Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
203/13.8T3ODM. E1
Relator: ANTÓNIO JOÃO LATAS
Descritores: AUDIOGEST
REQUERIMENTO PARA ABERTURA DA INSTRUÇÃO
ISENÇÃO DE CUSTAS
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário:
I - Apesar das dúvidas suscitadas pela amplitude da al. f) do n. º1 do art. 4. º do RCP, face à diversidade de atividades que podem ser exercidas pelas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos e à relevância que a prossecução de um interesse de ordem pública continua a assumir na seleção legislativa das pessoas e entidades beneficiárias de isenção de custas, as Entidades de Gestão Coletiva de Direitos dos Produtores Fonográficos não deixam de beneficiar de isenção de custas para requerer a abertura da Instrução pelo crime de Usurpação p. e p. pelo art. 195.º do CDADC, nos termos daquele mesmo preceito do RCP. [[1]]
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório

1. Nos presentes autos de Inquérito que correram termos nos serviços do MP junto da Secção de Competência Genérica (J2) da Instância Local de Odemira da Comarca de Beja, Audiogest – Associação para a Gestão e Distribuição de direitos”, que se constituíra Assistente, requereu a abertura de instrução contra o arguido P. na sequência de despacho de arquivamento do MP, que considerou não existirem indícios suficientes da prática do crime de Usurpação previsto e p. pelo art. 195º nº 1 do Código de Direitos de Autor e Direitos Conexos (CDADC), ou qualquer outro, por parte do arguido.

2. Na sequência daquele requerimento a senhora juíza a quo ordenou a notificação da assistente para proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pelo pedido de abertura da Instrução, no montante de 1 UC, por entender não estar aquela Associação isenta de custas nos termos do art. 4º nº1 f) do RCP, com os fundamentos invocados no despacho de fls 222-3, que é do seguinte teor:

«CONCLUSÃO - 09-06-2016
(Termo eletrónico elaborado por Escrivão de Direito….)
=CLS=
*
Fls. 208-217:
Notificados do despacho de arquivamento constante de fls. 201-202, veio a Assistente, "Audiogest - Associação para a Gestão e Distribuição de direitos", a fls. 208 ss, requerer a abertura de instrução, contra o arguido P.

Tal mostra-se legalmente admissível, foi requerida por quem tem legitimidade e está em tempo - artigo 287.°, n.º 1 aI. b), n.º 2 e n.º 3, do CPP.

Todavia, nos termos do artigo 8º n.º 2, do RCP, o assistente aquando do requerimento de abertura de instrução deverá comprovar a autoliquidação da taxa de justiça pelo montante de 1 UC, que poderá ser corrigida a final.

Ora não procedeu a assistente à autoliquidação da taxa de justiça devida, alegando para tal beneficiar de isenção de custas ao abrigo da al. f) do art. 4.° do RCP (cfr. fls. 208).

Decidindo.
Prevê o art. 8.° do RCP que com o requerimento de constituição de assistente proceda o requerente à apresentação do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida logo autoliquidada pelo valor de 1 UC.

Dispõe o art.º 4.° n.º 1 al. f), do RCP que « 1 - Estão isentos de custas:... f) As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável;».

Sobre se o aqui requerente está ou não isento do pagamento da taxa de justiça inicial devida passamos a transcrever as reflexões exaradas no "Guia Prático de Custas Processuais", 3ª edição, de abril de 2015, do Centro de Estudos Judiciários, págs. 49-50:

"Face à letra da lei, é defensável considerar que estão também abrangidas pela isenção subjectiva prevista na alínea f) em apreço as associações de utilidade pública legalmente constituídas e registadas como Entidades de Gestão Coletiva de Direitos dos Produtores Fonográficos.

Tais associações estão mandatadas para representar os produtores fonográficos em matérias relacionadas com a cobrança de direitos, bem como para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes.

Para o efeito, cumpre-lhes intentar ações - cuja causa de pedir versa sobre direito de autor e direitos conexos - que correm termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, nos termos do artigo 89.º- A, n.º 1, al. a), da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro (LOFTJ), aditado pelo artigo 2.º da Lei n.º 46/2011, de 24 de junho, ou do artigo 122.º, n.º 1, ai. a), da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto (NLOFTJ), na redacção introduzida pelo artigo 4.º da referida Lei n.º 46/2011 (preceitos que serão substituídos pelo artigo 111.º, n.º 1, al. a), da Lei n.º 62/2013, de 26-08 (LOSJ). Assim, no âmbito das ações relativas a direitos de autor e direitos conexos intentadas pelas referidas associações e que correm termos no Tribunal da Propriedade Intelectual, estas associações beneficiam de isenção subjetiva de custas. No entanto, é discutível se estaria no espírito do legislador que o preceito em causa pudesse abarcar estas associações, quando a sua atuação visa a defesa de direitos patrimoniais destinados a garantir aos seus associados a exploração económica das obras."

Ora, perfilhamos a posição de que, nos presentes autos, por estar em causa precisamente a defesa de direitos patrimoniais destinados a garantir aos seus associados a exploração económica das obras, se mostra arredada a isenção subjectiva prevista no art. 4.° n. 1 al. f) do RCP, devendo ao invés o ora requerente demonstrar o pagamento da taxa de justiça inicial no montante autoliquidado de 1 UC, nos termos do art. 8.° do RCP.

Pelo exposto, determino se notifique o Assistente para proceder à autoliquidação a taxa de justiça devida no montante de 1 UC, juntando aos autos o respectivo comprovativo.

Notifique. dn
*
Odemira, ds »
*
3. A assistente não procedeu à autoliquidação da taxa de justiça, como determinado, pelo que o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho:

«CONCLUSÃO - 07-07-2016
(Termo eletrónico elaborado por Escrivão Adjunto ….)
=CLS=
*
Fls. 222-223 e 224:
Notificados do despacho de arquivamento constante de fls. 201-202, veio a Assistente “Audiogest – Associação para a Gestão e Distribuição de direitos” a fls. 208 ss, requerer a abertura de instrução, contra o arguido P.

Todavia, não procedeu à autoliquidação da taxa de justiça pelo montante de 1 UC, pelo que foi notificado o Assistente para proceder à autoliquidação a taxa de justiça devida no montante de 1 UC, juntando aos autos o respectivo comprovativo.
Sucede que nada disse ou juntou.

Pelo exposto, não tendo procedido à autoliquidação a taxa de justiça devida nos termos fixados a fls. 222-223 (ref.ª 27939777), indefiro à requerida abertura de instrução.
Notifique.
Após trânsito devolva ao MºPº.
Dn
*
Odemira, ds

4. – É deste despacho que a assistente vem recorrer, extraindo da sua motivação as seguintes

«CONCLUSÕES:
1.O presente recurso foi interposto pela Assistente Audiogest – Associação Para a Gestão e Distribuição de Direitos, ora Apelante, da douta decisão, proferida a 07.07.2016 (Refª. 28052750), que não admitiu a abertura de instrução requerida em virtude do facto daquela não ter liquidado taxa de justiça.

2.O recurso merece – com o devido respeito – inteiro provimento, pois que a decisão do Mmo. a quo, não foi, na perspetiva da mesma, e com o devido respeito, a mais acertada.

3.Desde logo, porque a decisão do Mmo. Juiz a quo, contida na douta decisão recorrida, teve (na ótica da Apelante) por base uma errada interpretação e aplicação dos preceitos legais aplicáveis em face dos factos alegados, bem como, dos documentos juntos aos autos.

4.Pois, contrariamente ao que é sustentado na douta decisão recorrida resultaram verificados e comprovados, nos autos a quo, os requisitos específicos que permitiam a aplicação à ora Apelante, do disposto no artigo 4º.1 f) do Decreto-Lei 34/2008, de 26 de Fevereiro que implicam, necessariamente, o reconhecimento da sua isenção no pagamento de custas processuais.

5.Ora, o Decreto-Lei 34/2008 de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Judiciais, tendo entrado em vigor no passado dia 20 de Abril de 2009, aplica-se, salvo as exceções previstas no mesmo, aos processos iniciados após tal data.

6.Sendo que, o artigo 4º.1 f) do referido diploma legal, sob a epígrafe “Isenções” prescreve que estão isentos de custas “as pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

7.Pois bem, em 25 de Março de 2014, a ora Apelante deu entrada, nos autos a quo, de requerimento no qual requereu a sua constituição como assistente, bem como, requerimento no qual prestou esclarecimentos junto do Digníssimo Procurador – Adjunto sobre a sua intervenção nos autos, tendo para o efeito referido que se tratava de uma pessoa coletiva privada, associação de utilidade pública, sem fins lucrativos, entidade de gestão de direitos de autor e conexos, que atua exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto.

8.Sendo que, no intuito de comprovar o alegado, juntou aos autos cópia do mesmo do qual consta a constituição da ora Apelante enquanto pessoa coletiva privada, entidade de gestão coletiva, sem fins lucrativos, constituída com o propósito de representar os produtores fonográficos/videográficos no exercício dos respetivos direitos, competindo-lhe, nomeadamente, promover o licenciamento e “a cobrança de direitos”, assim como, a gestão, incluindo a negociação e publicação de tarifários, e a distribuição dos direitos conexos daqueles produtores fonográficos, sejam eles nacionais ou estrangeiros, sedeados ou não no território português.

9.Acresce que, para além da autorização, cobrança, gestão e distribuição de direitos autorais e conexos pelas várias formas de utilização de vídeos musicais e fonogramas editados comercialmente, compete à ora Apelante, promover e apoiar o combate à contrafação e usurpação de fonogramas/videogramas.

10.Tratando-se, igualmente, de pessoa coletiva privada com estatuto de utilidade pública, conforme certidão de registo, junta aos autos, da ora Apelante junto da IGAC (Inspeção Geral das Atividades Culturais), sendo a associação que, nos termos da Lei, tem legitimidade para exercer, pelas vias administrativas e judiciais, os direitos confiados à sua gestão e, por outro lado, exigir o respetivo cumprimento [cfr. artigos 4º, 9º, 11º.1 e 15º da Lei 26/2015, de 14 de Abril (anteriores artigos 6º números 1, 8 e 9, da Lei 83/01, de 03 de Agosto) e artigo 73º do CDADC].

11.Tendo a ora Apelante sido admitida a intervir nos presentes autos como assistente“…Por ter legitimidade, estar em tempo, estar isenta de custas, estar devidamente patrocinada por Advogado e o Digno Magistrado do Ministério Público ter emitido parecer favorável nesse sentido…”.

12.Pelo que, em face do arquivamento do inquérito requereu a Apelante a respetiva abertura de instrução, através de requerimento que deu entrada, junto dos autos, em data posterior à entrada em vigor do Regulamento das Custas Judiciais.

13.Não tendo assim, a ora Apelante como já havia sido anteriormente reconhecido nos autos, por não lhe ser exigível, liquidado a taxa de justiça respetiva, nem tão pouco junto com aquele requerimento o comprovativo de tal liquidação.

14.Em virtude de se tratar, como alegado e comprovado documentalmente nos autos, de uma pessoa coletiva privada, entidade de gestão coletiva, sem fins lucrativos, que atua exclusivamente no âmbito das suas atribuições, na defesa dos interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto e na lei, nomeadamente com o propósito de representar os produtores fonográficos no exercício dos respetivos direitos, bem assim, no combate à contrafação e usurpação de fonogramas.

15.Inexistindo assim, com o devido respeito e s.m.o., dúvidas quanto ao facto de se encontrar abrangida pelo disposto no artigo 4º.1 f) do Regulamento das Custas Judiciais, como aliás, se tem vindo a pronunciar a jurisprudência nacional.

16.Assumindo a ora Apelante, no âmbito criminal em discussão nos presentes autos, não só a defesa dos direitos de todos os produtores de fonogramas/videogramas lesados com a conduta do arguido (nomeadamente o direito exclusivo de autorização quanto à execução pública das suas obras/prestações), mas também, o apoio ao combate à usurpação de fonogramas.

17.Consubstanciando tal, não só o interesse que a lei quis tutelar com a incriminação, in casu, bem como, a intenção da ora Apelante ao constituir-se assistente e ao requerer a abertura de instrução, em cumprimento aliás dos seus estatutos.

18.Sendo que, se estivesse apenas em causa, nos presentes autos, como sustenta o Mmo. a quo. a defesa, por parte da ora Apelante, dos interesses patrimoniais dos seus associados, mal se compreendia, com o devido respeito e s.m.o., o porquê da mesma se constituir assistente, pois, para o efeito, enquanto lesada/ofendida, bastar-lhe-ia, deduzir nos autos, um pedido de indemnização civil.

19.Considerando tudo o exposto, e o mais que, doutamente, será suprido, a decisão recorrida violou, por erro de interpretação e de aplicação, nomeadamente o disposto nos artigos 4º.1 f) do Decreto-Lei 34/2008, de 26 de Fevereiro, artigo 8º da Lei 7/2012, de 13 de Fevereiro, os artigos 73º, 74º, 184º e 192º do CDADC e, ainda, os artigos 3º, 4º, 5º, 6º, 9º, 11º e 15º da Lei 26/2015, de 14 de abril (anteriores artigos 2º, 3º, 5º, 6º, 8º e 9º da Lei 83/2001 de 03 de Agosto).
(…)
NESTES TERMOS, E COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ SER DADO INTEIRO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO-SE, EM CONSEQUÊNCIA, A DECISÃO RECORRIDA, A QUAL DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR DOUTO ACÓRDÃO, EM QUE, ACOLHENDO-SE AS RAZÕES SUPRA INVOCADAS PELA ORA APELANTE ADMITA A ABERTURA DE INSTRUÇÃO REQUERIDA.»

5. Em 1ª instância o MP pronunciou-se pela procedência do recurso.

6. – Nesta Relação, o senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no mesmo sentido.

Cumpre agora apreciar e decidir o presente recurso.

II. Fundamentação

A questão a decidir é essencialmente a de saber se a assistente e ora recorrente está isenta das custas devidas pela apresentação de requerimento para abertura de Instrução na sequência de despacho de arquivamento proferido nos autos pelo MP, nos termos do art. 4º nº1 f) do Regulamento das Custas Processuais (RCP) aprovado pelo Dec-lei 34/2008 de 26 de fevereiro, contrariamente ao entendimento assumido no despacho recorrido.

Vejamos.
1. Nos termos do art. 4º nº1 al. f) do RCP, estão isentas de custas “As pessoas colectivas privadas sem fins lucrativos, quando actuem exclusivamente no âmbito das suas especiais atribuições ou para defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respectivo estatuto ou nos termos de legislação que lhes seja aplicável”.

Não se discute nos autos que nos termos do art. 3º nºs 1, corpo, e 2 al. a) do seu Estatuto, a Associação ora recorrente tem por objeto, além do mais ali enunciado, ” … a cobrança, gestão, incluindo a negociação e publicação de tarifários, e a distribuição dos direitos de autor e direitos conexos dos produtores fonográficos nacionais e estrangeiros sedeados ou não em território português (…) e Promover e apoiar o combate à contrafação e usurpação de fonogramas e incentivar a aquisição de fonogramas originais “, pelo que a sua intervenção nos autos visa defender os interesses que lhe estão especialmente conferidos pelo respetivo estatuto.

Porém, louvando-se em comentário inconclusivo do "Guia Prático de Custas Processuais", 3ª edição, de abril de 2015, do Centro de Estudos Judiciários, págs. 49-50, o tribunal recorrido considerou que apesar de ser defensável, face à letra da lei, estarem abrangidas pela isenção subjetiva prevista na alínea f) do nº1 do art. 4º do RCP as associações de utilidade pública legalmente constituídas e registadas como Entidades de Gestão Coletiva de Direitos dos Produtores Fonográficos, no caso presente mostra-se arredada aquela isenção subjetiva por estar em causa a defesa de direitos patrimoniais destinados a garantir aos seus associados a exploração económica das obras.

Sem razão, porém.

Na verdade, apesar das dúvidas suscitadas pela amplitude da al. f) do nº1 do art. 4º do RCP face à diversidade de atividades que podem ser exercidas pelas pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos e à relevância que a prossecução de um interesse de ordem pública continua a assumir na seleção legislativa das pessoas e entidades beneficiárias de isenção de custas, as Entidades de Gestão Coletiva de Direitos dos Produtores Fonográficos não deixam de beneficiar de isenção de custas para requerer a Abertura da Instrução pelo crime de Usurpação p. e p. pelo art. 195º do CDADC, nos termos daquele mesmo preceito do RCP, essencialmente por duas ordens de razões.

Por um lado, a assistente e ora recorrente – Audiogest-Associação para a Gestão e Distribuição de direitos -, enquanto Entidade de gestão coletiva do direito de autor e direitos conexos (obrigatoriamente constituída como Associação sem fins lucrativos nos termos do art. 5º da Lei 26/2015 de 14 de abril), encontra-se registada junto da Inspeção Geral das Atividades Culturais (IGAC), conforme lhe impõe o art. 11º desta mesma Lei como condição de exercício da atividade, assumindo, assim, a natureza de pessoa coletiva de utilidade pública “ope legis” por disposição do art. 15º da citada Lei 26/2015. Verifica-se, pois, uma restrição particularmente relevante dentro do amplo universo das pessoas coletivas privadas sem fins lucrativos (associações, fundações e algumas cooperativas), na medida em que a “utilidade pública” pressupõe a prossecução de fins de interesse geral, ou seja, o desenvolvimento significativo de atividades geradoras de benefícios para a sociedade, para além dos benefícios gerados em favor dos próprios associados.

Por outro lado, mesmo que deva interpretar-se restritivamente a al. f) do nº1 daquele art. 4º, considerando-se que o legislador disse mais do que queria, de modo a não abranger todos os casos em que as Entidades de Gestão Coletiva de Direitos dos Produtores Fonográficos litiguem em juízo, certamente que o tipo de situação em causa nos presentes autos de recurso não se incluirá entre os casos excluídos da isenção de custas.

Na verdade, ao constituir-se assistente nos presentes autos e vir agora requerer a abertura da Instrução para que o arguido seja sujeito a julgamento pela autoria do crime de Usurpação, a intervenção da ora recorrente visa em primeira linha a prossecução dos interesses que subjazem à incriminação das condutas mais lesivas do direito de autor, bem jurídico protegido por aquela incriminação, não só em atenção à proteção da propriedade intelectual, mas também como forma de tutela da personalidade, enquanto liberdade de criação, apresentando uma caráter fundamental nas sociedades atuais, conforme pode ler-se, por todos, no Ac TC 577/2011.

Assim e tendo ainda presente a relevância crescente que vem assumindo entre nós o assistente enquanto sujeito processual a quem são reconhecidos amplos poderes de participação, em nome da intervenção dos particulares na realização do processo penal, no caso presente estamos longe das situações que, por interpretação restritiva da al. f) do nº1 do art. 4º do RCP, possam vir a considerar-se excluídas da isenção de custas aí estabelecida, nomeadamente em atenção ao caráter eminentemente privado dos concretos interesses em litígio.

2. Considera-se, pois, que no caso presente a assistente goza do benefício de isenção de custas previsto na al. f) do nº1 do art. 4º do RCP, pelo que não é devida taxa de justiça pela apresentação do Requerimento para abertura da Instrução.

III. Dispositivo
Nesta conformidade, acordam os Juízes na 2ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso interposto pela assistente, Audiogest – Associação para a Gestão e Distribuição de direitos”, revogando o despacho recorrido e decidindo, em substituição, não ser devida taxa de justiça pela apresentação do Requerimento para abertura da Instrução no caso presente.

Sem custas.

Évora, 7 de Março de 2017

(Processado em computador. Revisto pelo relator.)

António João Latas

Carlos Jorge Viana Berguete Coelho
__________________________________________________
[1] - Acórdão sumariado pelo relator