Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
547/22.8T8FAR.2.E1
Relator: EMÍLIA RAMOS COSTA
Descritores: INCIDENTE DE LIQUIDAÇÃO
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
Data do Acordão: 02/20/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – O incidente de liquidação de sentença limita-se a proceder à liquidação de uma condenação genérica, encontrando-se, por isso, obrigado a respeitar os limites impostos pela sentença condenatória, não lhe sendo lícito reapreciar os factos constantes dessa sentença ou reintroduzir novos factos.
II – Se na sentença, cuja liquidação se pretende, se constata, por um lado, que está concretizado o valor mensal das retribuições intercalares, só se desconhecendo, à data, quando ocorreria o trânsito da sentença; e, por outro, que não consta dos factos dados como provados a existência de quaisquer montantes a deduzir a tais retribuições; ocorrido o trânsito da sentença, basta um simples cálculo aritmético para concretizar a condenação genérica.
III – Entendendo o executado que tal sentença não se mostra líquida, deverá opor-se à execução com tal fundamento (art. 729.º, al. e), do Código de Processo Civil).
(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Integral:

Proc. n.º 547/22.8T8FAR.2.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório
AA[2] (Ré) veio, por apenso à ação principal, na qual tinha sido condenada, deduzir incidente de liquidação de sentença, solicitando que aos montantes de retribuições que fora condenada a pagar à Autora BB fossem deduzidos os montantes auferidos por esta a título de baixa médica.
Por despacho proferido em 09-06-2023 foi indeferido tal incidente nos seguintes termos:
Na sentença proferida foram as RR. AA e A..., Ldª., condenadas solidariamente, a pagar à A. BB o montante de € 4.783,00 a título de férias não gozadas e não pagas relativas a 2020, formação profissional não ministrada e indemnização pelo despedimento ilícito, acrescida do montante das retribuições (incluindo subsídios de férias e de natal) que deixou de auferir até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescida dos juros de mora, à taxa legal desde a data da cessação do contrato (30.11.2021) até integral pagamento.
Não foi relegado o cálculo do montante das retribuições que a A. deixou de auferir para liquidação de sentença nem foi determinado qualquer desconto a efectuar.
Como resulta da sentença proferida, o dever de pagar as retribuições intercalares abarcará a generalidade das prestações com natureza de retribuição que seria suposto o trabalhador auferir no período em análise, incluindo a retribuição-base e os complementos retributivos de atribuição certa e valor fixo a que o mesmo tinha direito se executasse o trabalho. Incluem-se aqui, em primeiro plano, os subsídios de Natal e férias.
Embora o nº 1 do artigo 390º do Código do Trabalho determine que o trabalhador tem direito a receber as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, não esclarece se o valor da retribuição a considerar é a retribuição ilíquida ou líquida, resulta da letra da lei que a retribuição em causa corresponde à quantia que o trabalhador deixou de auferir, isto é, a quantia ilíquida que deve entender-se como retribuição do trabalho e sobre a qual incidem os descontos legais. Nesta situação compete ao empregador fazer os devidos descontos legais, bem como reter e pagar, quer a nível de contribuições para a Segurança Social, quer a nível de IRS.
Nada que implique qualquer liquidação, pelo que se indefere a mesma.
Custas a cargo das requerentes pelo mínimo legal - artigo 527º., nº.s. 1, 2 e 3 do Código de Processo Civil.
Notifique.
Não se conformando com tal despacho, veio a Ré interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
a) A sentença proferida na acção declarativa não é certa, nem líquida, nem exigível e, portanto, não constitui título executivo.
b) Ressalvadas as situações em que a liquidação dependa de simples cálculo aritmético, com o regime introduzido pela alteração ao artigo 661.º, n.º 2, do CPC, o incidente de liquidação passou a ser o único meio para tornar líquida a obrigação em cujo cumprimento o devedor tenha sido condenado, constituindo assim um incidente da instância posterior ou subsequente à decisão judicial de condenação, enxertado no processo declaratório que nela culminou, e com a virtualidade de inclusivamente determinar a renovação da instância declarativa, já extinta.
c) Tratando-se de liquidação que não dependa de simples cálculo aritmético, vigoraria para a autora o ónus de proceder à liquidação no âmbito do verdadeiro processo de declaração ulterior que o incidente de liquidação constitui, com a alegação e prova dos factos que fundamentam a pretendida liquidação.
d) Pretende a Recorrente que a decisão recorrida enferma de nulidade, por violação da lei, em consequência da não admissão do incidente de liquidação da douta Sentença, proferida nos autos principais.
e) Deve, assim, alterar-se o despacho recorrido no sentido de se admitir o incidente de liquidação de sentença.
f) Notificando-se de imediato a Segurança Social para demonstrar as quantias pagas à trabalhadora, a que título e durante que período,
g) Liquidando-se a sentença por forma a desobrigar a empregadora de todas as retribuições devidas à trabalhadora durante o período peticionado.
Face ao exposto deve o presente recurso ser recebido por tempestivo e declarado procedente e, em consequência revogar o despacho recorrido, admitindo-se a apresentação e a tramitação do incidente de liquidação de sentença.
A Autora não apresentou contra-alegações.
No processo principal (processo n.º 547/22....) foi proferida sentença, em 01-02-2023, a qual transitou em 08-03-2023, com o seguinte teor decisório:
Nestes termos e por tudo o exposto, decide-se, julgar a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência:
A) Declara-se ilícito o despedimento da A. BB pelas RR. AA e A..., Ldª.;
B) Condenam-se as RR. AA e A..., Ldª., solidariamente, a pagar à A. BB o montante de € 4.783,00 a título de férias não gozadas e não pagas relativas a 2020, formação profissional não ministrada e indemnização pelo despedimento ilícito, acrescida do montante das retribuições (incluindo subsídios de férias e de natal) que deixou de auferir até ao trânsito em julgado desta decisão, acrescida dos juros de mora, à taxa legal desde a data da cessação do contrato (30.11.2021) até integral pagamento.
B) Absolvem-se as RR. do restante peticionado;
Custas pela A. e RR. na proporção do decaimento/vencimento.
Registe e notifique.
O tribunal de 1.ª instância, por despacho proferido em 22-06-2023, indeferiu o recurso, em face do valor do incidente, ao qual foi atribuído o valor de €4.783,00. Tendo a Ré reclamado de tal indeferimento, por decisão sumária, por nós proferida em 28-10-2023, foi tal recurso admitido, por estar em causa uma ação de despedimento do trabalhador por iniciativa do empregador.
Em 10-11-2023 foi o recurso admitido pela 1.ª instância como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, tendo tal recurso sido mantido nos seus exatos termos neste Tribunal.
Em cumprimento do disposto no art. 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
A Ré/Apelante AA veio responder a tal parecer pugnando pela procedência do recurso interposto.
Colhidos os vistos, cumpre agora apreciar e decidir.
II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são:
1) Nulidade da decisão recorrida por violação da lei; e
2) Revogação da decisão recorrida.
III – Matéria de Facto
Para além do que consta do relatório que antecede, o tribunal de 1.ª instância deu como provados, no processo principal, os seguintes factos:
A) Por acordo escrito e sem termo de 28 de Junho de 2019 a A. acordou com a primeira R. prestar a sua actividade profissional com a categoria de Assistente Administrativa simultaneamente para a primeira R e para a segunda Ré de que aquela é também sócia;
B) A A desde o início sempre prestou a sua actividade na Rua ..., ... em ... onde ambas as RR tinham instalado o seu escritório que era comum;
C) A primeira Ré exercia no aludido local a sua actividade profissional como advogada, e a segunda Ré exercia no mesmo local a sua actividade de mediação imobiliária partilhando não só o local como escritório comum como também todos os demais equipamentos e serviços próprios da A.;
D) No âmbito do exercício das suas funções competia à A assegurar a abertura e fecho do escritório entre as 10 horas e as 18 horas (com intervalo para almoço entre as 13 horas e as 14:30 horas, assegurar o atendimento telefónico; receber, anotar e transmitir mensagens; organizar a agenda da primeira Ré; arquivar e digitalizar e elaborar documentos e cartas e em geral praticar todas as tarefas compatíveis com a sua categoria profissional de Assistente Administrativa;
E) No exercício das suas funções de Assistente Administrativa a A prestava indistintamente o seu serviço para ambas as RR competindo-lhe, nesse âmbito, atender clientes de ambas as RR, responder a telefonemas, marcar reuniões, e praticar todos os actos necessários ao bom desempenho da actividade de ambas as RR que a primeira Ré lhe determinava pontualmente;
F) Ficou acordada a remuneração mensal ilíquida da A em € 650,00 acrescida de subsídio de alimentação diária de € 4,77;
G) Ficou acordado o horário de trabalho com início às 10.00 horas e termo às 18 horas com intervalo para o almoço entre as 13 e as 14.30 horas, folgando a A ao sábado e ao domingo;
H) A primeira Ré pagou á A o salário estipulado nos meses de Agosto, Setembro e Outubro de 2019 por transferência bancária para a conta da A no Millenium BCP;
I) Em Outubro de 2020 a primeira Ré passou a pagar à A o subsídio de férias em duodécimos;
J) No dia 14 de Julho de 2021 a primeira Ré comunicou à A. que a situação de trabalho do escritório partilhado por ambas as RR iria ser totalmente remodelada;
K) Nesse dia, a primeira Ré enviou uma mensagem escrita à A. comunicando-lhe as alterações que ia fazer quer no escritório propriamente dito quer na forma de prestação de trabalho da A, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2021;
L) Refere a aludida mensagem enviada pela primeira Ré à A o próprio escritório iria ser remodelado, fazendo desaparecer a publicidade a segunda Ré A..., iria ser utilizada apenas “meia porta” para os contactos, a disposição interna do escritório iria ser alterada, designadamente o gabinete da 1ª Ré, passando o ordenado mensal da A para 1.100,00€ a pagar em partes iguais pela primeira e segunda RR, clarificando ainda que a A responderia igualmente perante cada uma das RR.;
M) As alterações comunicadas foram implementadas a partir de um de julho de 2021;
N) A A foi cumprindo todas as ordens que lhe dava a primeira Ré para exercer funções para a segunda Ré, designadamente fazendo anúncios de vendas de imóveis nas plataformas eletrónicas que lhe eram indicadas para o efeito;
O) A A reclamou várias vezes referindo à 1ª Ré que não era aquela a actividade para que tinha sido contratada em 2019;
P) A primeira Ré enviou à A. em 27 de Agosto de 2021 uma nova mensagem;
Q) Nos meses de Julho, Agosto, Setembro e Outubro de 2021 cada uma das RR pagou à A o vencimento base de € 550,00 acrescido de subsídio de alimentação de 2,38€ por dia de trabalho com pagamento do subsídio de férias e de Natal em duodécimos ;
R) Em 12 de Novembro de 2021 a primeira Ré comunicou telefonicamente à A que o Sr. Dr. CC, advogado estagiário no mesmo escritório, passaria também a ser seu patrão, pelo que deveria fazer tudo o que o mesmo determinasse, assessorando a sua actividade de advogado e continuando a prestar os serviços que vinha prestando quer para ela própria primeira Ré quer para a sociedade segunda Ré;
S) A A. enviou à primeira R. email, datado a 12 de novembro de 2021 referindo: “(…) Após a conversa telefónica de hoje à hora de almoço, conforme o que a Doutora disse, que quem não quisesse trabalhar para a A... voltaria a ser como estava antes, venho assim e através deste e-mail comunicar a minha vontade de não continuar a trabalhar para a A... voltar ao meu estatuto anterior. (…) Como foi expressado existe desagrado com o meu desempenho na A... e visto a Doutora na conversa telefónica de hoje ter dado opção, de quem não quiser trabalhar na A... não teria de trabalhar, voltava ao sistema anterior ou seja, no meu caso 100% Projuris, dessa forma opto por voltar ao sistema anterior devido ao motivo que já mencionei. Espero que minha opção seja respeitada, em caso se insatisfação total estou disponível para um acordo de despedimento, colocando o meu lugar à disposição para alguém que preencha os requisitos.”;
T) No dia 15 do mesmo mês o Sr. Dr. CC, advogado estagiário em representação de ambas as RR entregou em mão à A uma carta na qual refere que “a sua posição não permite qualquer tipo de continuidade na prestação de trabalho” que se verifica a sua demissão “com efeitos presenciais imediatos e efeitos jurídicos reportados a 30 de Novembro de 2021”, que entra imediatamente em gozo de férias devendo entregar imediatamente as chaves do escritório e o telemóvel e concluindo que “as contas finais serão enviadas para a sua residência”;
U) Com o recebimento de tal carta, a A ficou muito abalada, incapaz de trabalhar, razão pela qual foi ao médico que lhe deu baixa por doença desde o dia 17 de Novembro de 2021;
V) A A ainda apelou à primeira R. enviando-lhe carta a solicitar esclarecimentos, a qual não obteve qualquer resposta;
W) As RR procederam à comunicação à Segurança Social a cessação do contrato de trabalho com efeitos a 30.11.2021 As Rés. Nunca proporcionaram formação profissional à A. e esta nunca usou o crédito de horas para formação por sua iniciativa;
X) No ano de 2021 a A gozou apenas 5 dias de férias;
Y) As RR. não ministraram formação profissional à A.;
Z) As RR em 31 de Novembro de 2021 pagaram à A a quantia ilíquida a titulo de férias, subsidio de férias e de natal de € 1.600,00;
AA) A A. tem ficado muitas noites sem dormir, andando angustiada e triste;
BB) A Autora desde o início do contrato acima mencionado, sempre prestou a sua actividade na Rua ..., local do seu trabalho, e escritório da 1.ª Ré, fracção autónoma contínua, à sede da sociedade A... – 2.ª Ré, que é igualmente uma fracção autónoma, sendo as duas fracções autónomas são contínuas perfazendo esquina da rua;
CC) Consta do contrato de trabalho ajustado entre as partes no n.º 2 da cláusula primeira, que: A Primeira Contraente pode, quando o interesse da empresa o exija, encarregar temporariamente o Segundo Contraente a desempenhar funções não compreendidas na actividade contratada, desde que tal não implique modificação substancial da posição do mesmo, nem diminuição da retribuição, nomeadamente relativamente à empresa associada A...”;
DD) Desde o início que começou a trabalhar para a 1.ª Ré em 2019, que a A. fez questão de dizer que nunca iria trabalhar como comercial, e sempre demonstrou desinteresse, até porque alegava que o seu companheiro detinha uma imobiliária e se não trabalhava como comercial para ele, também não iria trabalhar para terceiros;
EE) A A. como assistente administrativa da 2.ª Ré tinha como função publicar anúncios de venda dos imóveis nas plataformas electrónicas que lhe eram indicadas para o efeito e atender os telefonemas a clientes da imobiliária;
FF) A A. de forma reiterada se recusou a prestar o seu trabalho de assistente administrativa à sua colega Sra. DD (comercial – angariadora) e ao Dr. CC (advogado estagiário), nomeadamente, recusa de inserir imóveis nas plataformas digitais para venda e assistir o colega da 1.ª Ré na sua actividade profissional, tirar cópias, enviar correio, entregar dossiers, fazer arquivo;
GG) A partir de Setembro de 2021, o Dr. CC iniciou uma parceria jurídica com a 1.ª Ré, e daí a necessidade da trabalhadora visada ter que o assessorar como administrativa, o que veio a recusar de forma reiterada;
HH) E também a partir desse momento recusou perenptoriamente executar quaisquer tarefas que lhe eram cometidas pela Sra. DD, tendo mesmo provocado e mantido acesa a discussão com esse propósito com todos presentes no escritório, gritando por várias vezes, “não faço” e “não quero nada com a A...”;
E deu como não provados os seguintes factos:
A) A A ficou assustada com as alterações comunicadas e comunicou à primeira Ré as suas reservas, mas esta referiu-lhe peremptoriamente que a partir do dia um de Julho iria ser como lhe
comunicara em mensagem telefónica;
B) Passou a primeira Ré a exigir à A a prestação de serviços comerciais para a segunda Ré, designadamente o atendimento de clientes e potenciais compradores e a realização de visitas com os clientes às casas em carteira para venda;
C) A primeira Ré. pretendeu mesmo entregar um telefone da segunda Ré para à A. para esta atender telefonemas de clientes e efectuar encontros comerciais com estes e angariar outros clientes, o que a A não quis aceitar por ser actividade completamente diferente da compreendida na actividade à de assistente de administrativa para que tinha inicialmente sido contratada;
D) A A. prestou em todas as semanas em que trabalhou 2,5 horas para além do seu horário de trabalho;
II) A A. trabalhou para além do seu horário de trabalho em Janeiro de 2020 12,5 horas, em Janeiro de 2021 10 horas, em Fevereiro de 2020 10 horas e em Fevereiro de 2021 10 horas, em Março de 2020 10 horas e em Março de 2021 12,5 horas, em Abril de 2020 12,5 horas e em Abril de 2021 10 horas, em Maio de 2020 10 horas e em Maio de 2021 10 horas, em Junho de 2020 10 horas e em Junho de 2021 12,5 horas, em Julho de 2019 7,5 horas, em Julho de 2020 12,5 horas e em Julho de 2021 10 horas, em Agosto de 2019 10 horas, de 2020 10 horas e de 2021 10 horas, em Setembro de 2019 10 horas, de 2020 12,5 horas e de 2021 12,5 horas, em Outubro de 2019 12,5 horas, de 2020 10 horas e de 2021 10 horas, em Novembro de 2019 10 horas, de 2020 10 horas e de 2021 5 horas, em Dezembro de 2019 10 horas e de 2020 12,5 horas;
JJ) Desde 2019 que foi atribuído à A. pela 1.ª Ré um telemóvel com número ...92 para atender as chamadas de clientes, e realizar chamadas necessárias ao bom desempenho da sua função;
KK) Tal comportamento deixou o agregado familiar da A. em grandes dificuldades uma vez que a mesma é o único sustento do mesmo, encontrando-se o seu marido desempregado.
IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso é se (i) a decisão recorrida é nula por violação da lei; e (ii) a decisão recorrida deve ser revogada.

1 – Nulidade da decisão recorrida por violação da lei
Entende a recorrente que a decisão recorrida é nula por violação da lei, porém, não esclarece, em concreto, quais sejam os atos nela praticados ou omitidos que violam a lei, nem quais as normas jurídicas violadas e, sendo assim, é impossível enquadrar factos não alegados no disposto no art. 615.º do Código de Processo Civil, aplicável aos despachos por força do art. 613.º, n.º 3, do mesmo Diploma Legal, e, por sua vez, aplicável ao processo laboral nos termos do art. 1.º, n.º 2, al. a), do Código de Processo do Trabalho.
Nesta conformidade, apenas nos resta julgar improcedente esta pretensão da recorrente.
2 – Revogação da decisão recorrida
Pretende a recorrente que a decisão recorrida seja revogada, visto que deveria ter admitido o incidente de liquidação da sentença, interposto pela Ré, uma vez que tal sentença não é certa, líquida e exigível.
Mais referiu que o apuramento do montante a pagar pela recorrente à Autora, relativamente às retribuições que esta deixou de auferir com o despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença, não resulta de simples cálculo aritmético, sendo necessário para a sua liquidação a notificação prévia da segurança social, a fim de demonstrar as quantias pagas à Autora, de forma a desobrigar a recorrente de todas as retribuições devidas à trabalhadora durante o período peticionado.
Apreciemos.
No caso em apreço foi proferida sentença que, para o que ora nos interessa, condenou a Apelante e a Ré “A..., Ldª.”[3] a pagarem à Autora às retribuições que esta deixou de auferir com o despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença. Entende a Apelante que esta condenação é genérica e não é possível apurar o seu quantitativo com recurso a um simples cálculo aritmético.
Nos termos do art. 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, a condenação genérica para a qual se mostra previsto o incidente de liquidação é a que está definida no n.º 2 do art. 609.º do mesmo Diploma Legal.
Estipula o n.º 2 do art. 609.º do Código de Processo Civil que:
2 - Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida.

Acresce que, mesmo quando estamos perante uma condenação genérica, desde que para o apuramento do seu cálculo baste o recurso ao cálculo aritmético, torna-se desnecessário interpor o respetivo incidente de liquidação.
Na situação dos autos, a Apelante e a Ré “A...” foram condenadas no pagamento à Autora das retribuições, incluindo subsídios de férias e de natal, que esta deixou de auferir até ao trânsito em julgado da sentença, acrescida dos juros de mora, à taxa legal, desde a data da cessação do contrato (30-11-2021) até integral pagamento. Desconhecendo a sentença quando iria ocorrer o trânsito em julgado não era possível, à data, fixar a quantidade exata do montante a receber, pelo que efetivamente estamos perante uma condenação genérica. No entanto, tendo resultado provado que a Autora, aquando do despedimento ilícito, auferia a quantia mensal de €1.100,00, basta um simples cálculo aritmético, após o transito em julgado da sentença, para apurar o montante em que as Rés foram condenadas.
Conforme bem se refere no acórdão do STJ, proferido em 13-09-2023, no âmbito do processo n.º 2386/22.7T8VNF-A.S1:[4]
I- Proferida sentença a declarar a ilicitude do despedimento e a condenar, em termos genéricos, no pagamento de retribuições intercalares, o Autor já tinha título executivo para todas as quantias devidas a esse título, não podendo recorrer a nova acção declarativa pedindo essa mesma condenação.
II- E quando a liquidação, como é o caso, depende de mera operação aritmética, pode e deve proceder-se a ela na própria execução (art. 716ª, do CPC), não havendo lugar ao incidente da instância de liquidação (em sentido técnico), previsto no artº 358º do CPC;

É importante salientar que o incidente de liquidação de sentença limita-se a proceder à liquidação de uma condenação genérica, encontrando-se, por isso, obrigado a respeitar os limites impostos pela sentença condenatória, não lhe sendo lícito reapreciar os factos constantes dessa sentença ou reintroduzir novos factos.
Cita-se, a este respeito, o acórdão do STJ, proferido em 16-12-2021, no âmbito do processo n.º 970/18.2T8PFR.P1.S1:[5]
II. A liquidação da sentença destina-se, tão somente, a ver concretizado o objecto da sua condenação (genérica), mas respeitando sempre (ou nunca ultrapassando) o caso julgado formado na mesma sentença condenatória a liquidar. Ou seja, a liquidação tem, forçosamente, de obedecer ao que foi decidido no dispositivo da sentença, não podendo contrariar esse julgado, nomeadamente, corrigindo-o.
III. O incidente de liquidação não pode culminar na negação de um direito anteriormente firmado por sentença. Sendo que, neste domínio, a única questão em aberto é a da medida da liquidação e nunca a existência do direito respectivo.

E, a ser assim, em face dos elementos constantes da sentença, cuja liquidação a Apelante pretende, constata-se, por um lado, que está concretizado o valor mensal das retribuições intercalares, só se desconhecendo, à data, quando ocorreria o trânsito da sentença; e, por outro, que não consta dos factos dados como provados a existência de quaisquer montantes a deduzir a tais retribuições. Deste modo, é manifesto que, ocorrido o trânsito da sentença, o simples cálculo aritmético permitirá apurar o montante em que as Rés foram condenadas, de forma a que, em sede de execução, tal sentença, por si só, constituía título executivo suficiente.
Entendendo a Apelante/Ré/executada de modo diverso, competia-lhe, em sede de oposição à execução, invocar a falta de liquidez do título executivo, nos termos do art. 729.º, al. e), do Código de Processo Civil, já não interpor um incidente de liquidação de sentença, cuja legitimidade é da competência exclusiva da Autora, nos termos do art. 358.º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, improcede também, nesta parte, a pretensão da Apelante.
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar totalmente improcedente o recurso, mantendo-se a decisão proferida.
Custas a cargo da Apelante (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
Évora, 20 de fevereiro de 2024
Emília Ramos Costa (relatora)
Mário Branco Coelho
Paula do Paço
_________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] Doravante AA.
[3] Doravante “A...”.
[4] Consultável em www.dgsi.pt.
[5] Consultável em www.dgsi.pt.