Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
273/09.3GELSB.E1
Relator:
JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: ALCOOLÍMETROS
MODELOS
APROVAÇÃO
UTILIZAÇÃO DE MODELO NÃO APROVADO
Data do Acordão: 11/18/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
1 - “Alcoteste 7110 MK III” e “Alcoteste 7110 MK III-P” são aparelhos diversos na medida em que houve “alterações complementares do alcoolímetro” (o MK III-P). Daqui se pode deduzir que existiram dois aparelhos daquela marca, ambos homologados pelo IPQ, o primeiro em 1996, o segundo em 1998. O primeiro, o MK III, veio a ser aprovado para uso pela DGV em 1998 - despacho de 06-08-1998. O segundo aparelho, o aparelho Drager Alcoteste 7110 MK III-P não consta como aprovado pela DGV nos despachos de 2003 e 2007.

Portanto a DGV nunca aprovou o modelo com alterações (o MK III-P).

2. Tal aparelho – o MK III-P – veio de novo a ser homologado pelo IPQ pelo despacho nº 11.307 (modelo nº 211.06.07.3.06), publicado no DR nº 109, 2ª série, de 6 de Junho de 2007. E viria a ser aprovado pela Autoridade de Segurança Rodoviária pelo Despacho nº 19.684/2009, de 25 Junho de 2009, mas apenas publicado em 27 de Agosto de 2009 (DR nº 166, 2ª Série, de 27-08-2009).
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes que compõem a 2º Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:


A - Relatório

No Tribunal Judicial da Comarca de Loulé correu termos o processo abreviado supra numerado no qual o arguido AJBM, filho de e de , natural da freguesia de São Sebastião da Pedreira, concelho de Lisboa, foi condenado, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido, pelo artigo 292.°, n.o 1, do Código Penal, na pena de 110 (cento e dez) dias de multa à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz um total de € 1.100,00 (mil e cem euros); bem como condenado na sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, prevista no artigo 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, por um período de 5 (cinco) meses; devendo o arguido, no prazo de dez dias após trânsito da sentença, entregar a licença ou carta de condução neste tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de incorrer em crime de desobediência;
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A final recorreu o arguido da sentença proferida, concluindo a motivação do recurso com as seguintes conclusões:

A. O recorrente foi condenado numa pena de 110 dias multa, à razão diária de 10€, perfazendo um total de 1100€ e ainda na pena acessória de inibição de conduzir pelo período de 5 meses, porquanto deu a MMa Juiz como provados o facto de que conduzia o automóvel, identificado nos autos, com uma TAS de 2,25 g/I, no dia 26 de Agosto de 2009, na via pública.

B. Muito embora, a MMa Juiz dê como provado que o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, tendo perfeito conhecimento de que as bebidas alcoólicas ingeridas levá-lo-iam a apresentar uma taxa de alcoolemia acima de 1, 2 g/l e aceitando este resultado, sabendo que cometia um crime, lida e relida a sentença conclui-se que não subsumiu o elemento subjectivo do crime a nenhum dos tipos previstos no art.v 14° e 15° do Código Penal, ou seja in fine desconhecemos se o arguido foi condenado por conduta negligente ou dolosa.

C. Consequentemente, a sentença aqui em crise enferma da nulidade prevista no art. 379°, nº 1 alínea a) do C. P. Penal por violação o art. 374º n.O 2 , que desde já se invoca, porquanto a fundamentação de direito, no que à culpa concerne, é omissa.
D. Levantada em sede de audiência a questão do valor probatório do alcoolímetro veio a MMa Juiz, na sentença ora recorrida, alegar que o alcoolímetro usado na detecção da TAS se encontrava aprovado nos termos legais e regulamentares logo o seu valor probatório era inquestionável.
E. Todavia, não identifica integralmente o alcoolímetro usado na detecção da TAS, limitando-se a referir que é da marca Drager modelo 7110 MK III P, bem como confunde os modelos aprovados em 1996, 1998 e 2007, pelo IPQ e respectivas autorizações de uso.
F. O alcoolímetro, embora com a mesma denominação - marca Drager, modelo Alcoltest 7110 MK III P - aprovado pelo IPQ pelo despacho 211.06.96.3.30, de 25 de Setembro de 1996, nunca foi aprovado para uso pela entidade competente, que ao tempo era a Direcção Geral de Viação, tendo sido apenas aprovada por esta autoridade administrativa o modelo complementar aprovado pelo despacho do IPQ n.o 211.06.97.3.50, de 23 de Dezembro de 1997.
G. Em 6 de Junho de 2007 é aprovado pelo IPQ - pelo Despacho n.o 11037/2007 - o alcoolímetro Drager Aloltest MK III P, cujas características metrológicas nada têm a ver quer com o aprovado em 1996, quer com o modelo complementar aprovado em 1997. Assim,
H. e assente que estão as diferenças (cfr. despachos de aprovação de modelo) entre estes três alcoolímetros conclui-se que só um deles foi utilizado porquanto não são um só, como alega a MMa Juiz.
L Por conseguinte a identificação do alcoolímetro em sede de sentença, é insuficiente dado que a sua identificação só estará completa com a indicação da marca, modelo, nº de série, data da última verificação metrológica e despacho de aprovação do IPQ e de autorização da DGV ou ANSR, consoante o despacho de aprovação de modelo pelo IPQ, dando lugar a uma irregularidade que deve ser reparada oficiosamente.
Face ao exposto, e sempre com o mui douto suprimento de V. Exa. requer-se a este douto Tribunal se digne declarar a nulidade da sentença com fundamento no disposto no art. 379º, n.O 1 alínea a), por violação do estatuído no n.o 2 do art. 374º, ambos do C. P. Penal, bem como a irregularidade por não identificação do alcoolímetro usado na detecção da TAS ao arguido, e cuja prova é a base da condenação deste, e assim conceder provimento ao presente recurso revogando a sentença ora recorrida, com as legais consequências.
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O Digno Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de Loulé respondeu às alegações do recorrente, apresentando as seguintes conclusões:

1-A douta sentença impugnada sustenta-se nas provas produzidas e analisadas em audiência de julgamento conjugadas com as regras da experiência e a livre convicção do julgador, art.127°, do Código de Processo Penal.
2-O aparelho "Drager", modelo "Alcotest 7110 MKIII P", no qual o arguido foi submetido à pesquisa de álcool no sangue está devidamente identificado na douta sentença e foi aprovado e autorizado, tendo sido objecto de verificação periódica, não podendo o Tribunal "a quo" deixar de considerar o resultado.
3- A quantidade de álcool ingerida e detectada ao arguido diminuía seguramente os seus reflexos e a sua capacidade de conduzir.
4- O Tribunal" a quo" fez um exame crítico das provas, tendo explicado o caminho lógico e funcional que o levou a formar a sua convicção e a valorar umas provas em detrimento de outras, condenando o arguido.
5- Não foi violado pela douta sentença qualquer preceito ou princípio da CRP, Legislação Penal ou da Legislação Estradal.
6- Foram respeitados pelo Tribunal "a quo" a finalidade, os critérios de escolha e de determinação da medida da pena, contidos nos arts.40º, 70° e 71°, do Código Penal.
7 -As penas principal e acessória em que o arguido foi condenado mostram-se adequadas à culpa do agente e próximas dos mínimos legais, não se tendo esquecido o intuito ressocializador das penas.
8-Assim, por que não enferma de nenhum vício ou nulidade dever-se-á manter na íntegra a douta sentença.
Negando provimento ao recurso.

O Exmº Procurador-geral Adjunto neste tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso.
Foi cumprido o disposto no artigo 417 n.º 2 do Código de Processo Penal e colhidos os vistos legais.
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B - Fundamentação
B.1 - Resultaram provados os seguintes factos:
1 - No dia 26 de Agosto de 2009, pelas 05hllm, na Estrada Nacional 125, em Almancil, área desta comarca de Loulé, o arguido, quando conduzia o veículo automóvel ligeiro de matrícula ---, foi fiscalizado por elementos da GNR.
2 - O arguido foi então submetido a exame quantitativo para detecção de alcoolemia, através do aparelho Drager 7110 MK III P, e apresentou uma TAS registada de 2,25 g/l.
3 - O arguido havia ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe determinou a referida TAS e, não obstante, não se inibiu de conduzir naquelas circunstâncias, querendo fazê-lo.
4 - Agiu livre, deliberada e conscientemente.
5 - O arguido não tem antecedentes criminais.
6 - Exerce a actividade profissional de Delegado de Informação Médica, pela qual aufere o vencimento bruto de € 1.909,00 mensais.
7 - Reside com uma companheira que é Técnica de Psicologia e aufere € 450,00 mensais.
8 - Paga € 600,00 de renda de casa e € 410,00 de prestação do automóvel.
9 - É licenciado em Comunicação Empresarial.
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Não existem factos a considerar como não provados. Designadamente, não se provou que foi negada ao arguido a possibilidade de realizar contra-prova.
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E adiantou, o tribunal recorrido, os seguintes considerandos como motivação factual:
O tribunal fundou a sua convicção na conjugação crítica das declarações prestadas pelo arguido com o depoimento das testemunhas inquiridas, documentos constantes dos autos e regras da experiência e da lógica comuns.
O arguido admitiu ter ingerido bebidas alcoólicas antes de iniciar a condução, mas desconhecer que fosse portador de uma taxa com relevância criminal. Afirmou que não realizou exame de contra-prova porque os militares que o fiscalizaram sugeriram que não o fizesse. Tais declarações não se afiguram credíveis pela forma tensa e pouco espontânea como foram prestadas, mas também por terem sido infirmadas pelo depoimento do militar da Guarda Nacional Republicana que procedeu à fiscalização do arguido. Efectivamente, a testemunha Mauro Fonseca, militar da Guarda Nacional Republicana que procedeu à fiscalização e autuação do arguido, afirmando recordar-se da compleição física do arguido, que o mesmo cambaleava, que cheirava a álcool e que não se recorda de ter sugerido a algum condutor fiscalizado que não realizasse a contraprova. Depôs com conhecimento directo dos factos em discussão, de forma espontânea, pormenorizada, rigorosa, segura e, por conseguinte, credível.
Relativamente às condições pessoais do arguido, fundou o tribunal a sua convicção tendo por base, igualmente, as declarações do mesmo a tal respeito, as quais não foram infirmadas por qualquer outro elemento probatório constante dos autos.
Mais relevaram para a formação da convicção do tribunal os documentos constantes dos autos, designadamente o auto de notícia, o talão extraído do alcoolímetro Drager e o certificado de registo criminal do arguido.
Suscitou o arguido, na pessoa da sua mandatária, em sede de alegações, a questão do valor probatório do resultado do alcoolímetro Drager, concluindo que o mesmo não poderá ser considerado como meio de prova válido.
Dando aqui por integralmente reproduzidas as considerações expendidas pelo Ministério Público na resposta ao recurso interposto da sentença proferida no âmbito no processo sumário n." 451/06.7 GTLRA, do 3.° Juízo do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha (transcritas no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa datado de 20-06-2007, in www.dgsi.pt).por a elas se aderir integralmente, diga-se que o crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigo 292.°, nº 1, do Código Penal, implica no seu tipo objectivo a existência de um grau de alcoolemia igual ou superior a 1,2 g/l, sendo que o exame de pesquisa do álcool é realizado por agente de autoridade mediante material aprovado para essa finalidade.
Os analisadores quantitativos de álcool no ar expirado obedecem a características técnicas, metrológicas e físicas legalmente fixadas, devendo a sua marca e modelo serem aprovados pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos mencionados no Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
Actualmente, é certo, a Lei nº 18/2007, de 17 de Maio, determina, no seu artigo 14.°, que:
"1 - Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária.
2 - A aprovação a que se refere o número anterior é precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros.
3 - Os analisadores qualitativos. bem como os modelos dos equipamentos a utilizar nos testes rápidos de urina, saliva e suor a efectuar pelas entidades fiscalizadoras, são aprovados por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. "
O instrumento de medição que realizou a medição da concentração de álcool ao arguido denomina-se Drager, modelo 7110 MK III P, tendo este sido aprovado pelo Instituto Português da Qualidade em 24 de Abril de 2007 - cfr. Despacho nº 11037/2007 do Instituto Português da Qualidade, IP, publicado no Diário da República nº 109, 2.a Série, de 6 de Junho de 2007, sendo que a aprovação deste modelo é válida pelo período de 10 anos (artigos 5.0 e 6.0, nº 3, do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros aprovado pela Portaria n.? 1556/2007, de 10 de Dezembro).
Verifica-se, assim, que, não tendo ainda decorrido o aludido prazo de 10 anos não poderá ser questionada a validade do modelo de aprovação do alcoolímetro em causa, tanto mais quanto o mesmo foi aprovado pela entidade com competência para o efeito.
Importa, nesta matéria, distinguir entre a autorização do modelo e a autorização para utilização. Aquela primeira compete ao IPQ e a segunda competia à Direcção-Geral de Viação - cfr, artigo 5.0, n." 5, do Decreto-Lei n. 44/2005, de 23 de Fevereiro - e, actualmente, ao Presidente da Autoridade Nacional da Segurança Rodoviária (cfr. artigo 14.°, n. 1, da citada Lei nº 18/2007).
Ora, o alcoolímetro utilizado nos presentes autos foi aprovado inicialmente por Despacho do IPQ nº 211.06.96.3.30, publicado no Diário da República, 3.a Série, de 25 de Setembro de 1996. Posteriormente, novas aprovações incidiram sobre o mesmo modelo, designadamente através dos Despachos nº 211.06.97.3.50 publicado no Diário da República, 3.a Série, nº 54, de 5 de Março de 1998 - meramente complementar (cuja declaração de rectificação datada de 17 de Março de 1998, publicada no Diário da República, 3.a Série, datado de 21-05-1998, nos conduz à conclusão de não existirem diferenças entre a designação "Alcotest MK III" e "Alcotest MK III P", aí se dizendo que onde se lê "Alcotest MK III" deve ler-se "Alcotest MK III P") -, e nº 11037/2007, publicado no Diário da República, 3.a Série, n." 109, datado de 6 de Junho de 2007.
No que tange à autorização de utilização, a mesma foi validamente prestada pela entidade então competente para o efeito, a saber, a Direcção-Geral de Viação, tendo aquela aprovação de utilização do modelo devidamente aprovado pelo IPQ sido datada de 6-8-1998, conforme publicitação efectuada mais recentemente pelo Despacho nº 12594/2007, publicado no Diário da República, 2.a Série, nº 118, datado de 21 de Junho de 2007.
Apenas quanto a novos modelos que venham entretanto a ser aprovados pelo IPQ se justifica a subsequente aprovação de utilização pelo Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e não quanto àqueles que se encontram devidamente aprovados (modelo e respectiva utilização) em conformidade com a legislação vigente à data das mencionadas aprovações.
Efectivamente, importa ainda atentar em que o Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros aprovado pela Portaria nº 1556/2007, de 10 de Dezembro, a qual procedeu à revogação da Portaria nº 748/94, de 3 de Outubro, entrou em vigor no dia 11 de Dezembro de 2007 e, em sede de disposições transitórias constante do aludido Regulamento (artigo 11º), salvaguarda-se a utilização dos alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior.
A tal conclusão não obsta, aliás, a recente aprovação da utilização do alcoolímetro Drager, modelo Alcotest 71/ O MKIIIP, por Despacho do Presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (n. ° 19684/2009), datado de 25 de Junho de 2009 e publicado na II Série do Diário da República n." 166, de 27 de Agosto de 2009, p. 34825”.
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Cumpre conhecer.
B.2 - A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412º do Código de Processo Penal), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.
Mas não está o tribunal de recurso impedido de conhecer dos vícios referidos no art. 410º, nº 2 do Código de Processo Penal, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.
O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – nº 3 do referido preceito.
O presente recurso está fundado na inconformidade do recorrente quanto aos seguintes pontos:
- o dolo ou a negligência;
- o valor probatório do alcoolímetro.
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B.3 – Afirma o recorrente que sentença é omissa quanto à culpa do arguido, desconhecendo este se foi condenado a título negligente ou a título doloso.
O que se não percebe, pois que a sentença é clara na prova do facto doloso (facto provado 4 (“Agiu livre, deliberada e conscientemente)” e, em sede direito, designadamente na subsunção dos factos ao tipo penal, também se é claro na afirmação de existência de dolo directo, designadamente na passagem - a fls. 8 da decisão recorrida - “No caso concreto o arguido, de forma livre, deliberada e consciente, conduziu um veículo automóvel na via pública, sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas e que apresentaria uma taxa de alcoolemia no sangue superior a 1,2 g/l caso fosse submetido a exame, sabendo que tal era proibido por lei, confirmando-se através do teste realizado que este era detentor de uma T.A.S. registada de 2,25 g/l no momento em que conduzia o referido veículo na via pública”.
Improcede, pois, a alegação do recorrente.
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B.4 – O segundo ponto de inconformidade do recorrente assenta numa formulação simples: a afirmação de que o aparelho utilizado pode ser um de três, o que revela insuficiência da matéria de facto por falta de identificação do aparelho e subsequente homologação e aprovação.
Por seu turno, o tribunal recorrido, em toda a sua fundamentação de facto, pressupõe a existência de um único aparelho, sempre homologado pelo IPQ e aprovado pela DGV e, agora, pela ANSR.
Aparentemente tudo passaria por saber se há, de facto, três aparelhos possíveis em presença ou se há apenas um homologado e aprovado.
Parece-nos que a questão deve ser formulada de forma diversa: provou-se – sem sombra para dúvidas – que o arguido foi fiscalizado por um aparelho Drager, Alcoteste, MK III-P.
Resta saber se tal aparelho foi homologado e aprovado.
De facto, a Lei nº 18/2007, de 17 de Maio - no seu artigo 1º - aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas que impõe clara exigência no uso de alcoolímetros.
O artigo 14º, nsº 1 e 2 do dito regulamento estipula que, “nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária” e que tal aprovação é “precedida de homologação de modelo, a efectuar pelo Instituto Português da Qualidade, nos termos do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros”.
Assim, para o uso de alcoolímetro exige-se: a homologação pelo IPQ; a aprovação de uso pela DGV ou ANSR.
A Direcção Geral de Viação aprovou, por despacho de 06-08-1998, a utilização do aparelho Drager MK III após a homologação levada a cabo pelo IPQ por despacho nº 211.06.96.3.30, Diário da República de 25 de Setembro de 1996 – vide as listas de alcoolímetros aprovados pela DGV pelos despachos nº 8.036/2003 (DR, 2º série, de 28-04-2003) e 12.594/2007 (DR, 2º série, de 21-06-2007).
Veio a ocorrer uma aprovação às alterações complementares do alcoolímetro Drager, Alcoteste 7110 MK III – despacho de aprovação complementar nº 211.06.97.3.50 – publicado no DR, 3ª série, de 05-03-1998, pag. 4769.
Este despacho veio a ser rectificado pela rectificação publicada no DR, 3ª série, de 21-05-1998, nos seguintes termos: “No despacho de aprovação do modelo nº 211.06.97.3.50 publicado no DR, 3ª série, nº 54 de 05-03-1998, na 5ª linha, rectifica-se que onde se lê “Alcoteste 7110 MK III” deve ler-se “Alcoteste 7110 MK III-P”.
Ora, se havia “alterações complementares do alcoolímetro” (o MK III-P) não se vê como se pode falar de um único aparelho. São dois, sendo o segundo, o MK III-P, o alterado.
Daqui se pode deduzir que existiram dois aparelhos daquela marca, ambos homologados pelo IPQ, o primeiro em 1996, o segundo em 1998.
O primeiro, o MK III, veio a ser aprovado para uso pela DGV em 1998 - despacho de 06-08-1998.
Mas, de facto, o segundo aparelho, o aparelho Drager Alcoteste 7110 MK III-P não consta como aprovado pela DGV nos despachos de 2003 e 2007. Aliás, ambos os despachos remetem a aprovação para a homologação do IPQ efectuada pelo Despacho nº 211.06.96.3.30, ou seja, o aparelho sem as alterações complementares, isto é, o MK III.
Portanto a DGV nunca aprovou o modelo com alterações (o MK III-P).
Tal aparelho – o MK III-P – veio de novo a ser homologado pelo IPQ pelo despacho nº 11.307 (modelo nº 211.06.07.3.06), publicado no DR nº 109, 2ª série, de 6 de Junho de 2007.
E viria a ser aprovado pela Autoridade de Segurança Rodoviária pelo Despacho nº 19.684/2009, de 25 Junho de 2009, mas apenas publicado em 27 de Agosto de 2009 (DR nº 166, 2ª Série, de 27-08-2009), ou seja, um dia depois de o arguido ter sido fiscalizado.
De facto, o arguido foi controlado pelo aparelho Drager Alcoteste 7110 MK III-P, em 26 de Agosto de 2009.
É, pois, procedente o recurso, na medida em que incumprido o disposto no artigo 14º, nsº 1 e 2 do Regulamento de Fiscalização da Condução sob Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas, 6º, nº 3 do Regulamento do Controlo Metrológico dos Alcoolímetros - aprovado pela Portaria nº n.º 1556/2007 de 10 de Dezembro.
Tratando-se de prova legal vinculada à existência de homologação e aprovação, inexistindo esta, o valor probatório do alcoolímetro é nulo e, sendo esse o único elemento de prova que conduziu à prova dos factos, haverá que deles absolver o arguido.
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C - Dispositivo
Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em declarar procedente o recurso interposto e, em consequência, absolvem o arguido.

Sem custas.
(elaborado e revisto pelo relator antes de assinado).
Évora, 18 de Novembro de 2010


João Gomes de Sousa

António Alves Duarte