Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3939/16.8T8STB.E2
Relator: BERNARDO DOMINGOS
Descritores: ADOPÇÃO
CONFIANÇA PARA ADOPÇÃO
TUTELA
Data do Acordão: 03/09/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I - A situação de confiança da criança a que se refere o n.º3 do art.º 1980º do CC é necessariamente, a mesma confiança devidamente elencada e delimitada no n.º1 do mesmo preceito.
II – Não cabe naquela previsão a confiança de uma criança no âmbito do Instituto da Tutela.
III – Só releva para efeitos do alargamento da idade do adoptado a confiança da criança nos termos previstos no n.º 1 do Art.º 1980º do CC ou seja mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção, de confiança com vista a futura adoção.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc.º N.º 3939/16.8T8STB.E2
Apelação
1ª Secção
Recorrente: MG e MC
Recorrido: Ministério Público
Relatório[1]
«MG, solteiro e MC, solteira, ambos residentes …, Setúbal, requereram a adoção de MB, nascido em 26/11/1999.
Alegaram, em síntese, que vivem em união de facto desde 01/04/2003 e que apresentaram a sua candidatura a adotantes em 19/10/2015, que veio a ser deferida pelo Instituto de Segurança Social, IP – Centro Distrital de Setúbal, em 15/04/2016.
Por decisão do Tribunal de Família e Menores da Comarca do Barreiro foi instituída a tutela a favor de MB, tendo a requerente sido nomeada tutora.
Mais alegaram ter condições económicas, habitacionais e pessoais para cuidar, educar e prover ao sustento do jovem. Têm outra filha biológica de 2 anos de idade com quem o adotando mantém um bom relacionamento.
Tratam a criança como filha e esta trata-os como pais, encontrando-se a mesma bem integrada na família.
Pretendem que a criança adote os seus apelidos “ C…” e “G…”.
Juntaram documentos e arrolaram testemunhas.
Foi junto relatório do ISS de fls. 18 a 26.
O MP emitiu parecer no sentido do indeferimento do pedido.
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De seguida foi proferido despacho de indeferimento liminar do pedido, por, não se verificarem os pressupostos formais que fundamentam o decretamento da adoção.
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Inconformados, vieram os requerentes interpor recurso de apelação, alegando, designadamente a violação do exercício do direito do contraditório por não lhes ter sido notificado o parecer do Ministério Público, antes da prolação da decisão.
Este Tribunal da Relação de Évora deu provimento ao recurso na parte em que foi violado o direito ao contraditório, pelo que determinou que o Tribunal de 1ª Instância procedesse à notificação aos requerentes do referido parecer do Ministério Público. Cumprido o contraditório, foi proferida decisão a indeferir liminarmente o requerimento inicial, por não se verificarem os pressupostos formais que fundamentam o decretamento da adoção.
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Mais uma vez irresignados, vieram os requerentes, interpor recurso de apelação, tendo rematado as suas alegações com as seguintes
Conclusões:
«1 - O Regime Jurídico do Processo de Adoção (RJPA) aprovado pela Lei nº 143/2015, de 8 de Setembro, impõe que os procedimentos de adoção tenham duas fases distintas, sendo uma de procedimento administrativo e outra judicial (alínea h) do Art.º 2 do Dec. Lei 143/2015, de 8 de Setembro);
2 - A primeira fase tem em vista garantir o sucesso da adoção, através da identificação dos casos a encaminhar para a adoção; da seleção do candidato através da verificação do seu perfil psicológico e socioeconómico e no acompanhamento da integração do menor na família.
3 - O menor em causa, nascido em 26/11/1999, foi adotado por sentença de 9/8/2006 do Tribunal Judicial da Comarca de Grândola, tendo o casal que adotou revelado desinteresse pelos filhos vindo o menor a ser novamente acolhido um Instituição de acolhimento.
4 - Após inibição dos progenitores do exercido total das responsabilidades parentais, por decisão de 28/3/2012 proferida pelo Tribunal de Família e Menores da Comarca do Barreiro, aos Requerentes foi distribuída a guarda do menor no âmbito de processo tutelar, tendo a Requerente MC, por sentença de 9/7/2013, proferida pelo Tribunal de Família e Menores da Comarca do Barreiro, sido nomeada tutora provisória e 6/1/2014 nomeada tutora e o Requerente protutor.
5 - Desde 9/7/2013 que o menor se encontra à guarda do casal adotante, o qual tem prestado todos os cuidados de saúde, provido à sua educação e formação, prestado todos os afetos como se presta a um filho, sendo que é nessa perspectiva que o menor vê os Requerentes, que os trata por pais, assim como à família pelos laços de parentesco,
6 - E tendo os Requerentes apresentado em Juízo pedido de adoção quando este já tinha perfeito os 15 anos de idade, não pode o Tribunal deixar de enquadrar no disposto no nº 3 do Artº 1980º do Cód. Civil.
7 - Na verdade, a confiança do menor ocorreu por via administrativa e judicial. O facto dos Requerentes Serem a tutora e protutor foi o procedimento adotado mediante prévia promoção do MP, mas sabendo e tendo conhecimento que os Requerentes tinham em vista a adoção,
8 - As garantias de sucesso da adoção estão devidamente patentes não só no projeto de vida que foi garantido ao menor patente nos relatórios da segurança Social como pela integração familiar deste.
9 - O que falta ao menor é o reconhecimento jurídico dos laços de filiação na prática já existente, pelo que O Tribunal não poderá deixar de enquad1ar toda a situação no n.º 3 do Artº 1980º do Código Civil, tendo por confiança todo o período de vivência do menor dos Requerentes após decisão judicial de entrega do menor à guarda dos Requerentes.
10 - Desta forma e tratando-se de processo de jurisdição voluntária haverá que não restringir a interpretação do nº 3 do Artº 1980º do C6d. Civil, na parte a que alude à confiança, como sendo a confiança do disposto no nº 1 alínea a) daquela disposição legal.
Deverão, assim, V. Exª julgar que o menor cuja guarda foi conferida aos Requerentes, por decisão em processo de Tutoria em consequência da inibição total dos pais das responsabilidades parentais, em 9 de Julho de 2013, que o têm tido à sua guarda providenciando pela sua alimentação, formação académica, cuidados de saúde e tratando-o como filho está confiado aos Requerentes nos termos do nº 3 do art.º 1980º do CC e que o poderão adoptar, revogando a decisão proferida de indeferimento liminar…»
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Respondeu o MP, pedindo a improcedência da apelação.
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Na perspectiva da delimitação pelo recorrente[2], os recursos têm como âmbito as questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 635º nº 4 e 639º do novo Cód. Proc. Civil)[3], salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 608º do novo Cód. Proc. Civil ).
Das conclusões acabadas de transcrever, decorre que a questão suscitada no recurso consiste em saber qual o alcance, qual a interpretação admissível, do disposto no n.º 3 do art.º 1980.º do Código Civil, designadamente se no conceito de “confiança” subjacente ao preceito legal pode caber a entrega de menor no âmbito da instauração da tutela.
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Dispõe o art.º 1980º do CC o seguinte:
(Quem pode ser adoptado)
1. Podem ser adoptadas as crianças:
a) Que tenham sido confiadas ao adoptante mediante confiança administrativa ou medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção;
b) Filhas do cônjuge do adoptante.
2. O adoptando deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adopção.
3. Pode, no entanto, ser adoptado quem, à data do requerimento, tenha menos de 18 anos e não se encontre emancipado quando, desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes ou a um deles ou quando for filho do cônjuge do adoptante.
Defendem os recorrentes que tendo o menor à sua guarda desde que a requerente foi nomeada sua tutora e tendo então menos de 15 anos, deve considerar-se que lhes está confiado, desde essa data, para os efeitos do nº 3 do art.º 1980º do CC.
Entendimento diverso teve a M.ª Juiz a quo que interpretou aquele preceito no sentido de só relevar para efeitos da excepção aí prevista, a confiança que consista numa das duas tipologias previstas no n.º 1, do art.º 1980.º do Código Civil, ou seja:
-que o adoptando tenha sido confiado aos adoptantes mediante confiança administrativa
-ou que o adoptando tenha sido confiado aos adoptantes através de medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção.
Como bem salienta o MP nas sua resposta, não pode olvidar-se que « a citada disposição legal começa por distinguir, no n.º 1, os dois grupos de crianças susceptíveis de adopção:
-as que tenham sido confiadas ao adoptante
-e as que sejam filhas do cônjuge do adoptante [e que em boa verdade previsivelmente com o adoptante têm vivido].
No caso das situações de “confiança” o Legislador é taxativo: as que “tenham sido confiadas ao adoptante mediante confiança administrativa” ou que o tenham sido por “medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção”.
E porque no n.º 2 se estabelece que “o adoptando deve ter menos de 15 anos à data do requerimento de adopção”, procurou o Legislador salvaguardar no n.º 3 duas situações que justificam excepcionar-se aquela limitação – não para excluir qualquer idade limite, mas para alargar a mesma para os 18 anos – e que são:
-quando o adoptando “desde idade não superior a 15 anos, tenha sido confiado aos adoptantes”
-ou quando o adoptando seja “filho do cônjuge do adoptante”.
O pomo da discórdia consiste em saber como deve entender-se a expressão «ter sido confiado».
Numa interpretação sistemática dos preceitos, não nos parece que a «confiança» a que se reporta o nº 3 do art.º 1980º do CC, possa corresponder a realidade distinta das situações previstas no seu nº 1. Aliás não faria sentido que constituindo a previsão do nº 3 uma excepção à regra estabelecida nos números precedentes, tal excepção fosse mais abrangente que a “regra”.
Como bem recorda a M.ª Juiz a quo, o Regime Jurídico do Processo de Adopção estabelece no seu art.º 34.º, n.º 1, que “a prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da Adopção depende” de uma de três situações: da “prévia declaração de adoptabilidade decidida no âmbito de processo judicial de promoção e protecção, mediante decretamento de medida de confiança”, ou da “prévia decisão de confiança administrativa” ou da “prévia avaliação favorável da pretensão expressa pelo candidato a adoptante relativamente à adopção do filho do cônjuge”.
Ou seja, o RJPA vem confirmar – e outra coisa não seria de esperar – aquilo que o Código Civil estabelece, que apenas a confiança como promoção e protecção e a confiança administrativa, quando o adoptando não seja um enteado, podem relevar para efeitos de adopção.
Ora aquilo que factualmente resulta dos autos é que:
- em 26/11/1999 nasceu o jovem MB;
- em 09/08/2006 foi decretada a sua adopção plena por M… e J…;
- em 11/10/2007 o jovem foi integrado no Centro Social de Palmela (CAT Porta Aberta);
- em 28/03/2012 os referidos pais adoptivos foram inibidos do exercício total das responsabilidades parentais relativamente ao jovem;
- em 09/07/2013 a ora requerente, MC, foi nomeada tutora do jovem a título provisório;
- em 06/01/2014 esta nomeação da requerente como tutora do jovem foi convertida em definitiva;
- em 19/10/2015 os requerentes apresentaram candidatura a adoptantes;
- e em 15/04/2016 foram seleccionados como candidatos a adopção.
Acresce que o requerimento inicial que originou os presentes autos deu entrada em 03/06/2016, ou seja, quando o jovem adoptando já completara dezasseis anos de idade.
Temos assim que o menor adoptando, não foi objecto, antes da entrada do requerimento inicial, de qualquer confiança administrativa ou confiança enquanto medida de promoção e protecção. É verdade que o jovem ficou a residir com os agora requerentes candidatos à adopção quando foi instituída tutela a favor do jovem, e a requerente foi nomeada tutora e desde essa data (09/07/2013, quando MB ainda tinha apenas treze anos), encontra-se a residir com os requerentes e aos cuidados destes, sendo por eles acarinhado, sustentado e educado.
Como bem observa o Digno magistrado do MP, «é mesmo verdade que esta entrega do menor à requerente, como tutora, e ao requerente, como protutor, consubstancia uma verdadeira “confiança”. O Estado “confiou” aos requerentes esta criança para que dela cuidassem. Mas tal “confiança”, lamentamos ter de o reconhecer, não consubstancia nenhuma das duas situações taxativamente estabelecidas pelo Legislador.
E do facto de, in casu, a tutela ter antecedido a adopção, não se traduz em que aquela seja uma fase ou preliminar da adopção. Como bem recorda a M.ª Juiz a quo, a tutela é um meio de suprir o poder paternal, enquanto que a adopção surge como fonte de relações familiares, com constituição ou reconstituição de um vínculo em tudo semelhante ao resultado da filiação biológica.
Podemos admitir, na esteira, aliás, do que já anteriormente foi manifestado em parecer do Ministério Público nos autos, que a decisão que seria mais conforme ao concreto interesse do jovem adoptando era a de decretar a sua adopção pelos requerentes.
Sucede porém que o regime legal vigente não o permite.
E se o regime legal impede, por vezes, que sejam tomadas decisões mais conformes ao interesse dos menores adoptandos, então aperfeiçoe-se, por via legislativa, a Lei. Não se pretenda é que o julgador se arrogue o poder de “legislar” interpretando extensivamente o que está estatuído, até se lograr obter o resultado pretendido».
Estabelece o art.º 202 da Constituição da República que:
1. Os tribunais são os órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo.
2. Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.
E logo a seguir o art.º 203º estatui que «os tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei».
Densificando estes preceitos, o Estatuto dos magistrados Judiciais, dispõe nos art.º 2º e 3º que
«Artigo 3.º
(Função da magistratura judicial)
1 - É função da magistratura judicial administrar a justiça de acordo com as fontes a que, segundo a lei, deva recorrer e fazer executar as suas decisões.
2 - Os magistrados judiciais não podem abster-se de julgar com fundamento na falta, obscuridade ou ambiguidade da lei, ou em dúvida insanável sobre o caso em litígio, desde que este deva ser juridicamente regulado.
Artigo 4.º
(Independência)
1 - Os magistrados judiciais julgam apenas segundo a Constituição e a lei e não estão sujeitos a ordens ou instruções, salvo o dever de acatamento pelos tribunais inferiores das decisões proferidas, em via de recurso, pelos tribunais superiores.
2 - O dever de obediência à lei compreende o de respeitar os juízos de valor legais, mesmo quando se trate de resolver hipóteses não especialmente previstas (destaques nossos).

Daqui decorre que o primeiro dever do Juiz na administração da justiça é o dever de obediência à constituição e à lei. É certo que o escopo da função jurisdicional é a realização da Justiça aplicando o direito dentro do quadro legal. Não é menos certo que não pode exorbitar dos poderes de interpretação da lei por forma a contrariar o seu espírito ou a inovar contra lei expressa. Mesmo quando a lei consente ao juiz o poder de criar norma para a resolução de um caso em que seja manifesta a existência de lacuna legal, este só pode fazê-lo, dentro do espírito do sistema – Art.º 10º nº 3 do CC.
Ora no caso dos autos não estamos perante uma lacuna legal, que permita o recurso à analogia, porquanto o legislador foi bem claro ao definir as situações em que alguém podia ser adoptado e a idade limite para tanto. Excepcionalmente no nº 3 do art.º 1980º do CC, alargou a idade limite em duas situações específicas e a situação dos autos, manifestamente não se enquadra nessa previsão. E nem pelo recurso à interpretação extensiva se poderia obter tal desiderato, pela simples razão de que tal extensão do âmbito, constituiria uma entorse ao sistema legal da adopção e consequentemente tal interpretação seria necessariamente contra-legem.
No domínio da administração da justiça, tal como em muitas outra áreas da vida em sociedade o facto de os fins serem bons, não justifica a utilização de todos os meios. Aqui os meios têm de ser legais…porque se não o forem a decisão (aparentemente justa) é ilegítima.
Os recorrente fundamentam ainda a sua posição na conclusão do relatório do Instituto da Segurança Social de 14/11/2016, quando ali se diz que “tendo em atenção o facto de o processo de adopção ser de jurisdição voluntária e de, à luz dessa característica, a interpretação das normas poder ser menos restritiva, entendemos plausível […] a equiparação da tutela a uma medida de confiança, tendo em conta o facto de viabilizar uma situação que, como atrás justificado, corresponde indubitavelmente ao interesse deste jovem”.
Mas também aqui não lhes asiste razão. Na verdade e como muito bem observa o MP «é verdade que a fase judicial do processo de adopção é de jurisdição voluntária [art.º 31.º do RJPA]. Mas a par dos decorrentes efeitos dessa natureza como sejam a prevalência dos juízos de oportunidade e conveniência sobre critérios estritamente jurídicos, da relevância de critérios de equidade, da prevalência da actividade inquisitória do juiz sobre a actividade dispositiva, e outros, não se afigura que as regras de interpretação da Lei possam ser mais “liberais”, que pelo facto de estarmos no âmbito da jurisdição voluntária ao Julgador seja permitido interpretar as normas legais aplicáveis em termos mais extensivos ao ponto de na norma integrar o que a sua letra não consente».
A interpretação do nº 3 do art.º 1980º do CC, quer isoladamente que por referência ao sistema legal que disciplina a adopção, não consente o sentido que os recorrentes pretender dar à expressão “confiança” ou «ter sido confiado». Esta só pode reportar-se às situações previstas no nº 1 do mesmo preceito e não a quaisquer outras. Aliás e como bem se salienta na sentença, «outra coisa não resulta do próprio RJPA, máxime do artigo 34º, nº1 que prescreve que:
A prolação da decisão judicial constitutiva do vínculo da adoção depende de: a) Prévia declaração de adotabilidade decidida no âmbito de processo judicial de promoção e proteção, mediante decretamento de medida de confiança a que alude a alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de setembro, alterada pelas Leis 31/2003, de 22 de agosto, e 142/2015, de 8 de setembro; b) Prévia decisão de confiança administrativa, reunidos que se mostrem os necessários requisitos; c) Prévia avaliação favorável da pretensão expressa pelo candidato a adotante relativamente à adoção do filho do cônjuge, tendo em conta o superior interesse da criança».
Ou seja, o legislador fixou como pressuposto prévio da adopção a confiança da criança ao adotante. Apenas se excecionam as crianças filhas do cônjuge. Assim, não se poderá, como é pretensão dos adotantes no caso presente, equiparar a confiança de uma criança através do instituto da tutela, à confiança da criança a que alude o artigo 1980º citado».
Do ponto de vista técnico-jurídico a sentença não merece o mínimo reparo e consequentemente não pode deixar de ser confirmada. Porém não podemos deixar de reconhecer, como faz o MP, que «De jure condendo … situações como a dos autos deveriam poder integrar as situações de admissibilidade de adopção para além dos quinze anos de idade do adoptando».
De jure condito, porém, não é possível outra conclusão que não seja a de que a situação dos autos não cabe na previsão legal e consequentemente a pretensão dos requerentes, não poderia deixar de ser rejeitada, como o foi.
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Em síntese:
I - A situação de confiança da criança a que se refere o nº3 do art.º 1980º do CC é necessariamente, a mesma confiança devidamente elencada e delimitada no nº1 do mesmo preceito.
II – Não cabe naquela previsão a confiança de uma criança no âmbito do Instituto da Tutela.
III – Só releva para efeitos do alargamento da idade do adoptado a confiança da criança nos termos previstos no nº 1 do Art.º 1980º do CC ou seja mediante confiança administrativa ou medida de promoção e proteção, de confiança com vista a futura adoção.
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Concluindo
Pelo exposto, acorda-se na improcedência da apelação e confirma-se a decisão recorrida.
Sem custas [art. 4º nº 2,al. f) do RCP].
Notifique.
Évora, em 9 de Março de 2017.
(Bernardo Domingos – Relator)
(Silva Rato – 1º Adjunto)
(Mata Ribeiro – 2º Adjunto)
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[1] Transcrito da sentença.
[2] O âmbito do recurso é triplamente delimitado. Primeiro é delimitado pelo objecto da acção e pelos eventuais casos julgados formados na 1.ª instância recorrida. Segundo é delimitado objectivamente pela parte dispositiva da sentença que for desfavorável ao recorrente (art.º 684º, n.º 2 2ª parte do Cód. Proc. Civil) ou pelo fundamento ou facto em que a parte vencedora decaiu (art.º 684º-A, n.ºs 1 e 2 do Cód. Proc. Civil). Terceiro o âmbito do recurso pode ser limitado pelo recorrente. Vd. Sobre esta matéria Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, Lisboa –1997, págs. 460-461. Sobre isto, cfr. ainda, v. g., Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos, Liv. Almedina, Coimbra – 2000, págs. 103 e segs.
[3] Vd. J. A. Reis, Cód. Proc. Civil Anot., Vol. V, pág. 56.