Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ALEXANDRA MOURA SANTOS | ||
Descritores: | PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO COLIGAÇÃO ACTIVA CÔNJUGE | ||
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Data do Acordão: | 11/05/2015 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
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Sumário: | 1 - O regime do PER aplica-se a qualquer devedor, seja ele pessoa singular, pessoa colectiva, património autónomo, titular de empresa ou não, dado o silêncio da lei quanto a quaisquer requisitos (artº 1º, nº 2, 2º, nº 1 e artº 1º-A, nº 1, do CIRE). - Prevendo o artº 264º, nº 1, do CIRE a coligação activa dos cônjuges em sede de processo de insolvência, ao estabelecer que “incorrendo marido e mulher em situação de insolvência e não sendo o regime de bens o da separação, é lícito aos cônjuges apresentarem-se conjuntamente à insolvência (…)”, deverá aplicar-se o mesmo regime ao PER por inexistirem quaisquer razões que a excluam. Sumário da Relatora | ||
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Decisão Texto Integral: | APEL. Nº 371/15.4T8STR.E1 – 1ª SECÇÃO ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA (…) e (…), vieram requerer, nos termos do disposto no artº 17º-C do DL nº 53/2004, de 18/03, a abertura de processo especial de revitalização, alegando para tanto e em resumo, que são casados sob o regime de comunhão de adquiridos e que se encontram numa situação económica difícil, sentindo séria dificuldade para cumprir pontualmente as suas obrigações, manter a sua subsistência e prover ao sustento dos seus dois filhos. Que são devedores das instituições bancárias que indicam e bem assim de um particular que também indicam, mas que reúnem as condições necessárias para a sua recuperação, pois têm um rendimento certo e são pessoas regradas nos seus gastos. Que através de declaração subscrita conjuntamente com o seu credor (…), pretendem encetar negociações conducentes à sua revitalização por meio da aprovação de um plano de recuperação. A fls. 68 foi proferido o seguinte despacho: “Notifique os requerentes para virem aos autos esclarecer qual pretende prosseguir nos autos como sujeito activo, uma vez que a coligação inicial activa de devedores não é permitida nem na insolvência, nem neste procedimento (neste sentido “Processo especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Fátima Reis Silva, Porto Editora, p. 23), pelo que a excepção dilatória será naturalmente conhecida (artº 577º, al. f), do CPC)”. Os requerentes com os fundamentos constantes do seu requerimento de fl. 71/72, manifestaram-se no sentido de ser “admitida a coligação activa dos requerentes, nos termos do artº 264º, nº 1, do CIRE, seguindo o presente processo especial de revitalização os seus ulteriores termos até final.” A fls. 74 o Exmº Juiz proferiu, então, o seguinte despacho: “(…) e mulher (…) vieram apresentar-se a PER em coligação activa, por serem casados em regime de comunhão de adquiridos. Notificados para indicarem qual requerente pretendia prosseguir nos autos como devedor, por não ser legalmente admissível a coligação activa, vieram informar que não prescindiam da coligação. Ora, considerando que a coligação inicial activa de devedores não é permitida nem na insolvência, nem neste procedimento (neste sentido Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Fátima Reis Silva, Porto Editora, p. 23), tem o Tribunal de julgar verificada a excepção dilatória do artº 577º al. f) do CPC. Em face do exposto, indefiro liminarmente o processo especial de revitalização em que são devedores (…) e mulher (…), ao abrigo do artº 27º, nº 1, al. a), do CIRE, conjugado com o artº 577º - f), do CPC. (…)”. Inconformados, apelaram os requerentes alegando e formulando as seguintes conclusões: 1 – O douto despacho recorrido indefere liminarmente o processo especial de revitalização requerido pelos recorrentes, com base na inadmissibilidade da coligação inicial activa de devedores no Processo Especial de Insolvência e no Processo Especial de Revitalização. 2 – Ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, o artº 264º, nº 1, do CIRE permite a coligação inicial activa de devedores no processo de insolvência, desde que verificados certos pressupostos, contidos nessa disposição legal e no artº 249º do CIRE, e onde se destaca a necessidade de os devedores coligados serem casados entre si com um regime de bens que não seja a separação. 3 – Com efeito, o próprio preâmbulo do CIRE admite expressamente esta possibilidade, considerando-a inclusive, uma das inovações deste diploma, afirmando que “É permitida a coligação activa e passiva dos cônjuges no processo de insolvência. Apresentando-se ambos à insolvência (…), a apreciação da situação de insolvência de ambos os cônjuges consta da mesma sentença, e deve ser formulada conjuntamente por eles uma eventual proposta de plano de pagamentos.” 4 – Neste sentido, de resto, se tem pronunciado a jurisprudência, nomeadamente os acórdãos do TRL de 3/10/2013 (proc. 2533/12.7YXLSB-A.L1-2), do TRG de 11/11/2010 (proc. 3777/09.4TBGMR-C.G1) e do TRP de 26/01/2015 (proc. 533/14.6T8STS.P1), disponíveis em www.dgsi.pt. 5 – Também na doutrina é aceite a admissibilidade, nos moldes já expostos, da coligação inicial activa dos cônjuges. É o caso de, inter alia, Luís M. Martins (“Processo de Insolvência”, 3ª ed. p. 522, Coimbra, Almedina 2014); Maria do Rosário Epifânio (“Manual de Direito da Insolvência”, 5ª ed. p. 327 a 329, Coimbra Almedina, 2013); Nuno da Costa Silva Vieira (“Insolvência e Processo de Revitalização”, 2ª ed., p. 47/48, Lisboa Quid Júris?) e Alexandre de Soveral Martins (“Um Curso de Direito da Insolvência”, Coimbra Almedina, 2015). 6 – O CIRE não regula no âmbito das normas específicas do Processo Especial de Revitalização, a questão da legitimidade da coligação activa, inicial ou superveniente. Deve, por isso, e com as necessárias adaptações, aplicar-se o regime do processo de insolvência, pelo que se deve ter como legítima, no Processo Especial de Revitalização a coligação inicial activa dos cônjuges, desde que estes se encontrem numa situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente (artº 17º-A, nº 1, do CIRE) e não se encontrem casados sob o regime de separação de bens (artº 264º, nº 1, do CIRE). 7 – Como tempestivamente alegaram no requerimento inicial e, de resto, como resulta dos meios de prova documental juntos, os requerentes estão casados entre si no regime de comunhão de adquiridos e encontram-se numa situação económica difícil, não tendo explorado qualquer empresa, pelo que se encontram verificados os pressupostos dos artºs 17º-A, nº 1, 249º e 264º, nº 1, do CIRE, sendo por isso legítima a coligação. 8 – Sendo legítima a coligação dos requerentes no presente processo especial de revitalização, não se verifica a excepção dilatória prevista no artº 577º, al. f), do CPC invocada pelo Tribunal a quo, pelo que o indeferimento liminar do presente processo carece de total fundamento. * Delimitando-se o âmbito de recurso pelas conclusões da alegação dos recorrentes abrangendo apenas as questões aí contidas (artº 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), verifica-se que a única questão a decidir é saber se a coligação inicial activa de devedores é ou não permitida no procedimento no processo especial de revitalização. * Os factos a considerar são os que constam do relatório supra. Na telegráfica decisão recorrida decidiu o Exmº Juiz recorrido indeferir liminarmente o presente procedimento por não ser admissível (nem neste procedimento, nem no processo de insolvência) a coligação inicial activa de devedores, louvando-se na posição da autora que cita, sem todavia, indicar qualquer fundamento de direito para o efeito. Mas entendemos que não tem razão. Com efeito, nos termos do nº 1 do artº 17º-A do CIRE, o processo especial de revitalização destina-se a permitir ao devedor que, comprovadamente, se encontre em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, mas que ainda seja susceptível de recuperação, estabelecer negociações com os respectivos credores de modo a concluir com estes acordo conducente à sua revitalização, sendo que, nos termos do seu nº 2 o referido processo pode ser utilizado por todo o devedor que, mediante declaração escrita e assinada, ateste que reúne as condições necessárias para a sua recuperação. Tem-se vindo a discutir na doutrina e na jurisprudência a questão de se saber qual o âmbito de aplicação do PER, isto é, se apenas é aplicável às pessoas colectivas ou também às pessoas singulares que não sejam comerciantes ou empresários quando se encontrem em situação económica difícil. A respeito desta questão ponderou-se no Ac. desta Relação de 10/09/2015 relatado pela Exma. Desembargadora Dra. Elisabete Valente, também subscrito pela ora relatora como adjunta, o seguinte: “De acordo com uma posição, o PER só se aplica às pessoas colectivas e, de acordo com outra posição – a que defendemos – , aplica-se a qualquer devedor, “titular ou não de uma empresa” ou seja, que tal processo especial também se aplica às pessoas singulares, mesmo que não sejam comerciantes – neste sentido Maria do Rosário Epifânio in “Manual de Direito da Insolvência”, 6ª ed., Almedina, 2014, p. 280); Luís Martins in “Recuperação de Pessoas Singulares”, 2ª ed., Almedina 2012, p. 15: “Atendendo à forma como a lei foi redigida, e não obstante o processo especial de revitalização inserido no CIRE ter sido anunciado como um meio de recuperação das empresas, o objectivo de fundo do memorando no que respeita à matéria em causa era “facilitar o resgate efectivo das empresas viáveis e apoiar a reabilitação de indivíduos financeiramente responsáveis (…)”, pretendendo de raiz abranger as empresas e as pessoas singulares. Talvez por esse motivo os novos artºs 17º-A a 17º-I que regulam o processo especial de revitalização, em momento algum referem que a sua aplicação está limitada às pessoas colectivas ou entidades equiparáveis, antes anunciando, expressamente, que o processo de revitalização pode ser utilizado “por todo o devedor”. Assim, não deixa de ser aplicável a pessoas singulares quando estas estejam na situação descrita e sejam financeiramente responsáveis – cfr. nº 2 do artº 17º-A.” Também Catarina Serra (in “Processo Especial de Revitalização – Contributos para uma “rectificação” – Revista da Ordem dos Advogados, Ano 72, Abril/Setembro de 2012, p. 715/741 (nota 2) defende esta posição: “O regime do PER aplica-se a qualquer devedor, pessoa singular, pessoa colectiva, património autónomo, titular de empresa ou não, dado o silencio da lei quanto a quaisquer requisitos (cf. artº 1º, nº 2 e artº 17º-A, nº 1)”. (…) Também no artigo publicado no Centro de Estudos Judiciários transparece uma posição que vai ao encontro do que temos vindo a defender, no sentido de que o PER é aplicável a todos os devedores e não só a alguns com determinadas características. Note-se o que vem escrito na respectiva pág. 46: “2. Condições de acesso: Têm legitimidade para recorrer ao Processo Especial de Revitalização tanto as empresas como as pessoas singulares, pois a lei refere-se sempre ao devedor e a “todo o devedor”, o que abrange as entidades referidas no artº 2º: pessoas singulares e colectivas, herança jacente, associações sem personalidade jurídica e comissões especiais, sociedades civis, comerciais, civis sob a forma comercial, cooperativas, estabelecimentos individuais de responsabilidade limitada e quaisquer outros patrimónios autónomos.” (no e-book de Dezembro de 2014, com o título “Processo de Insolvência e Acções Conexas” publicado em www.cej.mj.pt.” (proc. 1234/15.9T8STR.E1, 2ª sec.). Defendemos, pois, a posição que ficou exarada no acórdão em referência, também subscrito pela ora relatora, como se referiu (cfr. no mesmo sentido, Ac. RE de 09/07/2015, proc. 1518/14.3T8STR-E1; da RP de 26/01/2015, proc. 553/14.6T8STS.P1, da RL de 3/10/2013, proc. 2533/12.7YXLSB-A.L1 e da RG de 11/11/2010, proc. 3777/09.4TBGMR-C.G1, in www.dgsi.pt). Ora, do despacho recorrido resulta que é essa, também, a posição do Exmº Juiz que o subscreveu pois nele admitia como sujeito activo, um dos devedores, pessoas singulares, defendendo, contudo que a coligação inicial activa de devedores não é permitida nem na insolvência, nem neste procedimento. In casu, apresentam-se como devedores requerentes duas pessoas singulares, marido e mulher, casados sob o regime de comunhão de adquiridos. Sobre a insolvência de ambos os cônjuges em regime de coligação dispõe o artº 264º, nº 1, do CIRE que “incorrendo marido e mulher em situação de insolvência e não sendo o regime de bens o da separação, é lícito aos cônjuges apresentarem-se conjuntamente à insolvência (…)”. São, assim, nos termos deste normativo, dois os requisitos de que depende a possibilidade de os cônjuges se apresentarem conjuntamente à insolvência: a) encontrarem-se ambos os cônjuges em situação de insolvência; b) não ser o regime de bens do casal o da separação. Resultam, pois, deste preceito (tal como dos dois que se lhe seguem), regras especiais sobre a insolvência de ambos os cônjuges, consagrando-se a possibilidade legal da respectiva coligação. Daí que, não é correcta a afirmação do Exmo Juiz a quo, de que in casu, “a coligação inicial activa de devedores não é permitida na insolvência (…)”. Ora, concluindo-se tal possibilidade legal no processo de insolvência, e bem assim, que o PER pode ser requerido por pessoas singulares, não se vê razão para não lhe ser extensível tal possibilidade de coligação. Com efeito, como referem Carvalho Fernandes e João Labareda, “(…) a circunstância de o processo de revitalização não ser uma espécie nem modalidade do processo de insolvência não afasta, também, a possibilidade de, quando necessário e apropriado, se aplicarem àquele normas que a este directamente respeitam. Impõem-no as normais regras da hermenêutica e da integração de lacunas (legis), tendo para mais em conta que, conquanto prosseguindo objectivos que não se justapõem, ambos os processos têm, todavia, em comum, múltiplos aspectos, à frente dos quais ressalta o facto de, um e outro, se conformarem como instrumento de resolução de situações deficitárias que não devem (podem) manter-se. Fundamental é que a norma a aplicar não seja contraditória com o regime específico do processo de revitalização nem remanesçam outras razões que a excluam” (“C.I.R.E. Anotado, 2ª ed., Quid Júris, p. 141). Ora, é o caso, da aplicação ao PER da coligação activa dos cônjuges prevista para o processo de insolvência. Como refere Catarina Serra “O âmbito subjectivo de aplicação do PER parece coincidir com o âmbito subjectivo de aplicação do processo de insolvência” (“Manual de Direito da Insolvência”, 5ª ed., Almedina, 2013, p. 276). Atente-se, de resto, que podendo, no âmbito do PER, desencadear-se o processo de insolvência, conforme resulta do disposto nos nºs 3, 4 e 7 do artº 17º-G do CIRE, não se vê razão para negar aos requerentes de tal procedimento a coligação dos cônjuges que lhes é reconhecida naquele processo. Procedem pois, in totum, as conclusões da alegação dos recorrentes impondo-se a revogação da decisão recorrida, a qual deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos se não ocorrer outro fundamento que a tal obste. * DECISÃO Nesta conformidade, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso e, consequentemente, em revogar a decisão recorrida a qual deverá ser substituída por outra que determine o prosseguimento dos autos se não ocorrer outro fundamento que a tal obste. Sem custas. Évora, 05-11-2015 Maria Alexandra de Moura Santos António Manuel Ribeiro Cardoso Acácio Luís Jesus das Neves |