Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
443/23.T8PTM.E1
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: NULIDADE DA SENTENÇA
CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO
ILICITUDE DO DESPEDIMENTO
VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM
Data do Acordão: 01/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I- A nulidade da sentença prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta.
II- A nulidade da sentença prevista no 1.º segmento da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil – fundamentos em oposição com a decisão - ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a uma decisão diferente da proferida.
III- Para a nulidade da sentença prevista no 2.º segmento da alínea c) do n.º1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil o que releva é a obscuridade ou ambiguidade da parte decisória, já não as obscuridades ou ambiguidades que possam existir na fundamentação da sentença.
IV- A omissão de pronúncia que origina a nulidade da sentença – alínea d), n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil - verifica-se quando o juiz deixe de apreciar as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
V- Não compete ao tribunal, oficiosamente, averiguar e emitir pronúncia sobre eventuais importâncias auferidas pelo recorrido após e devido ao despedimento – alínea a), n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho.
VI- Apenas as deduções previstas nas alíneas b) e c) do n.º 2 do artigo 390.º do Código do Trabalho são de conhecimento oficioso.
VII- Num contrato de trabalho a termo certo recai sobre o empregador o dever de fazer constar do contrato o termo estipulado e o respetivo motivo justificativo, com menção expressa dos factos que o integram e, ainda, a obrigação de provar a veracidade do motivo indicado para a contratação.
VIII- Se o contrato for considerado sem termo ao abrigo do artigo 147.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho, a comunicação do empregador de não renovação do contrato, constitui um despedimento ilícito por não ter sido precedido de procedimento disciplinar – artigo 381.º, alínea c) do Código do Trabalho.
IX- Encontrando-se o trabalhador ilicitamente despedido em situação de incapacidade temporária em consequência de acidente de trabalho ocorrido ao serviço do empregador, o mesmo tem direito a receber o dobro da indemnização em substituição da reintegração, ao abrigo do artigo 157.º, n.º 4 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (LAT).
X- Não atua em abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum proprium” o trabalhador que durante os seis meses de vigência do contrato de trabalho não colocou em causa a justificação para a aposição de termo no seu contrato de trabalho.
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:
P. 443/23.1T8PTM.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Na presente ação declarativa emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, que AA (Autor) moveu contra “E..., Lda.” (Ré) foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Por tudo o exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente e, consequentemente, absolvendo-se a ré do demais peticionado, declara-se que o contrato que ligava as partes era um contrato sem termo, que foi ilícito o despedimento promovido e condena-se a ré “E... LDA.” (NIPC ...00) a pagar ao autor AA (NIF ...98):
a) a quantia líquida de €3.990,00 (três mil, novecentos e noventa euros) a título de indemnização em substituição da reintegração, acrescida de juros contados à taxa legal desde 27/05/2022;
b) as retribuições que este deixou de auferir, à razão da quantia ilíquida de 665,00€ (seiscentos e sessenta e cinco euros) e proporcionais das férias, subsídio de férias e subsídio de Natal por mês, desde 14/11/2022 até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescidas de juros contados à taxa legal desde o respetivo mês em que são devidos;
e, ainda,
c) a quantia ilíquida de €753,06 (setecentos e cinquenta e três euros e seis cêntimos) a título de férias, subsídio de férias e de Natal vencidos, acrescida de juros contados desde 27/05/2022.
Custas por autor e ré, em função do respetivo decaimento e que se fixa em 62,41/100 para o autor e 37,59/100 para a ré, tudo sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia o primeiro.
Registe e notifique.».
-
Inconformada, veio a Ré interpor recurso da sentença, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«I - O Julgador laboral, estando num processo de partes, não pode sequer antever que o trabalhador é a «parte mais frágil» e, por isso, está proibido de dar um «tratamento mais favorável» ao mesmo do que à entidade patronal, sobretudo quando a mesma é a primeira a reagir a uma resolução sem justa causa de um contrato de trabalho.
II – A presente sentença enferma de NULIDADE, por vários motivos, nos termos e para efeitos do disposto nos artigos 607.º, 608.º, 609.º, 611.º, 612.º e 615.º, n.os 1, alíneas b), c), d), e e), e 4, do NCPC (ex vi artigo 87.º, n.º 1, do CPT).
III.1. – A sentença é irremediavelmente NULA por:
III.1.1. Falta de fundamentação de facto e de direito suficiente para a decisão judicial adotada;
III.1.2. Ter procedido, indevidamente, ao aproveitamento e convolação do requerimento/formulário do trabalhador, que errou na forma do processo.
III.1.3. Existir contradição na decisão judicial: quer por entender ter sido lícita a aposição do termo e a causa que esteve na sua base; quer por optar por uma compreensão dos artigos 140.º, n.º 1 e 2, alínea g), 4, alínea a), b), e 5, 141.º, n.os 1 e 3, 146.º, e 147.º, n.º 1, alínea a), do CT.
III.1.4. Errónea interpretação ou qualificação jurídica dos factos, se e quando a aposição do elemento acidental da relação jurídica laboral (termo resolutivo) for considerado válido, dado que, expressamente, no artigo 147.º, do CT, coloca como única sanção, a de se considerar o contrato celebrado, sem termo.
III.1.5. O entendimento de que o decretamento da invalidade de um termo resolutivo, no contrato de trabalho a termo (certo), configura, tendo havido oposição à sua renovação, mediante indicação da intenção de não o renovar, uma situação de despedimento sem justa causa, a “justificar” compensações ou indemnizações, implica, pela conjugação dos artigos 140.º, n.os 1, 2, alínea g), e 147.º, n.º 1, alíneas a) e b), 381.º, alínea c), 389.º, n.º 1, alíneas a) e b), 390.º e 391.º, não tem qualquer apoio na letra da lei,.
III.1.6. O legislador laboral não previu qualquer indemnização ou compensação para a invalidade de uma condição ou termo apostos num contrato de trabalho.
III.1.7. O Autor deveria ter impugnado a validade do termo resolutivo e, com isso, obter logo o efeito útil pretendido da manutenção da sua relação laboral,.
III.1.8. O Tribunal incorreu, ainda, em erro de direito, ao mobilizar os artigos 1.º, 2.º, e 157.º, n.º 4 [«O despedimento sem justa causa de trabalhador temporariamente incapacitado em resultado de acidente de trabalho ou de doença profissional confere àquele, sem prejuízo de outros direitos consagrados no Código do Trabalho, caso não opte pela reintegração, o direito a uma indemnização igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento ilícito»], da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (alterada pela Lei n.º 83/2021, de 06-12) (que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais), para, a partir da conjugação de tais preceitos com o artigo 391.º, n.º 3, do CT, impor uma indemnização, por despedimento ilícito, em montante superior, no caso, o dobro.
III.1.9. A ratio legis do artigo 157.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, para justificar a agravação da indemnização, com vista a que a mesma se contenha dentro dos parâmetros “de justa causa material de ablação do direito de propriedade” (artigos 18.º, n.os 2 e 3, e 62.º, n.º 1, da CRP 1976), é que tenha existido comportamento doloso, expresso na inexistência de “justa causa de despedimento”, identificada em processo disciplinar, com todas as garantias de defesa do trabalhador, visto que a incapacidade ou doença têm de ter sido “especialmente exploradas”, pelo empregador, para configurar (no caso de ser a fonte primária) ou aconchegar ou aumentar (no caso de ser fonte secundária) a justa causa de despedimento.
III.1.10. Não havendo lei expressa, sendo a legislação da indemnização ou compensação por despedimento sem justa causa, preceitos excecionais, os artigos 10.º e 11.º, do CC, impedem a sua aplicação analógica.
III.1.11. Tendo sido aposto, formalmente, um termo resolutivo, aceite pelo trabalhador e empregador, cuja ilicitude não foi decretada pelo Tribunal, age de má fé e litiga em “venire contra factum proprium”, o trabalhador que, em termos pessoais e profissionais, aceitou um dado tempo de trabalho.
III.1.12. O Tribunal, na interpretação que dá, conjugadamente, aos artigos 21.º (1.ª espécie), 48.º, n.º 3, do 98.º-B a 98.º-P, CPT, 387.º, do CT, e 193.º, do NCPC 2013, ao convolar o requerimento do Autor, contra o disposto no artigo 193.º, n.º 2, do NCPC 2013, que proíbe tal atuação.
III.1.13. O Tribunal julgou erroneamente, a partir da qualificação jurídica que dos mesmos realiza ou ilações que deles abstrai, os factos 1.2. e 1.3., 1.11 e 1.12, dado que, não somente se observa a licitude do termo resolutivo, como se verifica que, no caso, a caducidade do contrato de trabalho, após oposição à renovação, ocorreu dentro de um condicionalismo de «prudente gestão empresarial».
III.1.14. O Tribunal deu, erradamente, como não provados, os factos d) e e), em ofensa aos artigos 374.º, 376.º, n.º 1, do CC, e artigos 412.º a 415.º, 417.º, 446.º e 447.º, e 466.º, do NCPC, tendo em conta a força probatória atribuída aos documentos em causa, bem como o facto de a valoração das declarações de parte/depoimento testemunhal do senhor BB.
III.1.15. O Autor litigou, ao longo de todo o processo, de má fé, de modo impune, ao arrepio do imposto no processo civil, como se pode comprovar pelo que alegou, no requerimento inicial, que foi levado ao facto b), em que, para embelezar a história, relativamente a um facto pessoal e importante, em termos familiares.
III.1.16. O Tribunal deveria, assim, ter aditado, como factos provados, o vertido nos factos não provados, d), e), f) e g), que passaria, assim, como se indica, a factos provados 1.13 a 1.16:
«Facto provado 1.13. Desde meados de Abril de 2021 que existiam negociações para lograr e implementar a continuação da relação contratual entre a ré e a administração do A... e tais negociações não tiveram sucesso, na prolongação do contrato para além de 12/10/2022.
Facto provado 1.14. A carta endereçada pela A... à ré data de 14/06/2021.
Facto provado 1.15. Foi por esse motivo que o contrato com o autor viria a ser denunciado.
Facto provado 1.16. O autor foi contactado pela ré com vista ao pagamento do último recibo de vencimento».
7.16. Quanto ao novo proposto Facto provado 1.13, resultante do anterior facto não provado d), tal se deve ao facto de que as declarações proferidas pelo senhor BB e o teor da carta, não impugnada, impõe que tal facto seja dado por verificado, não tendo havido impugnação ou incidente de falsidade, que pudessem obstaculizar a tal, bem como a circunstância de os ensinamentos da psicologia forense do testemunho imporem, aliados às regras da experiência, que o que foi dito pelo depoente é mais provável (do que menos provável) que tenha ocorrido, dada a sua coerência, pertinência e corroboração documental.
III.1.17. Quando ao novo proposto Facto provado 1.14., tal resulta das regras da força probatória dos documentos, não tendo sido impugnada a sua genuinidade e dado o carácter de prestígio social e económico da empresa envolvida, que goza de boa fama e reputação no Algarve, não sendo conotada com condutas ilícitas ou avessas ao Direito.
III.1.18. Quanto ao novo proposto Facto provado 1.15., tal deriva das regras da experiência, já que, em termos empresariais, se a empresa continuasse a ter muito trabalho, não faria sentido enjeitar um trabalhador, a partir do qual poderia granjear mais proveito económico, pois, de outro modo, inviabilizaria a possibilidade de satisfação desse cliente, já que o trabalho era ocasional e excecional.
III.1.19. Quanto ao novo proposto facto 1.16., dir-se-á que o Tribunal cedeu às mentiras do Autor e não foi precavido quanto à ideia de que, usual e normalmente, o trabalhador dirigia-se à sede da Ré para receber o seu vencimento e, neste último mês, não o fez, o que somente é compreensível na perversa estratégia processual do mesmo, para demonizar a sua entidade empregadora, embora ela tenha tratado o trabalhador de modo humano e não discriminatório, predispondo-se a pagar-lhe tudo o que se apurasse dever ser tido como devido.
III.1.20. A decisão judicial é nula, igualmente, por ter omitido, por ausência de matéria de facto para tal, a pronúncia sobre uma realidade que é imprescindível, atento o disposto no artigo 390.º, n.º 2, alíneas a) a c), do CT, pois o Autor, como o denuncia a opção pela não reintegração, pretendeu a indemnização, mas, entretanto, já foi e anda a trabalhar, de modo informal ou formal, e, assim sendo, ao não ter averiguado, nos termos dos poderes inquisitórios permitidos ao Tribunal, sem melindre dos princípios do pedido e do dispositivo, se, entretanto, o trabalhador está a exercer uma atividade remunerada e qual o seu valor, para efeitos de desconto no valor da indemnização, como o impõem os citados preceitos.
IV – A sentença afigura-se igualmente NULA, visto que, à luz do critério da prova processual civil (a versão dos factos «mais provável do que menos provável» MICHELE TARUFFO), inexiste uma especificação cabal dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de considerar a existência de uma decisão de despedimento ilícito, “sem justa causa”, da presente relação laboral, atento o facto de se ter confundido a invalidade de um elemento acidental da relação jurídico-laboral com a própria relação jurídica laboral.
V – O Tribunal “a quo”, quer em sede de motivação (de facto), quer em sede de motivação de direito, aduz uma argumentação que envolve notória contradição, ambiguidade e obscuridade, pois bastará atentar factos 1.2. e 1.3., 1.11 e 1.12, e na proposta justificada de alteração dos factos não provados os factos d), e), e f) e g), que originariam, na nossa proposta de alteração da matéria de facto, os factos novos 1.13., 1.14., 1.15. e 1.16, para se perceber que o Tribunal adotou uma decisão que se encontra eivada de contradições, viola as regras da prova, sobretudo no que à prova documental e testemunhal respeita, assim atribuindo uma força probatória e uma valoração que não pode reconduzir-se a qualquer livre arbítrio, na formulação da livre convicção do Tribunal, mas, outrossim, carece de corroboração nas regras da experiência, na força probatória do respetivo meio de prova, bem como pelo contexto de mentira tecido pelo Autor (até relativamente à gravidez da sua mulher, para embelezar a história). O que significa que, para além de outras situações (que se indicarão subsequentemente e que têm a ver com a motivação de alguns factos provados erroneamente tidos como tal) os fundamentos se encontram em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível – artigo 615.º, n.os 1, alínea c), e 4, do NCPC.
VI – O juiz incorreu em ERRO na apreciação e fixação dos factos, bem como na sua qualificação, tendo incorrido, inclusive, nas seguintes contradições:
VI.1.ª Contradição: erro sobre os pressupostos de facto e de direito da verificação do condicionalismo indemnizatório, dado que não podem ser aplicadas as regras, nem do despedimento ilícito ou sem justa causa (por ter existido caducidade e não despedimento), quer porque tais regras são excecionais e não tendo aplicação direta, também não o podem ser por analogia, à luz do vertido nos artigos 10.º e 11.º, do CC, quer porque a única consequência da invalidade da condição ou termo resolutivo impostos é a da sua invalidade, em nada afetando a validade da respetiva relação laboral, sendo supervenientemente ineficaz a oposição à renovação, com a necessidade de liquidação de todas as obrigações patrimoniais laborais;
VI.2.ª Contradição: reconhecimento expresso e aceitação do termo resolutivo pelo trabalhado, de tal modo que, aduzindo factos contra o direito (gravidez da esposa; e aproveitamento do acidente para despedir), tal significa a ausência de boa fé processual; e, além disso, a constatação de uma atuação em ostensivo «venire contra factum proprium», em afronta ao artigo 334.º, do Código Civil, por a trabalhadora ter, com a sua conduta laboral, contrariado, posteriormente, o que escreveu na carta de resolução;
VI.3.ª Contradição: Os factos 1.1., 1.2. 1.3 e os factos não provados d) a g), transmutados em 1.13 a 1.16, na sugestão de alteração da matéria de facto indicado, impõe a não invalidade do termo resolutivo, quer porque a atividade ocasional estava indexada a um período que ia até 12/10/2022, razão pela qual a renovação do contrato nunca poderia ocorrer, pois levaria a que o trabalhador ficasse por dois meses, nesse ano, sem trabalho;
VI.4.ª Contradição: a aplicação conjugada dos artigos 391.º, n.º 3, do CT, com o artigo 157.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, envolve uma contradição, já que o Tribunal reconduziu o «despedimento ilícito» à notificação dentro do período de acidente de trabalho, quando, na verdade, a notificação é feita com antecedência, reportada à data do último dia de vigência do contrato, assim falecendo, também a exigência, para a agravação da indemnização, que tal tenha ocorrido «por causa do acidente» ou em virtude do acidente, pois isso relevaria uma má formação da entidade empregadora e justificaria o agravamento da sua sanção, mas não é esse o condicionalismo dos autos;
VI.5.ª Contradição: a atribuição de indemnização ao Autor, não tem qualquer enquadramento legal e justificação, quer por não verificação do condicionalismo factual típico do artigo 391.º, n.º 3, do CT, quer porque inexistiu a conduta de “aproveitamento” e co-causalidade entre o acidente e os motivos justificadores do putativo “despedimento sem justa causa”;
VI.6.ª Contradição: o Tribunal, sobretudo face à opção do trabalhador, atento o tempo decorrido, deveria ter ponderado e questionado, em sede de alargamento da matéria de facto, se trabalhador já possui outra atividade, assim cessando os efeitos da condenação indemnizatória e impondo-se o respetivo descontos de tais proventos, adquiridos junto de outra entidade laboral, declarado ou não declarado (para efeitos de descontos na Segurança Social), assim incorrendo em vício que leva à NULIDADE da sentença, por o juiz ter deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento – artigo 615.º, n.os 1, alíneas c) e d), e 4, do NCPC.
VII – A decisão judicial adotada pela M.ma Juiz “a quo” deve ser alterada ou anulada da decisão – nos termos e para efeitos do disposto no artigo 639.º, n.º 1, do NCPC – por se verificar que foram violadas – nos termos e para efeitos do disposto no artigo 639.º, n.º 2, alínea a), do NCPC [Substantivas e adjetivas, aplicando-se, por analogia, artigo 674.º, n.os 1, alíneas a) e b), e 2, do NCPC] – as seguintes normas jurídicas:
i) Violação de lei substantiva – Erro de interpretação/Erro de aplicação/Erro na determinação da norma aplicável [artigo 674.º, n.os 1, alíneas a), e 2, do NCPC]: artigos 11.º, 127.º, n.º 1, alínea a), 140.º, n.º 1 e 2, alínea g), 4, alínea a), b), e 5, 141.º, n.os 1 e 3, 146.º, e 147.º, n.º 1, alínea a), 245.º, n.º 1, alínea a), 337.º, 351.º, n.º 3, 381.º, alínea c), 389.º, n.º 1, alíneas a) e b), 390.º e 391.º, 394.º a 399.º, 401.º, 514.º, do Código do Trabalho, artigos 217.º, 279.º, 296.º, 334.º, 350.º, 799.º, 1152.º, 1153.º, do Código Civil, artigos 79.º a 87.º, do CPT; artigos 9.º, 10.º, 11.º e 334.º, 374.º, 376.º, 405.º, 406.º, e 762.º, n.º 2, do Código Civil; artigo 157.º, n.º 4, da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (alterada pela Lei n.º 83/2021, de 06-12) (que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais); artigos 1.º, 2.º, 9.º, alínea b), 13.º, 18.º, n.os 2 e 3, 25.º, 53.º, 58.º, 59.º, 61.º, 62.º, da CRP 1976.
ii) Violação de lei adjetiva ou processual – Violação de lei do Processo/Errada aplicação da lei do processo [artigo 674.º, n.os 1, alíneas b), do NCPC]: artigos 3.º, n.º 1, 411.º a 415.º, 542.º a 545.º, 571.º, 576.º, 577.º, alínea i), 580.º, 581.º, 582.º, do NCPC; artigos 21.º (1.ª espécie), 48.º, n.º 3, do 98.º-B a 98.º-P, CPT,
VIII – Contrariamente ao vertido na sentença, as normas adjetivas (reportadas à força probatória e valoração dos vários meios de – obtenção da – prova) e substantivas (invalidade do termo resolutivo) deveriam ter sido interpretadas em sentido contrário ao que consta na sentença, quer porque o Tribunal refere, inequivocamente, que os factos se reportam a uma inexistente situação de despedimento ilícito sem justa causa (por não ter havido processo disciplinar), quer porque existiu, reconhecidamente, uma situação de litigância de má fé e de abuso de direito, a impedir que o Autor, com mentiras e falsidades, deturpasse, entorpecesse e impedisse, efetivamente, a descoberta da verdade, a tal ponto que subsiste mesmo a dúvida se a lesão corporal era anterior ou contemporânea do período em que o trabalhador se encontrava ao serviço.
IX – Ao dar como não provados os factos constantes das alíneas d), e), f) e g), face à prova testemunhal e documental produzida, e tendo em conta os factos 1.1., 1.2. e 1.3., o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, nos termos e para efeitos do disposto no artigo 640.º, do NCPC: (i) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados – artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do NCPC; (ii) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida – artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e 2, alíneas a) e b) do NCPC.
X – Embora inexistisse prova cabal, na ação principal e única, a atender, o Julgador, em violação dos artigos 411.º a 415.º, 423.º, 577.º, alínea i), 580.º a 582.º, do NCPC, veio erroneamente a justificar as opções probatórias, para os factos não provados os factos constantes das alíneas d), e), f) e g), e factos 1.1., 1.2. e 1.3., com uma putativa fundamentação que não cumpre o requisito legal de permitir ao recorrente as verdadeiras razões que levaram o julgador a seguir o caminho que seguiu, na afirmação de um facto como provado ou não provado, já que apenas aduziu, em termos incompletos e desrazoáveis, o seguinte:
« O Tribunal baseou a sua convicção numa análise ponderada e conjugada de todos os elementos de prova postos à sua consideração.
Em primeiro lugar, haveria de se considerar a posição expressa pelas partes e, por conseguinte, dar como assentes os factos expressa ou tacitamente confessados: pontos 1.1 a 1.4, 1.7, 1.8 dos factos provados desta sentença.
A matéria dos pontos 1.5 e 1.6 dos factos provados resultou da consideração dos documentos (não impugnados) juntos com a contestação (e, de certa forma, admitidos pelo autor quando confirma que esteve “de baixa” e, portanto, que o acidente foi participado à seguradora).
Quanto à matéria do ponto 1.9 dos factos provados desta sentença atendeu-se ao documento (boletim de alta da seguradora) apresentado pelo autor na sua PI e, igualmente, não impugnado e aos documentos juntos pela ré, no tocante às indemnizações pagas ao autor pela seguradora pelos períodos das incapacidades temporárias.
No tocante aos pontos 1.10. e 1.12 dos factos provados desta sentença, atendeu-se ao depoimento de CC, conjugado com o documento (email) datado de 20 de Junho de 2022 que o mesmo confirmou ter enviado nessa data e em como a ré continuou a prestar serviços até ao fim do contrato de manutenção datado de 1 de Janeiro de 2019. Deste depoimento resultou, igualmente, a resposta negativa às alíneas d) e e) dos factos não provados desta sentença.
Não existiu qualquer prova das matérias das alíneas a), b) e c) dos factos não provados (nenhuma testemunha o referiu nem resulta de qualquer documento), pelo que só poderiam ter merecido tal resposta.
Não existiu prova credível (face ao citado depoimento de CC, não bastariam as declarações interessadas de BB) da matéria da alínea f) dos factos não provados, pelo que nada existiu que permitisse dar-lhe resposta positiva.
Igualmente nenhuma prova existiu sobre a matéria da alínea g) dos factos não provados.
Assim, em face da prova produzida, outra não poderia ser a decisão do Tribunal quanto aos factos alegados e de que poderia fazer uso».
XI – Ora, ressalvado o devido e merecido respeito, por entendimento distinto, dir-se-á que tal modo de julgar não se encontra fundamentado, de modo expressa e acessível, nos termos em que o exige o artigo 205.º, n.º 1, da CRP 1976, e o artigo 154.º, do NCPC, à luz da exigência constitucional derivada do princípio da tutela jurisdicional efetiva (civil e administrativa), posta, respetivamente, nos artigos 205.º, n.º 1, e 268.º, n.º 3, da CRP 1976, que é um imperativo de um Estado de Direito Democrático e uma exigência para a legitimação endo-processual e democrática, pelo decidir, na “criação da norma do caso”, pelo julgador, na complexidade e importância do libelo decisório concreto, espácio-temporalmente localizado e emaranhado estético-existencialmente, nos sujeitos neles atuantes, com as suas mundividências e idiossincrasias.
XII – 7.16. O Tribunal deveria, assim, ter aditado, como factos provados, o vertido nos factos não provados, d), e), f) e g), que passaria, assim, como se indica, a integrar os seguintes novos factos provados 1.13 a 1.16, por a tal o impor a prova documental e testemunhal produzida, que não foi alvo de impugnação ou incidente de validade na sua força probatória, sendo os depoimentos efetuados de modo claro, expresso e sem hesitações:
«Facto provado 1.13. Desde meados de Abril de 2021 que existiam negociações para lograr e implementar a continuação da relação contratual entre a ré e a administração do A... e tais negociações não tiveram sucesso, na prolongação do contrato para além de 12/10/2022.
Facto provado 1.14. A carta endereçada pela A... à ré data de 14/06/2021.
Facto provado 1.15. Foi por esse motivo que o contrato com o autor viria a ser denunciado.
Facto provado 1.16. O autor foi contactado pela ré com vista ao pagamento do último recibo de vencimento».
XII – Por sua vez, no que respeita aos concretos pontos de facto erroneamente julgados e aos meios probatórios a partir dos quais tal se concluir, diremos que os factos não provados, d), e), f) e g), se encontram indevidamente dados como NÃO PROVADOS, quando deveriam ter sido dados todos como PROVADOS, quer face ao depoimento de parte dos gerentes, quer das testemunhas, quer às regras da experiência e do “normal acontecer”.
XIII – O que significa que, em sede de fundamentação de facto, face à matéria impugnada, o Tribunal deveria, atento os meios de (obtenção da) prova produzidos, ter proferido a seguinte decisão em matéria de facto. Isto é, para além dos factos provados, deveria, do rol de «factos não provados», ter concluído, para os dar como PROVADOS, os seguintes factos:
«Facto provado 1.1 O Autor foi admitido ao serviço a 9 de Dezembro de 2021, na categoria de Jardineiro, para exercer a atividade profissional sob as ordens e direção da Ré.
Facto provado 1.2 O autor foi contratado para trabalhar no Aldeamento Turístico ... do A..., sito em ... – ... e ..., pela retribuição mensal de € 665,00 e subsídio de alimentação por dia trabalhado de € 5,93.
Facto provado 1.3 Por meio de trabalho a termo certo, pelo prazo de 6 (seis) meses, constando do escrito assinado pr autor e ré o seguinte no n.º 1 da cláusula 1.ª:
.
Facto provado 1.4 Em 23 de Abril de 2022, no local de trabalho, pelas 09h00, Autor sofreu um acidente de trabalho e foi levado ao serviço de Urgência do CHUA pelos Tripulantes da Ambulância de emergência que foram chamados ao local de trabalho, durante o período laboral..
Facto provado 1.5 Nesse dia 23 de Abril, o escritório da ré enviou mensagem com os dados da Apólice às 13:02 hs..
Facto provado 1.6 A ré enviou no dia 27 de Abril de 2022 participação do sinistro e dados bancários do autor para a seguradora, que por sua vez pagou os períodos das incapacidades temporárias ao autor..
Facto provado 1.7 Por carta data de 24 de Maio de 2022, recebida em 27 de Maio desse ano, foi comunicado pela ora Ré ao Autor a intenção de não renovação do seu contrato de trabalho, cujo prazo terminava a 08 de Junho de 2022.
Facto provado 1.8 Tal comunicação é do seguinte teor:


Facto provado 1.9 O autor estava, quando recebeu essa comunicação, com uma incapacidade temporária absoluta e teve alta clínica pelos serviços clínicos da seguradora no dia 11 de Julho de 2022, sendo que esta assegurou o pagamento das indemnizações por esses períodos de incapacidades.
Facto provado 1.10 O contrato de prestação de serviços entre a ré e a administração do A... foi celebrado no dia 1 de Janeiro de 2019.
Facto provado 1.11 No dia 20 de Junho de 2022 foi comunicado à ré pela A... a intenção de denunciar esse contrato de prestação de serviços de conservação e manutenção de jardins celebrado em 1 de Janeiro de 2019 com efeitos a 12 de Outubro de 2022.
Facto provado 1.12 A ré continuou a prestar serviços de manutenção e conservação de espaços verdes no Aldeamento Turístico ... do A... após 11 de Julho de 2022.
Facto provado 1.13. Desde meados de Abril de 2021 que existiam negociações para lograr e implementar a continuação da relação contratual entre a ré e a administração do A... e tais negociações não tiveram sucesso, na prolongação do contrato para além de 12/10/2022.
Facto provado 1.14. A carta endereçada pela A... à ré data de 14/06/2021.
Facto provado 1.15. Foi por esse motivo que o contrato com o autor viria a ser denunciado.
Facto provado 1.16. O autor foi contactado pela ré com vista ao pagamento do último recibo de vencimento».
XIII.1. – Os factos dados como não provados nos Pontos d., e. e f., foram incorretamente julgados como tais, pelo que deveria o Douto Tribunal “a quo” ter julgado-os como provados, conforme artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo de Trabalho.
XIII.2. A prova testemunhal produzida, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impunham decisão sobre os pontos da matéria dos factos dados como não provados nos Pontos d., e. e f., diversa da recorrida, conforme artigo 640.º, n.º 1, alínea b), e 2, alíneas a) e b) do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo de Trabalho.
XIII.3. O facto dado como não provado no Ponto d. refere o seguinte «d. Desde meados de Abril de 2021 que existiam negociações para lograr e implementar a continuação da relação contratual entre a ré e a administração do A... e tais negociações não tiveram sucesso.». O sócio-gerente da RÉ expôs, de forma específica e clara, que existiam indícios e claros sinais de que a resolução do Contrato de Prestação e Serviços celebrado entre a RÉ e o A... estaria para breve.
XIII.4. Sobre o facto dado como não provado no Ponto d., vide as declarações de parte do sócio-gerente da RÉ e os depoimentos das Testemunhas DD e CC supra transcritas.
XIII.5. Da prova Testemunhal produzida e das Declarações de Parte do Sócio-Gerente da RÉ, resulta que a manutenção do Contrato de Prestação de Serviços celebrado não era um dado adquirido e que conversações entre as partes e estudos de mercado foram sendo efetuadas pelo A... ao longo de toda a relação contratual. Tendo a mesma culminado com a resolução do Contrato de Prestação de Serviços celebrado. Nesse sentido, o facto dado não como provado no Ponto d. deveria ter sido dado como provado e ter a seguinte redação «1.10.1 Desde meados do ano de 2021 que existiam negociações para lograr e implementar a continuação da relação contratual entre a ré e a administração do A... e tais negociações não tiveram sucesso.».
XIII.6. Por sua vez, o facto dado como não provado no Ponto e. refere o seguinte « e. A carta endereçada pela A... à ré data de 14/06/2021.». Ao contrário do referido pelo Mm.º Juiz “a quo”, não poderão restar dúvidas que a carta endereçada pelo A... à RÉ data efetivamente de 14/06/2021, até porque tal informação consta do teor da mesma e nenhuma das partes impugnou o seu teor ou questionou a sua veracidade.
XIII.7. Sobre esta questão, vide o depoimento da Testemunha DD e CC supra transcritos, dos quais resulta que a carta endereçada pelo A... à RÉ data efetivamente de 14/06/2021, sem prejuízo da mesma ter sido enviada em data distinta da que consta no seu teor, sendo demonstrativa e elucidativa da intenção, já antiga, do A... rescindir o Contrato de Prestação de Serviços.
XIII.8. Nesse sentido, o facto dado não como provado no Ponto e. deveria ter sido dado como provado e ter a seguinte redação « 1.11.1. A carta endereçada pela A... à ré data de 14/06/2021, sem prejuízo de apenas ter sido efetivamente expedida em data posterior.».
XIII.9. Por fim, o facto dado como não provado no Ponto f. refere o seguinte «f. Foi por esse motivo que o contrato com o autor viria a ser denunciado.». O facto dado como não provado no Ponto f. não é uma decorrência lógica e contemporânea do facto dado como não provado no Ponto e., tratando-se de uma conclusão apressada e errónea.
XIII.10. O Contrato de Trabalho celebrado com o AUTOR foi denunciado, única e exclusivamente, pelo facto da continuidade do Contrato de Prestação de Serviços com o A... não estar assegurada, sendo seguro que se tratava de uma questão de tempo até que o mesmo fosse rescindido pela adquirente dos serviços. Sobre esta questão, vide as Declarações de Parte do sócio-gerente e da Testemunha DD, supra transcritos.
XIII.11. Da prova Testemunhal produzida e das Declarações de Parte do Sócio-Gerente da RÉ, é possível concluir que que não foi o facto de ter recebido uma comunicação do A... em 14/06/2021, até porque tal nunca foi alegado, que motivou a denúncia do Contrato de Trabalho, mas sim pelo facto da Gerência da RÉ já estar a gerir os Contratos de Trabalho dos funcionários que estavam alocados ao A....
XIII.11. O sócio-gerente da RÉ referiu que «02:00 - As RD, as vivendas grandes, enormes, as MM, eram as vivendas pequenas e as vilas, eram os condomínios que eram dois que eram o Laranjeiras e ...…não me recordo, não é importante, e outro nome que não me recordo agora. Isso tudo somado dava mais ou menos 100 jardins. E teríamos de ter obrigatoriamente se não, não quero estar enganado, assim por alto mais ou menos 11 homens e um Eng.º Agrário técnico a tempo inteiro.», o que significa que os mesmos dedicavam-se única e exclusivamente à prestação de serviços contratada pelo A.... Cessando o Contrato de Prestação de Serviços cessará, naturalmente, a necessidade temporária que originou a contratação do AUTOR.
XIII.12. Nesse sentido, o facto dado não como provado no Ponto f. deveria ter sido dado como provado e ter a seguinte redação «1.13 Atendendo à expectável e eminente rescisão do Contrato de Prestação de Serviços por parte do A..., cessaria a necessidade temporária que originou a contratação do Autor e, consequentemente, o contrato de trabalho viria a ser denunciado.». Tornando-se evidente que o Tribunal “a quo” incorreu em manifesto erro de julgamento aquando da fixação da matéria de facto dada como provada em face da prova testemunhal produzida em sede de Audiência de Julgamento.
XIII.13. Em face da impugnação da matéria de facto acima efetuada, é inequívoco que a Entidade Patronal fez prova dos factos que justificam a aposição do termo no contrato de trabalho, conforme o disposto no artigo 140.º, n.º 5, do Código do Trabalho.
XIII.14. O Douto Tribunal “a quo” conclui que “não se provou qualquer relação concreta entre esse facto (leia-se, a prestação de serviços) e a necessidade de contratação do autor” e defende que assim é porque não existe uma correlação entre a data de início da Prestação de Serviços e o início do Contrato de Trabalho do AUTOR. Contudo, ressalvado o devido respeito, nem assim teria de ser.
XIII.15. Foi referido pelo sócio-gerente da RÉ que estava contratualizada a exigência de um número mínimo de funcionários a tempo inteiro do A..., tendo tal facto sido igualmente confirmado pela Testemunha CC, pelo que apenas será natural que, fruto de variadas vicissitudes, a equipa responsável pelo A... sofra alterações (, forçando a RÉ a contratar um substituto.
XIII.16. Nem sempre sendo possível balizar a transitoriedade de tarefas laborais a realizar com um determinado período de tempo, sendo, essencialmente, um exercício de “futurologia”, ao penalizar a RÉ por esse facto desvirtua a previsão, ainda que a título excecional, da possibilidade da contratação a termo prevista no artigo 140.º, do Código do Trabalho.
XIII.17. Quando o Douto Tribunal “a quo” conclui que “parece resultar que o autor foi contratado, não para uma tarefa ocasional, mas para um conjunto de tarefas que visam a execução do que é a atividade normal da ré” ignora por completo aquilo que foram depoimentos coerentes e seguros das Testemunhas da RÉ e das declarações do próprio sócio-gerente. Foi bem delineada a distinção entre a regular contratação por parte da RÉ, quando, por exemplo, necessita de jardineiros para desenvolver a sua atividade normal de manutenção dos jardins de particulares que tenha a seu cargo (os quais exigem, talvez, uma visita mensal ou uma visita quinzenal) daquela atividade que é, evidentemente, excecional e temporária, que exige uma equipa de onze jardineiros e ainda um Engenheiro Agrário a tempo inteiro. Deveria ser inequívoco que não se tratam de situações semelhantes e, consequentemente, deverão ser tratadas de forma distinta.
XIII.18. A RÉ justificou adequadamente a opção pela celebração de Contrato de Trabalho a Termo Certo Resolutivo, tendo logrado fazer prova disso mesmo, conforme se lhe impunha por força do disposto no artigo 140.º, n.º 5, do Código do Trabalho.
XIII.19. Sendo válida a condição resolutiva aposta no Contrato de Trabalho celebrado entre a RÉ e o AUTOR, é igualmente válida a denúncia operada pela RÉ, o que significa que inexiste despedimento ilícito e, consequentemente, não haverá lugar ao pagamento das indemnizações arbitradas pelo Douto Tribunal “a quo”.
XIV – Em face da impugnação da matéria de facto acima efetuada, é por demais evidente que a Entidade Patronal não incorreu em qualquer violação que justificasse a aplicação das sanções ou o regime do disposto nos artigos 140.º, n.os 1, 2, alínea g), e 147.º, n.º 1, alíneas a) e b), 381.º, alínea c), 389.º, n.º 1, alíneas a) e b), 390.º e 391.º, do CT, e1.º, 2.º, e 157.º, n.º 4 [«O despedimento sem justa causa de trabalhador temporariamente incapacitado em resultado de acidente de trabalho ou de doença profissional confere àquele, sem prejuízo de outros direitos consagrados no Código do Trabalho, caso não opte pela reintegração, o direito a uma indemnização igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento ilícito»], da Lei n.º 98/2009, de 04 de setembro (alterada pela Lei n.º 83/2021, de 06-12) (que regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e de Doenças Profissionais), em complemento ao regime constante do artigo 391.º, n.º 3, do CT,
NESTES TERMOS, SEM PREJUÍZO DO DOUTO SUPRIMENTO POR VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ:
I – SER ADMITIDA A PRESENTE APELAÇÃO; E, CONSEQUENTEMENTE,
II – REVOGAR-SE A SENTENÇA RECORRIDA E SER A MESMA SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE RECONHEÇA A EXISTÊNCIA DE UMA RESOLUÇÃO SEM JUSTA CAUSA DE RELAÇÃO LABORAL, POR PARTE DA RECORRIDA;
III – RECONHECER-SE A VALIDADE DA CONDIÇÃO RESOLUTIVA APOSTA NO CT, E, CONSEQUENTEMENTE, A LICITUDE DA OPOSIÇÃO À RENOVAÇÃO, COM REGULARIDADE DA CADUCIDADE DA RELAÇÃO LABORAL;
SEM PRESCINDIR,
IV – NÃO SER A INDEMNIZAÇÃO AGRAVADA, NOS TERMOS E PARA EFEITOS DO ARTIGO 157.º, N.º 4, DA LEI N.º 98/2009, EM VIRTUDE DA NÃO VERIFICAÇÃO DO SEU CONDICIONALISMO FÁCTICO (DESPEDIMENTO ILÍCITO QUE TEM COMO CAUSA DIRECTA E INECESSÁRIA UM APROVEITAMENTO INDEVIDO DE ACIDENTE DE TRABALHO).».[2]
-
Não foram apresentadas contra-alegações.
-
A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos, fixando-lhe efeito meramente devolutivo.
-
Após a subida do processo à Relação, foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos.
Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre agora apreciar e decidir.

*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões suscitadas:
1.ª Nulidade da sentença.
2.ª Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
3.ª Não verificação de qualquer despedimento ilícito.
4.ª Falta de fundamento para o agravamento da indemnização fixada.
5.ª Litigância de má-fé por parte do Autor e abuso de direito.
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:
1.1 O Autor foi admitido ao serviço a 9 de Dezembro de 2021, na categoria de Jardineiro, para exercer a atividade profissional sob as ordens e direção da Ré.
1.2 O autor foi contratado para trabalhar no Aldeamento Turístico ... do A..., sito em ... – ... e ..., pela retribuição mensal de €665,00 e subsídio de alimentação por dia trabalhado de €5,93.
1.3 Por meio de trabalho a termo certo, pelo prazo de 6 (seis) meses, constando do escrito assinado por autor e ré o seguinte no n.º 1 da cláusula 1.ª:


1.4 Em 23 de Abril de 2022, no local de trabalho, pelas 09h00, Autor sofreu um acidente de trabalho e foi levado ao serviço de Urgência do ... pelos Tripulantes da Ambulância de emergência que foram chamados ao local de trabalho, durante o período laboral.
1.5 Nesse dia 23 de Abril, o escritório da ré enviou mensagem com os dados da Apólice às 13:02hs.
1.6 A ré enviou no dia 27 de Abril de 2022 participação do sinistro e dados bancários do autor para a seguradora, que por sua vez pagou os períodos das incapacidades temporárias ao autor.
1.7 Por carta datada de 24 de Maio de 2022, recebida em 27 de Maio desse ano, foi comunicado pela ora Ré ao Autor a intenção de não renovação do seu contrato de trabalho, cujo prazo terminava a 08 de Junho de 2022.
1.8 Tal comunicação é do seguinte teor:

1.9 O autor estava, quando recebeu essa comunicação, com uma incapacidade temporária absoluta e teve alta clínica pelos serviços clínicos da seguradora no dia 11 de Julho de 2022, sendo que esta assegurou o pagamento das indemnizações por esses períodos de incapacidades.
1.10 O contrato de prestação de serviços entre a ré e a administração do A... foi celebrado no dia 1 de Janeiro de 2019.
1.11 No dia 20 de Junho de 2022 foi comunicado à ré pela A... a intenção de denunciar esse contrato de prestação de serviços de conservação e manutenção de jardins celebrado em 1 de Janeiro de 2019 com efeitos a 12 de Outubro de 2022.
1.12 A ré continuou a prestar serviços de manutenção e conservação de espaços verdes no Aldeamento Turístico ... do A... após 11 de Julho de 2022.
-
E julgou a seguinte factualidade não provada:
a. O Superior direto do Autor, em conformidade com as diretrizes emitidas pela gerência, comunicou que o autor poderia continuar a laborar na empresa após aquela data, e que renovaria seu contrato.
b. A esposa do autor encontrava-se grávida na data do acidente.
c. O sofrimento aumentou quando descobriu que a empresa o despediu.
d. Desde meados de Abril de 2021 que existiam negociações para lograr e implementar a continuação da relação contratual entre a ré e a administração do A... e tais negociações não tiveram sucesso.
e. A carta endereçada pela A... à ré data de 14/06/2021.
f. Foi por esse motivo que o contrato com o autor viria a ser denunciado.
g. O autor foi contactado pela ré com vista ao pagamento do último recibo de vencimento.
*
IV. Nulidade da sentença
A recorrente arguiu a nulidade da sentença com fundamento no artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) a e) do Código de Processo Civil.
Preliminarmente menciona-se que as causas de nulidade da sentença previstas no invocado artigo 615.º aplicam-se ao processo laboral, por força do disposto no artigo 77.º do Código de Processo do Trabalho.
Foquemo-nos, então, em cada uma das situações invocadas pela recorrente.

Alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º:
De acordo com esta alínea é nula a sentença que não especifique os fundamentos de facto e direito que justificam a decisão.
Em relação à falta de fundamentação que constitui causa de nulidade da sentença, ensina Alberto dos Reis[3]: «Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)».
O mesmo entendimento tem sido defendido por doutrina mais recente.
Escreve Lebre de Freitas[4], que «há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação».
Por sua vez, Teixeira de Sousa[5], afirma que «esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (…)».
No mesmo sentido, escreve Rodrigues Bastos[6], que «a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afeta o valor legal da sentença».
A nível jurisprudencial, desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, têm considerado que a nulidade prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta[7].
Perfilhando este tribunal o referido entendimento, doutrinário e jurisprudencial, desde já se adianta que a sentença proferida não se encontra atingida pelo alegado vício da nulidade, uma vez que o tribunal de 1.ª instância observou o dever de fundamentação que se lhe impunha no âmbito do processo.
Da sentença constam os factos provados e não provados, a motivação da convicção e a fundamentação de direito.
Por conseguinte, consideramos que a obrigação de fundamentação da sentença foi cumprida.
Em consequência, não se verifica a situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

Alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º:
Esta alínea prescreve que é nula a sentença em que os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.
No que concerne à primeira parte da norma, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça prolatado no processo n.º 4345/12.9TCLRS-A.L1.S1, em 09-03-2022:[8]
«II – A nulidade da sentença/acórdão prevista no 1º. Segmento do al. c) do nº. 1 do citado artº. 615º - fundamentos em oposição com a decisão – ocorre quando os fundamentos de facto e/ou de direito invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a um resultado oposto ao expresso na decisão, existindo, pois, uma contradição entre as suas premissas, de facto e/ou de direito, e conclusão/decisão final.».
E também no Acórdão do mesmo tribunal de 14-04-2021, proferido no processo n.º 3167/17.5T8LSB.L1.S1[9]:
«I. A nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão contemplada no artigo 615.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Civil pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la: a contradição geradora de nulidade ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto ou, pelo menos, de sentido diferente.».
Ora, na sentença recorrida, os fundamentos (factuais e jurídicos) não estão em oposição com a decisão que foi tomada a final.
Pelo contrário, existe uma linha lógica de raciocínio, que é explicada, e que coerentemente conduziu à decisão assumida.
Os factos provados, de acordo com o declarado pelo tribunal a quo, não permitiram demonstrar que os motivos indicados para a aposição de termo no contrato de trabalho celebrado entre as partes processuais eram verdadeiros, assim como não se provou a necessidade de contratação temporária durante o específico tempo convencionado. Daí, concluiu a 1.ª instância, o contrato em causa não poderia deixar de ser considerado um contrato sem termo, ao abrigo do disposto no artigo 147.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho e, como tal, a comunicação efetuada pela recorrente de cessação do contrato por caducidade constituiu um despedimento ilícito, o que foi declarado na decisão final, tendo a recorrente sido condenada nas consequências do despedimento ilícito.
Não existe qualquer vício lógico de raciocínio. A decisão que se tomou foi a decisão logicamente expetável face à fundamentação que a antecedeu.
Destarte, não se verifica a situação contemplada no 1.º segmento da norma agora se analisa.
Identicamente não se verifica a 2.ª parte contemplada pela alínea.
Escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20-05-2021, relativo ao processo n.º 69/11.2TBPPS.C1.S1:[10]
«11. A ambiguidade ou a obscuridade prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 615.º só releva quando torne a parte decisória ininteligível [3] e só torna a parte decisória ininteligível “quando um declaratário normal, nos termos dos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à fundamentação para a interpretar” [4].
12. Ou seja: a alegada ambiguidade ou obscuridade na fundamentação não faz com que fique preenchida a previsão da segunda alternativa da alínea c) do art. 615.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.».
No Acórdão desta Secção Social de Évora datado de 11-11-2021, proferido no processo n.º 5194/19.9T8STB.E1[11], seguiu-se o mesmo entendimento:
«Desde logo, a primeira questão a salientar é a de que apenas releva a obscuridade ou ambiguidade da parte decisória, já não as obscuridades ou ambiguidades que possam existir na fundamentação da sentença, servindo tal fundamentação apenas para apurar o sentido pretendido quando a parte decisória se revele obscura ou ambígua.
Ora, o que o Apelante vem invocar é a obscuridade ou a ambiguidade da própria fundamentação, sendo que tal vício, a existir, não implica a nulidade prevista na 2.ª parte, da al. c) do n.º 1 do art. 615.º do Código de Processo Civil.».
Ora, também no caso que se aprecia, o que a recorrente invoca é a ambiguidade ou obscuridade, e consequente ininteligibilidade, da fundamentação, de facto e de direito, e não da decisão.
Como tal, em face do que se expôs, resta-nos concluir que o invocado não implica a situação prevista pela 2.ª parte da alínea c) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.
Nesta conformidade, resta-nos concluir pela improcedência da nulidade arguida com apoio na referida alínea.

Alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º:
Sempre que o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, a sentença é nula, de harmonia com o disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do Código de Processo Civil.
A causa de nulidade prevista nesta alínea está em correspondência direta com o artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. Estabelece-se nesta norma que o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, não podendo ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.
Assim, verifica-se a omissão de pronúncia quando o juiz deixe de apreciar as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação.
Por seu turno, o excesso de pronúncia ocorre quando o tribunal conhece de questões que não tendo sido colocadas pelas partes, também não são de conhecimento oficioso.
Neste âmbito, não se deverá confundir questões com razões ou argumentos invocados pelos litigantes em defesa do seu ponto de vista, pois esses não têm que ser obrigatoriamente conhecidos pelo tribunal. Já o Professor Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão»[12].
No caso em apreço, a recorrente entende que a sentença recorrida é nula porque o tribunal a quo omitiu pronúncia sobre uma realidade imprescindível, atento o disposto no artigo 390.º, n.º 2, alíneas a) a c) do Código do Trabalho, por não ter averiguado, ao abrigo dos seus poderes inquisitórios, sobre a situação de emprego do recorrido desde o declarado despedimento, designadamente procurando saber se o mesmo se encontra a exercer atividade remunerada e qual o valor auferido.
Vejamos.
Estatui o artigo 390.º que o trabalhador ilicitamente despedido tem direito a receber as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, com as deduções previstas no n.º 2 do artigo.
Sucede que apenas as deduções previstas nas alíneas b) e c) do mencionado n.º 2 são de conhecimento oficioso[13].
Por conseguinte, não competia ao tribunal averiguar e emitir pronúncia sobre a eventuais importâncias auferidas pelo recorrido após e devido ao despedimento.
Não pode, assim, verificar-se omissão de pronúncia sobre uma questão sobre a qual o tribunal não tinha oficiosamente de se pronunciar.
Consequentemente, também não se verifica a causa de nulidade da sentença analisada.

Alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º:
Por fim, estabelece a alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º que a sentença nula quando o juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
Sobre esta causa de nulidade, escreveu-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019, prolatado no processo n.º 2827/14.7T8LSB.L1.S1:[14] [15]
« (…) nos termos da lei adjetiva civil (art.º 615º do Código de Processo Civil) é nulo o acórdão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido (n.º 1 e) in fine, do art.º. 615º do Código de Processo Civil).
A propósito, o nosso direito adjetivo civil determina que o Tribunal está impedido de condenar em objeto diverso do que for pedido (art.º 609º n.º. 1 do Código de Processo Civil), pelo que, o Tribunal não só, não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, nomeadamente, no que respeita ao seu próprio objeto, sob pena de o aresto a proferir ficar afetado de nulidade.
Como sustenta, Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 362, “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 668°, n° 1, al. e))”, e no mesmo sentido, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir”, Salvador da Costa, in, Os incidentes da instância, Almedina, página 296.
A nulidade do acórdão quando o Tribunal condene em objeto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
A decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objetiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada alínea e) do art.º 615º do Código de Processo Civil, pois, o acórdão não pode conhecer de objeto diverso do pedido, o que significa que o Tribunal não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido, sendo que não havendo coincidência entre o decidido e o pedido, estar-se-á face a uma extra petição, vício que produz nulidade do aresto.
O vício da nulidade do acórdão, nos termos enunciados, encerra um desvalor que excede o erro de julgamento, por isso, inutiliza o julgado na parte afetada.».
Ora, no vertente caso, a decisão recorrida não condena em quantidade nem em objeto diverso do pedido.
O decidido respeita os limites, qualitativos e quantitativos, do pedido formulado.
Como tal, a sentença não está afetada pelo vício previsto na alínea e) do n.º 1 do artigo 615.º do Código de Processo Civil.

No seguimento, e face a todo o exposto, resta-nos concluir pela absoluta improcedência da nulidade arguida.
*
V. Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Em sede de recurso, a recorrente impugna a decisão sobre a matéria de facto, relativamente às alíneas d), e), f) e g) dos factos não provados.
No seu entender, a materialidade constante destas alíneas deveria ter sido dada como provada, tendo em conta os meios probatórios que indica. Pugna, assim, pelo aditamento ao acervo dos factos provados dos pontos 1.13, 1.14, 1.15 e 1.16, com o conteúdo que especifica.
Foi observado o ónus de impugnação previsto no artigo 640.º do Código de Processo Civil, aplicável por força do estatuído no artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho.
Nada obsta, assim, ao conhecimento da impugnação.
A materialidade impugnada é a seguinte:
d. Desde meados de Abril de 2021 que existiam negociações para lograr e implementar a continuação da relação contratual entre a ré e a administração do A... e tais negociações não tiveram sucesso.
e. A carta endereçada pela A... à ré data de 14/06/2021.
f. Foi por esse motivo que o contrato com o autor viria a ser denunciado.
g. O autor foi contactado pela ré com vista ao pagamento do último recibo de vencimento.
Consigna-se que ouvimos toda a gravação da prova produzida em julgamento e analisámos a prova documental apresentada nos autos, e, após ponderação, entendemos que não há fundamento para alterar a decisão impugnada.
A testemunha EE, ex-trabalhador da recorrente, não se pronunciou sobre a factualidade impugnada.
A testemunha DD, que disse ser assistente de direção da recorrente, não revelou isenção no depoimento que prestou, conforme resultou manifesto, pois se no inicio do seu depoimento se apresentou assertiva a relatar a versão dos factos apresentada pela recorrente, imediatamente sucumbiu quando lhe foram pedidos esclarecimentos mais precisos e detalhados que não conseguiu explicar, como, por exemplo, porque é que comunicaram a cessação do contrato de trabalho ao recorrido em maio de 2022, se, segundo a mesma, a reunião decisiva sobre a não continuação do contrato de prestação de serviços entre a A... e a recorrente apenas ocorreu em 20-06-2022. Igualmente não conseguiu explicar porque é que contrataram o recorrido no final de 2021 se já sabiam, de acordo com as suas declarações, que desde 14-06-2021 a A... queria rescindir o contrato de prestação de serviços.
Ademais, este testemunho, no que respeita às circunstâncias da rescisão da dita prestação de serviços foi absolutamente contrariado por uma testemunha que se revelou isenta e credível, e que participou no processo em causa, que foi a testemunha CC, como melhor explicaremos adiante.
Em suma, o depoimento da testemunha FF não nos mereceu fiabilidade quanto à declarada existência de negociações para a manutenção do contrato de prestação de serviços de jardinagem.
Acresce que embora a testemunha tenha referido que tentou ligar 2 ou 3 vezes ao recorrido com o objetivo de combinarem uma data com vista ao pagamento do último recibo de vencimento, a falta de isenção revelada pela testemunha e a inexistência de qualquer outra prova que corroborasse a sua declaração, impediu-nos, igualmente, de considerar o seu testemunho para dar como provada a factualidade descrita na alínea g) dos factos não provados.
Já a testemunha CC, diretor de operações do A..., afigurou-se-nos ser uma testemunha credível, sem qualquer interesse no desfecho da causa, e com razão de ciência relevante. Foi a testemunha que reuniu no dia 20-06-2022 com o legal representante da recorrente e, na sequência dessa reunião, enviou o email com a carta de rescisão do contrato de prestação de serviços de jardinagem que constitui o documento n.º ... junto com a contestação. Confrontado com a data que consta da carta de rescisão (14-06-2021) afirmou que se trata de um lapso material que, na altura, não reparou. Aliás, explicou que a carta nunca poderia datar de junho de 2021, porque nessa altura ainda não tinham feito qualquer consulta no mercado sobre preços para um novo contrato de prestação de serviços, o que só fizeram no final de 2021.
Em suma, o relatado pela testemunha contraria a ocorrência da factualidade descrita nas alíneas d) e e) dos factos não provados.
Por fim, as declarações prestadas pelo legal representante da recorrente, BB, parte interessada no processo, sem apoio de outra prova corroborante, nunca poderia, por si, constituir suporte probatório, para dar como verificada a factualidade impugnada.
Concluindo, a prova produzida não impõe decisão diversa da que foi proferida pela 1.ª instância.
De modo consequente, improcede totalmente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
*
VI. Sobre o decidido despedimento ilícito
A 1.ª instância decidiu que a comunicação efetuada pela recorrente de cessação do contrato de trabalho celebrado com o recorrido, por caducidade, constituiu um despedimento ilícito.
E fê-lo seguindo o seguinte raciocínio factual e jurídico:
Os factos provados não permitiram demonstrar que os motivos indicados para a aposição de termo no contrato de trabalho celebrado entre as partes processuais eram verdadeiros, nem se demonstrou a necessidade de contratação temporária durante o específico tempo convencionado. Em consequência, o contrato celebrado foi considerado sem termo, ao abrigo do disposto no artigo 147.º, n.º 1, alínea a) do Código do Trabalho e, como tal, a comunicação efetuada pela recorrente de cessação do contrato por caducidade constituiu um despedimento ilícito.
Desde já se adianta que o decidido não nos merece qualquer reparo.
Efetivamente, resulta da factualidade provada que as partes celebraram entre si um contrato de trabalho pelo prazo de seis meses.
Foi apresentada uma justificação para a celebração de um vínculo laboral limitado no tempo. Essa justificação consta do n.º 1 da clausula 1.ª do contrato.
De acordo com o estipulado no n.º 5 do artigo 140.º do Código do Trabalho, cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração de contrato de trabalho a termo certo.
Esta solução jurídica explica-se e justifica-se pelo carácter excecional que a lei atribui à contratação a termo.
Assim, não só é sobre o empregador que recai o dever de fazer constar do contrato de trabalho o termo estipulado e o respetivo motivo justificativo, com menção expressa dos factos que o integram, como é sobre o mesmo que recai a obrigação de provar a veracidade do motivo indicado para a contratação.
No vertente caso, consta do contrato celebrado que o recorrido foi contratado, ao abrigo do artigo 140.º, n.º 2, alínea g) do Código do Trabalho, por existir, extraordinária e pontualmente, a necessidade de prestar serviços de Manutenção e Conservação de Espaços Verdes dos Condomínios ... e ... e ... (...) e ... e ... (MM), que compõem o Aldeamento Turístico ..., sito em ... – ... e ..., que se encontra à responsabilidade da empregadora por lhe ter sido adjudicada pela Administração das Partes Comuns do referido Aldeamento Turístico.
Ora, o que de relevante resultou demonstrado é que desde 1 de janeiro de 2019, a recorrente mantinha com a Administração do referido Aldeamento um contrato de prestação de serviços.
O recorrido foi contratado em 9 de dezembro de 2021 (quase 2 anos após a celebração do contrato de prestação de serviços), para exercer funções de jardineiro no referido Aldeamento Turístico).
Ora, dificilmente um contrato de prestação de serviços que dura há quase dois anos (e que permaneceu em vigor, ao que tudo indica, pelo menos até 12-10-2022 - cf. factos provados 1.11 e 1.12) constitui uma extraordinária e pontual necessidade de prestar serviços de Manutenção e Conservação de Espaços Verdes.
Também não existem elementos factuais que nos levem a perceber a ocorrência de qualquer alteração à situação do referido contrato de prestação de serviços, que implicasse o surgimento de uma situação pontual e extraordinária que explicasse e justificasse a excecional contratação do recorrido.
O dicionário Priberam on line[16] define o adjetivo extraordinário(a) como o que não é conforme ao ordinário, ao costume, o que acontece poucas vezes, pelo que é raro, atípico, incomum ou anormal.
E define o adjetivo pontual como aquilo que não se prolonga no tempo.
Assim, pertinentemente, em nossa opinião, referiu-se na sentença recorrida:
«Ou seja, parece resultar que o autor foi contratado, não para uma tarefa ocasional, mas para um conjunto de tarefas que visam a execução do que é a atividade normal da ré.
Não provou, por isso, a ré a veracidade da justificação do termo.».
Concordamos!
Em suma, o que os factos evidenciam é que a estipulação do termo no contrato de trabalho celebrado visou apenas iludir as disposições legais que regulam a contratação a termo.
Deste modo, subscrevemos, sem reservas ou dúvidas, o seguinte trecho da sentença recorrida:
«Assim, tendo presente o disposto no artigo 147.º, n.º 1, alínea a), do Código de Trabalho, deve o contrato em causa nos autos ser considerado como um contrato sem termo.
Consequentemente, a comunicação efetuada pela ré para cessação, por caducidade, do contrato de trabalho constitui um despedimento ilícito.
Por outras palavras, de tal comunicação retira-se, necessariamente, a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho de forma unilateral pela ré. E tal despedimento é ilícito, por não ter sido precedido de procedimento disciplinar – cf. artigo 381.º, alínea c), do Código de Trabalho.».
Finalizando, confirma-se o declarado despedimento ilícito, o que conduz à improcedência do fundamento do recurso analisado neste ponto.
*
VII. Da alegada falta de fundamento para o agravamento da indemnização fixada
Se bem compreendemos a argumentação desenvolvida no recurso, a recorrente parece considerar que a indemnização fixada em consequência da declarada ilicitude do despedimento não deveria ter sido agravada ao abrigo do artigo 157.º, n.º 4 da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro (Regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais).
Vejamos.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«Sendo o despedimento ilícito, nos termos conjugados dos artigos 389.º, n.º 1, alíneas a) e b), n.º 1, do artigo 390.º e artigo 391.º, do Código de Trabalho, as consequências reconduzem-se à condenação do empregador:
- A indemnizar o trabalhador por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais causados;
- Na reintegração do trabalhador, salvo se o mesmo, em substituição da reintegração, optar por uma indemnização correspondente de 15 a 45 dias de remuneração base por cada ano de antiguidade ou fração (mas nunca inferior a três meses de retribuição base);
- No pagamento das retribuições que o trabalhador deixou de auferir desde os 30 dias que antecederam a propositura da ação até ao trânsito em julgado da sentença.
No caso, o autor optou pela indemnização em substituição da reintegração.
Uma vez que a antiguidade do autor era, à data do despedimento, inferior a 3 anos, verifica-se que a indemnização terá de ser fixada nos termos do artigo 391.º, n.º 3, do Código do Trabalho: ou seja, em €1.995,00 (€665,00x3).
Peticionou o autor, ainda, que o cálculo da indemnização se fizesse com o aumento previsto no artigo 157.º, n.º 4, da Lei 98/2009, de 4 de Setembro.
Dispõe esta norma que: “O despedimento sem justa causa de trabalhador temporariamente incapacitado em resultado de acidente de trabalho ou de doença profissional confere àquele, sem prejuízo de outros direitos consagrados no Código do Trabalho, caso não opte pela reintegração, o direito a uma indemnização igual ao dobro da que lhe competiria por despedimento ilícito”.
Resulta, por isso, da lei que há lugar a este agravamento quando se trate de despedimento de trabalhador temporariamente incapacitado (e não que o despedimento seja por causa dessa incapacidade). Para que se aplique será, por isso, necessário que o despedimento ocorra enquanto decorra o período de incapacidade temporária.
Ora, no caso, o despedimento ocorreu em 27/05/2022 e nessa data o autor estava com uma incapacidade temporária absoluta (é a própria ré que o confirma, no artigo 23.º da contestação).
A indemnização devida será, por isso, de €3.990,00.».
O n.º 4 do artigo 157.º da Lei n.º 98/2009 prevê o direito a uma indemnização agravada no caso de trabalhador temporariamente incapacitado para o trabalho em resultado de acidente de trabalho, que tenha sido ilicitamente despedido, e que não opte pela reintegração.
Trata-se de um regime especial mais favorável que o geral[17] que «reflete uma forma de proteção reforçada aos trabalhadores que se encontram temporariamente incapacitados para o trabalho em consequência de acidente laboral, sancionando mais severamente a entidade patronal que então os despeça sem justa causa»[18].
Ora, no vertente caso, infere-se do acervo fáctico que o recorrido sofreu um acidente de trabalho em 23 de abril de 2022, ao serviço da recorrente – ponto 1.4 dos factos provados.
A empregadora tomou conhecimento deste acidente – pontos 1.5 e 1.6.
Quando o recorrido recebeu a comunicação da empregadora a manifestar a intenção de fazer cessar o contrato de trabalho (despedimento sem justa causa), encontrava-se em situação de incapacidade temporária absoluta para o trabalho – pontos 1.7 a 1.9 – o que a recorrente não poderia deixar de conhecer[19], uma vez que o seu trabalhador tinha sofrido um acidente de trabalho, estava a ser seguido pela seguradora responsável e não estava a trabalhar.
Logo, o despedimento sem justa causa promovido pela empregadora ocorreu no período em que o trabalhador se encontrava temporariamente incapacitado em consequência do acidente de trabalho sofrido.
Destarte, ao abrigo do artigo 157.º, n.º 4 da Lei n.º 98/2009, tendo o mesmo optado pela indemnização em detrimento da reintegração, tem direito à indemnização igual ao dobro da que lhe competiria pelas regras gerais do despedimento ilícito.
E assim tendo sido decidido pela 1.ª instância, a decisão recorrida, também nesta parte, não merece qualquer reparo ou censura.
Sufraga-se, pois, a mesma.
*
VIII. Da alegada litigância de má-fé pelo Autor e abuso de direito
Por fim, refere a recorrente que o recorrido agiu de má-fé e litigou em “venire contra factum proprium”.
Ora, também quanto a esta matéria não se nos afigura que assista razão à recorrente.
Estipula o artigo 334.º do Código Civil que é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
O abuso de direito pode revelar-se em diversas atuações ou comportamentos.
No que concerne ao chamado “venire contra factum proprium”, que a recorrente invoca, tem-se entendido que se trata de uma conduta contraditória, cuja proibição está contida no segmento da norma contida no artigo. 334.º do Código Civil, que alude aos limites impostos pela boa-fé.[20]
Alguém assume uma conduta que é contraditória com outra conduta que já havia assumido, e que leva à violação da confiança que se havia instalado quanto ao comportamento inicialmente assumido.
Por isso o venire contra factum proprium, na sua apreciação, combina-se com o princípio da tutela da confiança.
Ora, no caso que se aprecia, a circunstância de o recorrido não ter colocado em causa a justificação para a aposição de termo no contrato de trabalho durante a vigência da relação laboral, que durou somente seis meses, não permite criar condições para que a recorrente pudesse “confiar” que o mesmo teria abdicado do direito de litigar sobre a invalidade da cláusula justificativa do termo contratual.
Logo, a interposição da presente ação e as pretensões deduzidas pelo recorrido não constituem abuso de direito.
No que respeita à litigância de má-fé, prescreve o artigo 542.º do Código de Processo Civil que litiga de má-fé aquele que com dolo ou negligência grave:
- tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
-tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a boa decisão da causa;
-tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
-tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da Decisão.
A ideia de litigância de má-fé está associada à necessidade de censura de “um comportamento inadequado à ideia de um processo justo e leal que constitui a emanação do princípio de Estado de Direito” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13-03-2008, Proc. 07B3843[21].
Nas palavras de Cecília Silva Ribeiro, “[a] má-fé processual, (…) é toda a atividade desonesta, cavilosa, proteladora (para cansar o adversário) unilateral ou bilateral, verificada no exercício do direito de ação, quando desenvolvida com a intenção de prejudicar outrem, quer ela respeite ao mérito da causa (lide caluniosa, fraudulenta, etc.) quer às medidas instrumentais, desde que seja ilícita, isto é violadora das normais gerais e especificas da conduta processual, tendentes a criar as condições favoráveis a uma boa e justa decisão do pleito”[22].
Ora, no caso que se aprecia, o recorrido não alterou a verdade dos factos, não deduziu pretensão cuja falta de fundamento devesse ignorar, não omitiu o dever de cooperação a que estava vinculado e nada indica que a utilização do processo tenha sido maliciosa com vista a alcançar um objetivo ilegal.
Pelo contrário, os elementos dos autos evidenciam uma observância honesta, responsável e legal do exercício do direito a litigar. A cooperação nos autos é manifesta. E a pretensão deduzida veio a ser parcialmente reconhecida.
Em suma, inexiste fundamento para condenar o recorrido como ligante de má-fé.
-
Uma nota final:
Nas conclusões do recurso, a recorrente faz duas referências respeitantes à decidida convolação do processo em processo comum, sem que extraia qualquer pretensão do referido.
É certo que por despacho proferido pela 1.ª instância em 13-02-2023, constatou-se a existência de erro na forma de processo inicial proposta e, com aproveitamento da petição inicial, determinou-se a convolação do processo para a forma de processo comum.
Há muito que passou o prazo processual de reação ao eventual erro na forma de processo – artigos 193.º 198.º e 196.º do Código de Processo Civil.
Em face do exposto, considerámos que as duas referências efetuadas não constituíam uma questão submetida à apreciação deste tribunal, até porque a recorrente não extrai dessas referências qualquer consequência jurídica.
-
Em conclusão final, o recurso terá de ser julgado totalmente improcedente, sendo as custas do mesmo suportadas inteiramente pela recorrente.
*
IX. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da recorrente.
Notifique.
-------------------------------------------------------------------------------


Évora, 25 de janeiro de 2024
Paula do Paço (Relatora)
Emília Ramos Costa (1.ª Adjunta)
Mário Branco Coelho (2.º Adjunto)







__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: Mário Branco Coelho
[2] Ainda que as conclusões do recurso sejam extensas e repetitivas, revelando um deficiente cumprimento do ónus de conclusão sintética imposto pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicável ao processo laboral, afigura-se-nos ser possível extrair das mesmas, com algum esforço, os fundamentos da impugnação apresentados nas alegações.
Sendo assim, optámos por não proceder ao convite para o aperfeiçoamento das conclusões, previsto no n.º 3 do artigo 639.º, para evitar delongas processuais.

[3] In Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pág.140.
[4] In Código de Processo Civil, pág.297.
[5] In Estudos sobre Processo Civil, pág. 221.
[6] In Notas ao Código de Processo Civil, III, pág. 194.
[7] Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-04-1975, BMJ 246.º, pág. 131; o Acórdão da Relação de Lisboa, de 10-03-1980, BMJ 300º, pág. 438; o Acórdão da Relação do Porto de 08-07-1982, BMJ 319.º, pág. 343; e o Acórdão da Relação de Coimbra de 06-11-2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e o Acórdão da Relação de Évora de 20-12-2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, estes dois últimos acessíveis em www. dgsi.pt.
[8] Acessível em www.dgsi.pt.
[9] Idem.
[10] Idem.
[11] Idem.
[12] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil anotado”, volume V, pág. 143.
[13] Cf. Acórdão da Relação de Évora de 19-12-2013 (Proc. n.º 679/12.0TTPTM.E1), consultável em www.dgsi.pt.
[14] Publicado em www.dgsi.pt.
[15] Ainda que neste aresto se aprecie a arguida nulidade de acórdão, a sua fundamentação aplica-se ipsis verbis à arguida nulidade da sentença.
[16] Acessível em dicionário.priberam.org.
[17] Cf. Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime jurídico anotado, 2.ª edição, Almedina, pág. 148.
[18] Citação extraída do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05-03-1997, publicado na Coletânea de Jurisprudência – Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, tomo I, pág. 291 e segs.
[19] Aliás, admite a situação de incapacidade no artigo 23.º da contestação.
[20] V.g. Acórdão da relação do Porto de 11/05/1989, CJ, 1989, 3.º, pág. 192.
[21] Publicado em www.dgsi.pt.
[22] “Do dolo geral e do dolo instrumental em especial no processo civil”, ROA, ano 9, págs. 83-113, citada por Paula Costa Ribeiro, in “A litigância de Má-Fé”, Coimbra Editora, 2008, pág. 389.