Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
921/16.9T8STB.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
DECISÃO SURPRESA
PRINCÍPIO DE TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
CAUSA DE PEDIR
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – Invocando-se nas alegações e conclusões do recurso a violação do princípio do contraditório e a prolação de uma decisão-surpresa, deve considerar-se que foi arguida uma nulidade processual, à luz do preceituado no artigo 217.º do Código Civil, por estar invocada uma causa de nulidade processual – violação do princípio do contraditório com influência na decisão da causa.
II – Tendo as partes submetido à apreciação do tribunal a reclassificação profissional do trabalhador a partir de determinada data, com direito às diferenças salariais resultantes do enquadramento profissional, e tendo o tribunal proferido decisão em que condenou a empregadora, no pagamento das diferenças salariais com fundamento no princípio “trabalho igual, salário igual”, sem que tal fundamento tenha sido suscitado no decurso do processo ou tenha sido dado cumprimento ao preceituado no artigo 3.º, n.º3 do Código de Processo Civil, está-se perante uma violação do princípio do contraditório, o que constitui uma irregularidade suscetível de influir na decisão da causa, verificando-se, pois, uma nulidade nos termos previstos pelo artigo 195.º, n.º1 do Código de Processo Civil.
III – Não obstante a consequência normal da nulidade fosse a anulação da sentença recorrida, com a baixa dos autos à 1.ª instância para que fosse dado cumprimento à norma desrespeitada, assegurando-se o contraditório, proferindo-se depois nova decisão, tal ato processual seria perfeitamente inútil e, portanto, proibido, ao abrigo do artigo 130.º do Código de Processo Civil, porque o juiz não pode conhecer para além do objeto processual definido pelas partes (não está em causa uma situação prevista no artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho) e o objeto processual conformado pelas partes, não contempla qualquer alegada desigualdade salarial com fundamento na violação do princípio “trabalho igual, salário igual”.
(Sumário da relatora)
Decisão Texto Integral: P.921/16.9T8STB.E1
Apelação


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

1. Relatório
BB intentou ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra CC Energia, S.A., pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 1.928,00, a título de diferenças salariais vencidas e não pagas, bem como o que se vencer a título de diferenças salariais vincendas, bem como os quantitativos devidos a título de outras remunerações complementares indexadas à retribuição base, acrescidos de juros calculados à taxa legal.
Alegou, em breve síntese, que a partir de 1/6/2013, passou a executar as tarefas que até aí foram desempenhadas pelo seu colega DD que passou à pré-reforma, que tinha a categoria de Técnico de Centro de Manobras, nível 4, que hoje corresponde à categoria de Técnico de Exploração. Sucede que a R. apenas em 3/1/2015 promoveu o A. à categoria de Técnico de Exploração (nível 4), quando o devia ter feito com retroação a 1/6/2013. Na sequência considera-se com direito a receber as diferenças salariais peticionadas.
Frustrada a tentativa de conciliação realizada na audiência de partes, veio a R. contestar por impugnação.
Foi proferido despacho saneador tabelar.
Fixou-se à ação o valor de € 1.928,00.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, proferiu-se sentença contendo com o dispositivo que se transcreve:
«Pelos fundamentos expostos, julgo a presente ação parcialmente procedente, e, em consequência:
a) Condeno a R. “CC Energia, S.A.” a pagar ao A. CC, a quantia de € 1.860,00 (mil oitocentos e sessenta euros), a título de diferenças salariais vencidas e não pagas, bem como o que se vencer, a título de diferenças salariais vincendas, bem como os quantitativos devidos a título de outras remunerações complementares indexadas à retribuição-base, até que ocorreu a efetiva colocação no nível 4 de vencimento, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre essa quantia, vencidos e vincendos desde a data da citação da R. e até efetivo e integral pagamento;
b) Absolvo a R. “CC Energia, S.A.” do demais peticionado pelo A. BB.»
Inconformada com esta decisão, veio a R. interpor recurso da mesma, condensando as suas alegações nas seguintes conclusões:
«1. O Tribunal a quo errou na sua apreciação quando decidiu que o A. teria passado a desempenhar as mesmas tarefas que o seu ex-formador DD pelo que, “Observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual (…)”, teria direito ao mesmo vencimento que este auferia antes da sua passagem à pré-reforma, pelo que “Em conclusão, o A. tem direito a € 1.860, a título de diferenças salariais vencidas e não pagas, bem como ao que se vencer (…)”.
Do objeto do processo
2. Ao decidir assim, o Tribunal a quo condenou em objeto diverso do pedido.
3. Como bem refere a sentença recorrida, não se encontra em causa um caso de aplicação do disposto no artigo 74.º do CPT pelo que não se impunha, in casu, que o Tribunal condenasse em objeto diverso do pedido.
4. O A. pediu o pagamento de retribuições devidas e não pagas, com fundamento na passagem, em 01.06.2013, à categoria profissional de Técnico de Exploração (nível 4) – correspondente, no ACT EDP/2000, à categoria de Técnico de Centro de Manobras (nível 4), pedido a que o Tribunal negou, e bem, provimento.
5. Apesar de o direito à categoria, sonegado pelo Tribunal, ter sido o único fundamento do seu pedido, a sentença convoca indícios constantes do ACT (apenas para esclarecer que os mesmos não são aplicáveis), e sustenta-se no princípio de que para “trabalho igual, salário igual”, para reconhecer o direito ao A. a alegadas retribuições vencidas e não pagas.
6. Com isto, o Tribunal a quo prosseguiu um objeto da ação diverso do alegado pelo A., o que exigiria a ponderação e análise de fundamentos jurídicos completamente diversos daqueles que foram
examinados nos presentes autos.
7. Na verdade, o Tribunal expendeu uma decisão-surpresa fundada numa análise jurídica que nem sequer foi suscitada durante o decurso do processo.
8. Efetivamente, para se decidir a aplicação do princípio “para trabalho igual, salário igual” é necessário, segundo as melhores doutrina e jurisprudência, aferir se o trabalho prestado tem qualidade e quantidade semelhantes aos do trabalhador comparável, algo que nunca sequer foi abordado no presente processo.
9. Tal decisão não respeita sequer o direito ao contraditório visto que não foi possibilitada defesa quanto aos argumentos que acabaram por ser utilizados na sentença para decidir a favor do A., sendo a R. totalmente surpreendida por uma decisão assente em enquadramento de Direito totalmente diverso do discutido durante o processo.
10. A decisão ora recorrida violou, deste modo, o disposto no artigo 609.º n.º 1 do CPC, devendo ser revogada e substituída por decisão que absolva a R. integralmente do pedido.
Dos créditos laborais
11. O Tribunal a quo decidiu que o A. tem direito a € 1.860,00, a título de diferenças salariais vencidas e não pagas, fundando-se no facto de o A. ter passado a exercer funções do seu formador DD, em 24.06.2013, quando este passou à situação de pré-reforma.
12. As diferenças referidas correspondiam a (i) € 1.316,00, relativos ao período entre 01.01.2014 e 03.01.2015; e (ii) €544,00 relativos ao período entre 24.06.2013 e 01.01.2014.
a) Relativamente ao período entre 01.01.2014 e 03.01.2015
13. O raciocínio da decisão não se coaduna com a matéria provada dado que, segundo consta da factualidade provada, o A. acabou por ver equiparada a sua progressão na carreira profissional como se a alteração para o nível 4 tivesse ocorrido em 01.01.2014, conforme pontos 15) a 17) da matéria de facto provada.
14. Tendo ficado provado que o A. viu a sua carreira profissional, e por consequência a retribuição inerente, reconstituída como se tivesse passado às funções de nível 4 reclamadas em 01.01.2014 – Técnico de Centro de Manobras no ACT EDP/2000 e Técnico de Exploração no ACT EDP/2014 – são obviamente indevidas diferenças salariais neste período, pelo que se requer que seja revogada a decisão de conceder o direito a diferenças salariais ao A. no valor de € 1.316,00.
b) Relativamente ao período entre 24.06.2013 e 01.01.2014
15. No período entre 01.06.2013 e a data a que se reportou a reconstituição da carreira profissional do A. para o nível 4 (01.01.2014), este encontrava-se em período de avaliação, em que o A. dispunha de uma autonomia limitada – cfr. pontos 21) a 30) da matéria de facto provada.
16. Este período é antecedido de um primeiro período de aprendizagem mais básica – cfr. ponto 25) da matéria de facto provada.
17. Assim sendo, é paradoxal que o Tribunal a quo tenha decidido que o A., por imposição do princípio “para trabalho igual, salário igual”, tenha direito ao mesmo vencimento auferido pelo Sr. DD quando exercia funções com um grau de autonomia muito inferior e mesmo seguido de perto pelos superiores hierárquicos.
18. Aliás, resulta da matéria de facto provada – cfr. ponto 31) e 32) – que durante o período de avaliação embora o trabalhador possa atuar com algum grau de autonomia, tem sempre presentes no local de trabalho colegas já qualificados e experientes disponíveis para o esclarecimento de dúvidas quanto a procedimentos ou avaliação de cenários e que caso o trabalhador não confirme durante este período de experiência e avaliação a sua capacidade de resposta na função, é normalmente reintegrado no Centro de Gestão de Baixa Tensão.
19. Do que resulta um corolário lógico: o A. não tem direito ao pagamento de uma retribuição igual à atribuída a um Técnico de exploração (nível 4), pelo exercício de funções entre 24.06.2013 e 01.01.2014.
Das funções temporárias
20. O A. foi admitido para prestar inicialmente as funções de Eletricista de Exploração (nível 5) – ACT EDP/ 2000.
21. Às funções submetidas à categoria profissional acrescem aquelas que sejam afins ou funcionalmente ligadas, conforme disposto no artigo 118.º do CT.
22. Ora, segundo o ACT EDP/2000 e o ACT EDP/2014, a assunção de funções temporárias dependeria sempre de prévia determinação da R. e de que as funções temporárias não se compreendessem no âmbito da atividade contratada (cláusula 46.ª do ACT EDP/2014 e cláusula 43.ª do ACT/EDP 2000).
23. Considerada a falta de autonomia e supervisão a que se encontrava sujeito o A., no exercício das funções que desempenhou entre 01.06.2013 e 01.01.2014, estas não se compreendiam nas funções de nível 4 reclamadas, que são essencialmente marcadas por um elevado grau de autonomia.
24. Pelo contrário, as funções do A. neste período, seguidas de perto por superiores hierárquicos para o esclarecimento de dúvidas e avaliação de cenários, configuravam efetivamente funções contidas no âmbito do contrato celebrado e na categoria de nível 5 em que se encontrava incluído o A.
25. Conclui-se, portanto, que o A. não tem direito ao complemento previsto na cláusula 45.ª n.º 3 do ACT EDP/ 2000 e na cláusula 48.ª n.º 3 do ACT/EDP 2014.
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. Doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente, e em consequência, deverá a sentença recorrida ser revogada e a ação declarada improcedente por não provada.»
Contra-alegou o autor, suscitando a questão da inadmissibilidade do recurso e pugnando pela improcedência do mesmo.
Admitido o recurso, os autos subiram ao Tribunal da Relação, tendo a secção aberto “Vista” ao Ministério Público.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seu parecer, começando por afirmar que o recurso interposto é admissível ao abrigo do preceituado no artigo 79.º, alínea a) do Código de Processo do Trabalho. Mais referiu que parecendo que a apelante argui a nulidade da sentença, tal arguição não pode ser conhecida por falta de observância do formalismo exigido pelo artigo 77.º, n.º 1 do Código de Processo do Trabalho. Propugnou pela procedência do recurso, ainda que por fundamentação diferente, pois, no seu entender, existe contradição insanável ou no mínimo obscuridade da decisão sobre a matéria de facto constante da sentença posta em crise.
O apelado respondeu reiterando a sua posição quanto à inadmissibilidade do recurso, declarando ainda que não existe a menor obscuridade ou contradição em relação aos factos dados como provados.
Por despacho liminar proferido pela Relatora, julgou-se o recurso admissível ao abrigo do artigo 79.º, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil aplicáveis por remição do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, as questões suscitadas no recurso são:
1.ª A verificação de uma condenação em objeto diverso de pedido, constituindo a sentença proferida uma decisão-surpresa, tendo sido violado o princípio do contraditório;
2.ª Inexistência de fundamento para a condenação nas diferenças salariais.
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Para além das questões suscitadas pela apelante, existe a questão da acusada contradição e obscuridade dos pontos factuais 18, 20 e 37, suscitada no douto parecer do Ministério Público.
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III. Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1) A Ré resultou, juridicamente, das sucessivas alterações estatuárias que determinaram a cisão e posterior fusão da “EE Portugal, S.A.”, continuando o A. ao serviço da Ré, com todos os direitos e obrigações de que era detentor naquela “ope legis”.
2) O A. enquanto trabalhador da Ré e das suas antecessoras encontra-se inscrito no Sindicato das Indústrias Elétricas do Sul e Ilhas de que é associado (cfr. doc. nº 1).
3) Esta Associação Sindical, por seu turno, é outorgante através da sua representante, a Federação dos Sindicatos dos Trabalhadores das indústrias Elétricas de Portugal (FSTIEP), aliás, hoje, Federação Intersindical das Indústrias Metalúrgicas, Química, Farmacêutica, Elétrica, Energia e Minas (FIEQUIMETAL) do Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) que também foi outorgado pela Ré – “CC Energia, S.A.”.
4) Pelo que as relações de trabalho entre o A. e a Ré se regem pelo referido Acordo Coletivo de Trabalho (ACT) e respetivos Anexos, publicados no BTE, 1ª Série, nº 28, de 29/07/2000 e pelas subsequentes atualizações salariais anuais bem como pelo ACT e respetivos anexos publicados no BTE nº 37, de 08/10/2014.
5) O A. foi admitido para prestar a sua atividade profissional por conta e sob a autoridade da Ré, em 11/08/2004, com a categoria profissional de Eletricista de Exploração (nível 5).
6) Continua ao serviço da Ré com a categoria profissional de Técnico de Exploração (nível 4) e aufere a retribuição-base mensal de € 1.318,00 (BR.09).
7) O A. está integrado na Direção de Despacho e Condução/Média Tensão Sul, em Lisboa.
8) O A., em 01/06/2013, foi colocado na Escala de horário de 3 turnos rotativos em Média Tensão (MT), com alteração das funções que até então vinha exercendo.
9) Acerca da situação do A., foram trocados diversos emails, entre as chefias do A., de onde resulta, nomeadamente que:
a) - Em 31/05/2013: “Como não recebi a informação formal do … para o DRH da passagem do BB a 1 de Junho para integrar a escala do DSMTSUL, não remeti para a …, para avaliar o balanço da escala atual até ao final do ano na pista do DD e verificar se tens de dar Folgas ou lançar reservas. Assim, se achares inconveniente esperar pelo meu regresso para fazer esse pedido, agradeço que encaminhes com meu conhecimento”;
b) - Em 2/06/2014, a mesma chefia de então do A., confirma em e-mail enviado a … (DDC) que: “O colaborador BB já está a exercer funções no DSMTSUL desde 1 de Junho 2013, tendo integrado inclusivamente desde essa data uma das escalas MT, contudo e apesar de a correspondência de mails para tratamento de quiosque já ser entre mim, atual hierarquia e a EDP Valor DRH Equipa Processamento Sul, todo o tratamento a nível do Quiosque ainda está ainda a ser efetuado pela anterior hierarquia Engº …, onde exercia funções no CGBT Sul, o que acarreta um dispêndio de tempo acrescido para ambas as partes. Face ao exposto solicita-se que seja analisado junto do DRH a possibilidade de fazer a regularização da situação do colaborador BB também a nível de Quiosque. Cumprimentos, ST”;
c) - Em 20/01/2015, o Diretor … em e-mail enviado ao Diretor … confirma que: “O BB é um caso sobre o qual temos solicitado informação de forma recorrente, em virtude de já termos efetuado a proposta de passagem a nível 4 há bastante tempo. Solicito informação mais detalhada sobre este caso para poder elucidar o BB. Cumprimentos …” (docs 2, 3 e 4, na íntegra)
10) No ano de 2014 esteve em curso a conclusão do processo negocial do novo acordo coletivo de trabalho (publicado no BTE nº 37, de 08-10-2014) – que veio operar uma revisão relevante em matéria de enquadramentos profissionais –, razão pela qual não foram propostas nem aprovadas nesse ano alterações de categorias profissionais.
11) No entanto, apenas em 1 de Janeiro de 2015, foi promovido a Técnico de Exploração (nível 4) – ACT 2014, correspondente à anterior categoria profissional de Técnico de Centro de Manobras (nível 4) – ACT 2000.
12) No período imediatamente anterior à colocação do A., em 01-06-2013, no Centro de Condução de Média Tensão Sul, o A. desempenhou as funções que então lhe estavam atribuídas de “Eletricista de Exploração (nível 5)”, no Centro de Gestão de Baixa Tensão Sul, integrado no regime aí também vigente de três turnos.
13) O A. auferiu em 01/06/2013 – € 1.128,00 (BR 7) e seria a partir de 01/01/2014 – € 1.210,00 (BR 8).
14) Anteriormente, o A. esteve na “DCCS-CSAT – Apoio Técnico” até 30-06-2007 e passou para a Baixa Tensão em 01-07-2007 no “DSMT-BTSTB-GA BT Setúbal”, sendo que esteve em regime de dois turnos com folgas rotativas até 30-08-2009 e em 31-08-2009 passou ao regime de três turnos com folgas rotativas.
15) Neste contexto, a alteração de função/categoria do A. para Técnico de Exploração (nível 4) foi assumida com efeitos a partir de 01-01-2015,
16) Foi considerada a evolução de BR que o A. teria tido caso a alteração de função/categoria para o atual nível 4 tivesse produzido efeitos em 01-01-2014, ou seja, adquiriu a BR 09 com efeitos em 01-01-2015, já considerando a convergência para o ACT/2014,
17) Situação que foi regularizada no processamento de novembro/2015.
(Dá-se por integralmente reproduzido o quadro constante do ponto factual 17 que consta da sentença recorrida)
18) Passou, assim, a executar as tarefas inerentes à categoria profissional de Técnico de Centro de Manobras (nível 4), deixando de executar as tarefas anteriores inerentes ao horário de turnos em Baixa Tensão (BT) e correspondentes à categoria profissional de Eletricista de Exploração (nível 5).
19) Situação resultante do facto de ter sido colocado a substituir o seu colega DD, com o nível 4 (Técnico de Centro de Manobras pelo ACT/2000 e hoje Técnico de Exploração (ACT 2014), que passou à pré-reforma.
20) Isto é, a partir de 24/06/2013, o A. passou a executar as tarefas que até aí foram desempenhadas pelo seu colega DD que passou à pré-reforma, designadamente:
- coordenação e orientação das atividades do Centro de Manobras durante o turno;
- Programação e coordenação das operações de exploração da rede;
- Pesquisa e análise das avarias ocorridas na Alta, Média e Baixa Tensão, estabelecendo a ordem de reparação das mesmas;
- Orientação e coordenação das manobras necessárias à localização de incidentes nas instalações de Alta e Média Tensão;
- Execução dos registos de incidentes e avaria ocorridos na rede;
- Elaboração de informação e relatórios referentes ao funcionamento do Centro de Manobras.
21) E foi exclusivamente com a finalidade de avaliar a sua aptidão para desempenhar funções de maior exigência e complexidade técnica que o A., em 01-06-2013 passou a estar integrado no Centro de Condução de Média Tensão Sul, no mesmo regime de três turnos.
22) Tratou-se de um período de avaliação, uniformemente seguido em todos os casos análogos de trabalhadores da R. que, com experiência relevante em Baixa Tensão, denotam aptidão para progredirem profissionalmente e passarem a desempenhar funções num Centro de Condução de Média Tensão.
23) Este período é habitual no processo de evolução do Centro de Gestão de Baixa Tensão para o Centro de Condução de Média Tensão: a formação em contexto real dos trabalhadores tem duração variável em função do desempenho de cada um e apenas termina quando a Direção de Despacho e Condução conclui que o avaliando está apto a assegurar em pleno as tarefas e responsabilidades inerentes à função de Técnico de Centro de Manobras (ACT/2000) atualmente de Técnico de Exploração (ACT/2014).
24) Portanto, a avaliação termina apenas após parecer favorável da Direção de Despacho e Condução sobre a aptidão do colaborador para assegurar em pleno as funções daquela categoria profissional, incluindo a data a partir da qual o trabalhador poderá ser reclassificado na nova função/categoria.
25) Por outra parte, este período de avaliação é sempre precedido de um primeiro período de aprendizagem mais básica, de duração variável, caracterizado por um acompanhamento muito próximo dos trabalhadores.
26) Ultrapassado com sucesso este primeiro período de aprendizagem, segue-se o referido período de avaliação com vista a confirmar ou infirmar a capacidade dos trabalhadores para, de forma autónoma, consistente e responsável, tomarem decisões, num ambiente de eventual complexidade e intensidade inerente ao trabalho normalmente requerido em Centros de Condução de Média Tensão e aos trabalhadores nele integrados com as funções em causa de “Técnico de Exploração (nível 4)”.
27) Foi este segundo período de avaliação que o A. iniciou no dia 01-06-2013.
28) Nesse período de avaliação, foi dado ao A. um grau de autonomia limitado para vivenciar, experimentar e responder aos desafios de um técnico enquadrado na função, tendo exclusivamente por objetivo permitir demonstrar a sua capacidade de resposta nessa função.
29) Como em todas as situações análogas de trabalhadores que evoluem da Baixa Tensão para a Média Tensão, pretendeu-se verificar a consistência do seu modo de atuação e resposta.
30) Esta avaliação não é possível num muito curto período de tempo na medida em que a função de Técnico de Centro de Manobras (nível 4) (ACT/2000), hoje Técnico de Exploração (nível 4) (ACT/2014), está sujeita a várias facetas que não são a típica rotina do dia-a-dia, havendo que avaliar, nomeadamente, a resposta a contextos de volume de acontecimentos (regimes perturbados ou semi perturbados), o relacionamento com parceiros de outras áreas para resolução de problemas, a gestão do stresse inerente à função, a capacidade de questionar e o sentido crítico sobre acontecimentos e determinação das ações a empreender.
31) Sendo que, neste período de experiência e de avaliação, embora o trabalhador possa atuar com algum grau de autonomia, tem sempre presentes no local de trabalho colegas já qualificados e experientes disponíveis para o esclarecimento de dúvidas quanto a procedimentos ou avaliação de cenários para que (i) a sua evolução de conhecimento e de comportamentos se possa processar neste período e (ii) seja possível perceber, quer pelas indicações do próprio trabalhador em período de experiência, quer pela observação dos colegas já qualificados e da hierarquia, se há dúvidas ou inadequação de resposta, estando aqueles aptos a substituí-lo no desempenho das atividades ou a orientarem-no para que o mesmo atinja a solução/objetivo pretendido.
32) Aliás, caso o trabalhador não confirme durante este período de experiência e avaliação a sua capacidade de resposta na função, é normalmente reintegrado no Centro de Gestão de Baixa Tensão.
33) O trabalhador (DD) solicitou o regime de preparação para a reforma antecipada, tornando necessária a sua substituição.
34) Para suprir essa necessidade, foi identificado o A. por ter tido bom desempenho e apresentado boas competências na área de baixa tensão,
35) Em consequência o A. iniciou em Abril/Maio um período de adaptação, aprendizagem e avaliação para o eventual desempenho de funções no Centro de Condução de Média Tensão Sul,
36) E que foi concluído com sucesso, isto é, com o reconhecimento da aptidão do A. para assumir as referidas funções,
37) Funções essas inerentes à categoria de “Técnico de Centro de Manobras (nível 4)” (ACT/2000), hoje “Técnico de Exploração (nível 4)” (ACT/2014) que apenas desempenhou com plena autonomia e responsabilidade a partir de janeiro de 2014.
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IV. Violação do princípio do contraditório
Em sede de recurso, a apelante invoca a violação do princípio do contraditório e a prolação de uma decisão-surpresa.
Em síntese, refere que o tribunal de 1.ª instância procedeu a uma análise jurídica do caso que não foi suscitada durante o decurso do processo, nunca tendo sido concedida à apelante a possibilidade de se pronunciar sobre a mesma.
Principiamos por analisar este fundamento do recurso, porque, como referiremos mais adiante, a violação do princípio do contraditório com prolação de uma decisão-surpresa, tem sido entendida como causa de nulidade processual, e não como causa especifica de nulidade da sentença[1].
Assim, por questões lógico-processuais, a acusada violação do princípio do contraditório impõe-se como primeira questão a conhecer.
Na concreta situação dos autos, não obstante a apelante não tenha arguido expressamente a ocorrência de uma nulidade processual, deve considerar-se que tal nulidade se encontra tacitamente arguida, à luz do preceituado no artigo 217.º do Código Civil, por estar invocada uma causa de nulidade processual – violação do princípio do contraditório com influência na decisão da causa [2].
Analisemos então a questão suscitada.
Consagra o artigo 3.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável:
«1. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição.
2. Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida.
3. O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.
(…)»
Resulta do normativo que o direito ao contraditório é uma constante que deve ser assegurada ao longo de todo o processo, traduzindo-se numa «garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objeto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão». Conforme refere José lebre de Freitas, «[o] escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à atuação alheia, para passar a ser a influência no sentido positivo de direito de incidir ativamente no desenvolvimento e no êxito do processo.»[3]
O desrespeito por este princípio, traduzido na prolação de uma decisão que embora pudesse ser juridicamente possível, não esteja prevista nem tivesse sido configurada pelas partes, constitui uma decisão-surpresa[4], na medida em que não foi dada a oportunidade às partes de se pronunciarem sobre a possibilidade de uma solução que os sujeitos processuais não submeteram a juízo[5].
Volvendo ao caso em apreço nos autos, temos que na petição inicial, o A. peticionou a condenação da R. a pagar-lhe as diferenças salariais que indicou, com fundamento no direito à reclassificação profissional como “Técnico de Exploração (nível 4)”, desde 1/6/2013, por, a partir dessa data, ter começado a desempenhar funções que se integram no conteúdo funcional da mencionada categoria. A demandada impugnou tal direito, explicando o contexto em que as funções profissionais do A. foram exercidas desde a aludida data e a razão para a atribuição da categoria em causa apenas a partir de 1/1/2015, já com o BR 09.
Em requerimento apresentado pelo A., com a referência n.º 24278719 (5/12/2016), vem o A. enunciar uma lista de alegados trabalhadores da R. que, alegadamente em situação profissional idêntica à do A., beneficiaram da promoção no mesmo nível, sem que lhe fosse imposto qualquer período de tempo de aprendizagem, o que, sustenta o A., no seu entender configura grave e ostensiva discriminação em violação do estatuído nos artigos 13.º e 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição.
Notificada a R., a mesma veio impugnar, por falsas, as afirmações feitas pelo sinistrado, designadamente quanto ao facto dos trabalhadores identificados terem beneficiado da promoção no nível 4, sem imposição de qualquer período de aprendizagem.
Por despacho datado de 5/1/2017 (referência n.º 83148022), o Meritíssimo Juiz a quo refere:
«Finalmente, quer na audiência de partes, quer na tentativa de conciliação o A. deixou subentendido que o interesse na presente ação, para além do mais, decorria do tratamento diferenciado deste trabalhador em relação a outros colegas, conforme requerimento de fls. 66 v. Respondeu a Ré de fls. 159 a 160 de forma detalhada contraditando a posição do A..o qual não foi notificado do seu teor.
(…)
Notifique, ainda o A. para a junção de fls. 159v e 160 e, para em 5 dias, vir aos autos declarar se mantém o interesse na lide.»
Na sequência, o A. informou a manutenção do pedido e o seu interesse na lide.
Na ata da audiência de discussão e julgamento, após alusão ao parcial acordo dos factos alegados na petição inicial e na contestação considerados provados e aos factos dos aludidos articulados, sujeitos a prova, consta expressamente escrito: «Finalmente, as partes consideram que, como tema da prova, nomeadamente (advogado do A.) o apuramento, se no período de 01-07-2013 a 31-12-2013, o Autor esteve em formação e/ou no exercício de funções.»
Da tramitação processual salientada, resulta que a única alusão feita ao brocardo jurídico “trabalho igual, salário igual”, antes da prolação da sentença, surge no âmbito de um requerimento apresentado pelo A., e por via da remissão para as normas constitucionais que contemplam o princípio, fundando-se a mesma numa alegada discriminação com os trabalhadores …, …, …, … e ….
Ou seja, no desenvolvimento do processo, não se submete à apreciação do tribunal a questão do alegado direito às diferenças salariais peticionadas, com fundamento em violação do princípio “trabalho igual, salário igual”, em relação ao ex-trabalhador DD.
O que se submeteu a juízo foi a apreciação respeitante ao direito à reclassificação profissional desde 1/6/2016, com o consequente direito às retribuições resultantes do enquadramento.
Destarte, o tema da diferença de tratamento salarial entre o A. e o ex-trabalhador DD, em violação da máxima jurídica “trabalho igual, salário igual”, não foi suscitado no decurso do processo, pelo que as partes, nomeadamente, a apelante, não se pronunciaram sobre o mesmo.
E, baseando-se a condenação da apelante em tal fundamento, e não estando em causa uma situação de aplicação do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho, como reconhece expressamente o tribunal de 1.ª instância, a sentença proferida constitui uma decisão surpresa por se ter baseado em fundamento que não foi previamente considerado pelas partes.
Conforme tem sido sustentado pela jurisprudência, a prolação de uma decisão surpresa, com desrespeito pelo princípio do contraditório constitui uma nulidade processual[6].
Estando a nulidade decorrente da violação do princípio do contraditório coberta pela sentença, mostra-se atempada a sua arguição no recurso[7].
Face a todo o exposto, não tendo o tribunal de 1.ª instância, observado o preceituado no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, a sentença recorrida constitui uma decisão-surpresa.
A normal consequência de tal patologia seria a anulação da sentença recorrida, com a baixa dos autos à 1.ª instância para que fosse dado cumprimento ao preceituado no n.º 3 do artigo 3.º do Código de Processo Civil, assegurando-se o contraditório sobre a questão do diferente tratamento salarial entre o A. e o ex-trabalhador Veríssimo Pereira, proferindo-se depois nova decisão.
Todavia, não pode deixar de se ponderar qual a utilidade de decisão nesse sentido, pois se da causa de pedir apresentada não consta a alegação de qualquer violação do princípio da igualdade, o objeto do processo ficou definido desde o início, dado que não se verificou qualquer ampliação da causa de pedir.
Ora, tendo o juiz de se ater ao objeto do processo definido pelas partes, não podendo condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pediu (artigo 609.º, n.º1 do Código de Processo Civil) e não estando em causa uma situação de aplicação do artigo 74.º do Código de Processo do Trabalho, não poderia o tribunal de 1.ª instância basear-se numa não alegada desigualdade salarial baseada na violação do princípio “trabalho igual, salário igual”, para condenar a R. nas diferenças salariais peticionadas.
Razão pela qual a descida dos autos para os efeitos anteriormente referidos constituiria um ato perfeitamente inútil, que se mostra proibido, de harmonia com o disposto no artigo 130.º do Código de Processo Civil.
Tendo o tribunal de 1.ª instância julgado que não existia direito às diferenças salariais por força da reclassificação profissional peticionada, há que julgar o recurso procedente, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas.
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VI. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, consequentemente, absolvem a Ré do pedido contra si deduzido.
Custas da ação a suportar pelo recorrido.
Notifique.

Évora, 6 de dezembro de 2017
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
João Luís Nunes

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[1] As causas específicas de nulidade de sentença mostram-se consagradas no artigo 615.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral.
[2] V.g. Acórdão da Relação de Lisboa de 15/11/2007, P. 9503/2007.6, acessível em www.dgsi.pt
[3] Lebre de Freitas, “Introdução ao processo Civil – Conceito e princípios gerais à luz do novo código”, 3.ª edição, Coimbra Editora, págs. 124/5.
[4] v.g. Acórdãos do Supremo tribunal de Justiça, de 24/2/2015, P.116/14.6YLSB; e de 3/12/2015, P. 210/12.8TTFAR.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[5] V.g Acórdão do Supremo tribunal de Justiça de 11/2/2015, P. 201/05: Sumários , 2015, pág. 73.
[6] V.g Acórdãos do Supremo tribunal de Justiça de 15/10/2002, P. 02ª2478; de 13/1/2005, P. 04B4031
[7] V.g. Acórdãos da Relação de Évora de 20/12/2012, P. 759/11.0TBELV-A.E1 e de 10/4/2014, P. 500/12.0TBABF-K.E1.