Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ LÚCIO | ||
Descritores: | CONHECIMENTO NO SANEADOR | ||
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Data do Acordão: | 10/24/2011 | ||
Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
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Sumário: | - Pode conhecer-se do mérito da causa em saneador-sentença sempre que o estado do processo o permita, sem necessidade de mais provas, mas apenas nessa situação. - A produção de prova será desnecessária quando inexistam factos controvertido relevantes para a solução da causa segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito. - Existindo mais do que uma solução plausível para a questão de direito e factos controvertidos com relevância para alguma delas é prematuro o conhecimento do mérito da causa no saneador. Sumário do relator | ||
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Decisão Texto Integral: | 1. Relatório: Na presente acção declarativa de condenação com processo sumário os autores Maria… e G… demandaram o réu F…, requerendo que este seja condenado a reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o imóvel que identificam e em consequência condenado também a entregá-lo aos autores e a indemnizá-los dos prejuízos sofridos com a privação da posse dele, no valor de € 100.00 (cem euros) mensais a contar da data da citação até à efectiva entrega. Alegam para tanto, em resumo, que a autora mulher é a única dona do imóvel em questão, e que nele viveu durante muitos anos F…, mãe do réu, que como contrapartida da sua habitação no local pagava à autora uma renda acordada entre as partes. Porém, a 21 de Agosto de 2008 faleceu a referida Francisca, sendo certo que o réu, seu filho, estava na prisão desde alguns anos antes. Concluem os autores que apesar de o réu ser filho de F… não vivia em economia comum com ela à data da sua morte, dada a sua situação prisional, pelo que, e mesmo tendo em conta que após a morte desta, por intermédio de familiares, ele ainda pagou o valor correspondente a algumas rendas mensais, não existiu qualquer transmissão do arrendamento. Acrescentam que o Réu se mantém na posse do imóvel e que este se fosse colocado no mercado de arrendamento valeria € 100.00 (cem euros) mensais. Em resposta, o réu contestou a acção dizendo que, aquando da morte da sua mãe, comunicou aos senhorios que pretendia manter o arrendamento, pois desde sempre viveu com a sua mãe, e que apesar da sua situação prisional ali manteve sempre a sua residência, como resulta da própria sentença condenatória e de todos os documentos relativos às saídas precárias do estabelecimento prisional; e que aliás continuou na posse do imóvel por acordo com os autores, que lhe aceitaram o pagamento das rendas, conhecendo perfeitamente a sua situação de detido, e que durante meses pretenderam que fosse realizado novo contrato de arrendamento. Acrescenta que fazia os pagamentos através da sua filha, também residente no imóvel, e também conhecida dos autores, que por isso lhe passavam recibos em nome do réu. A partir da recusa dos autores em emitir esses recibos, as rendas têm sido pagas por depósito bancário na Caixa Geral de Depósitos. Conclui o réu dizendo que permanece na posse do local por força da sua condição de arrendatário (entende que se lhe transmitiu a relação locatícia em que a mãe era inquilina). Replicando, os autores vieram reafirmar, em suma, que visto que o réu se encontrava preso à data do falecimento da sua mãe, não vivendo em economia comum com esta, não se transmitiu o direito de arrendamento para ele, e que apenas aceitaram dele o pagamento das rendas posteriores ao óbito da mãe porque não tinham conhecimento da sua verdadeira situação. Na sequência dos articulados mencionados, foi proferido despacho saneador que, conhecendo de mérito, julgou improcedente a acção e absolveu o réu do que era pedido, considerando que este beneficiara da transmissão do arrendamento por morte de sua mãe, nos termos previstos no art. 1106º, n.º 1, al, b), do Código Civil. Inconformados com esta decisão, os autores interpuseram o presente recurso, exarando as seguintes conclusões: 1) Para que se opere a transmissão do arrendamento para habitação a favor de um filho de inquilino falecido, como previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 1106.º do Código Civil, é necessário que se prove a convivência em comunhão de vida com uma economia doméstica comum. 2) Esse pressuposto deve considerar-se afastado relativamente a um potencial transmissário que se encontrava preso havia mais de seis anos à data da morte do inquilino. 3) O direito constitucional à habitação e os princípios da humanidade das penas e a manutenção dos direitos dos detidos não são invocáveis para qualificar como caso de força maior a ausência da habitação na situação referida na conclusão 2). 4) Aquele direito e princípios, movem-se apenas nas relações entre o Estado e os cidadãos, não condicionando ou tutelando as relações entre as partes de um contrato privado estabelecido no âmbito da autonomia das respectivas vontades, para além do que a lei fixa no regime que corresponde a esse contrato. 5) A sentença que, embora reconhecendo a circunstância referida na conclusão 2), entende que se operou a transmissão do arrendamento, viola o art. 1106.°, n.º 1, alínea b) do Código Civil. 6) O facto de o senhorio receber rendas de um familiar do candidato a transmissário e emitir recibos em nome deste, antes de decorrido o período de seis meses previsto no art. 1053.° do Código Civil, alegando o senhorio que não sabia que aquele estava preso, não pode levar à inferência do reconhecimento da transmissão do arrendamento por parte do senhorio. Nestes termos e nos demais de direito, deve no provimento da apelação, revogar-se a douta sentença recorrida e condenar-se o réu, ora recorrido, à entrega do imóvel dos autos.” O réu recorrido não respondeu. O recurso foi admitido, correctamente, como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (fls. 193). * Estabelece o art. 705º do CPC que “Quando o relator entender que a questão a decidir é simples, designadamente por ter já sido jurisdicionalmente apreciada, de modo uniforme e reiterado, ou que o recurso é manifestamente infundado, profere decisão sumária, que pode consistir em simples remissão para as precedentes decisões, de que se juntará cópia.”Ficaram assim previstas pelo legislador situações em que não se justifica a intervenção da conferência, atenta a simplicidade da questão a decidir, nomeadamente por essa questão já estar suficientemente esclarecida pela jurisprudência existente ou por o que vem pedido no recurso se apresentar manifestamente infundado. Por outras palavras: a lei processual pretende que nas situações em que surja como claro e pacífico que o recurso não pode proceder, ou a decisão se apresente notoriamente simples, seja isso dito pelo relator em decisão sumária, sem as delongas que implicaria a intervenção do colectivo no tribunal superior. Assim deve ser nas situações em que a questão a decidir revista manifesta simplicidade. Afigura-se que é essa a situação do presente recurso, atentos os factos e argumentos de direito apresentados pelos recorrentes e vista a matéria de facto disponível, considerada na primeira instância (que não vem questionada). Entendemos que no caso é manifesto não estarem reunidas as condições para decidir do mérito da causa logo no saneador, por existir matéria de facto controvertida que é susceptível de influir na decisão a proferir, e que por isso devem os autos prosseguir para julgamento – questão esta que prejudica a análise da procedência ou improcedência do pedido, colocada pelas conclusões do recurso. Assim passaremos a demonstrar, apreciando e decidindo como se segue. 2. Objecto do recurso. O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, como resulta do disposto nos artºs. 684º, nº3 e 685º-A, nº1, ambos do Código de Processo Civil – se outra questão não se perfilar que por um lado seja de conhecimento oficioso e que por outro venha a prejudicar o conhecimento daquelas colocadas pelo recorrente Considerando as conclusões do presente recurso, a questão a decidir resumir-se-ia à procedência ou improcedência do pedido de entrega do imóvel reivindicado pelos autores, conforme se entendesse que o réu foi ou não beneficiário da transmissão do arrendamento do prédio, na sequência da morte da mãe, por aplicação do disposto no art. 1106º, n.º 1, al. b), do Código Civil. A nosso ver, a procedência ou improcedência da acção não pode decidir-se com base na matéria dada como assente, por existir matéria alegada e controvertida que pode ser determinante para boa decisão da causa. 3. Fundamentação. 3.1 Dos factos. Considerou-se no saneador-sentença recorrido que, com interesse para a boa decisão da causa, estavam provados por acordo das partes ou por via documental os seguintes factos: 1. Na Conservatória do Registo Predial de Olhão, Freguesia de Olhão, sob o nº…, encontra-se descrito o edifício de dois pisos composto de várias divisões e quintal no rés-do-chão, açoteia e mirante no primeiro andar, sito na Travessa…, em Olhão, inscrito na matriz sob o n.º…, com aquisição por sucessão hereditária a favor de Maria…, pela apresentação 1 de 14 de Setembro de 1998. 2. Por acordo celebrado entre Maria… e F…, esta utilizava o imóvel referido em 1) mediante o pagamento de uma contrapartida económica. 3. Em 21 de Agosto de 2008, com última residência conhecida na Travessa…, em Olhão, faleceu F... 4. F… encontra-se registado como filho de A… e de F…. 5. O Réu encontra-se detido desde 29 de Maio de 2001, encontrando-se a cumprir uma pena de prisão. 6. No Acórdão condenatório proferido no âmbito do processo n.º 259/01.6JAF AR, em 20 de Junho de 2002, é indicada como residência do Réu "Travessa…, em Olhão". 7. Em 8 de Setembro de 2008, 8 de Outubro de 2008, 8 de Novembro de 2008 e 8 de Dezembro de 2008, a Autora emitiu recibo onde declara ter recebido a quantia de € 25.50 (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) do Réu pelo arrendamento do prédio sito na Travessa João de Deus, n.º 8. 8. Na Caixa Geral de Depósitos, foi depositada a quantia de € 102,00 (cento e dois euros) correspondente aos meses de Janeiro a Abril de 2009, € 51.00 (cinquenta e um euros) correspondente à renda de Maio/Junho, Julho/Agosto, Setembro/Outubro de 2009, e 25.50 (vinte e cinco euros e cinquenta cêntimos) relativamente a Novembro e Dezembro de 2009 e Janeiro a Dezembro de 2010. 9. O Réu teve saídas precárias do Estabelecimento Prisional de Pinheiro da Cruz, onde se encontra detido, de quatro dias em 12 de Março de 2008, 6 de Junho de 2008, 11 de Julho de 2008, 12 de Agosto de 2008, 18 de Fevereiro de 2009, 19 de Fevereiro de 2010, de dois dias em 8 de Fevereiro de 2008, 25 de Abril de 2008, 22 de Agosto de 2008, 9 de Outubro de 2008, 22 de Janeiro de 2009, 6 de Março de 2009, 14 de Maio de 2009, 23 de Maio de 2009, 10 de Julho de 2009, 16 de Julho de 2009, 19 de Novembro de 2009, 28 de Janeiro de 2010, 25 de Março de 2010, 7 de Maio de 2010, 17 de Junho de 2010, três dias em 8 de Abril de 2009, 11 de Agosto de 2009 10. Nestes períodos de saídas precárias a residência do Réu era fixada na "Travessa…, Olhão". 11. Os Autores pretendiam ceder o prédio com entrada pelo n.º … da Travessa… ao Réu, mediante o pagamento de uma contrapartida económica, e não também outro compartimento que com este também comunica. 3.2. Do direito. As questões a decidir, tendo em conta as conclusões dos recorrentes, reportam-se, como se disse, à aplicação aos factos expostos do disposto no art. 1106º, n.º 1, al. b), do Código Civil, de onde segundo eles resulta que o réu não pode beneficiar da transmissão do arrendamento em causa, por morte da mãe, já que não vivia em economia comum com ela à data do óbito; isto contrariamente ao que julgou a sentença recorrida, e defendeu o réu, cujo entendimento foi no sentido dessa transmissão ter ocorrido ao abrigo do citado preceito. A norma mencionada estabelece que “o arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva (…) pessoa que com ele residisse em economia comum há mais de um ano”. Acontece porém que o art. 1106º supra citado foi introduzido, com a sua actual redacção, pelo chamado Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei nº 6/2006, de 27-02, que entrou em vigor no dia 27 de Junho de 2006 (cfr. o seu art. 65º). Ora, como resulta dos arts. 26º e 27º da Lei nº 6/2006, de 27-02, a transmissão por morte dos arrendamentos celebrados antes da sua entrada em vigor (ou seja, celebrados na vigência do Regime de Arrendamento Urbano ou anteriormente a ela) regula-se pelos artigos 57º e 58º desse diploma. As normas introduzidas pelo NRAU sobre essa matéria, como é o caso do falado art. 1106º do Código Civil, aplicam-se apenas aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor (art. 59º, n.º 1, do dito NRAU). No caso dos autos, temos que o falecimento da arrendatária, mãe do réu, ocorreu já em plena vigência do NRAU (em 21 de Agosto de 2008), mas a celebração do contrato de arrendamento em causa, de acordo com os elementos disponíveis, parece datar de largos anos antes. Em rigor, nenhuma das partes informa quando foi celebrado tal contrato, mas as informações fornecidas, esclarecidas nomeadamente pelos documentos juntos, localizam esse facto em momento muito anterior ao início de vigência do NRAU (o réu declara que sempre viveu ali com a mãe, e nomeadamente quando foi preso, em Maio de 2001, já ali vivia na companhia dela). Em suma, aceitando como certo esse facto (arrendamento anterior à vigência do NRAU), não pode aplicar-se à respectiva transmissão por morte o citado art. 1106º do Código Civil, por este ser aplicável apenas aos arrendamentos celebrados após 27 de Junho de 2006. Quanto a tal arrendamento, a hipótese de transmissão por morte estará então regulada pelas normas transitórias contidas nos arts. 57º e 58º do NRAU. E verifica-se que o artigo 57º do NRAU regula esta matéria de forma que não inclui o réu (apresentado apenas como filho da arrendatária e que com ela vivia em economia comum) como eventual beneficiário da transmissão: “1 -O arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário quando lhe sobreviva: a) Cônjuge com residência no locado; b) Pessoa que com ele vivesse em união de facto, com residência no locado; c) Ascendente que com ele convivesse há mais de um ano; d) Filho ou enteado com menos de um ano de idade ou que com ele convivesse há mais de um ano e seja menor de idade ou, tendo idade inferior a 26 anos, frequente o 11º ou 12º ano de escolaridade ou estabelecimento de ensino médio ou superior; e) Filho ou enteado de maior de idade, que com ele convivesse há mais de um ano, portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%. 2 - Nos casos do número anterior, a posição do arrendatário transmite-se pela ordem das respectivas alíneas, às pessoas nele referidas, preferindo, em igualdade de condições, sucessivamente, o ascendente, filho ou enteado mais velho. 3 - Quando ao arrendatário sobreviva mais de um ascendente, há transmissão por morte entre eles. 4 - A transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, nos termos dos números anteriores, verifica-se ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b), e c) do nº1 ou nos termos do número anterior”. Por outras palavras, a ter-se como certa a aplicabilidade do art. 57º do NRAU e não do art. 1106º do Código Civil, o que decorreria da época em que teve início o arrendamento em questão, deveria concluir-se pela procedência do pedido de entrega do imóvel – ainda que se caracterize a situação do réu, como o faz a sentença recorrida, como sendo a de um filho que vivia com a arrendatária em economia comum à data do óbito e desde vários anos antes. Verificamos assim que apresentando-se a presente acção como uma típica acção de reivindicação, com os seus dois pedidos interligados, de reconhecimento do direito e de entrega da coisa, a que se junta um terceiro, de indemnização pela privação do gozo da coisa, apenas o primeiro dos pedidos surge em condições de ser conhecido com segurança, face às posições assumidas pelas partes e aos documentos juntos. Com efeito, a declaração de propriedade sobre o imóvel não oferece dúvidas, atendendo à matéria fáctica assente. Mas tudo o resto se apresenta sem base para decisão segura. O pedido de entrega do imóvel, como decorre da defesa por excepção deduzida, está dependente da existência ou não de causa justificativa da posse do réu. Ora só é possível decidir dessa matéria sabendo qual o regime legal a aplicar, designadamente em face do momento de celebração do contrato de arrendamento de cuja transmissão se trata (para além da caracterização da situação do réu em relação ao locado e à mãe). Acresce que a defesa apresentada na contestação não se esgota na questão da transmissão; mesmo no caso de claudicar essa pretensão, como parece inevitável na hipótese de aplicação do art. 57º do NRAU, existe outra linha de defesa que ressalta dos factos alegados pelo réu. Na verdade, este relata que após a morte da mãe permaneceu no gozo do local por acordo com os autores; e por força desse acordo ele continuou na posse do imóvel, para sua habitação, e em contrapartida pagava certa quantia mensal. Consequentemente, os autores passaram-lhe recibo durante alguns meses (o que o réu apresenta como o reconhecimento pelos autores da sua qualidade de arrendatário). Parece justificado observar que, com esta configuração, o acordo mencionado (matéria controvertida, atento o conteúdo da réplica) ajusta-se perfeitamente ao definido no art. 1022º do Código Civil: trata-se de um contrato de locação. E note-se que este, surgindo indiscutivelmente já na vigência do NRAU, nem estaria dependente de exigências de forma escrita (embora este “novo contrato de arrendamento”, como se depreende do afirmado na contestação, estivesse para assumir forma escrita). O que é certo é que também esta factualidade, matéria de excepção, pode assumir relevância decisiva para a decisão do pedido dos autores de restituição do prédio – e os factos respectivos permanecem controvertidos. Com mais nitidez ainda o último dos pedidos (a indemnização) carece de factos que permitam a sua apreciação, no caso de ser procedente o pedido de entrega do local: ignora-se qual o valor locativo do imóvel, já que o montante indicado pelos autores foi impugnado pelos réus. Em suma, parece inevitável e segura a conclusão de que o processo deve prosseguir, para que se apure da factualidade indispensável a uma conscienciosa e segura aplicação do direito. Desta forma fica prejudicado o pedido deduzido pelos recorrentes no presente recurso, que também implica que os autos já forneçam os elementos bastantes para o conhecimento de mérito – o que não se verifica, como julgamos ter evidenciado. Recorde-se que após os articulados o juiz pode conhecer do mérito da causa “sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma excepção peremptória” - artº 510º, nº1, al. b), do Código de Processo Civil (CPC). Esteja em causa apenas matéria de direito ou matéria de facto e de direito pode o juiz apreciar, total ou parcialmente, o pedido ou pedidos deduzidos, ou factos que impeçam, modifiquem ou extingam o efeito jurídico visado pelo autor, desde que o estado do processo o permita, sem necessidade de mais provas. A demais prova será, assim, desnecessária, quando: - Inexistam factos controvertidos; - Existindo factos controvertidos os mesmo não revelem qualquer interesse para a solução da causa segundo as várias soluções plausíveis para a questão de direito. Esta avaliação do juiz não pode ser subjectiva, mas sim objectiva. Descortinando o juiz outra solução para a questão de direito para além daquela que, no seu juízo, reputa como adequada, deverá fixar a base instrutória – artº 511º, nº1, do CPC. No caso que nos é presente, como se demonstrou, existe factualidade trazida pelas partes aos autos, embora sem grande rigor, que, sendo controvertida, deverá ser objecto de prova, se necessário com prévio aperfeiçoamento dos articulados, nomeadamente v. g. quanto à concretização temporal supra referida e a caracterização da “economia comum”, e quanto aos contornos do alegado acordo entre as partes e do invocado reconhecimento do réu como arrendatário. Demonstra-se, assim, que para além da solução de direito encontrada na decisão recorrida os autos impõem que se ponderem outras possibilidades, considerando a factualidade alegada e o direito aplicável, pelo que, e mostrando-se controvertida a correspondente matéria fáctica, foi prematuro o conhecimento do mérito da causa no saneador. Como consequência do que se deixa exposto, impõe-se a revogação da decisão proferida e o prosseguimento dos autos, para averiguação dos factos controvertidos acima referenciados, tendo em vista as várias soluções plausíveis para a resolução da questão de direito, sem prejuízo de ser conhecida qualquer outra questão que a tal obste e não tenha, ainda, sido objecto de apreciação na decisão sob recurso. 4. Decisão: Face ao exposto, decide-se revogar a decisão recorrida e determinar a remessa dos autos à primeira instância, para que ali prossigam a sua marcha, com a fixação de base instrutória nos termos previstos no art. 511º, n.º 1, do CPC. Custas do recurso em conformidade com o que for decidido a final. Notifique. Évora, 2011-10-24 José António Penetra Lúcio |