Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
467/11.1GEPTM.E1
Relator: ANA BARATA BRITO
Descritores: DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DA PENA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Data do Acordão: 03/25/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSOS PENAIS
Decisão: PROVIDOS PARCIALMENTE
Sumário:
I - Os artigos 44.º (Regime de permanência na habitação) 45.º (Prisão por dias livres) e 46.º (Regime de semi-detenção) do Código Penal consagram formas de execução de pena, ou penas de substituição em sentido impróprio, e são de ponderação legal obrigatória nos casos de condenação em pena efectiva de prisão não superior a um ano.
II - A sentença que omita tal ponderação enferma da nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 379.º do Código de Processo Penal.
Decisão Texto Integral:
Processo nº 467/11.1GEPTM.E1

Acordam na Secção Criminal:
1. No Processo n.º 467/11.1GEPTM do 2º juízo criminal de Portimão foi proferida sentença em que se decidiu condenar o arguido A como autor de um crime de ofensas à integridade física do 143º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, de um crime de ameça do artigo 153º, nº 1 do Código Penal, na pena de 2 (dois) meses de prisão, e em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) meses de prisão; e o arguido B como autor de um crime de ofensas à integridade física do 143º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão, de um crime de dano do artigo 212, nº 1 do Código Penal, na pena de 3 (três) meses de prisão, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 (sete) meses e meio de prisão.
Inconformados com o decidido, recorreram os arguidos, concluindo:
“1 . Os arguidos foram condenados pelos seus antecedentes criminais e não pelos crimes deste processo.
2. Face à prova produzida em audiência de julgamento, só podia ser o arguido / recorrente B, ser condenado no crime de Ofensas à integridade física, previsto e punido pelo artigo 143º nº 1 do Código Penal, em multa e nunca em prisão efectiva.
3. E isto, tendo em conta o falso depoimento da mulher do ofendido e as declarações incrédulas do ofendido.
4. Há erro notório na apreciação e valoração da prova produzida em julgamento.
5. Há contradição nos factos dados como não provados e depois a sentença proferida com base nesses mesmo factos que servirão para a condenação dos arguidos / Recorrentes.
6. Não foi tido em conta a juventude dos arguidos à data da prática dos factos, embora se diga na sentença que sim.
7. Violou a Meritissima Juíza os artigos 143º, nº 1 do Código Penal, o artigo 153º , nº 1 do mesmo Código, e ainda os artigos 212, nº 1, bem como artigos 410º, nº 1 e 2, alínea a), c) e 127º , todos do código Penal.
Termos em que nos melhores de direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e os arguidos/ recorrentes serem absolvidos pelos crimes pelos quais foram condenados, Com o que farão Vossas Excelências um acto de inteira JUSTIÇA.”
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela improcedência e concluindo por seu turno:
“1. No caso dos autos, os recorrentes não indicaram concretamente as passagens em que se funda a impugnação da matéria de facto provada, conforme impõe o artigo 412.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, limitando-se a apelar, de forma genérica, às afirmações de facto por si proferidas e aos depoimentos de duas testemunhas (ofendido e esposa) e ao sentido dos mesmos.
2. Daí que não estejamos perante válida impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto, restando julgar improcedente as pretensões dos recorrentes, no sentido da sua modificação.
3. E inalterada que fica a matéria de facto fixada na sentença recorrida, improcedente se mostra o recurso, porquanto a matéria de facto apurada integra a prática pelo arguido A de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal e um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do mesmo diploma legal e pelo arguido B de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo artigo 143.º, n.º 1, do Código Penal, bem como de um crime de dano, p. e p. pelo artigo 212.º, n.º 1, do mesmo diploma legal.
4. Com efeito, a prova dos crimes de ofensa à integridade física simples pelos quais os arguidos foram condenados fundou-se nos depoimentos prestados pelo ofendido C e a sua esposa D, conjugados com o relatório de perícia de avaliação de dano corporal junto aos autos onde constam as lesões decorrentes das acções cometidas por cada um dos arguidos. A prova do crime de dano pelo qual o arguido B foi condenado fundou-se no depoimento prestado pelo ofendido C.A prova do crime de ameaça pelo qual o arguido A foi condenado fundou-se nos depoimentos prestados pelo ofendido C e sua esposa, D.
5. Os elementos de prova em causa foram livre e correctamente apreciados pela Mma. Juiz a quo, nos termos do disposto no artigo 127.º do Código de Processo, não padecendo a sentença recorrida de qualquer um dos vícios invocados pelos recorrentes, como sejam aqueles que foram invocados, constantes das alíneas a) e c) do n.º 2, do artigo 410.º do CPP, ou quaisquer outros. O que se sucede foi que ao conjunto da prova correctamente valorada pela Mma. Juiz a quo não foi dado relevo ao teor das afirmações de facto proferidas pelos recorrentes, como era sua pretensão, que se mostram contrariadas pelos restantes elementos de prova pessoal e pericial produzidos acima referidos.
6. Dúvidas não restam que as afirmações de facto proferidas pelo arguido A, caracterizam, em tese, a prática de um crime de ameaça, p. e p. pelo artigo 153.º, n.º 1, do Código Penal, estando verificados os elementos objectivos (comunicação de uma mensagem, transmitida por palavras ditas, a um destinatário ou a um terceiro que se encontre numa situação de proximidade existencial da pessoa do destinatário, com um significado da prática futura de um mal, mal este que há-de consistir no cometimento pelo agente de um crime contra a vida, a integridade física e a liberdade pessoal do destinatário ou de terceiro, e que seja adequada a provocar medo ou inquietação ou prejudicar a liberdade de determinação do destinatário. A potencialidade da ameaça não depende da intenção do agente de concretizar a ameaça) e subjectivo (que pode ser preenchido por qualquer modalidade de dolo, sendo irrelevante que o agente tenha a intenção de concretizar a ameaça).
7. As exigências de prevenção especial, revelam-se de extrema acuidade, dado o desrespeito reiterado por parte dos arguidos em relação às normas penais vigentes, não lhe servindo as condenações anteriores que sofreram (algumas delas por crimes da mesma natureza) de factor suficientemente dissuasor para se abster de cometer crimes, assumindo, assim, um comportamento anti-jurídico como bem patenteiam os seus certificados de registo criminal.
8. Face aos factores que estiveram na base da determinação da medida concreta, a aplicação pela Mma. Juiz a quo de uma pena única de 7 meses de prisão e 7 meses e meio de prisão não são seguramente penas excessivas, desadequadas e desproporcionais, pelo que as mesmas devem ser mantidas.
9. As necessidades de prevenir o cometimento de novos crimes, em particular, de crimes pessoais e contra o património, afastam a aplicação ao caso concreto da substituição da pena de prisão aplicada a cada um dos arguidos por prestação de trabalho a favor da comunidade, o mesmo sucedendo com a suspensão da execução da mesma, da qual já beneficiaram. Em suma, as penas aplicadas são adequadas à protecção dos bens jurídicos violados pelos arguidos e à reintegração dos mesmos na sociedade.
10. Pelo que, a douta sentença recorrida não nos merece qualquer reparo, entendendo-se não se mostrarem violados os dispositivos legais invocados ou outros.”
Neste Tribunal, a Sra. Procuradora-geral Adjunta elencou as questões a decidir mas não se pronunciou sobre o sentido da decisão a proferir.
Colhidos os Vistos, teve lugar a conferência.

2. Na sentença consideraram-se os seguintes factos provados:
“1. No dia 30 de Novembro de 2011, no Bairro Jacinto Correia, em Carvoeiro, Lagoa, o ofendido C chamou à atenção o arguido A por este se encontrar a atirar pedras em direcção ao cão de um vizinho;
2. Ao aperceber-se da situação o arguido B aproximou-se do ofendido C e começou a atirar na direcção deste as pedras que tinha na sua posse, as quais se destinavam a ser atiradas ao canídeo;
3. O arguido B não conseguiu atingir o ofendido com as pedras pois este conseguiu desviar-se;
4. Como o ofendido se desviou das pedras que lhe eram dirigidas, as mesmas atingiram o seu veículo automóvel, que se encontrava estacionado atrás de si;
5. Desta feita, causaram os arguidos uma amolgadela na porta da frente, do lado direito, do veículo pertencente ao ofendido;
6. Enquanto o arguido A gritava para o ofendido expressões como: “vou-te matar! Isto não fica assim, vou-te apanhar” e “mato-te a ti e crio eu as tuas filhas”;
7. Ao aperceber-se da situação a ofendida D, companheira do ofendido C, dirigiu-se à rua para ver o que se passava, questionando os arguidos sobre o sucedido;
8. Os ofendidos C e D são pais de dois menores;
9. Ao actuar pelo modo descrito, tiveram os arguidos o claro e firme propósito de atingir o ofendido C na sua integridade fisica, o que apenas não lograram atingir na medida em que aquele foi capaz de se desviar;
10. Todavia, ao atirarem pedras ao ofendido os arguidos sabiam que podiam atingir outros bens que se encontrassem em redor causando-lhes estragos;
11. Aliás, o arguido sabia que o veículo automóvel pertencente ao ofendido se encontrava estacionado atrás deste e que poderia ser atingido pelas pedras, como foi;
12. Todavia, não obstante poderem atingir o veículo e causar-lhe estragos, como previram e aconteceu, os arguidos ainda assim atiraram as referidas pedras, cientes de que estavam a causar um prejuízo patrimonial (de valor não apurado) ao seu proprietário — o ofendido;
13. Os arguidos quiseram ainda provocar medo e inquietação em ambos os ofendidos, bem como afectar a liberdade de determinação destes, fazendo-os temer pela integridade física e vida de toda a família, cientes de que a sua conduta era adequada a produzir o pretendido efeito, o que, aliás, lograram conseguir;
14. No dia seguinte, ou seja, no dia 1 de Dezembro de 2011, no período compreendido entre as 19 h e 30 m e as 20 h, os arguidos e o ofendido C encontraram-se no supermercado “Intermarché”, em Carvoeiro;
15. Os arguidos cercaram o ofendido;
16. O arguido A colocou-se à frente do ofendido, enquanto o arguido se aproximou pelas suas costas e ao chegar junto ao ofendido desferiu sobre o mesmo um soco que o atingiu na face;
17. Nessa sequência o ofendido não perdeu a consciência e caiu, apenas se apercebendo que os arguidos o estavam a agredir - embora se desconheça se com murros, pontapés ou por outro meio - na zona do tronco;
18. Deste evento resultaram para o ofendido C dores nas regiões atingidas, ou seja, na face e tronco. Sendo que na face, na região do dorso do nariz, o ofendido sofreu equimose avermelhada, medindo 4 cm x 3 cm, sobre a qual assenta (à direita da linha média) escoriação, medindo 5 mm de diâmetro; dor a apalpação nasal; na face pilosa do hemilábio superior direito, continuando-se pela face mucosa do mesmo hemilábio, equimose avermelhada, medindo 2 cm x 5 mm;
19. Tais lesões determinaram para o ofendido oito dias de doença com afectação da capacidade de trabalho geral;
20. Ao agir da forma descrita, em união de esforços e de forma concertada, os arguidos quiseram agredir o ofendido na sua integridade fisica, ofendendo-o no seu corpo e na sua saúde, o que lograram conseguir;
21. Os arguidos agiram de forma livre, consciente e deliberada, ciente de que a sua conduta era proibida e punida por lei;
22. O arguido A regista antecedentes criminais, já foi julgado e condenado por um crime de ofensas à integridade fisica simples praticado em 02.02.2009, um crime de ofensas à integridade fisica simples praticado em 24.08.2009, um crime de ofensas à integridade fisica simples praticado em 16.09.2010 e um crime de ofensas à integridade física simples praticado em 16.06.2011;
23. O arguido B regista antecedentes criminais, já foi julgado e condenado por um crime de injúria agravada praticado em 09.04.2008, um crime de ameaça agravada praticado em 06.04.2008, um crime de desobediência qualificada praticado em e um crime de invasão da área dos espectáculo desportivo;
24. O arguido A ganha em biscates por mês cerca 375,00 euros, tem uma filha menor, vive com a companheira que não trabalha em casa dos pais, recebe da segurança social cerca de 350,00 euros, tem um veículo automóvel de marca Citroen Saxo de 1999, o qual se encontra apreendido;
25. O arguido B aufere em biscates cerca de 300,00 euros por mês, vive em casa dos pais e por vezes ajuda com alguma coisa na economia doméstica.”
Na sentença, motivou-se assim a matéria de facto:
“O Tribunal fundou a sua convicção quanto aos factos descritos em cima como estando provados:
Os arguidos prestaram declarações.
O arguido A referiu que o B mandou as pedras ao C depois de ele ter aparecido por trás com um ferro na mão. Não o viu a atingir o carro. Confirma que disse os nomes, "era só de boca", ameaçou o C, mas não ameaçou a D. Não viu o carro a ser homologado, nem sabe onde o carro estava. No Intermarché, o irmão deu-lhe um soco e ele caiu no chão. Disse que eram mentira as palavras sobre o E. Neste momento continuam a ser vizinhos, mas o C não mora lá.
O arguido B referiu que tudo começou por causa do cão, o C agarrou-o pelo pescoço e o irmão veio separa-los. O C foi a casa, veio com um ferro grande e com a mulher, viu a mulher a falar com o A. O C apareceu por trás dele com o ferro e ele fugiu e mandou-lhe duas pedras da calçada. Não lhe acertou e no carro dele também tem a certeza que não acertou. Ameaçou-os depois de eles também ameaçarem. Não falou com a D. Deu-lhe um murro por trás no Intermarché, tudo por causa da raiva do dia anterior.
Ouvido o ofendido C, o mesmo confirmou os factos como constam da acusação. Não ouviu a conversa deles com a sua companheira D. No Intermarché, foi uma semana ou dias depois do ocorrido no Bairro, atacaram-no os dois. O B veio por trás e o A apareceu à frente. Acha que não desmaiou. Depois de ter caído deram-lhe vários empurrões, agarraram-no, ficou cheio de sangue, também lhe deram pontapés, mas não sabe se foi antes ou depois de cair. Tudo se passou na linha de caixa. Disse que estava no supermercado com outro individuo, mas ele não quer testemunhar porque tem medo de represálias, o nome dele é F. Várias vezes é ameaçado pelo A. Confirma que foi a casa buscar um pau para se defender, mas só depois de eles terem atirado com as pedras. Sabe que existe um processo em que eles fizeram queixa de si.
A testemunha D é companheira do ofendido C, referiu que o arguido A lhe disse "chama-o para eu o matar" referindo-se ao seu companheiro C. Acha que ele tinha uma catana ou machado na mão. O carro ficou um pouco amolgado. Os factos passados no Intermarché só teve conhecimento à posteriori não estava lá, mas viu o companheiro com um corte no nariz/cara. Não viu o marido com um pau na mão.
Esta testemunha mostrou muita animosidade aquando do deu depoimento, pelo que o Tribunal considera que não foi totalmente isenta.
A testemunha G, vizinho e amigo dos arguido e cunhado do ofendido referiu que não viu nenhum objecto nas mãos dos arguidos e que o C não ameaçou nenhum deles quando tinha o pau.
A testemunha H nada acrescentou aos factos na medida em que deu conta de uma confusão no bairro, mas não viu nada.
A testemunha I, referiu que viu um rapaz que não conhece com um pau na mão a ir por trás do arguido B e ela gritou para o alertar. Viu que estavam todos a discutir uns com os outros, mas não reteve quaisquer expressões.
A testemunha J nada viu ou ouviu.”


3. Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios do art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal (AFJ de 19.10.95), a questão a apreciar cinge-se à pena.
Começa por se consignar que os dois recursos interpostos (em articulado único) roçam a ininteligibilidade. Quer da motivação, quer das conclusões, apenas é possível extrair que os arguidos pretendem impugnar a pena, pugnando aleatoriamente pela absolvição ou pela condenação em multa.
Conhecer-se-á do recurso apesar das deficiências e centrar-se-á a decisão na sindicância da sentença na parte relativa à pena.
No entanto, numa confusa parte restante – e referimo-nos a uma “parte restante” já que os arguidos, de um modo totalmente desorganizado, falam em “erro notório”, em “contradições”, invocam depoimentos e pedem a absolvição – o recurso sempre seria de rejeitar atenta a manifesta improcedência.
Na verdade, ao invocar o erro notório apenas se alega, textualmente, “chegamos à conclusão que há erro notório na apreciação e valoração das provas produzidas em julgamento, atendendo aos conteúdos dos depoimentos”.
Ora, curando-se de um vício da sentença que resultaria do simples exame da decisão (ou do encontro deste com a experiência comum), devendo tratar-se de um erro evidente e facilmente detectável no texto da sentença, não faz qualquer sentido a remessa para “conteúdos de depoimentos”.
Esse erro teria de consistir em ter-se considerado provado algo notoriamente errado, que não poderia ter acontecido, algo de ilógico, arbitrário ou notoriamente violador das regras da experiência comum. Nada disso se alega em recurso, nem tão pouco resulta visível no texto da sentença, pois os factos provados encontram-se minimamente justificados nas provas, sendo ainda perceptível a forma como a convicção do julgador se formou, apesar das deficiências que também são de admitir na sentença.
Na verdade, o exame crítico da prova está longe de ser modelar, limitando-se a uma narrativa descritiva das provas orais produzidas em audiência, o que fica muito aquém do medianamente exigido, conforme jurisprudência antiga, reiterada, uniforme e constante.
Censurável é ainda a circunstância de se ter omitido qualquer referência à prova pericial (exames médicos), prova oferecida pelo Ministério Público na acusação, que consta a fls. 61 e 62 dos autos, e da qual resultava que as lesões corporais que o ofendido apresentava eram compatíveis com o episódio de vida que narrou em julgamento.
No entanto, apesar das incompletudes detectadas, a motivação da matéria de facto na sentença é ainda perceptível no sentido da prova ter decorrido essencialmente das declarações do ofendido, que foram confirmativas dos factos provados, e das declarações dos próprios arguidos, que admitiram alguns desses factos.
Será, pois, a extrema simplicidade do episódio de vida tratado na sentença que acaba por tornar a motivação da prova compreensível.
Como se disse, também não se pode aceitar que os recorrentes estejam a impugnar a matéria de facto ao abrigo do art. 412º, nº3 do Código de Processo Penal.
Impõe este preceito que, quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente especifique os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, as concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida e/ou as que deviam ser renovadas.
Essa especificação deve fazer-se por referência ao consignado na acta indicando o recorrente concretamente as passagens em que se funda a impugnação (nº4). Na ausência de consignação na acta do início e termo das declarações, bastará “a referência às concretas passagens/excertos das declarações que, no entendimento do recorrente, imponham decisão diversa da assumida, desde que transcritas pelo recorrente,” de acordo com a jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça em 08.03.2012 (AFJ nº 3/2012).
O incumprimento das formalidades impostas pelo art. 412º nº 3, quer por via da omissão, quer por via da deficiência, inviabiliza o conhecimento do recurso da matéria de facto. Mais do que de uma eventual penalização decorrente do incumprimento de um ónus, trata-se aqui de uma verdadeira impossibilidade de conhecimento decorrente da deficiente interposição do recurso.
No caso presente, os recorrentes não procedem (nem na motivação, nem nas conclusões) à especificação dos pontos de facto, nem das concretas provas, limitando-se a afirmações genéricas como “ouvindo Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, toda a prova gravada, perceberão que o depoimento do ofendido não merece credibilidade (…) Quanto a sua mulher D, depoimento totalmente falso (…) Já quanto às outras testemunhas, nem importa comentar os depoimentos, pois, ou nada viram ou nada ouviram”.
Permanece pois, como questão sobrante, a decisão sobre a(s) pena(s).
A determinação concreta da pena terá de partir dos dispositivos nucleares dos artigos 40º e 71º, nº1 do Código Penal, relacionando-se adequadamente os princípios da culpa e da prevenção, no quadro constitucional da proibição do excesso.
Na doutrina para nós mais significativa, de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Coimbra Editora, 2005) e de Anabela Rodrigues (A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, Coimbra Editora, 1995), toda a pena prossegue finalidades exclusivamente preventivas.
Assim, na síntese de Figueiredo Dias, “toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção geral e especial; a pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa; dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico; dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou de segurança individuais” (Direito Penal Português, Parte Geral I, Coimbra Editora, 2004, p.81).
Também para Anabela Rodrigues, “a finalidade essencial e primordial da aplicação da pena reside na prevenção geral”, devendo a pena “ser medida basicamente com a necessidade de tutela de bens jurídicos que se exprime no caso concreto” e o limite mínimo da moldura de prevenção geral será em concreto definido “pelo absolutamente imprescindível para se realizar essa finalidade de prevenção geral e que pode estender-se sob a forma de defesa da ordem jurídica”. A pena deve ser medida pelo juiz “em função das exigências de protecção das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e que têm no processo um papel primordial”. E “os limites de pena assim definida pela necessidade de protecção de bens jurídicos não podem ser desrespeitados em nome da realização da finalidade de prevenção especial, outra finalidade em nome da qual a pena é medida”, sendo aqui o “desvalor do facto valorado à luz das necessidades individuais e concretas de socialização” do agente. À culpa fica reservado o papel de “incontestável limite de medida da pena assim encontrada” (A determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 570-576).
A prevenção geral positiva ou de integração apresenta-se, pois, como a finalidade primordial a prosseguir com as penas, não podendo a prevenção especial positiva pôr em causa o mínimo de pena imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, tendo sempre a culpa como limite.
Partindo das normas e dos princípios enunciados, cumpre rever a fundamentação da pena constante do acórdão.
Na sentença fundamentou-se a pena imposta aos arguidos da forma seguinte:
“Prescreve o artigo 71º, nº1, do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, se faz em função da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes.
Nessa determinação, devem ser atendidas a todas as circunstâncias relevantes para o efeito de culpa ou de prevenção que, não fazendo parte do tipo do crime, deponham a favor ou contra o agente.
E nessa perspectiva, relevam: A ilicitude do facto e a natureza do bem jurídico acautelado pelas normas incriminatórias; O dolo necessário e intenso com que os arguidos agiram; A situação sócio-económica e familiar dos arguidos; A existência de inúmeros antecedentes criminais por parte dos dois arguidos, alguns da mesma natureza.
Terá o tribunal igualmente que ter em atenção que os arguidos não tinham ainda 20 anos à data da prática dos factos, pelo que considera o tribunal ser de aplicar o regime especial para jovens, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, mormente o artigo 4º, atenuando especialmente a pena nos termos do disposto nos artigos 73º e 74º do Código Penal.
Tendo em conta todos esses elementos da culpa e da prevenção, entende o tribunal adequado aplicar aos arguidos:
Ao arguido A:- Pela prática de um crime de ofensa à integridade fisica, a pena de 6 (seis) meses de prisão; - Pela prática de um crime de ameaça, a pena de 2 (dois meses de prisão; - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, será o arguido condenado na pena única de 7(sete) meses de prisão. No mais vai absolvido.
Ao arguido B: - Pela prática de um crime de ofensas à integridade fisica, a pena de 6 (seis) meses de prisão; - Pela prática de um crime de dano, a pena de 3 (três) meses de prisão; - Operando o cúmulo jurídico das penas parcelares, será o arguido condenado na pena única de 7 (sete) meses e meio de prisão. No mais vai absolvido.
Importa não esquecer que a aplicação de uma pena visa, além da protecção de bens jurídicos, a “reintegração do agente na sociedade” – art. 40º, n.º 1, do Código Penal.
Por forma a corrigir tal comportamento desviante dos arguidos, julgamos que o cumprimento de pena de prisão efectiva constituirá uma solução claramente satisfatória, atendendo aos contornos dos ilícitos que lhes são imputados nestes autos e, bem assim, os arguidos já foram condenados em pena de prisão suspensa, o que não se mostrou, de todo, suficiente para os arguidos mudarem de atitude e não praticarem mais crimes.
De facto, o tribunal não consegue fazer um prejuízo favorável aos arguidos, nem considerar que a simples ameaça da aplicação da pena de prisão é suficiente para os afastar da prática de novos crimes, na medida em que os arguidos, atendendo ao que já foi dito, voltaram a delinquir.
Em suma, considerar o tribunal que a pena de prisão não é passível de qualquer suspensão.”
Como fundamento da impugnação, os recorrentes alegam não ter sido levada em conta a juventude dos arguidos, dever ser, o A, absolvido e, o B, condenado em multa.
E é tudo, quanto às razões do recurso sobre a pena. O que é manifestamente insuficiente para adversar a decisão do tribunal, mesmo tratando-se de uma pena de prisão efectiva justificada na sentença de um modo tão sumário.
Na verdade, a fixação da pena é uma actividade judicialmente vinculada.
O processo de determinação da pena implica a escolha da pena principal, a determinação da medida concreta da pena principal, e a ponderação da aplicação de pena de substituição (sua escolha e determinação concreta).
Aceita-se que as razões de prevenção geral e especial impõem, no caso, o afastamento da multa principal. A opção pela prisão mostra-se assim acertada. Mas haveria que o dizer.
Como insistentemente temos lembrado, na esteira da jurisprudência do Tribunal Constitucional, as necessidades de fundamentação da sentença não são as mesmas para todo o tipo de casos.
O tribunal constitucional tem chamado a atenção para a circunstância de não serem “uniformes as exigências constitucionais de fundamentação de todo o tipo de decisões em matéria penal, (…) que as decisões condenatórias devem ser objecto de um dever de fundamentar de especial intensidade, mas que não se verifica o mesmo noutro tipo de decisões” (Ana Luísa Pinto, A Celeridade no Processo Penal: O Direito à Decisão em Prazo Razoável, p. 75 e Acs TC 680/98, 281/2005 e 63/2005 aí cit.).
Assim, a sentença condenatória em pena de prisão efectiva será a decisão judicial proferida no processo que envolverá um dever de fundamentar de maior intensidade.
A decisão sobre a pena tem que revelar sempre as suas razões e os seu motivos, reconduzindo-se a “um parâmetro valorativo que a justifique”, de modo a permitir a fiscalização da administração da justiça e o exercício do direito recurso, e a combater o secretismo e o subjectivismo da actividade jurisdicional.
A fundamentação, também da pena, deve ser clara (compreensível no seu sentido e alcance), congruente (sem erros de raciocínio) e suficiente (com apreciação das questões essenciais que se colocam).
A sentença recorrida está longe de se apresentar como modelar no que respeita à suficiência desta fundamentação, ou seja, não procede esgotantemente à justificação da pena, nem de facto nem de direito.
Desde logo, a fundamentação de facto da pena deveria ter envolvido, para além da enunciação dos factos pessoais do agente, presentes na sentença, a descrição completa dos seus antecedentes criminais, que assumidamente se elegeram como relevantes para a decisão.
Concretizando, não basta enunciar nos factos provados que os recorrentes foram julgados e condenados por determinados crimes, sem se ter especificado em que datas e, mais importante, em que penas concretas.
Se os antecedentes criminais dos arguidos revelam a desadequação da pena de multa, que se mostraria insuficiente para obstar à repetição criminosa e também traduziria uma benevolência que a sociedade dificilmente compreenderia, esses antecedentes não deviam ter sido aligeirados nos factos provados, como se fez na sentença – “22. O arguido A regista antecedentes criminais, já foi julgado e condenado por um crime de ofensas à integridade fisica simples praticado em 02.02.2009, um crime de ofensas à integridade fisica simples praticado em 24.08.2009, um crime de ofensas à integridade fisica simples praticado em 16.09.2010 e um crime de ofensas à integridade física simples praticado em 16.06.2011; 23. O arguido B regista antecedentes criminais, já foi julgado e condenado por um crime de injúria agravada praticado em 09.04.2008, um crime de ameaça agravada praticado em 06.04.2008, um crime de desobediência qualificada praticado em e um crime de invasão da área dos espectáculo desportivo”.
O juízo sobre a pena envolve a identificação casuística das exigências de prevenção especial, à qual não pode ser alheia a avaliação sobre os efeitos ou resultados das condenações anteriores no comportamento do condenado.
Ou seja, em casos de arguidos não primários, cumpre saber das concretas sanções criminais anteriormente experimentadas, aquilatar do seu maior ou menor sucesso, da resposta que ainda possam ou não oferecer para o caso concreto, sobretudo quando a nova pena, a proferir, é a de prisão.
Tendo presente que a decisão sobre a pena assenta sempre num juízo de prognose, configurando “necessariamente uma estrutura probabilística” e não podendo “senão concretizar-se por aproximações” (assim, Anabela Rodrigues, A Determinação da Medida da Pena Privativa da Liberdade, p. 27), há que dotar a sentença de todos os factos relevantes.
Esses factos, que acrescem aos factos relativos à culpabilidade, são essencialmente os que se relacionam com a personalidade do arguido e com o seu comportamento anterior e posterior, incluindo os antecedentes criminais.
Os juízos de prognose não devem resultar de uma mera “intuição” assente na “experiência da profissão”. Antes pressupõem “um trabalho teórico-prático de recolha e valoração de dados e informações acerca das pessoas e dos factos em causa”, o que implica um “alargamento da base da decisão” de modo a incluir os factos relativos à pessoa do condenado e aos seus antecedentes criminais (assim, Anabela Rodrigues, loc. cit., p. 28-30).
Acresce que a sentença é uma peça processual que deve ser auto-suficiente e dispensar remissões ou consultas de outras folhas do processo para sua integral compreensão, não valendo como argumento que o certificado de registo criminal do arguido sempre constaria dos autos.
A sentença dá ainda nota da “existência de inúmeros antecedentes criminais por parte dos dois arguidos, alguns da mesma natureza” e de “condenações anteriores em pena suspensa”.
Mas também a fundamentação de direito (da pena) se apresenta deficiente.
Perante penas abstractas compósitas alternativas (prisão ou multa), impunha-se começar por justificar a escolha da pena (de prisão) principal, já que, nestes casos, o art. 70º do Código Penal obrigaria o tribunal a dar preferência à pena não privativa da liberdade (“sempre que esta realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”) e, uma vez decidida a opção pela prisão e achada a pena única (de sete meses para o arguido A e de sete meses e meio para o arguido B), caberia mostrar que as penas de substituição legalmente previstas foram ponderadas pelo tribunal.
As penas em causa admitem substituição por pena de multa, por prestação de trabalho a favor da comunidade e suspensão na execução (arts. 43º, nº 1, 58º, nº 1 e 50º do Código Penal).
Embora dessa circunstância não resulte uma imposição legal de afastamento expresso, individual e exaustivo (pena a pena) de todas as penas de substituição previstas na lei e aplicáveis ao caso, ao optar por pena efectiva o julgador tem de revelar que ponderou todas as possibilidades, afastando-as fundadamente.
Como se viu, o tribunal concluiu que a prisão era, no caso, necessária para garantir as finalidades da punição. Considerou-o quando optou pela pena de prisão e não de multa principal (embora não o tenha consignado como devia); considerou-o no segundo momento, quando afirmou, sempre muito abreviadamente, a efectividade da prisão.
Ou seja, pode ainda assim depreender-se da sentença que o tribunal tenha avaliado, afastando, a possibilidade de opção por qualquer das três penas de substituição legalmente previstas. Nestas se incluindo a multa de substituição, cujo afastamento prévio da multa principal não invalidaria, já que, aqui, relevam preponderantemente razões de prevenção geral e, ali, razões de prevenção especial.
Dos factos provados, completados agora com os dados fornecidos pelos certificados de registo criminal juntos aos autos – e dos quais resulta que ambos os arguidos já sofreram várias condenações anteriores em penas de multa, de prisão suspensa e de prestação de trabalho a favor da comunidade, algumas delas por crimes de ofensas à integridade física –, não é realmente possível concluir que a aplicação de pena de substituição seja suficiente para afastar qualquer dos arguidos da criminalidade.
Mas mesmo aceitando-se que as penas se encontram suficientemente justificadas no que respeita à escolha da pena principal e à efectividade da prisão, o processo de aplicação da pena não se encontra finalizado.
Tendo concluído, como o fez, pelo emprego de penas de prisão efectiva (de sete meses e de sete meses e meio) que aqui se confirmam, terá o tribunal de prosseguir, e terminar, o processo de concretização da pena.
Para tanto, deverá proceder a adequada ponderação dos mecanismos legalmente ainda previstos: no art. 44º (Regime de permanência na habitação), no art. 45º (Prisão por dias livres) e no art. 46º (Regime de semi-detenção) – e obtido o consentimento do arguido, se for o caso (art. 44º) – aplicando-os ou afastando-os.
Estes preceitos consagram formas de execução da pena, ou penas de substituição em sentido impróprio, que seguem um programa de política criminal que pretende reduzir os efeitos negativos da reclusão, em casos de pequena criminalidade, e que são de ponderação legal obrigatória.
E face à eventual necessidade de obtenção do consentimento do arguido na hipótese prevista no art. 44º do Código Penal, se vier a ser essa a decisão, deverá tal ponderação ser efectuada pelo tribunal a quo. O que se determina, de forma a sanar-se a nulidade de sentença cometida, que é a prevista na al. c) do nº1 do art. 379º do Código de Processo Penal.
A nova sentença deverá ainda passar a conter a transcrição completa dos antecedentes criminais dos arguidos, que se revelaram determinantes na decisão sobre a pena.

4. Face ao exposto, acordam no Tribunal da Relação de Évora em:
Julgar parcialmente procedentes os dois recursos, embora por outros fundamentos, determinando-se a prolação de nova sentença que sane a nulidade da al. c) do nº 1 do art. 379º e a complete, nos moldes referidos.
Sem custas.

Évora, 25.03.2014

Ana Maria Barata de Brito
Maria Leonor Vasconcelos Esteves