se apenas nesse momento, para os respectivos interessados, a propriedade sobre os bens que lhe foram adjudicados.
Consequentemente, só no dia subsequente ao trânsito em julgado da sentença que homologou a partilha, é que cada um dos cônjuges, enquanto titular exclusivo dos bens que lhe forem adjudicados, pode exercer, enquanto tal, os respectivos direitos e pode ser demandado, pelas obrigações decorrentes de ser proprietário desses bens.
Do que retiramos que o facto que define o momento a partir do qual o Autor pode exercer o seu direito a reclamar os créditos que invoca, é o momento da consolidação do bem – relativamente ao qual fez as despesas que invoca – na esfera patrimonial exclusiva de sua ex-mulher, por via do trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha.
Pelo que é a esse momento que se deve atender, para considerar que a partir da sua ocorrência o Autor teve conhecimento que, por via do bem em apreço ter sido adjudicado à sua ex-mulher, pode exercer, contra ela, o direito a ser ressarcido das despesas que efectuou com o bem até aí pertença do património comum.
Assim sendo, e tendo a sentença homologatória da partilha (de que não temos cópia nos autos) sido proferida necessariamente em momento posterior à Conferência de Interessados, realizada em 15/09/2011, e ao Mapa de Partilha efectuado em 12/06/2013, o prazo de prescrição de 3 anos, previsto no art.º 482º do Cód. Civ., interrompeu-se com a citação da Ré para a presente acção, que foi intentada em 07/11/2013, ou no prazo de cinco dias após a instauração da presente acção, se a citação teve lugar em momento posterior a esse prazo de 5 dias (art.º 323º, n.ºs 1 e 2, do Cód. Civ.).
Do que se pode concluir que o direito que o Autor pretende exercer, por via desta acção, não está prescrito.
Improcede assim o presente recurso.
***
III. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela improcedência do recurso, confirmando-se, embora por fundamento diverso, a sentença sob recurso.
Custas pela Apelante
Registe e notifique.
Évora, 03 de Dezembro de 2015
Silva Rato
Assunção Raimundo
Abrantes Mendes