Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
110/19.0GCSLV.E1
Relator: FERNANDO PINA
Descritores: SUSPENSÃO PROVISÓRIA DO PROCESSO
PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM
CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
DISPENSA DE PENA
Data do Acordão: 01/23/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I - Na decisão de suspensão provisória do processo não ocorre a realização de qualquer julgamento, existindo apenas uma decisão do Ministério Público, verificados que estejam determinados pressupostos, decisão esta aceite pelo arguido e com a concordância do Juiz de Instrução.
II - Não cumprindo o arguido as injunções determinadas na suspensão provisória do processo, e vindo, posteriormente, a ser julgado pelos mesmos factos, o arguido não é julgado duas vezes, não se verificando, pois, violação do princípio “ne bis in idem”.
III - A “dispensa de pena” não é aplicável aos crimes de condução de veículo em estado de embriaguez.
Decisão Texto Integral: ACORDAM OS JUÍZES, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:



I. RELATÓRIO

A –
Nos presentes autos de Processo Comum Singular, com o nº 110/19.0GCSLV, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Local (….), o Ministério Público requereu o julgamento do arguido:
(…..).
Imputando-lhe os factos constantes do despacho de acusação que consubstanciam a prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de condução em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 69º, nº 1, alínea a) e 292º, nº 1 do Código Penal.
O arguido não apresentou contestação, nem requerimento probatório.
Realizado o julgamento, veio a ser proferida pertinente sentença, na qual se decidiu:
- Condenar o arguido (…..) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 69º, nº 1, alínea a) e 292º, nº 1 do Código Penal na pena de 30 (trinta) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de todas as categorias, pelo período de 3 (três) meses;
(…)
Inconformado com esta sentença condenatória, o arguido (…..) da mesma interpôs recurso, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
1. O arguido não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, na medida em o condenou, em autoria material e na sua forma consumada, pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 69º, nº 1 al. a) e 292º, nº 1 do C.P. na pena de 30 (trinta) dias de multa, à razão diária de € 6,00 (seis euros) e na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, de todas as categorias, pelo período de 3 (três) meses.
2. Ora, salvo o devido respeito por melhor opinião, mas não andou bem o Tribunal “a quo” ao proferir tal decisão, durante o inquérito o arguido beneficiou de o arguido beneficiou do instituto da suspensão provisória do processo, tendo-lhe sido aplicadas as injunções de: a) proceder à entrega da quantia de €350,00 aos Bombeiros Voluntários de SB Messines, de uma só vez ou em três prestações, a título de cumprimento de injunção (não de donativo); e de b) proceder à entrega na Procuradoria de Silves ou num posto policial da sua carta de condução, no prazo de 10 dias, a contar da notificação do despacho que determinou a S.P.P. para cumprimento da proibição de conduzir pelo período de 4 meses.
3. O recorrente cumpriu as injunções na integra, incluindo a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses, tendo tal facto ficado dado como provado na douta sentença recorrida.
4. Diz o artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa que "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”.
5. Não restam dúvidas de que a dupla penalização de que o arguido foi alvo é proibida pela disposição constitucional do artigo 29°, nº 5 da C.R.P..
6. Deverá ser a sentença substituída por outra que desconte da pena de multa aplicada ao arguido, o valor já pago a título de injunção, assim como, deverá ser descontado da inibição de conduzir o período de tempo que o arguido já esteve inibido de conduzir aquando a suspensão provisória do processo e que ficou dado como provado, na douta sentença.
7. As penas de multa e acessória aplicadas ao arguido em sede de sentença final da forma como foram sentenciadas, são desajustadas e violam o princípio do “ne bis in idem”, pois ninguém pode ser condenado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
8. Neste sentido, ou seja, que se deve proceder ao desconto, no cumprimento da pena acessória, do período já cumprido pelo arguido no âmbito da suspensão provisoria do processo, poderão ler-se os seguintes Acórdãos: os Acórdãos da Relação de Coimbra, de 10-12-14 e 11-02-15, ambos relatados por Maria José Nogueira e de 14-01-15, relatado por Vasques Osório, os Acórdãos da Relação de Guimarães, de 06-01-14 e 22-09-14 relatados, respectivamente, por Ana Teixeira e António Condesso, o Acórdão da Relação de Évora, de 11-07-13, relatado por Sénio Alves e os Acórdãos desta Relação, de 19-11-14 e 25-03-15, relatados, respectivamente, por Lígia Figueiredo e Manuela Paupério, todos disponíveis, em www.dgsi.pt.
9. Assim, dever-se-á descontar o período de 4 meses que o arguido já cumpriu no âmbito da injunção, aos 3 meses de pena acessória de proibição de conduzir com que foi condenado.
10. Pelos motivos expostos, mostram-se reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 74° para uma dispensa da pena - artigo 74° nº 1 do Código Penal, o que também se requer.
Termos em que e nos demais de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, aliás, a douta sentença recorrida, na parte em que dela se recorre e, em consequência:
a) Absolver o arguido da sanção acessória de inibição de condução, por violação do princípio ne bis in idem.
b) Se assim não se entender, deverá ser descontado das penas aplicadas, da pena de multa e da pena acessória de 3 meses de inibição de conduzir veículos a motor aplicada recorrente, os valores já pagos aquando o cumprimento da injunção, bem como descontado os 3 meses de inibição de conduzir no período dos 4 meses em que o arguido esteve inibido de conduzir por força da suspensão provisória do processo que beneficiou.
c) Assim não se entendendo, o que só se admite por mera hipótese académica, e pelos motivos expostos, mostram-se reunidos os pressupostos estabelecidos no artigo 74° para uma dispensa da pena - artigo 74° nº 1 do Código Penal, o que também se requer, assim se fazendo Justiça.

Na resposta ao recurso, o Ministério Público pronunciou-se no sentido da procedência do recurso interposto, extraindo da respectiva motivação as seguintes (transcritas) conclusões:
Por tudo o que vai exposto, ainda que por fundamento diverso, entendemos assistir razão ao arguido pelo que, em consequência, deverá:
1. Declarar-se nulo o despacho de revogação da suspensão provisória do processo e que determinou o prosseguimento dos autos para a fase de julgamento - por não verificação do pressuposto em que se baseou, qual seja o de que o arguido cometeu um novo crime da mesma natureza durante o decurso do prazo da suspensão do processo;
2. Em sua substituição, ser proferido novo despacho de arquivamento do processo por verificação do cumprimento das injunções impostas ao arguido;
3. Ser considerada verificada a violação do princípio “ne bis in idem”, e, consequentemente, o arguido ser absolvido do crime de condução de veículo em estado de embriaguez que enfrentou na fase de julgamento, e pelo qual voltou a ser condenado.
Temos, pois, para nós, que o arguido terá de ver procedente o seu recurso, ainda que por razões ligeiramente diversas das por si invocadas e consequentemente, ser determinado que a douta sentença proferida seja revogada por verificação do vicio de violação do princípio constitucional “ne bis in idem”.
Pelo que vai exposto, deve ser dado provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida e ser proferida nova sentença que sane o indicado vicio, com o que se fará inteira e devida Justiça.
V. Exas., porém, e como sempre melhor decidirão.

Nesta Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, conforme melhor resulta dos autos.
Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, não tendo o arguido apresentado resposta.
Procedeu-se a exame preliminar.
Cumpridos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

B -
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:

Factos provados:
Com interesse para a decisão da causa resultaram como provados os seguintes factos:
1. No dia 19-05-2019, pelas 21h36m, na Rua da Liberdade, em São Bartolomeu de Messines, Silves, o arguido (….) encontrava-se a conduzir o veículo automóvel de matrícula (.....), com uma TAS de, pelo menos, 1,311 g/l, deduzido o erro máximo admissível correspondente a uma TAS registada de 1,38 g/l.
2. O arguido previu e quis conduzir o aludido veículo naquela via pública, apesar de saber que tinha ingerido bebidas alcoólicas em momento anterior à condução e que conduzia o mesmo sob a influência do álcool, admitindo como possível que o fazia como TAS superior a 1,2 g/l, resultado com que se conformou.
3. O que fez de forma consciente, livre, e voluntária, bem sabendo que tal comportamento se encontra previsto e punível por lei penal.
Mais se provou:
4. O arguido confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos que lhe são imputados nos presentes autos.
5. O arguido é barbeiro, auferindo a quantia mensal média a título de salário de €850,00.
6. Vive sozinho, despendendo a quantia mensal de €300,00 a título de renda de casa.
7. Tem um filho de 9 anos de idade, que reside no Brasil, e para o qual entrega a quantia mensal de €100,00 a título de pensão de alimentos.
8. Tem o 12º ano de escolaridade.
9. No âmbito do inquérito dos presentes autos foi declarada a 24-05-2019 a suspensão provisória do processo, pelo período de 5 (cinco) meses, mediante o cumprimento das seguintes injunções por parte do arguido: a) proceder à entrega da quantia de €350,00 aos Bombeiros Voluntários de SB Messines, de uma só vez ou em três prestações, a título de cumprimento de injunção (não de donativo); b) proceder à entrega na Procuradoria de Silves ou num posto policial da sua carta de condução, no prazo de 10 dias, a contar da notificação do despacho que determinou a S.P.P. para cumprimento da proibição de conduzir pelo período de 4 meses.
10. O arguido, em cumprimento da injunção referida no ponto antecedente, al. b), no dia 14 de junho de 2019 procedeu à entrega da sua carta de condução no Posto da G.N.R. de São Bartolomeu de Messines.
11. A 09-07-2020 foi decidido prorrogar o período da suspensão provisória do processo por 4 (quatro) meses, para que o arguido cumprisse a injunção referida no ponto nº 9 sob a al. a), o que veio a ocorrer em 13-08-2020.
12. Com os fundamentos constantes da decisão com a ref. nº 123773761 foi determinada a revogação da suspensão provisória do processo e proferida a acusação subjacente aos presentes autos.
13. Do certificado de registo criminal do arguido consta a seguinte condenação:
No processo nº 515/20.4GBABF, por decisão datada de 25-10-2021 e transitada em julgado em 25-11-2021, foi condenado pela prática em 13-03-2020 de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a) ambos do C.P., na pena de 95 dias de multa, à razão diária €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.

Factos não provados:
Inexistem quaisquer factos não provados, com relevo para a boa decisão da causa.
Consigna-se que não foi considerada matéria de cariz normativo ou de carácter conclusivo, a que não é lícito atender no âmbito da matéria de facto, e, bem assim, a factualidade desprovida de interesse e relevância para a decisão da causa.

Motivação da matéria de facto
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, previsto no art. 127º do C.P.P., “salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e da livre convicção da entidade competente”.
Ao abrigo deste princípio o juiz, na ponderação da prova, deve pautar-se por regras lógicas e de racionalidade, para que os sujeitos processuais, confrontados com a sua decisão, tenham a possibilidade de adesão ou repúdio, também racional, da valoração feita. A livre apreciação não pode, desta forma, ser entendida com uma operação puramente subjetiva, emocional e, portanto, imotivável.
*
A convicção do Tribunal assentou na análise crítica e ponderada do conjunto da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, analisada à luz das regras da experiência comum e da normalidade da vida, bem como na prova documental junta aos autos, designadamente no auto de notícia de fls. 7 a 10, no talão de fls. 27 e no certificado de verificação de fls. 30.
No que concerne à prova produzida em audiência de julgamento, o Tribunal valorou as declarações do arguido que confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos que lhe são imputados pela acusação pública.
Assim, e para dar como provados os factos nºs 1 a 4, atendeu-se à referida confissão do arguido, que é corroborada pelos demais meios de prova constantes dos autos e supra descritos.
Para dar como provadas as condições sociais e económicas do arguido (cf. Factos provados nºs 5 a 8) o Tribunal teve em conta as suas declarações, porquanto, se mostraram credíveis e não foram contrariadas por qualquer outro meio de prova.
Os factos nºs 9 a 12 foram dados como provados atendendo ao despacho de fls. 47, ao ofício da G.N.R. de fls. 50 a 52, ao despacho de fls. 82, ao comprovativo de pagamento de fls. 85 a 87 e ao despacho de acusação proferido nos autos.
Por último, para dar como provados os antecedentes criminais do arguido, o Tribunal teve em consideração o seu certificado de registo criminal junto aos autos (cf. facto provado nº 13).
(…)

Das consequências jurídicas do crime
a) Da escolha e da medida da pena
Uma vez que foram juridicamente qualificados os factos e operada a sua subsunção ao preceito incriminador, e estando assente que o arguido praticou um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, nº 1 do C.P., cumpre determinar a natureza e medida da pena a aplicar, recorrendo aos critérios e fatores a que aludem os arts. 40º, 70º e 71º todos do C.P.
A determinação da pena comporta três operações distintas: a determinação da moldura abstrata da pena, a escolha da pena (operação eventual) e, por fim, a determinação concreta da pena.
Diga-se que o ponto de partida, desta tarefa, passa pelo art. 40º do C.P.
Estipula o art. 40º, nº 1 do C.P. que «A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», não podendo, em caso algum, a pena ultrapassar a medida da culpa (cf. nº 2, do art. 40º do C.P.).
Tendo por base o art. 40º do C.P. constatamos que as finalidades da pena são: a prevenção geral, que se traduz na proteção de bens jurídicos entendida como tutela da crença e confiança na ordem jurídico penal, em particular na validade da norma jurídica violada, e a prevenção especial, que está relacionada com as necessidades específicas do próprio arguido, de ressocialização e de prevenção de novo cometimento de crimes.
Para a determinação da medida da pena o primeiro passo é encontrar o tipo de pena e a respetiva moldura penal aplicável aos crimes dos autos.
Ao crime de condução de veículo em estado de embriaguez é aplicável uma moldura penal abstrata de prisão até 1 ano ou pena de multa até 120 dias.
Estando definida a moldura penal abstrata aplicável in casu, cumpre proceder à escolha da pena, e, posteriormente, à determinação da medida concreta da mesma.
Sendo o crime em causa, punível com pena de multa ou, em alternativa, com pena de prisão, o Tribunal tem de escolher, entre duas penas alternativas, a pena principal que vai ser aplicada, de acordo com o critério previsto no art. 70º C.P.
Segundo o art. 70º do C.P. «Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».
Resulta deste preceito que a pena de multa é a pena preferida pelo legislador, caso o juiz se convença seriamente que com ela ficam asseguradas as finalidades da punição, isto é, as necessidades de prevenção geral e especial (cf. art. 40.º do C.P.).
Assim sendo, para aplicação do art. 70º do C.P. apenas devem intervir razões preventivas, estando, definitivamente, afastada a possibilidade de considerações atinentes com a culpa.
Pois bem, atendendo aos factos dados como provados, entendemos que é de optar pela aplicação de uma pena de multa. Vejamos porquê.
No que concerne às necessidades de prevenção geral, as mesmas são elevadas, atenta a elevada frequência com que este crime é julgado nos tribunais portugueses, o elevado índice de sinistralidade associada ao consumo de bebidas alcoólicas (a condução sob efeito de álcool aumenta o risco de ocorrência de acidentes de viação graves) e a necessidade de desincentivar de forma eficaz tais condutas, que apresentam uma perigosidade tão elevada para bens jurídicos vitais do ordenadamente jurídico português, como a vida e a integridade física.
Por sua vez, e no que tange às necessidades de prevenção especial, as mesmas são baixas, pois que o arguido se encontra inserido pessoal e profissionalmente na sociedade e confessou de forma livre, integral e sem reservas os factos que lhe são imputados pelo libelo acusatório, o que denota da sua parte uma consciência da antijuridicidade do comportamento por si adotado.
Por outro lado, apesar de constar do certificado de registo criminal do arguido uma condenação pela prática de crime de igual natureza ao que está em causa nos autos, a mesma não pode ser vista como antecedente criminal, uma vez que os factos deste processo foram praticados a 19-05-2019, sendo que nesse momento o arguido ainda não tinha sido solenemente advertido pelo direito, pois a condenação do processo nº 515/20.4GBABF ainda não tinha transitado em julgado.
Deste modo, e tendo por referência que as exigências de prevenção especial sentidas no caso concreto não são prementes, considera o Tribunal que a reprovação pública inerente à aplicação de uma pena de multa, aplicada em processo penal e em audiência solene, satisfaz o sentimento jurídico da comunidade, sendo suficiente para reforçar a validade das normas jurídicas violadas, realizando de modo suficiente e adequado as exigências de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso concreto, optando-se, portanto, pela mesma.
Feita a opção que antecede, e sabendo-se que a moldura penal aplicável ao caso é a de multa de 10 (dez) dias – por aplicação do disposto no art, 47º, nº 1 do C.P. – até 120 dias, cumpre agora determinar a medida concreta da pena, nos termos dos nºs 1 e 2 do art. 47º do C.P., fixando os dias de multa e, depois, o seu quantitativo diário.
Procedendo ao primeiro desses momentos vamos fixar os dias de multa, de acordo com os critérios consagrados no art. 71º, do C.P.
Decorre do art. 71º, nº 1 do C.P. que «A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.».
Por outro lado, o nº 2 do mesmo preceito consagra diversas circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, são de ter em conta para a determinação da medida concreta da pena. Essas circunstâncias são as seguintes: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
Uma vez estabelecida a forma de como se relaciona a culpa e as exigências de prevenção ao nível da determinação da medida da pena, urge considerar as circunstâncias previstas no art. 71º, nº 2, do C.P. suscetíveis de relevar para esses efeitos.
No caso concreto, as necessidades de prevenção geral são altas, conforme se aludiu supra, e cujo os fundamentos damos como reproduzidos.
Por sua vez, e no que diz respeito às necessidades de prevenção especial estas são reduzidas, uma vez que o arguido não tem antecedentes criminais, encontra-se inserido na sociedade e confessou os factos que lhe eram imputados.
Quanto ao grau de ilicitude do facto, diga-se que o mesmo tem um nível de ilicitude baixa, porquanto o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue registada de 1,38 g/l, a que corresponde, pelo menos, após dedução do erro máximo admissível, a uma taxa de 1,311 g/l, ou seja, pouco acima do limite a partir da qual a conduta passa a ser penalmente relevante.
É de valorar ainda que não se apurou/provou que o arguido com a sua conduta provocou quaisquer danos patrimoniais e não patrimoniais a terceiros.
Relativamente ao grau de culpa é de valorar que o arguido atuou com dolo eventual [ou seja com a modalidade mais leve do dolo].
Atende-se ainda, e por fim, como conduta posterior ao facto, que no âmbito da suspensão provisória do processo dos presentes autos [que foi revogada] o arguido procedeu à entrega, no dia 14-06-2019, da sua carta de condução no Posto da G.N.R. de São Bartolomeu de Messines, bem como à entrega em 13/08/2020 da quantia de €350,00 aos Bombeiros Voluntários de S.B. Messines [a título de cumprimento de injunções].
Sopesados todos os mencionados fatores, que depõe contra e favor do arguido, considera-se adequada, proporcional e justa a aplicação de uma pena de 30 (trinta) dias de multa pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, n.º 1 do C.P.
Cumpre agora, e em conformidade com o estabelecido no nº 2, do art. 47º do C.P., determinar o quantitativo diário por cada dia de multa, que pode variar entre €5,00 e €500,00, e que o Tribunal fixa em função da situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.
Importa referir, no que diz respeito à fixação do quantum diário da multa que esta cumpre a sua função no quadro sancionatório, assim sendo, este montante não poderá significar um sacrifício excessivo para o arguido, uma vez que este tem que ficar com um budget salarial para fazer face às despesas quotidianas de alimentação, habitação, entre outros, mas também não poderá fixar-se um montante irrisório ou que não represente qualquer sacrifício para o arguido, sob pena de se estar a desacreditar esta pena.
Tendo por referência as condições económicas do arguido plasmadas nos factos provados, i.e. que aufere a quantia mensal de €850,00 a título de salário, que paga de renda de casa o montante de €300,00 e que entrega a quantia de €100,00 ao seu filho a título de pensão de alimentos, mostra-se justo e adequado a fixação do quantitativo diário próximo do mínimo legal, i.e., em €6,00 (seis euros).
Pelo exposto, o Tribunal condena o arguido (…..) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292º, nº 1 do C.P., na pena de 30 (trinta) dias de multa, à taxa diária de €6,00.
*
b) Da pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor
Requereu ainda o Ministério Público a aplicação ao arguido da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, nos termos e para os efeitos do art. 69º, nº 1, al. a) do C.P., pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
O Código Penal prevê, a par das penas principais, as penas acessórias, não estabelecendo, todavia, um regime específico para a sua determinação. Antes de mais, estas penas acessórias pressupõe a condenação do arguido numa pena principal e são verdadeiras penas criminais e, por isso, estão ligadas à culpa do agente e são justificadas pelas exigências de prevenção.
Assim, a fixação da sua medida obedece aos critérios de determinação concreta da pena principal, nos termos do art. 71º do C.P., por referência, igualmente, ao art. 40º, do mesmo código, ainda que lhe esteja também associada uma finalidade de prevenção da perigosidade.
Conforme se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28-022018, relator: Vasques Osório, disponível em www.dgsi.pt, “São aplicáveis às penas acessórias os critérios legais de determinação das penas principais o que vale dizer que, em princípio, deve ser observada uma certa proporcionalidade entre a medida concreta da pena principal e a medida concreta da pena acessória sem esquecer, todavia, que a finalidade a atingir com esta última é mais restrita, pois visa, essencialmente, prevenir a perigosidade do agente.”.
De acordo com o art. 69º, nº 1, al. a) do C.P. “É condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido: a) Por crimes de homicídio ou de ofensa à integridade física cometidos no exercício da condução de veículo motorizado com violação das regras de trânsito rodoviário e por crimes previstos nos artigos 291º e 292º;”.
Nos termos do art. 69º, nº 2 do C.P. “A proibição produz efeito a partir do trânsito em julgado da decisão e pode abranger a condução de veículos com motor de qualquer categoria.”.
Estamos perante uma pena acessória que se consubstancia numa censura adicional pelo facto praticado pelo agente, procurando-se com a mesma prevenir a perigosidade imanente à norma incriminadora.
Nos presentes autos, verifica-se in totum o circunstancialismo que preside à aplicação da sanção acessória prevista no preceito normativo ora transcrito, uma vez que o arguido foi condenado pela prática de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, nº 1 do C.P..
Urge assim proceder à determinação concreta da medida da pena acessória de proibição de conduzir, a qual é fixada entre três meses a três anos.
In casu, tendo por referência os critérios fixados para a determinação concreta da pena principal aplicada, para os quais se remete, o Tribunal considera como justo e adequado fixar a proibição de condução de veículos terrestres com motor, de todas as categorias, por parte do arguido, pelo período de 3 (três) meses.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1 - Âmbito do Recurso

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, havendo ainda que ponderar as questões de conhecimento oficioso, mormente os vícios enunciados no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, as cominadas como nulidade da sentença, artigo 379º, nº 1 e nº 2, do mesmo Código e as nulidades que não devam considerar-se sanadas, artigos 410º, nº 3 e 119º, nº 1, do mesmo diploma legal, a este propósito cfr. ainda o Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça de 19-10-1995, publicado no D.R. I-A Série, de 28-12-1995 e, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25-06-1998, B.M.J. nº 478, pág. 242 e de 03-02-1999, B.M.J. nº 484, pág. 271 e, bem assim Simas Santos e Leal-Henriques, em “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 7ª edição, pág. 71 a 82).

No caso em apreço, atendendo às conclusões, as questões são as seguintes:

- Impugnação da sentença proferida, por violação do princípio “ne bis in idem” previsto no artigo 28º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, ao não contemplar o desconto do valor pago na pena de multa e da proibição de conduzir cumprida na pena aplicada.
- Impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, por violação do disposto no artigo 74º, do Código Penal relativamente à aplicação da dispensa da pena.

Os vícios do artigo 410º, do Código de Processo Penal são de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei, ou, são anomalias decisórias ao nível da elaboração da sentença, circunscritas à matéria de facto, apreensíveis pela simples leitura do respectivo texto, sem recurso a quaisquer elementos externos a ela, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.
Tais vícios (ou, como também são designados, erros-vícios) não se confundem com errada apreciação e valoração das provas e, são os constantes das alíneas do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, a saber: a) a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada; b) a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão; e c) o erro notório na apreciação da prova, artigo 431º, do Código de Processo Penal, verificação que, como acima se deixou editado, se nos impõe oficiosamente.
Em comum aos três vícios, o vício que inquina a sentença em crise tem que resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugadamente com as regras da experiência comum.
A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (vício a que alude a alínea a), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal e expressamente invocado pelo arguido no seu recurso), ocorrerá, como ensina Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, quando exista “lacuna no apuramento da matéria de facto indispensável para a decisão de direito, isto é, quando se chega à conclusão de que com os factos dados como provados não era possível atingir-se a decisão de direito a que se chegou, havendo assim um hiato nessa matéria que é preciso preencher”.
A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (vício a que alude a alínea b), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal, consiste na “incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão”.
O erro notório na apreciação da prova (vício a que alude a alínea c), do nº 2, do artigo 410º, do Código de Processo Penal), constituiu uma “falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável”.
Ora, do texto da decisão recorrida, como se vê da transcrição supra, a mesma apreciou os factos aportados na acusação e bem assim aqueles que resultaram da discussão da causa em audiência de julgamento.
Investigada que foi a materialidade sob julgamento, não se vê, por isso, que a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a solução de direito atingida, não se vê que se haja deixado de investigar toda a matéria de facto com relevo para a decisão final (que constitui o objecto do processo levado ao mesmo pela acusação ou pela defesa na contestação), como não se vê qualquer inultrapassável incompatibilidade entre os factos provados ou entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão, e de igual modo não se detecta na decisão recorrida, por si e com recurso às regras de experiência, qualquer falha ostensiva na análise da prova ou qualquer juízo ilógico ou arbitrário.
De igual modo, repete-se, do texto de tal decisão não se detecta qualquer violação do favor rei, na medida em que se não verifica, que o tribunal de julgamento tenha tido qualquer dúvida na apreciação da matéria de facto e, a existir haja resolvido essa ou essas dúvidas contra o arguido.
Por outro lado, conceda-se, a decisão recorrida, não deixa de expor, de forma clara e lógica, os motivos que fundamentaram a decisão sobre a matéria de facto, com exame criterioso, das provas que abonaram a decisão, tudo com respeito do disposto no artigo 374º, nº 2, do Código de Processo Penal.
A decisão recorrida está elaborada de forma equilibrada, lógica e fundamentada.
O Tribunal a quo decidiu segundo a sua livre convicção e explicou-a de forma objectiva e motivada e, portanto, capaz de se impor aos outros.

- Da impugnação da sentença proferida, por violação do princípio “ne bis in idem” previsto no artigo 28º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa.
O princípio “ne bis in idem” significa que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime.
Trata-se de um princípio de Direito Constitucional Penal que configura um direito subjetivo fundamental, enunciado no nº 5 do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa (CRP).
Determina o artigo 282º, do Código de Processo Penal: “1 - A suspensão do processo pode ir até dois anos, com excepção do disposto no nº 5. 2 - A prescrição não corre no decurso do prazo de suspensão do processo. 3 - Se o arguido cumprir as injunções e regras de conduta, o Ministério Público arquiva o processo, não podendo ser reaberto. 4 - O processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas: a) Se o arguido não cumprir as injunções e regras de conduta; ou b) Se, durante o prazo de suspensão do processo, o arguido cometer crime da mesma natureza pelo qual venha a ser condenado. 5 - Nos casos previstos nos nºs 6 e 7 do artigo anterior, a duração da suspensão pode ir até cinco anos.”
Alega o arguido “cumpriu as injunções na integra, incluindo a sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 4 meses, tendo tal facto ficado dado como provado na douta sentença recorrida. Diz o artigo 29º, nº 5 da Constituição da República Portuguesa que "Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime”. Não restam dúvidas de que a dupla penalização de que o arguido foi alvo é proibida pela disposição constitucional do artigo 29°, nº 5 da C.R.P.”.
Da sentença recorrida resulta provado que: “No âmbito do inquérito dos presentes autos foi declarada a 24-05-2019 a suspensão provisória do processo, pelo período de 5 (cinco) meses, mediante o cumprimento das seguintes injunções por parte do arguido: a) proceder à entrega da quantia de €350,00 aos Bombeiros Voluntários de SB Messines, de uma só vez ou em três prestações, a título de cumprimento de injunção (não de donativo); b) proceder à entrega na Procuradoria de Silves ou num posto policial da sua carta de condução, no prazo de 10 dias, a contar da notificação do despacho que determinou a S.P.P. para cumprimento da proibição de conduzir pelo período de 4 meses.
O arguido, em cumprimento da injunção referida no ponto antecedente, al. b), no dia 14 de junho de 2019 procedeu à entrega da sua carta de condução no Posto da G.N.R. de São Bartolomeu de Messines.
A 09-07-2020 foi decidido prorrogar o período da suspensão provisória do processo por 4 (quatro) meses, para que o arguido cumprisse a injunção referida no ponto nº 9 sob a al. a), o que veio a ocorrer em 13-08-2020.
Com os fundamentos constantes da decisão com a ref. nº 123773761 foi determinada a revogação da suspensão provisória do processo e proferida a acusação subjacente aos presentes autos.
Do certificado de registo criminal do arguido consta a seguinte condenação:
- No processo nº 515/20.4GBABF, por decisão datada de 25-10-2021 e transitada em julgado em 25-11-2021, foi condenado pela prática em 13-03-2020 de 1 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos arts. 292º, nº 1 e 69º, nº 1, al. a) ambos do C.P., na pena de 95 dias de multa, à razão diária €6,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias”.
Então resulta provado nos autos que o arguido cumpriu as injunções a que estava vinculado, o pagamento da quantia de €350,00 aos Bombeiros Voluntários de SB Messines, em 13-08-2020, data em que se verificaram os pressupostos necessários à extinção da suspensão provisória do processo, contudo, veio a constar dos autos que no decurso da suspensão provisória do processo, que em 13-03-2020, o arguido veio a praticar um outro crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292º, nº 1 e 69º, nº 1, do Código Penal, pelo qual veio a ser condenado em pena de multa e na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor.
Verificando-se que ocorreu no prazo da suspensão provisória, a prática pelo arguido de um crime de natureza igual à dos presentes autos onde havia sido decretada a suspensão provisória, o que determinou a imediata revogação da mesma e a dedução de acusação pelo Ministério Público contra o arguido, artigo 282º, nº 4, alínea b), do Código de Processo Penal.
Atento que a decisão de suspensão provisória não resulta da realização de qualquer julgamento, mas apenas de uma decisão do Ministério Público, verificados que estejam determinados pressupostos, decisão aceite pelo arguido e com a concordância do juiz de instrução, artigo 281º, nº 1, do Código de Processo Penal.
Nestes termos resulta evidente que o arguido não foi julgado duas vezes pelos mesmos factos, nos termos do disposto no artigo 29º, nº 5, da Constituição da República Portuguesa, não se verificando qualquer violação do princípio do “ne bis in idem”, apenas lhe foi dada uma oportunidade de não ser sujeito a julgamento, oportunidade esta que não foi aproveitada e determinou, sim, a sujeição do arguido a julgamento, nos termos legais.
Por tudo o exposto improcede nesta parte o recurso interposto.

- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, ao não contemplar o desconto do valor pago na pena de multa e da proibição de conduzir cumprida na pena aplicada.
Resulta literalmente do disposto no artigo 282º, nº 4, do Código de Processo Penal, que se o arguido não cumprir as regras de conduta, o processo prossegue e as prestações feitas não podem ser repetidas.
Do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça nº 4/2017, de 16 de junho, resulta expressamente:
«Tendo sido acordada a suspensão provisória do processo, nos termos do art. 281º do Código de Processo Penal, com a injunção da proibição da condução de veículo automóvel, prevista no nº 3 do preceito, caso aquela suspensão termine, prosseguindo o processo, ao abrigo do nº 4, do art. 282º, do mesmo Código, o tempo em que o arguido esteve privado da carta de condução não deve ser descontado, no tempo da pena acessória de inibição da faculdade de conduzir, aplicada na sentença condenatória que venha a ter lugar.»
Assim, resulta inequívoco que em caso aplicação do instituto de suspensão provisória do processo, venha a ocorrer a revogação da mesma suspensão todas as prestações efectuadas no âmbito da mesma suspensão, quer sejam as injunções entretanto cumpridas ou o período de proibição de conduzir cumprido, não deverão ser descontados na sentença condenatória que venha a ser aplicada.
Pelo exposto e sem necessidade de outros considerandos por redundantes e inúteis, improcede também nesta parte o recurso interposto.

- Da impugnação da sentença proferida, por erro de julgamento da matéria de direito, por violação do disposto no artigo 74º, do Código Penal relativamente à aplicação da dispensa da pena.
Resulta do disposto no artigo 74º, do Código Penal, quanto à dispensa da pena, que:
“1 - Quando o crime for punível com pena de prisão não superior a 6 meses, ou só com multa não superior a 120 dias, pode o tribunal declarar o arguido culpado mas não aplicar qualquer pena se:
a) A ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas;
b) O dano tiver sido reparado; e
c) À dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção.
2 - Se o juiz tiver razões para crer que a reparação do dano está em vias de se verificar, pode adiar a sentença para reapreciação do caso dentro de 1 ano, em dia que logo marcará.
3 - Quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do nº 1”.
A dispensa de pena é prevista pois para os autores de determinados crimes doutrinariamente denominados bagatelas penais.
Mesmo nos casos avulsamente previstos no Código Penal, está sujeita ao regime geral do artigo 74º do mesmo diploma, como expressamente resulta do respectivo nº 3, que dispõe que “quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do nº 1”, ou seja, se a ilicitude do facto e a culpa do agente forem diminutas, se o dano tiver sido reparado e se à dispensa de pena se não opuserem razões de prevenção.
No presente caso não estão verificadas estas condições, nomeadamente por se tratar da prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido no artigo 292º, do Código Penal, obviamente que pela sinistralidade existente resultante da condução sob a influência do álcool, com inúmeras vítimas mortais ou, com graves e permanentes danos físicos, é manifesto e irrefutável, que se trata de um tipo legal de crime, que não admite a dispensa da pena, prevista no artigo 74º, do Código Penal, porque à mesma se opõem evidentes e gritantes razões de prevenção geral.
Improcedendo nestas circunstâncias, pois o recurso interposto pelo arguido (……).

Em face de tudo o que se deixa exposto, improcede, pois, na sua globalidade, o recurso interposto pelo arguido (…..).

Em vista do decaimento total no recurso interposto pelo arguido (…..), ao abrigo do disposto nos artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1, do Código de Processo Penal, 8º, nº 5, com referência à Tabela III anexa, do Regulamento das Custas Processuais, impõe-se a condenação do recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

III - DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em:
- Julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido (…..), confirmando-se, pois, a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4UC, sem prejuízo do eventual benefício de apoio judiciário de que goze.

Certifica-se, para os efeitos do disposto no artigo 94º, nº 2, do Código do Processo Penal, que o presente Acórdão foi pelo relator elaborado em processador de texto informático, tendo sido integralmente revisto pelos signatários.

Évora, 23-01-2024
Fernando Paiva Gomes M. Pina

João Gomes de Sousa

Ana Bacelar Cruz