Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1666/11.1TBEVR-A.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: INVENTÁRIO
RECLAMAÇÃO CONTRA A RELAÇÃO DE BENS
ROL DE TESTEMUNHAS
Data do Acordão: 04/30/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em processo de inventário, no incidente de Reclamação contra a relação de bens, é ainda admissível o aditamento do rol de testemunhas apresentado pelos interessados.
Decisão Texto Integral: Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 1666.11.1TBEVR-A
Apelação
Comarca de Évora (Instância Local – Secção Cível - J1)
Recorrente: (…)
Recorrido: (…) e Outros
R29.2015

I. Neste inventário a que se procede por morte de (…), após a apresentação da Relação de Bens pelo Cabeça de Casal (…), vieram os Interessados (…) e mulher (…), e (…), em Requerimentos autónomos, apresentar a sua Reclamação da Relação de Bens.
O Cabeça de Casal deduziu a sua Resposta.
Notificados, vieram os Interessados (…) e mulher (…), para além do mais, pronunciar-se sobre a Resposta do Cabeça de Casal, juntando documentos.
Posteriormente veio o Cabeça de Casal responder à Resposta dos referidos Interessados e impugnar os documentos por estes juntos com o seu Requerimento, apresentando prova.
Por Requerimento 05.05.2014, veio o Cabeça de Casal, para além do mais, apresentar aditamento ao rol de testemunhas.

Sobre este último Requerimento recaiu o Despacho de 11/12/2014, do seguinte teor:

“Pretende ainda o cabeça-de-casal o aditamento de testemunhas, conforme se colhe, também, da leitura do sobredito requerimento.
Decorre do artigo 1344.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (na redacção vigente à data dos autos), que «as provas são indicadas com os requerimentos e respostas; efectuadas as diligências probatórias necessárias, requeridas pelos interessados ou determinadas oficiosamente pelo juiz, é a questão decidida (...)».
Extrai-se, assim, da leitura da norma agora enunciada que a prova é, por um lado, indicada pelos interessados reclamantes logo com a reclamação e, por outro, pelo cabeça-de-casal logo na resposta a tal reclamação, vigorando, portanto, o princípio da preclusão a este propósito, não sendo admissível neste âmbito o aditamento de testemunhas, mormente em consonância com o disposto no artigo 512.°-A do Código de Processo Civil (actual artigo 598.° da lei processual civil).
Note-se que a reclamação da relação de bens, a resposta e respectiva decisão, assumem carácter incidental. Ora, decorre também do artigo 303.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (igualmente na redacção vigente à data da autuação), que «no requerimento em que se suscite o incidente e na oposição que lhe for deduzida, devem as partes oferecer o rol de testemunhas e requerer os outros meios de prova». A este propósito entende Salvador da Costa que «face ao princípio dispositivo que envolve a produção de prova e ao princípio da auto-responsabilidade das partes, parece-nos que o juiz não pode ouvir as testemunhas que não foram oportunamente arroladas» (cfr., Os incidentes da instância, 5.' Ed., Almedina, p. 17).
Ademais, no que se atém à aplicabilidade do artigo 512.°-A do Código de Processo Civil, cumpre considerar «(...) que tal significaria a aplicação aos incidentes das normas do processo ordinário, subvertendo-se, assim, o regime dos incidentes no âmbito do qual se impõem razões de celeridade, para que não haja delongas no processo em que são suscitados e no decurso do qual surgem para dirimir questões controvertidas que devem ser decididas antes da questão principal objecto do litigio (...)» (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.2.2013, relatado pela Exma. Sra. Juíza Desembargadora Maria José Guerra, processo n.° 394/10.0TBSRE-C.C1, disponível para consulta em www.dgsi.pt).
Finalmente, importa ter em mente que entre a formulação da resposta apresentada pelo cabeça-de-casal e a data da formulação do requerimento agora em apreciação decorreram mais de dois anos sem que aquele tivesse requerido o aditamento, nem se antevê de que forma os alegados problemas de saúde de que padeceu o impedissem de transmitir em momento oportuno (com a resposta à reclamação) a identidade dos depoentes cujo aditamento pretende ao seu Ilustre Mandatário e, por via deste, ao Tribunal.
Desta forma, indefiro o requerido aditamento ao rol de testemunhas apresentado pelo cabeça-de-casal.
…”

Inconformado com tal decisão, veio o Cabeça de Casal interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:

a) Discutem-se no incidente de reclamação direitos sobre as verbas n.º 1, 2, 111, 115, 116, 117 e 118 da relação de bens, que envolvem a discussão do direito de propriedade, de contratos com efeitos reais, do valor probatório de documentos, simulação e interposição de pessoas, quanto a aquisição de uma herdade, de uma manada de gado bovino e de máquinas e alfaias agrícolas, revestindo elevada complexidade probatória;

b) O douto despacho recorrido, designando audiência de produção de prova, toma desde já posição no que se refere a julgar aquelas questões em sede de incidente regulado no processo de inventário, nos termos do disposto no art. 1336, n° 2 do CPC antigo, pelo que impõe-se a ponderação rigorosa com recurso a todos os meios de prova disponíveis e úteis, de modo a não se produzir um resultado que falte à verdade material;

c) A falta de audição das testemunhas adicionadas afecta seriamente a produção de prova e pode comprometer a decisão final, na medida em que são conhecedoras profundas dos factos, que presenciaram e em que participaram, no que se refere à aquisição de direitos sobre bens imóveis e móveis relacionados e objectos da reclamação, mormente da aquisição e constituição da manada de gado e da herdade;

d) Não puderam ser indicadas com a resposta às reclamações, sendo pessoas com quem o cabeça-de-casal deixou de ter contactos desde a data daqueles negócios, na medida em que a avançada idade do cabeça-de-casal, agravada pela doença que o afectava persistentemente, impediu que pudesse recordar-se dos seus contactos, como impediu que indicasse elementos que pudessem contribuir para a localização das testemunhas;

e) Os arts 7, n° 1, e 411 do NCPC determinam que o juiz deve procurar a verdade, exercendo até o inquisitório, de modo a que a sentença venha a traduzir o senso da realidade e não constitua mero formalismo, despido de vida e desconforme com o mundo ­devendo contar para o efeito com a colaboração das partes através, designadamente, da figura do adicional de meios de prova, quando se suscite a relevância das mesmas;

f) A douta decisão que indefere a inquirição das testemunhas adicionadas não parece ter averiguado do interesse da audição daquelas testemunhas, por referência à descoberta da verdade (art. 411 do NCPC), como não parece ter decidido à luz dos princípios do NCPC;

g) A melhor jurisprudência admite o adicionamento do rol de testemunhas, até 20 dias antes da data designada para a audiência, bem como admite o adicionamento quando ocorram factos novos para "garantir o princípio da verdade histórica (também chamada material)" e ainda, face ao NCPC, quando se descubram meios de prova relevantes para aquela descoberta da verdade material;

h) Deve considerar-se que a jurisprudência citada no douto despacho recorrido não está conforme com o NCPC, bem como deve ponderar-se que a subsistência de acórdãos em sentido contrário, sobre a mesma matéria, demonstra uma ofensa à segurança jurídica, de onde deve decorrer, só por si, uma opção pelo lado menos cerceador de direitos (no caso, de produção de verdade), sem o que, com tal interpretação da lei, se viola o artigo 20º da Constituição;

i) O adicionamento das testemunhas não foi impugnado pelas partes reclamantes e que não se mostra suscitada qualquer questão de fundo ou de celeridade que obste à inquirição das mesmas ­ posição essa que corrobora a pertinência das testemunhas para a descoberta verdade material;

Deve o douto despacho recorrido ser revogado e substituído por outro que admita o adicionamento do rol de testemunhas, por terem sido apresentadas em tempo e terem interesse relevante para a justiça da causa, ...”.

Cumpre decidir.

II. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.


A questão a decidir resume-se, pois, a saber se é admissível o aditamento do rol de testemunhas apresentado pelo Cabeça de Casal.

Nos termos do CPC revogado, o Processo de Inventário, previsto nos art.ºs 1326º e sgs., prevê, a título incidental, o Incidente de Reclamação contra a Relação de Bens apresentada pelo cabeça-de-casal, que se rege pelo disposto no art.º 1348º do CPC e, em conformidade com o disposto no art.º 302º do CPC, em tudo o que não tiver regulamentação especial, pelo disposto nos art.º 302º a 304º do CPC.
No entanto, põe-se a questão de saber, quais as normas aplicáveis, a situações não previstas na regulamentação especial – no caso o art.º 1348º do CPC –, mas que também não tenham solução consagrada nos art.ºs 302º a 304º do CPC.
Colhendo os ensinamentos do Prof. Lebre de Freitas, tanto na nota 3 ao art.º 463º do CPC, do seu CPC Anotado, como na nota 3 ao art.º 292º do NCPC, do seu CPC Anotado, somos levados a concluir, como nos parece óbvio, que se deve interpretar extensivamente a norma do art.º 463º do CPC (549º do NCPC), no sentido de se aplicarem as disposições gerais do CPC (ou do NCPC), e em tudo o que não tiver previsto, numas e noutras, o que acha estabelecido para o processo ordinário (Processo Comum no NCPC), tendo em conta as características próprias de cada Incidente.
Aqui chegados, importa dizer que o princípio da celeridade processual, que deve presidir ao processamento dos Incidentes da Instância, por forma a que não sejam um obstáculo ao normal desenvolvimento da lide, não obsta, só por si, a que se apliquem aos Incidentes normas do Processo Ordinário (ou do Processo Comum), pois no normal desenrolar do Incidente podem ser acolhidas tais normas, sem que tal contenda com tal princípio.
Acresce que há Incidentes e Incidentes, diríamos mesmo, que há Incidentes que são mais incidentais que outros, devendo o juiz ponderar devidamente a aplicação extensiva das normas do Processo Ordinário (ou do Processo Comum) ao Incidente em apreciação, por forma a que o desiderato desse Incidente seja plenamente atingido, sem que cerceiem os direitos das partes nesse Incidente e sem que se prejudique o normal andamento da causa principal.
Neste particular, importa dizer que o Incidente de Reclamação contra a Relação de Bens, tem especial relevância para a decisão da causa, diríamos mesmo que é um dos pilares essenciais para a boa composição do pleito, que, na sua essência, visa a partilha dos bens do de cujus.
Daí que o Tribunal deva ter o maior cuidado em facultar às partes, os meios processuais que lhes permita trazer ao processo todos os dados para a delimitação dos bens a partilhar e assim se obter, posteriormente, a justa composição do litígio, finalidade última do recurso aos Tribunais.
Voltando à questão objecto do presente recurso – a do aditamento ao rol de testemunhas –, não se alcança razão para não permitir que as partes, perante o normal intricado pleito incidental sobre os bens a partilhar, deitando mão a disposições do Processo Ordinário (ou do Processo Comum), possam aditar novas testemunhas ao seu primitivo rol, dentro do quadro definido pelo art.º 512º-A do CPC (art.º 598º do NCPC).
Consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, determinando-se que o Tribunal “a quo”, verificando-se os requisitos para admissão de aditamento ao rol de testemunhas nos termos definidos no art.º 512º-A do CPC, admita o aditamento ao rol de testemunhas apresentado pelo cabeça-de-casal.

Procede assim o presente recurso,

***
III. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se pela procedência do recurso, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que o Tribunal “a quo”, verificando-se os requisitos para admissão de aditamento ao rol de testemunhas previsto no art.º 512º-A do CPC, admita o aditamento ao rol de testemunhas apresentado pelo cabeça-de-casal.
Custas pelos Apelados.
Registe e notifique.
Évora, 30 de Abril de 2015
Silva Rato
Assunção Raimundo
Sílvio Sousa