Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2449/13.0TBABF-A.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: ROL DE TESTEMUNHAS
APRESENTAÇÃO DE PROVA
Data do Acordão: 07/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: No nCPC, o rol de testemunhas deverá ser indicado na petição, sendo que após esse momento apenas poderá ser alterado e nunca entregue ex novo, nos termos do seu artº 552º, nº 2.
Decisão Texto Integral: Apelação 2449/13.0TBABF-A.E1 (2ª secção cível)



ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No âmbito da acção declarativa com processo comum que, no dia 17/12/2013, JMV – (…), S.A. intentou contra C. (…) e M. (…), Lda., (…) e (…), veio a autora, em 21/10/2014, apresentar requerimento do seguinte teor:
“… Por lapso da Autora, e do qual se penitencia só se tendo apercebido do mesmo com a notificação de fls., e requer lhe seja relevado, não apresentou a Autora o rol de testemunhas no final da petição inicial, tendo apenas junto documentos.
Em face do exposto, vem mui respeitosamente requerer a V. Exa. se digne relevar o lapso cometido pela Autora. e, em consequência se digne ordenar e conceder a superação, ainda evitável, do equívoco/erro da Autora, tendo em conta o disposto no artigo 146.º, n.º 2, do Novo Código de Processo Civil, admitindo o depoimento de:
(…), casado, Gestor de Clientes. com domicílio profissional em Centro (…) e Serviços, Rua dos (…), Lote 18, Vilamoura, 8125-492 Quarteira; e
(…), solteira, Técnica de Vendas, com domicílio profissional em Centro (…) e Serviços, Rua dos (…), Lote 18, Vilamoura. 8125-492 Quarteira;
na qualidade de testemunhas, para resposta a toda a matéria dos autos em sede de audiência de julgamento…”.

Sobre tal requerimento foi proferido em 05/11/2014 despacho do seguinte teor:
“Atento o exposto no requerimento da autora que antecede, admito o rol de testemunhas agora apresentado, nos termos e por força do disposto no artº 3.º, b), da Lei 41/2013, de 26.6. As testemunhas deverão ser apresentadas em audiência”.

Inconformado com tal despacho veio o réu (…) interpor recurso, terminando nas suas alegações por formular as seguintes conclusões, que se passam a transcrever:
“A) O despacho recorrido pronunciou-se sobre o requerimento da A. de 21/10/2014, tendo admitido o rol de testemunhas apresentado em 21/10/2014, sendo que quer o despacho recorrido quer o referido requerimento da A. não foram notificados ao recorrente.
B) O recorrente tomou conhecimento dos mesmos, por mero acaso, quando no dia 20/04/2015, verificou no citius movimentação processual no âmbito dos mesmos - doc. 1.
C) O despacho recorrido não assegurou o cumprimento do contraditório, com o que violou o art. 3° do CPC.
D) A p.i deu entrada em 17/12/2013, sem apresentação de qualquer rol de testemunhas.
E) O requerimento da A. de 21/10/2014 apresenta o rol de testemunhas e requer a respectiva admissão, ao abrigo do disposto no art. 146°, n° 2, do CPC.
F) Ora, a não entrega do rol de testemunhas com a p.i. não configura qualquer omissão formal de ato praticado, antes se consubstanciando num acto que não foi, de todo, praticado, para além de que sempre seria imputável a culpa grave.
G) O despacho recorrido admite o rol ao abrigo do disposto no art. 3°, al. b), da Lei 41/2013. Não obstante,
H) Não resulta da p.i que o respetivo signatário tenha agido com erro sobre o conteúdo do regime processual aplicável, nem existiria sequer qualquer margem para erro: tendo a p.i. dado entrada em 17/12/2013, dúvidas não poderiam subsistir que o regime aplicável seria o Novo CPC.
I) O erro referido no art. 3°, al. b), da Lei 41/2013 apenas assume relevância e tem aplicação, quando possa levar a parte a omitir, no futuro, acto que seja devido.
J) No caso dos autos o próprio ato foi, de todo omitido, pelo que tal omissão (porque não futura ou eventual, mas antes consumada) já não era evitável, pelo que não tem aplicação o art. 3º, aI. b), existindo erro do Tribunal a quo na interpretação do referido normativo.
K) Para além de o despacho recorrido ter sido proferido em momento posterior ao ano seguinte à entrada em vigor da Lei 41/2013, com o que sempre se mostraria violado o corpo do art. 3° da referida Lei.
L) O rol de testemunhas deverá ser indicado na p.i., sendo que após esse momento apenas poderá ser alterado e nunca entregue de novo – art. 552º, n° 2.
M) O despacho recorrido não fez correta aplicação do art. 3º, aI. b), da Lei 41/2013 e art. 146°, n.º 2, do CPC, mais tendo violado o disposto nos arts. 3º. n.º 3, 552°, n° 2 e 220°, todos do CPC”.
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Não foram apresentadas alegações por parte da recorrida.

Cumpre apreciar e decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a única questão que importa apreciar consiste em saber se bem andou o Mº Juiz “a quo”, ao admitir o rol de testemunhas apresentado pela autora, já no decorrer do processo.

A matéria factual a ter em conta para apreciação questão é a que consta do relatório antecedente.

Conhecendo
A autora JMV – (…), S.A., veio instaurar a presente acção no dia 17/12/2013, não juntando com a sua petição inicial prova testemunhal, mas apenas oito documentos.
Posteriormente, por requerimento datado de 21/10/2014, veio requerer, que por lapso não apresentou o rol de testemunhas no final da petição inicial, requerendo que tal lapso lhe fosse relevado, nos termos do artº 146º, nº 2, do nCPC, e que fosse admitido o rol de testemunhas que apresenta.
Em 5/11/2014, o Mº Juiz profere o despacho impugnado.
O requerimento apresentado pela autora, em 21/10/2014, não foi notificado à ilustre mandatária do réu, assim como o não foi o despacho impugnado, a qual só posteriormente é que veio a tomar conhecimento dos respectivos conteúdos (segundo afirma no dia 20/04/2015).
Quanto aos requisitos da petição inicial, diz-nos o nº 1 e 2 do artº 552º do nCPC, o seguinte: “Na petição, com que propõe a acção, deve o autor, no final da petição apresentar o rol de testemunhas e requerer outros meios de prova, caso o réu conteste, o autor é admitido a alterar o requerimento probatório inicialmente apresentado, podendo fazê-lo na réplica, caso haja lugar a esta, ou no prazo de 10 dias a contar da notificação da contestação”.
Com o nCPC., a apresentação do requerimento probatório com a petição inicial, passou a ser um dever “o autor deve”, ressalvando-se a possibilidade de ajustamento do rol à factualidade ulteriormente alegada pelo réu.
No caso dos autos, e, conforme alega a autora no seu requerimento, o facto de só vir requerer naquela data que lhe fosse admitido o rol de testemunhas, deveu-se a lapso da própria autora.
A ser assim, como refere a autora, não podia ser admitido o rol de testemunhas apresentado naquela data, uma vez que inicialmente, ou seja, com a petição inicial, não foi apresentado qualquer rol que pudesse ser alterado através de restrição ou aditamento de testemunhas.
A autora limitou-se a invocar o disposto no artº 146º do nCPC para fundamentar a sua apresentação (tardia) do rol de testemunhas.
O suprimento de deficiências formais de atos das partes pode ocorrer nos termos previstos no artº 146º do nCPC, mas como se extrai do texto legal “o ato praticado deve padecer de irregularidade patente ou latente. A norma não cauciona, por exemplo a apresentação extemporânea de requerimentos probatórios. O articulado que não é acompanhado da indicação dos meios de prova, não é, por essa razão um articulado formalmente irregular” uma vez que a irregularidade do ato que se pode suprir deve ser “puramente formal”, ou seja “aquela que não produz qualquer efeito jurídico processual imediato” (cfr. Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2013, vol. I, 147; Lebre de Freitas e Isabel Alexandre in Código de Processo Civil Anotado vol. 1º, 3ª edição287).
Também não foi alegado pela autora que houve erro sobre o regime processual aplicável, mas tão só que houve “lapso” da sua parte e “do qual se penitencia”. Ou seja, que não apresentou o rol de testemunhas na petição por entender (embora erradamente) que perante o regime jurídico atendível o podia fazer mais tarde.
Assim sendo, entendemos que o juiz não pode, suprir os “lapsos” das partes, nem o despacho proferido se enquadra na previsão do disposto no artº 3º, al. b), da Lei 41/2013, de 26/6.
No nCPC, o rol de testemunhas deverá ser indicado na petição, sendo que após esse momento apenas poderá ser alterado e nunca entregue ex novo, nos termos do artº 552º, nº 2.
Deste modo, haverá que dar-se razão ao recorrente, relevando as conclusões por si formuladas.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar procedente a apelação e consequentemente, revoga-se o despacho recorrido, que deverá ser substituído por outro que não admita o rol de testemunhas apresentado pela autora, com as legais consequências processuais, daí resultantes.
Sem custas.
Évora, 09 de Julho de 2015

Maria da Conceição Ferreira

Mário António Mendes Serrano

Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes