Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
136/99-3
Relator: GRANJA DA FONSECA
Descritores: DIVÓRCIO LITIGIOSO
ADULTÉRIO
Data do Acordão: 05/06/1999
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO CÍVEL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A SENTENÇA
Sumário:
I - Os deveres conjugais, com excepção do de coabitação, não cessam a partir da 1ª conferência no processo de divórcio, mas tão somente com o trânsito da sentença que o decreta.

II - Só os danos não patrimoniais provenientes do divórcio (vg. humilhação, desgosto, sofrimento) e não os de natureza patrimonial ou não patrimonial derivados de factos que serviram de causa ao divórcio são indemnizáveis, nos termos do artigo 1792º, do Código Civil.
Decisão Texto Integral:
PROCESSO Nº 136/99
*
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA
*
1.
O Autor "A" propôs a presente acção de divórcio litigioso contra a Ré "B", pretendendo ver declarada, por divórcio, a dissolução do casamento que celebrou com a Ré, em 15/11/86, com culpa exclusiva desta e obter ainda a condenação da Ré na quantia de 1.000.000$00 a título de indemnização por danos morais.
Alega, em síntese, que, em Maio de 1997, a Ré abandonou a casa de morada da família e passou a viver e a manter relações sexuais de cópula completa com outro homem.
A par desta situação, a Ré passou a referir-se ao Autor, junto de amigos comuns, como um “bêbado”, incompetente “ (devendo aqui ler-se impotente) e “ violento”.
Tal situação afectou gravemente a sensibilidade do Autor e torna definitivamente inviável a sua vida em comum com a Ré.
***
Contestou a Ré, impugnando os factos que o Autor lhe imputa e alegando que, no princípio de 1997, teve conhecimento duma relação deste com uma mulher, após o que as relações entre ambos esfriaram.
Após a realização de uma 1ª conferência num processo de divórcio por mútuo consentimento por ambos intentado, na sequência do qual partilharam os bens móveis e passaram a viver separados é que começou a aproximar-se de um outro homem.
Assim e dado os acordos celebrados entre ambos nenhum dano moral resultou para o Autor.
Termos em que conclui pela improcedência da acção.
***
Procedendo-se à audiência de discussão e julgamento o Tribunal respondeu à matéria de facto (fls 59/60), vindo a ser proferida douta sentença:
- Julgando a acção procedente e, consequentemente declarou dissolvido, por divórcio, o casamento entre os cônjuges, com culpa de ambos.
- Julgando a acção improcedente quanto ao pedido de indemnização formulado pelo Autor e, consequentemente, absolveu a Ré deste pedido.
1.1.
Inconformado com esta sentença, veio dela apelar o Autor, finalizando a sua alegação, com as seguintes conclusões:
1 - As tentativas de conciliação e os prazos de ponderação dos cônjuges estabelecidos nos arts. 1775º a 1777º do Código Civil têm como escopo principal permitir a obtenção de “ um consentimento livre, esclarecido e autêntico de ambos os cônjuges” (Pereira Coelho, Reforma do Código Civil, 1981, pg. 31), sendo certo que.
2 - Os deveres conjugais, à excepção do de coabitação, a partir da realização da primeira conferência, não cessam com qualquer tipo de acordo prévio, nem aquando da realização da primeira conferência, tão somente, quando for proferida a sentença que decrete o divórcio por mútuo consentimento (art. 1789º C.C ).
3 -“ In casu”, a Ré violou os deveres da respeito e de fidelidade, pois que passou a viver com um tal F..., em Maio de 1997, com ele passando desde então a dormir, comer, passear e a ter relações sexuais(...)
4 - Considerando-se como factos ofensivos da integridade moral quaisquer palavras ou actos de um dos cônjuges que ofendam a honra do outro cônjuge, ou ainda a sua reputação e consideração social de que ele goza, ou até mesmo o seu brio e amor próprio, a sua sensibilidade ou susceptibilidade pessoal ( Vide Pereira Coelho, Família , 1969, 2º, 312).
5 - O que, na situação factual em análise, afigura-se ao "A" que foi e é evidente.
6 - Pelo que "B" havia de ter sido declarada a única culpada na dissolução, por divórcio, do casamento aqui aferido.
7 - Também, em razão de tal declaração e de o Apelante enquanto marido da Apelada, lhe ter sido dedicado, fiel, amigo, respeitador, haver casado com a Maria do Carmo por amor (que manteve), com ela se haver disposto a viver toda a vida (era um projecto dele!) e,
8 - Por causa da conduta da sua mulher ter sido humilhado, haver sofrido e viver em desgosto, deve ser ressarcido.
9 - Como pede na petição inicial.
1.2.
A Ré não contra-alegou.
2 -
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
2.1.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões extraídas da alegação do apelante, são as seguintes as questões suscitadas:
- Se a Ré violou, além do dever de fidelidade, a dever de respeito.
- Se a culpa é conjunta ou exclusiva da Ré.
- Se se verificam os pressupostos de que depende a indemnização por danos morais peticionada pelo Autor.
2.2.
Consideram-se provados os seguintes factos:
1 - Autor e Ré casaram, um com o outro, em 15/11/1985 (al.A)
2 - Em Maio de 1997, a Ré abandonou a casa onde vivia o casal, em ... (resp. ao ques.1).
3 - E passou a viver com um tal F... em ... (resp. ao ques.2).
4 - Com este dormindo, comendo e passeando como se de marido e mulher se tratasse (resp. ao ques. 3)
5 - E a manter com este relações sexuais (resp. ao ques. 4).
6 - Enquanto a Ré viveu com o Autor este foi-lhe dedicado, fiel, amigo e respeitador (resp. ao ques.6).
7 - Quando se casou e até data recente o Autor amava a Ré (resp. ao ques.7).
8 - E com ela se predispunha a viver toda a vida (resp. ao ques. 8).
9 - Um dos projectos da vida do Autor era viver com a Ré (resp. ao ques. 9) .
10 - Os factos referidos sob os nºs 2 a 5 causaram ao Autor humilhação e desgosto (resp. ao ques. 10).
11 - E impossibilitaram a concretização de um sonho de vida do autor que era o de viver sempre ao lado da companheira que escolhera (resp. ao ques.11).
12 - O que provoca sofrimento ao Autor (resp. ao ques. 13)
13 - No início do ano de 1997, Autor e Ré acordaram em dividir os bens e em propor uma acção de divórcio por mútuo consentimento (resp. ao ques. 15).
2.3.
O Autor, ao propor a presente acção, pretendia não só a dissolução do seu casamento com a Ré, com culpa exclusiva desta, mas também que ela fosse condenada a pagar-lhe, a título de indemnização por danos morais a quantia de 1.000.000$00 (um milhão de escudos).
A sentença, embora decretando a dissolução do casamento, por divórcio, considerou que os factos provados não conduzem à declaração da Ré como única ou principal culpada e, por isso, considerou mostrar-se prejudicada a apreciação da reparação de danos não patrimoniais pedida.
Continua a entender o Autor, na alegação da apelação, que a "B" havia de ter sido declarada a única culpada na dissolução, por divórcio, do casamento aqui aferido e que, também, devia o apelante ser ressarcido pelos danos morais, considerando, ainda, que a apelada não violou apenas o dever de fidelidade mas também o de respeito.
2.3.1.
Da violação do dever de respeito:
Ninguém questiona que a Ré, ao passar a viver com outro homem, com ele comendo, dormindo e mantendo relações sexuais, violou o dever de fidelidade.
É evidente que a Ré, com tal conduta, quebrou o respeito que cada um dos membros do casal deve ao outro como seu cônjuge.
Trata-se, nessa perspectiva, de uma ofensa indirecta à integridade moral.
Concordamos que tais actos ofendem naturalmente a honra do outro cônjuge, a sua reputação, o seu amor próprio, a sua sensibilidade ou susceptibilidade pessoal.
Todavia, integrando tais actos a violação do dever de fidelidade, não podem ser, simultaneamente , ofensivos deste dever e do de respeito senão de forma aparente, como ensina o Prof. Pereira Coelho, Família, 2 vol. Pg. 313.
Sendo o adultério, a mais grave, ostensiva e intensiva violação da lealdade que cada um dos membros do casal deve ao outro, como seu cônjuge, pressente-se a humilhação, o desgosto o sofrimento que daí advêm ao cônjuge ofendido.
A causa é porém o adultério que de “ per se” constitui fundamento para requerer a dissolução do casamento, não podendo consequentemente a mesma conduta constituir ainda uma outra causa de divórcio por força dos efeitos que promanaram dessa mesma e única causa.
2.3.2.
Da culpa exclusiva da Ré .
Para se poder requerer o divórcio litigioso não basta a violação dos deveres conjugais - É necessária a violação culposa desses deveres.
Como fundamento do divórcio, a lei não se contenta com a mera violação dessas obrigações, exigindo expressa e deliberadamente a violação culposa .
Prescreve-se, no art. 1787º do C.C., a necessidade de o tribunal declarar se a separação é imputável a ambos os cônjuges ou somente a um deles.
No caso de ser a culpa imputável a ambos, mas se a culpa de um deles por acentuadamente maior do que a do outro, deve o tribunal declarar expressamente qual deles é o maior culpado.
Para tanto não é necessário que o Réu haja deduzido reconvenção pois bastará que alegue e prove os factos necessários para possibilitar a correcta decisão do tribunal , mesmo que sobre esses factos haja decorrido o prazo da caducidade consagrado no art. 1786º.
Nesse sentido, a Ré alegou que, no início do ano de 1997, teve conhecimento de que o Autor mantinha relações sexuais com outra mulher, razão por que acordaram em viver separados, em dividir os bens e em propor uma acção de divórcio por mútuo consentimento.
Sucede, porém, que resultou, apenas, provado que, no início de 1997, Autor e Ré acordaram em dividir os bens e em propor uma acção de divórcio por mútuo consentimento (resp. ao ques. 15).
No entanto , com fundamento nestes factos, e só por isso, considerou a sentença que havia culpa de ambos os cônjuges, sendo certo que a culpa da ré havia já sido expressamente declarada, ao referir-se que “ tal violação (do dever de fidelidade) porque conhecida e desejada pela Ré é culposa no sentido transcendente de reprovável de censurável”.
Salvo o devido respeito, não podemos acompanhar, nesta parte, a tese defendida na sentença.
Os deveres conjugais não cessam com qualquer tipo de acordo prévio nem com a realização da primeira conferência, salvo o dever de coabitação, mas tão somente com a sentença que decrete o divórcio (art. 1776º nº3 C.C.).
Por outro lado, ainda quando ambos os cônjuges pretendem o divórcio por mútuo consentimento, é um objectivo declarado de qualquer das conferências, a tentativa de conciliação dos cônjuges para que restaurem a vida em comum e a plena comunhão de vida em que consiste o casamento.
Essas tentativas de conciliação e os prazos de ponderação dos cônjuges visam proporcionar-lhes o amadurecimento no seu espírito de uma decisão tão grave como é a da ruptura definitiva do vínculo conjugal que os une (vide A. Varela, Cod. Civ. Anot. IV vol., p. 526)
É sabido que, quando os cônjuges pretendem dissolver o casamento, por divórcio, haverá um ou vários motivos.
Todavia, no divórcio por mútuo consentimento, a lei não fiscaliza, não controla a verificação desses motivos.
Trata-se de um divórcio por causa não revelada.
Seria um absurdo que a lei, na ideia de desdramatizar o divórcio e poupar os cônjuges à revelação dos seus desentendimentos, lhes permitisse não tornar públicos esses motivos mas considerasse, em contrapartida, ambos os cônjuges culpados; contanto que acordassem logo em propor uma acção por mútuo consentimento.
Tal acordo constituiria, segundo esta tese, uma presunção iuris et de iure de ambos os cônjuges , o que a lei não podia manifestamente permitir já que para o juiz poder determinar se há culpa do Autor, carece de factos necessários, alegados pela Ré, ainda que não reconvindo, donde possa retirar tal ilação (art. 1787º nº2 Código Civil).
Ora, se os factos provados demonstram que a Ré violou o dever de fidelidade, sendo tal violação culposa, não vislumbramos qualquer facto donde se possa inferir que o Autor haja de algum modo contribuído para o fracasso que esta relação matrimonial atingiu.
Considera-se, por isso, a Ré como a única e exclusiva culpada.
2.3.3.
O cônjuge declarado único ou principal culpado deve reparar os danos não patrimoniais causados ao outro cônjuge (...) (art. 1792º C.C.).
Só o cônjuge inocente tem direito de ser ressarcido e são excluídos do âmbito da indemnização os danos patrimoniais pois os danos que constituem objecto de indemnização fixada no art. 1792º C.C. são apenas os danos provenientes do divórcio e não os danos (morais) causados pelos factos que serviram de causa ao divórcio (Ac. STJ 14/06/84 e 18/02/86, BMJ 338, 424 e 354, 555 e, na doutrina de Antunes Varela, Direito da Família, p.500, regendo-se esta obrigação de indemnizar pelos princípios gerais da responsabilidade civil.
Ora, quando o Autor se casou com a Ré, por ela nutria amor e com ela se dispunha a viver toda a vida. Quis, porém, a Ré que o Autor não o pudesse concretizar. Só que, do casamento desfeito, saiu humilhado, desgostoso e em sofrimento.
Esses factos são passíveis de determinar que o apelante, cônjuge inocente, seja compensado pelo dano moral sofrido.
Para minimizar a humilhação, o desgosto, o sofrimento vividos consideramos como adequada a indemnização de 500.00$00 (quinhentos mil escudos) .
3-
Termos em que, julgando parcialmente a apelação, se revoga, em parte, a douta sentença, declarando-se dissolvido o casamento, com culpa única da Ré e condena-se esta a pagar ao Autor a título de indemnização pelos danos não patrimoniais a quantia de quinhentos mil escudos.

Custas nesta Relação e na 1ª Instância por Autor e Ré, na proporção de ¼ e ¾, respectivamente.
X

Évora, 6/05/99