Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
390/20.9T8SSB.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: APELAÇÃO AUTÓNOMA
PROVA DOCUMENTAL
ADMISSÃO
TRÂNSITO EM JULGADO
CASO JULGADO FORMAL
MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
ANGARIADOR
Data do Acordão: 04/20/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I – O despacho que rejeita a junção de um documento aos autos é autonomamente recorrível, ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do CPC, de acordo com cuja estatuição cabe recurso de apelação autónoma do despacho de rejeição de algum meio de prova.
II – Não tendo sido interposto recurso, tal despacho transitou em julgado, estando coberto pelo caso julgado formal e tendo força obrigatória dentro do processo, tal como previsto no artigo 620.º, n.º 1, do CPC, autoridade essa que vincula este tribunal, que não pode reapreciar a decisão da matéria de facto com fundamento em tal documento.
III – A qualidade de “angariador” de um imóvel é um conceito jurídico, que depende da prova da prática dos atos previstos no regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, que exige ainda que essa menção conste obrigatoriamente do contrato de mediação.
IV – A apreciação da matéria de facto não pode dissociar-se da qualificação jurídica dos atos praticados, que determina a base factual, impondo-se nesse caso, a modificação da matéria de facto, com a eliminação desse segmento do ponto de facto provado.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 390/20.9T8SSB.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal[1]
*****
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – RELATÓRIO
1. AA, intentou a presente ação declarativa de condenação contra Chave Certa - Promoção Imobiliária, Lda., invocando que acordou com a Ré que receberia 25% da comissão devida àquela agência imobiliária, pelas angariações, e 25% pelas vendas que fizesse, sendo-lhe devida pela Ré: a comissão, no valor de global 6.137,56€, pelo negócio que teve por objeto a moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra, a que acrescem juros de mora, desde 31.05.2019 até à data da entrada da presente ação, no valor de 312,76€, num total em dívida que ascende a 6.450,32€; a comissão, no valor de global 1.650,00€, pelo negócio que teve por objeto a moradia sita na Avenida ..., Redondos, ..., Fernão Ferro, a que acrescem juros de mora, desde 24/09/2019 até à data da entrada da presente ação, no valor de 63,11€, num total em dívida que ascende a 1.713,11 €; a indemnização por danos patrimoniais, no valor de 688,47€; a indemnização por danos não patrimoniais, no valor de 8.000,00€; e ainda os juros de mora entretanto vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, que peticiona.

2. Regularmente citada, a Ré contestou, invocando a incompetência territorial do tribunal, pugnando pela improcedência da ação, e pedindo a sua absolvição do pedido, alegando, em síntese, que a A. deixou de lhe prestar serviço, por abandono, pelo que não tem o peticionado direito.

3. Foi proferido despacho de saneamento, e julgada improcedente a deduzida exceção de incompetência territorial.

4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente ação e, consequentemente, decido condenar a Ré, Chave-Certa Promoção Imobiliária, Lda., a pagar à Autora, AA:
- A comissão no valor de 3.068,78€, devida no negócio que teve por objeto a moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra, a que acrescem juros de mora desde 31/05/2019 até à data da entrada da presente ação e os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa supletiva vigente para os juros civis;
- A comissão no valor de global 1.650,00 €, devida no negócio que teve por objeto a moradia sita na Avenida ..., Redondos, ... Fernão Ferro, a que acrescem juros de mora desde 24/09/2019 até à data da entrada da presente ação, no valor de 63,11 €, num total em dívida que ascende a 1.713,11 euros, acrescidos dos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa supletiva vigente para os juros civis;
- A indemnização por danos não patrimoniais, no valor de 4.000,00 € (quatro mil euros) acrescidos dos juros moratórios a contar após o transito em julgado da presente sentença.
No mais vai a Ré absolvida do pedido.
Custas a cargo das Partes na proporção do decaimento.
Valor da ação: 16.851,90 €».

5. Inconformadas, a Autora e a Ré, apelaram, finalizando as suas minutas recursórias com as seguintes conclusões [transcrição]:
5.1. Recurso da Autora:
«1. A autora/recorrente peticionou a condenação da Ré/Recorrida, ao pagamento à A. da comissão no valor de global 6.137,56 €, devida no negócio que teve por objeto a moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ..., Sesimbra, a que acrescem juros de mora desde 31/05/2019 até à data da entrada da ação, no valor de 312,76 € €, num total em dívida que ascende a 6.450,32 €;
2. O valor total de comissão supra mencionado seria devido pela angariação do imóvel/vendedora e pela angariação dos compradores e pelo exclusivo, no negócio da moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra;
3. Apesar de toda a prova carreada para os autos pela recorrente, nomeadamente, a prova documental junta com a P.I. (Doc. n.º 3 a n.º 19) e da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, o Tribunal a quo decidiu somente atribuir à A., por esse negócio, a comissão devida pela angariação dos vendedores, no valor de 3.068,78 €, a que acrescem juros de mora desde 31/05/2019 até à data da entrada da presente ação e os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa supletiva vigente para os juros civis, isto é, menos de metade do valor a que teria direito;
4. O Tribunal de 1.ª Instância entendeu que a angariação do imóvel/da vendedora foi realizada por uma então colega de AA, a Sr.ª BB.
5. Resulta da prova carreada para os autos que BB não angariou o imóvel/a vendedora, tendo transmitido, à recorrente, somente o contacto telefónico da sua proprietária, a sua antiga cliente, P...;
6. Tratou-se de uma mera referenciação do cliente, de uma dica dada à A., o que aliás é admitido pelo Tribunal. «(…) BB referenciou a cliente (…) àquela (…)»;
7. Salvo o devido respeito, o Tribunal a quo iguala, de forma incorreta, essa referenciação a uma angariação e, por isso, erradamente conclui que esta «(…) fez a angariação, tem direito a metade da comissão a pagar pela Chave Certa.»;
8. A decisão recorrida é justa, tendo o Tribunal recorrido decidido bem exceto na parte da sentença de que agora se recorre, tendo ocorrido, nesse particular, erro na apreciação da prova, com pontos da matéria de facto que foram incorretamente julgados.
9. Na sua petição inicial (PI) a A. alegou que acompanhou o processo respeitante ao imóvel sito na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra desde o início até à assinatura do respetivo contrato de compra e venda, ou seja, que fez tudo o que estava ao seu alcance com vista à viabilização e concretização do negócio, o que veio a acontecer;
10. Na nossa humilde opinião, a recorrente logrou demonstrar isso mesmo através da prova documental junta com a P.I. (Vide Doc. n.º 3 a n.º 19) e da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento;
11. O Tribunal a quo deu como provado o alegado pela A. (Vide Factos provados n.ºs 11 a 21);
12. A vendedora não era cliente de BB pois esta tinha abandonado o processo há anos, limitando-se, à data dos factos, a transmitir o contacto da proprietária, sua antiga cliente, P..., à recorrente;
13. Tratou-se de uma mera referenciação do cliente, de uma dica dada à A., o que aliás é admitido pelo Tribunal. «(…) BB referenciou a cliente (…) àquela (…)»;
14. É usual, no ramo imobiliário, dar dicas/fazer referenciações a colegas sem que quem o faz tenha direito à comissão devida pela angariação do vendedor/imóvel;
15. Não é verdade que BB fez a angariação do imóvel/da vendedora;
16. Angariação não é sinónimo de referenciação;
17. A angariação do imóvel envolve um determinado labor que não foi realizado por BB;
18. Todavia, salvo o devido respeito, o Tribunal recorrido iguala, de forma incorreta, essa referenciação a uma angariação e, por isso, erradamente conclui que esta «(…) fez a angariação, tem direito a metade da comissão a pagar pela Chave Certa.»;
19. Consequentemente, a parte final do ponto 13 dos factos provados: (…) embora o mesmo lhe tenha sido referenciado por BB a qual foi quem na prática angariou esta moradia para a Chave Certa, não devia ter sido dada como provada;
20. Mais, a conclusão extraída pelo Tribunal a quo de que «(…) no caso concreto como eram duas e BB fez a angariação em ambos os negócios, cabe a AA, a A., 25% de cada uma das duas mencionadas comissões.» não tem suporte fáctico;
21. Ainda mais, considerando que o Tribunal deu como não provado o facto não provado n.º 5, do que resulta que a A. assumiu a angariação do imóvel (vendedor) e dos seus compradores;
22. A convicção do Tribunal de Direito fundou-se essencialmente:
a) Nas declarações de parte prestadas pela A., que caracterizou como «(…) credível porquanto, a generalidade, dos factos por si alegados resultaram provados (…)»;
b) No depoimento da testemunha por esta arrolada, CC, uma vez que «(…) tendo presenciado o que relatou e, por conseguinte, foi credível. Foi imparcial porquanto podia ter afirmado mais do que disse, (…), mas não o fez.»;
c) No depoimento da vendedora do imóvel sito na Lagoa da Albufeira, P..., que referiu, no seu depoimento, que já tinha abandonado o propósito de vender o imóvel, sendo que apenas poucos dias antes do contacto de AA tinha novamente equacionado essa possibilidade;
d) No depoimento da compradora do mesmo, DD, que confirmou que «(…) foi a A. que acompanhou todo o assunto da compra do princípio ao fim tendo estado presente inclusivamente na escritura pública de compra e venda.» (Cfr. Sentença recorrida, Fundamentação de Facto)
23. A recorrente nunca se quis arvorar única interveniente em todos os negócios, tendo a própria alegado que no negócio da moradia sita em Fernão Ferro a Sr.ª BB teve intervenção, - Vejam-se declarações de parte da A., prestadas em sede de audiência final na sessão do dia 10/02/2022, aos 14.02 min;
24. Quanto à credibilidade de BB, o Tribunal recorrido refere, na Sentença em crise, que «A testemunha BB, (…) que continua a colaborar com EE na área da imobiliária e na Ré, depôs com manifesta parcialidade pelo que não relevou para a fundamentar de facto a presente sentença.». Sendo que, em momentos, mostrou desconhecer os factos, apesar de insistir que teve intervenção no negócio; por exemplo, disse ter recebido o valor das comissões devidas à A. mas não conseguiu dizer quais as percentagens das mesmas praticadas da agência imobiliária em que ainda presta serviço;
25. A testemunha da R., FF, diz ter recebido as comissões que lhe eram alegadamente devidas pelos dois negócios em apreço nos autos, no entanto, apesar de interpelada para o efeito e mesmo depois da entrada em juízo de procedimento cautelar de arresto e da presente ação, a recorrida nunca entregou quaisquer valores à A. por estes negócios. Tal facto só poderá dever-se a manifesta má-fé da parte da recorrida;
26. Segundo o Juiz de Direito, o representante da R., «(…) fez da sua contestação uma questão fundamentalmente de orgulho profissional, mas sobretudo pessoal, pelo que não mereceram a credibilidade deste Tribunal. Apenas relevou para a prova dos factos provados 44., 45. e 46. o que não foi desmentido por CC.»;
27. O objeto desta ação foi apreciado no âmbito de procedimento cautelar de arresto, prévio a ação declarativa de condenação (Processo n.º 451/19.7T8SSB, em correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal - Juízo de Competência Genérica de Sesimbra - Juiz 1) em que a prova documental e testemunhal apresentada foi a mesma considerada nestes autos e em cuja sede se admitiu a existência do presente crédito, no montante peticionado pela A.: comissão no valor de 6.137,56 €, devida no negócio que teve por objeto a moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra, incluindo o exclusivo;
28. Em suma, com o devido respeito, o Tribunal de 1.ª Instância julgou incorretamente a parte final do ponto 13 dos factos provados: «(…)embora o mesmo lhe tenha sido referenciado por BB a qual foi quem na prática angariou esta moradia para a Chave Certa; (…).» (Sublinhado nosso);
29. Constam do processo e do registo/gravação nele realizado meios probatórios que impõem decisão diversa da recorrida sobre o ponto da matéria de facto impugnado, nomeadamente:
- Prova documental: Doc. n.º 3 a n.º 19, juntos com a P.I., entre os quais se encontram muitos emails trocados com a A., ficha de visita e contrato de mediação imobiliária assinado pela A.;
- Declarações de parte da A./recorrente (passagem da gravação acima indicadas), a qual mereceu a credibilidade do Tribunal; e,
- Prova testemunhal, mais concretamente, as passagens da gravação acima indicadas respeitantes aos depoimentos das testemunhas CC, P... e DD, as quais mereceram a credibilidade do Tribunal a quo;
30. Assim, devia ter sido dado como não provado que BB foi quem angariou esta moradia para a Chave Certa;
31. E devia ter sido dado como provado que embora o imóvel sito na Lagoa da Albufeira tenha sido referenciado por BB, foi AA quem angariou esta moradia para a Chave Certa, já que fez todo o trabalho subsequente que diz respeito à angariação do imóvel;
32. Assim, o Ponto 13 dos factos provados deveria ter a seguinte redação: «13. A Autora acompanhou o processo respeitante a esse imóvel desde o início até à assinatura do respetivo contrato de compra e venda.»;
33. Na parte objeto do presente recurso, a decisão recorrida padece de erro na apreciação da prova, tendo nesse particular, pontos da matéria de facto que foram incorrectamente julgados;
34. Os factos provados 14 a 18 contradizem a parte final do ponto 13 dos factos provados;
35. Existe também uma contradição entre a parte final do facto provado 13 e o facto não provado n.º 5;
36. Consequentemente, a sentença judicial recorrida deverá ser parcialmente revogada (na parte objeto do presente recurso) e substituída por outra que condene a Ré, Chave-Certa Promoção Imobiliária, Lda., a pagar à Autora, AA a comissão no valor de 6.137,56 €, devida no negócio que teve por objeto a moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra (incluindo os 40,00 € da exclusividade), a que acrescem juros de mora desde 31/05/2019 até à data da entrada da presente ação e os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa supletiva vigente para os juros civis;
37. Os factos tidos como assentes e a prova produzida nos autos impõem decisão diversa, pelo que, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, ao abrigo do disposto no Art.º 662.º, n.º 1 do CPC».
Nestes termos e nos mais de Direito, a sentença judicial recorrida deverá ser parcialmente revogada (na parte objeto do presente recurso) e substituída por outra que condene a Ré, Chave-Certa Promoção Imobiliária, Lda., a pagar à Autora, AA a comissão no valor de 6.137,56 € (incluindo os 40,00 € da exclusividade), devida no negócio que teve por objeto a moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra, a que acrescem juros de mora desde 31/05/2019 até à data da entrada da presente ação e os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa supletiva vigente para os juros civis.
5.2. Recurso da Ré:
A) Todos os factos que não foram dados como provados (pontos 1 e 3 a 6) e os que foram dados como provados (nomeadamente, os pontos 5 a 9 e 34 a 41) na douta sentença e fundamentaram a condenação da R., assentaram no depoimento da testemunha CC, depoimento esse que é falso
B) De facto, a R., através do requerimento datado de 11/01/2022, com a referência 40957026 juntou aos autos uma declaração dessa testemunha, comprovando que esta se desvinculou da prestação de serviços para a R. em 16 de maio de 2019.
C) Deste modo, resulta comprovado deste documento assinado pela testemunha em causa, a contradição e a falsidade das declarações por ela prestadas na audiência de julgamento, sendo que, o requerimento de junção apresentado pela R. é claro quanto à importância da junção do documento.
D) Porém tal requerimento e a junção do documento anexo foi recusada, por despacho datado de 08/02/2022 e referência 94034861
D) Ao não aceitar a junção do referido documento, a Meritíssima Juíza violou o princípio da igualdade de armas, o artigo 411º do CP.Civil (princípio do inquisitório e artigo 413º do mesmo Código, porquanto, resulta manifesto do requerimento da R. e do conteúdo do documento a relevância do mesmo para a boa decisão da causa, atenta a manifesta contradição com o depoimento prestado pela testemunha CC
E) face à falsidade do depoimento provado pelo documento cuja junção foi recusada cai por terra a fundamentação da douta sentença, uma vez que teria de ser dado por provado que a A., em conjunto com a CC e a GG, por vontade própria, tinham abandonado as funções que exercia para a Recorrente, deixando de a representar, não tendo direito ao crédito que reclama por via de supostas comissões, não podendo ser dados como provados, como o foram na douta sentença.
F) Por outro lado, a Recorrente não tem de pagar a peticionada indemnização por danos não patrimoniais/morais por doença e ansiedade causadas, porquanto, como decorre do depoimento prestado pelo próprio marido da A., HH. a situação de depressão da A. é muito anterior, resultante de depressão pós parto, sendo que, inclusive, a mesma já tomava medicação anteriormente.
G)Todos estes factos foram dados como provados e inclusive a respetiva responsabilidade assacada à ora Recorrente sem que se tivesse feito prova dos mesmos e sem que se tivesse provado o respetivo nexo de causalidade que pudesse comprovar. Tanto mais que,
H) a própria afirma nas suas declarações de parte que em outubro de 2019, já estava a trabalhar como diretora noutra sociedade imobiliária com a denominação "Soluções Ideais".
I) Acresce, ainda que, quanto ao valor das comissões, temos que nenhuma prova documental ou testemunhal foi efetuada em audiência, sendo que, as faturas recibos anulados não podem servir de prova, quando até foi reconhecido pela própria A. nas suas declarações da A. e pelo depoimento do seu marido, HH.
J) A douta sentença proferida pelo Tribunal “a quo” padece, assim, de erro na valoração da prova e a violação do preceituado nos artºs 411º, 413º, 421º, 607º, nº 4 e nº 5 do C.P. Civil e art.º 615º, nº 1, al. d) do C.P.Civil».

6. Autora e Ré apresentaram contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida, na parte por si não impugnada, usando ambas a faculdade conferida pelo artigo 640.º, n.º 2, alínea b), do CPC, de designar os meios de prova que entendem infirmar as conclusões da contraparte.

7. Observados os vistos, cumpre decidir.
*****
II. O objeto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[3], é pacífico que o objeto do recurso se limita pelas conclusões das respetivas alegações, evidentemente sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, pela sua ordem lógica, deve em primeiro lugar ser apreciado o recurso interposto pela Ré. Neste recurso, as questões colocadas são as de saber se: i) houve erro na decisão dos factos indicados pela Apelante, devendo o tribunal ter admitido o documento cuja junção a Ré solicitou; ii) o valor das comissões não era devido; iii) a indemnização por danos não patrimoniais não é devida por não estar demonstrado o nexo de causalidade, devendo a ré ser absolvida.
Por seu turno, na apelação interposta pela Autora, as questões que importa apreciar consistem em saber se: i) deve ser alterada a matéria de facto nos termos pretendidos pela Apelante, quanto ao segmento final do ponto 13 da matéria de facto provada; e, ii) em caso afirmativo, deve ser parcialmente revogada a sentença recorrida, e a ré condenada no valor do pedido.
*****
III – Fundamentos de facto
III.1. – Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
“1.A Ré é uma sociedade por quotas dedicada à comercialização de imóveis, tendo como objeto social a atividade de mediação imobiliária, compra e venda de imóveis para revenda, avaliação de imóveis, arrendamento de imóveis, promoção imobiliária e remodelação e gestão de bens imóveis;
2.Em 28.02.2019., a Autora foi convidada a colaborar com a Chave Certa – Promoção Imobiliária, Lda.;
3.Como a Autora não era tão bem remunerada pela agência imobiliária onde exercia as suas funções, aceitou o convite;
4.Naquela data começou a colaborar com a Ré, com o objetivo de desempenhar as funções de angariadora/mediadora imobiliária, contra o pagamento de uma comissão;
5.No dia 14.05.2019, EE, contactou telefonicamente com a Diretora Comercial da Loja de Sesimbra, CC, a inquirir se esta teria interesse em “ficar” com a loja de Sesimbra;
6.Perante a resposta negativa da mesma pediu-lhe que contactasse a Autora para apurar o que esta “queria fazer”, nunca concretizando exatamente o que pretendia;
7.Ao que aquela respondeu: “Se vai fechar, estou na rua”;
8.De qualquer modo, EE autorizou que a Autora e CC acompanhassem os dois processos em curso, uma vez que nem sequer conhecia as pessoas interessadas nas compras ou os vendedores;
9. Dois dias depois, a 16.05.2019., solicitou que a Autora, CC e GG, se encontrassem com aquele na loja de Sesimbra para lhe entregarem as chaves do estabelecimento e os originais de toda a documentação;
10.À data a A. tinha dois negócios em curso, quase concluídos, a saber:
- Venda de moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra;
- Venda de moradia sita na Avenida ..., Redondos, ... Fernão Ferro (em construção);
11.A moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra foi adquirida pelos senhores DD e II;
12.O contrato de compra e venda do imóvel foi celebrado no dia 30.05.2019., tendo a Autora acompanhado os clientes na assinatura do mesmo;
13.A Autora acompanhou o processo respeitante a esse imóvel desde o início até à assinatura do respetivo contrato de compra e venda, embora o mesmo lhe tenha sido referenciado por BB a qual foi quem na prática angariou esta moradia para a Chave Certa;
14.Tendo celebrado o contrato de mediação imobiliária que teve por objeto o imóvel da Lagoa de Albufeira;
15. Agendado e acompanhado os interessados nas visitas ao imóvel;
16. Diligenciado pela obtenção do certificado energético;
17. Facultado todas as informações necessárias;
18. Assistido às negociações e acompanhado a vendedora e os compradores aquando da assinatura do contrato promessa de compra e venda;
19. A comissão acordada corresponderia a 5% do valor da venda (285.000,00 €), a que acresceria IVA à taxa de 23%;
20. No entanto, por insistência da vendedora, a agência imobiliária acertou em reduzir a sua comissão para o montante de 12.195,12 €, a que acresceria IVA à taxa de 23%, no total de 15.000,00 €;
21.A Autora acordou com a Chave Certa – Promoção Imobiliária, Lda., que receberia 25% da comissão devida à agência imobiliária pelas angariações que fizesse e 25% da comissão pelas vendas que concretizasse;
22. Em 23/03/2019, JJ e KK, assinaram contrato promessa de compra e venda que tem por objeto a moradia sita na Avenida ..., Redondos, ... Fernão Ferro;
23. Tendo-o, posteriormente, adquirido;
24. O documento autenticado particular (DPA) de compra e venda do imóvel foi celebrado no dia 23/09/2019, tendo a Autora acompanhado os clientes na assinatura do mesmo;
25. O imóvel/vendedor foi angariado pela ex-colega da A., BB, e as compradoras foram angariadas por AA;
26. Para além da angariação das compradoras, a A. agendou e acompanhou as JJ e KK nas visitas ao imóvel;
27. Facultou todas as informações necessárias;
28. Teve intervenção na negociação com o construtor, estando presente, com as compradoras, nas reuniões onde acertaram o preço e os restantes termos do negócio, para além de algumas alterações que pretenderam fazer na casa;
29. A comissão acordada corresponderia a 3% do valor da venda (220.000,00 €);
30. A Autora acordo com a Chave Certa, Lda., que receberia 25% do montante devido a título de comissão (6.600,00 €) à agência imobiliária;
31. Até à data, o representante legal da sociedade, Sr. EE, tem-se recusado a liquidar essas quantias;
32. Apesar de interpelado, em nome da sociedade, para o efeito em mais de uma ocasião;
33. HH, marido da requerente, também contactou telefonicamente com EE, várias vezes, para tentar que a sociedade cumprisse, sem sucesso;
34. A situação de litígio com a Chave Certa – Promoção Imobiliária, Lda. está a provocar uma profunda angústia e desestabilização nervosa na Autora;
35. A Requerente sofre de forte abalo psicológico, lidando diariamente com uma revolta muito grande perante o que lhe está a acontecer;
36. Tem dificuldades em comer e dormir;
37. A severidade dos seus sintomas compeliram-na a obter ajuda médica;
38. Tendo agendado uma consulta médica para o dia 26/06/2019, com o custo de 4,50€;
39. Sofrendo a Requerente de ansiedade generalizada e transtorno misto ansioso e depressivo;
40. Estando a tomar medicação desde junho de 2019 para lidar com a sua situação médica, nomeadamente:
- Paroxetina 20mg 1+0+0;
- Diazepan 10mg SOS 12-12h;
- Bromazepam [Bromalex] 1.5mg,
No valor de 10,47 €;
41. A Autora terá que tomar Bromazepam [Bromalex] 1.5mg durante, pelo menos, mais seis meses;
42. No dia 15.05.2019, a Autora teve um acidente automóvel, do qual EE teve conhecimento no próprio dia;
43. O acidente ocorreu entre a data da comunicação do encerramento da loja de Sesimbra (dia 14.05.2019) e a data na entrega das chaves desse estabelecimento (dia 16.05.2019);
44. A Ré trata-se de uma sociedade com um volume de faturação no ano de 2018 de cerca 560.000,00€ (quinhentos e sessenta mil euros);
45. A Autora tinha e tem como sócio-gerente, EE, sendo que, este tinha como seu braço direito na referida sociedade, CC, que detinha as funções de Diretora Comercial;
46. Sucede que, CC manteve com o sócio-gerente, EE, uma relação conjugal desde dezembro de 2017 a abril de 2019, data em que tal relação terminou;
47. A escritura pública de compra e venda da moradia sita na Lagoa de Albufeira foi celebrada a 31.05.2019.;
48. A escritura pública de compra e venda da moradia sita na Lagoa de Albufeira foi celebrada a 24.09.2019».
E foi considerado não provado que:
«1. A A. abandonou a Ré;
2. Os acontecimentos descritos são a causa exclusiva e direta da depressão nervosa de que a Autora padece;
3. O sócio-gerente da Requerida propôs que CC continuasse a prestar serviço para a Requerida na loja de Sesimbra, ficando como gestora, por conta própria, pagando um “fee” pela utilização do nome da empresa e da plataforma, o que aquela recusou;
4. Face a esta recusa, a Requerente, que era amiga da CC, deixou também de prestar serviço para a Requerida, tendo todas elas, incluindo também a filha da CC, de seu nome GG, abandonado as funções que ali exerciam a parir de 16 de maio de 2019;
5. A partir de 16 de maio de 2019, foi a funcionária BB quem assumiu a responsabilidade pela angariação e venda da moradia sita na Lagoa de Albufeira, tendo procedido aos passos inerentes à concretização da venda, em representação da Ré, estando a Autora afastada do exercício de funções;
6. Face ao fim da relação sentimental, a CC decidiu, por sua livre vontade, afastar-se também das funções que exercia na sociedade em causa;
7. O acidente de viação deveu-se ao facto de a sua situação profissional ter causado a violação do dever de cuidado na condução do veículo automóvel que conduzia;
8. Do acidente automóvel resultou um prejuízo associado aos custos de reparação do veículo, orçados em 673,50 €.»
*****
III.2. - O mérito do recurso
III.2.1. - Apelação da Ré
Pretende a Ré que o recurso por si interposto seja julgado procedente e, em consequência, seja revogada a sentença proferida pela Meritíssima Juíza em 1ª Instância, e substituída por outra que determine a sua absolvição do pedido.
Pese embora numa formulação que não satisfaz perfeitamente os ónus que sobre si impendem quanto impugna a decisão da matéria de facto, conforme preceituado no artigo 640.º, n.º 1, alíneas a) a c), e n.º 2, alínea a), do CPC, a verdade é que infere-se da conjugação do corpo e das suas conclusões que a Ré/Recorrente pretende que seja modificada a matéria de facto que é desfavorável à sua pretensão, concretamente “todos os factos que não foram dados como provados (pontos 1 e 3 a 6) e os que foram dados como provados (nomeadamente, os pontos 5 a 9 e 34 a
41) na douta sentença e fundamentaram a condenação da R.”, depreendendo-se ainda quais os meios de prova em que assenta a sua discordância relativamente a cada um dos conjuntos de facto que agrupa.
Como é sabido, com o disposto no supra citado preceito legal, o que se visa é circunscrever a reapreciação do julgamento efetuado a pontos concretos da matéria controvertida, isto porque, os poderes da Relação quanto à reapreciação da matéria de facto, não visam a realização de um segundo julgamento de toda a matéria de facto, nem a reapreciação de todos os meios de prova anteriormente produzidos, devendo consequentemente recusar-se a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto[4].
Nestes termos, e ainda que a impugnação da matéria de facto, tal como efetuada, não seja um modelo de cumprimento do figurino legalmente previsto, não padece de um total incumprimento de ónus primários, que determine a sua rejeição, passando-se, pois, à apreciação do fundamento do recurso a respeito dos factos não provados e dos pontos 5 a 9 da matéria de facto provada: a invocada “falsidade” do depoimento da testemunha CC.
Pretende a Ré, que o documento cuja junção quis efetuar nos autos, através do requerimento datado de 11.01.2022, com a referência 40957026, correspondente a uma declaração dessa testemunha, pela mesma assinada, comprovando que esta se desvinculou da prestação de serviços para a R. em 16 de maio de 2019, resulta comprovada a contradição e a falsidade das declarações por ela prestadas na audiência de julgamento, sendo que, o requerimento de junção apresentado pela R. é claro quanto à importância da junção do documento.
Mais invoca que tal requerimento, e a junção do documento anexo, foi recusada por despacho datado de 08.02.2022 e referência 94034861, tendo com tal recusa a Meritíssima Juíza violado o princípio da igualdade de armas, o princípio do inquisitório e o artigo 413º do mesmo Código, porquanto, resulta manifesto do requerimento da R. e do conteúdo do documento a relevância do mesmo para a boa decisão da causa, atenta a manifesta contradição com o depoimento prestado pela testemunha CC.
Conclui assim que, face à falsidade do depoimento provado pelo documento cuja junção foi recusada cai por terra a fundamentação da douta sentença, uma vez que teria de ser dado por provado que a A., em conjunto com a CC e a GG, por vontade própria, tinham abandonado as funções que exercia para a Recorrente, deixando de a representar, não tendo direito ao crédito que reclama por via de supostas comissões, não podendo ser dados como provados, como o foram na douta sentença.
Salvo o devido respeito, a pretensão da Apelante está manifestamente votada ao insucesso.
Com efeito, como é bom de ver pelo teor dos fundamentos apresentados, a Apelante dissente do despacho proferido em 08.02.2022, que recusou a junção aos autos do documento que a mesma então pretendeu juntar.
Porém, esse despacho era autonomamente recorrível, ao abrigo do disposto no artigo 644.º, n.º 2, alínea d) do CPC, de acordo com cuja estatuição cabe recurso de apelação autónoma do despacho de rejeição de algum meio de prova.
Consequentemente, o despacho que rejeitou a junção do documento transitou em julgado, estando coberto pelo caso julgado formal e tendo força obrigatória dentro do processo, tal como previsto no artigo 620.º, n.º 1, do CPC, autoridade essa que vincula este tribunal, que não pode reapreciar a decisão fundando-se em tal documento.
Ora, a respeito do depoimento desta testemunha, afirmou-se na decisão recorrida que «a factualidade foi relatada por CC, que era a Diretora Comercial da Loja da ré em Sesimbra, onde a Autora trabalhava, tendo presenciado o que relatou e, por conseguinte, foi credível. Foi imparcial porquanto podia ter afirmado mais do que disse, como por exemplo afirmar que o imóvel da Lagoa de Albufeira adveio de cliente direto da Autora e não de BB, mas não o fez».
Pelo exposto, sendo aquele documento o único fundamento apresentado pela Ré/Apelante para, no fundo, infirmar a credibilidade que o tribunal a quo conferiu ao depoimento da identificada testemunha, nada impõe a modificação dos indicados pontos da matéria de facto provada (pontos 5 a 9), e não provada (pontos 1 e 3 a 6), que se mantém incólume.
Vejamos, agora, se deve ser modificada a matéria de facto provada sob os pontos 34 a 41, que suportaram a condenação da ré no pagamento da indemnização à autora por danos não patrimoniais.
Dissente a Apelante dessa condenação, invocando que “não tem de pagar a peticionada indemnização por danos não patrimoniais/morais por doença e ansiedade causadas, porquanto, como decorre do depoimento prestado pelo próprio marido da A., HH. a situação de depressão da A. é muito anterior, resultante de depressão pós parto, sendo que, inclusive, a mesma já tomava medicação anteriormente”.
A apelante indica a passagem do registo das suas declarações onde o marido da A. afirmou realmente que a sua mulher já era pessoa ansiosa e tinha sofrido de depressão. Mas tal afirmação não foi desconsiderada pela julgadora. Tanto assim que no facto não provado sob o n.º 2, fez constar expressamente não se ter provado que “os acontecimentos descritos são a causa direta e exclusiva da depressão nervosa de que a autora padece”.
Com efeito, consta na fundamentação de facto da sentença recorrida que «o marido da A. confirmou o estado de saúde de AA após ter sido dispensada de colaborar na Ré e a falta de pagamento das comissões, confirmando todas a documentação clínica junta à ação pela autora. Esta testemunha foi imparcial porquanto nem sempre depôs a favor da A., designadamente quanto afirmou que AA antes dos acontecimentos trazidos a esta ação já era pessoa ansiosa e tinha sofrido de depressão (facto não provado 2.).».
Conforme repetidamente afirmamos, para o tribunal de recurso modificar a decisão da matéria de facto proferida não basta a indicação de excertos desgarrados de depoimentos que vão de encontro às pretensões dos recorrentes, porque a prova oral prestada em audiência de julgamento é sopesada integralmente, e conjugada com os outros meios de prova, designadamente a documental, sendo tudo avaliado à luz das regras da experiência comum e do normal acontecer.
Como é sabido, nesta reapreciação da matéria de facto, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do CPC, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respetiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo .
Acresce que, relativamente à reapreciação do julgamento de facto pela Relação cumpre ainda ter presente que a mesma se destina primordialmente a corrigir invocados erros de julgamento - atento o preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, que rege sobre a modificabilidade da decisão de facto -, evidenciados a partir dos factos tidos como assentes, da prova produzida ou de um documento superveniente, por forma a imporem decisão diversa. Significa esta formulação legal que não basta que a prova produzida nos autos permita decisão diversa, necessário é que a imponha. Por isso que, também na respetiva fundamentação a Relação tem de motivar, ou seja, dizer as razões que determinaram o respetivo juízo probatório, para aquilatar se tais elementos impõem ou não decisão diversa da recorrida quanto aos concretos pontos de facto impugnados. Para tal, e quanto à prova gravada, não basta ouvir os depoimentos ou declarações, que venham indicados pelas partes, impondo-se nesse juízo atentar ainda naqueles em que o julgador de primeira instância fundou a respetiva convicção, porquanto só assim podemos concluir, com o necessário rigor, se os meios de prova indicados pelo Recorrente impõem decisão diversa ou se apenas permitem decisão diversa.
De facto, temos vindo a salientar que a convicção do Tribunal, quer de primeira instância, quer da Relação, assenta na apreciação conjugada de todos os meios de prova, mormente na segunda instância, daqueles que desde logo foram indicados pela contraparte ou pelo julgador em motivação da sua convicção, e não apenas da prova que o Recorrente indica, sendo toda a prova apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
Tendo presente o que vimos de referir iniciaremos a pretendida reapreciação da decisão recorrida pelo alegado erro de julgamento cometido pela primeira instância na avaliação da matéria de facto considerada não provada, salientando desde já que, ao contrário da Apelante, não estribámos a nossa convicção, em meros excertos das declarações e dos depoimentos prestados, tendo auditado a prova oral, tentando, tanto quanto a inexistência de imediação o permite, alcançar a credibilidade e espontaneidade dos depoimentos prestados, por contraponto, às hesitações e incongruências de outros.
Isto dito.
Decorre ainda da fundamentação de facto da sentença recorrida que, para além do segmento das suas declarações que foi apontado pela Apelante, o marido da autora também «(…) confirmou o estado de saúde de AA após ter sido dispensada de colaborar na Ré e a falta de pagamento das comissões, confirmando toda a documentação clínica junta à ação pela autora.». Acresce que, como se realça na decisão impugnada, a própria A., «AA apresentou-se sempre na audiência de discussão e julgamento como pessoa desgastada e amargurada com a toda a situação que a trouxe a Tribunal.». Mas, mais relevante ainda, pela absoluta isenção relativamente aos interesses da parte, foi o depoimento prestado pelo Dr. LL, médico no centro de saúde da Torre da Marinha, que é médico de família e acompanha a autora desde finais de 2016. Concretamente a respeito desta questão disse este médico não ter memória de nenhum sintoma desta natureza porque em 2016 era uma questão de natureza exclusivamente ortopédica, afirmando claramente que “a primeira vez que nós falamos desta situação em particular ou a origem do problema, ou um problema que tenha ficado registado, foi a partir de 26.06.2019”…”Não querendo dizer que já não estivesse previamente a ser um problema. Estava a ser um bocadinho... potencialmente podia já estar a ser um problema, mas estava a ser atropelado pela parte das costas que estavam a gritar mais alto, digamos assim”. Disse ainda que existiam uns registos mais antigos de ansiedade, mas depressão, não. Só depois daquela data registou “crises de ansiedade mais somatizações variadas em contexto de encerramento da empresa onde trabalha…o qual deve cerca de dois mil euros de trabalho já realizado. Depois como plano, uma medicação..., que seria um antidepressivo e um ansiolítico. Posso especificar...”. Esclareceu ainda que o contexto de problemas laborais lhe foi dito pela senhora, e depois de lhe ser mencionado pelo Ilustre mandatário que não era ele quem diria da existência “de um nexo de causalidade entre uma coisa e outra”, respondeu que “ela refere os sintomas e dito como motivo da angústia… a relação de nexo de causal em termos estrutural faria sentido aquilo que ela me estava a descrever, e as datas em que estávamos a falar”, confirmando ainda que a autora continua a fazer medicação com um ansiolítico diferente e está a fazer dois antidepressivos diferentes dos originais.
Consequentemente, tudo apreciado, não se vislumbra a existência de uma incorreta valoração da prova também quanto à matéria de facto provada sob os pontos 34 a 41, que se mantém.
Finalmente, quanto ao valor das comissões, invoca a Apelante que nenhuma prova documental ou testemunhal foi efetuada em audiência, sendo que, as faturas/recibos anulados não podem servir de prova, quando até foi reconhecido pela própria A. nas suas declarações e pelo depoimento do seu marido, na parte dos depoimentos que indica, que a anulação foi para evitar o pagamento de impostos – se foram anulados não podem servir de prova.
Afirmou-se a este respeito na fundamentação de facto da sentença recorrida que «Os recibos juntos aos autos pela Autora, constantes de fls. 35 e 38 verso, foram anulados, segundo o depoimento do seu marido, a testemunha HH, uma vez que efetivamente nenhuma quantia foi recebida pela sua mulher da parte da Chave-Certa e para não sobrecarregar a carga fiscal da A. e seu agregado familiar», e mais adiante que «A contabilista da Ré confirmou, com importância para a decisão da causa, que os referidos recibos foram anulados pela Autora».
Porém, ainda que assim tenha sido, a Apelante também não tem razão nesta sua pretensão.
Com efeito, uma coisa é o documento, outra o facto documentado.
Assim, a anulação das faturas/recibos ainda que tenha sido levada a efeito para que então a autora não suportasse o pagamento de um imposto por valor que afinal não lhe havia ainda sido satisfeito, não impede o apuramento da existência de um acordo entre as partes para o pagamento de uma comissão e do seu valor, o qual pode ser feito por qualquer meio de prova, designadamente por declarações de parte e por prova testemunhal.
Ora, como decorre da fundamentação de facto expressa na decisão recorrida, para além das declarações da autora e do seu marido, «CC descreveu os valores das comissões e o que cabia a quem, nomeadamente as percentagens sobre o valor da venda e que na comissão 50% era sempre para a Ré e outros 50% para as colaboradoras imobiliárias, que no caso concreto como eram duas e BB fez a angariação em ambos os negócios, cabe a AA, a A., 25% de cada uma das duas mencionadas comissões».
Pelo exposto, considerando que improcede a deduzida impugnação da matéria de facto, e a Apelante nada apontou à decisão recorrida na vertente jurídica da causa, sem necessidade de maiores considerações, a apelação da ré improcede totalmente, devendo manter-se, na parte não dependente da decisão do recurso da autora, a condenação decretada na sentença recorrida.
*
III.2.1.2. Apelação da Autora
Dissente a autora do segmento da decisão recorrida que considera que a angariação do imóvel da Lagoa de Albufeira, foi efetuada por BB, apenas sendo devido à autora metade do valor que lhe cabia da comissão.
Defendendo ter sido ela quem angariou o imóvel da Lagoa da Albufeira, que BB somente lhe referenciou, circunscreve a sua impugnação da decisão de facto da sentença recorrida, ao segmento final do ponto 13, mais concretamente onde consta que foi BB quem na prática angariou esta moradia para a Chave Certa, ponto este da decisão da matéria de facto, que determinou a absolvição parcial da Ré do pedido, que foi decidida na sentença recorrida, e que a Apelante pretende seja revogada nessa parte.
Tendo a apelante cumprido os ónus que sobre si impendem, cumpre apreciar se a prova produzida, impõe ou não decisão diversa da recorrida, à luz das sobreditas considerações genéricas.
In casu, para fundamentar a sua decisão quanto ao indicado ponto da matéria de facto, a Senhora Juíza ponderou que:
«CC afirmou, no essencial, que AA e BB estavam como angariadoras e vendedoras de imóveis na loja da Ré localizada em Sesimbra, e no início de 2019 começaram a trabalhar juntas, tendo a segunda transmitido o contacto e o imóvel da cliente P... sito na Lagoa da Albufeira para mediação da venda.
A A., AA acompanhou clientes compradores ao imóvel, que era uma moradia. O contrato de promessa de compra e venda foi celebrado na loja de Lisboa, da Ré, e estiveram presentes AA, BB e a própria testemunha, CC. O sinal foi recebido.
A proprietária da casa, P..., que depôs como testemunha, confirmou que efetivamente foi a BB que indicou o seu imóvel para mediação da venda na Chave Certa, mas que foi AA que posteriormente a esse momento inicial tratou de tudo.
O contrato de mediação imobiliária junto com a p.i., correspondente a tal negócio, é confirmativo de tal sendo que no mesmo se encontra aposta a assinatura de AA e da cliente.
O negócio foi todo realizado por AA, mas como BB referenciou a cliente e o imóvel àquela, ou seja, fez a angariação, tem direito a metade da comissão a pagar pela Chave Certa.
No processo há também uma ficha de visita ao imóvel da Lagoa de Albufeira, assinada pela Autora e pela proprietária P... comprovativa das mencionadas visitas por clientes compradores da Chave Certa.
Existem emails trocados entre AA e a cliente proprietária confirmativos de que a A. esteve à frente desta mediação imobiliária, em nome da Ré.
Os documentos 1 e 2 juntos com a petição inicial contribuíram para provar a relação de colaboração imobiliária, na angariação e venda de imóveis, entre a Autora e a Ré, os quais constituem publicidade à Chave Certa nas quais está escrito o nome de AA, o endereço eletrónico e o telefone da mesma como contactos da empresa Ré (assim como estão os contactos de BB para o mesmo fim), sendo que no documento 2. AA está denominada como Consultora Imobiliária da Chave Certa, na loja de Sesimbra.
A compradora da moradia sita na Lagoa de Albufeira foi inquirida como testemunha, de seu nome DD, tendo confirmado que, com efeito, na celebração do contrato de promessa de compra e venda estavam presentes quer BB quer a Autora, mas que foi a A. que acompanhou todo o assunto da compra do princípio ao fim tendo estado presente inclusivamente na escritura pública de compra e venda».
Invoca a Apelante que “se é certo que o imóvel da Lagoa da Albufeira não adveio de cliente direto da A., a vendedora também não era cliente de BB pois esta tinha abandonado o processo há anos, limitando-se, à data dos factos, a transmitir o contacto da proprietária, sua antiga cliente, P..., à recorrente. Tratou-se de uma mera referenciação do cliente, de uma dica dada à A., o que aliás é admitido pelo Tribunal. «(…) BB referenciou a cliente (…) àquela (…)» que, todavia, e de forma incorreta, iguala essa referenciação a uma angariação e, por isso, salvo o devido respeito, erradamente conclui que esta «(…) fez a angariação, tem direito a metade da comissão a pagar pela Chave Certa.»
Por seu turno, a Apelada, transcreve excertos do depoimento da testemunha P..., onde consta que a BB também esteve presente no primeiro dia em que a autora e a vendedora do imóvel se encontraram, e também esteve presente na escritura.
É certo que a testemunha BB foi quem facultou à autora o contacto da vendedora, P..., que reuniram no primeiro dia as 3, na reunião em que se estabeleceram as condições do negócio, preço da venda, percentagem da Agência, que a mesma acompanhou o processo pelo menos na fase da celebração do contrato-promessa, e que esteve presente na escritura de compra e venda.
Porém, não cremos que tal imponha a conclusão que foi a BB quem “angariou” o cliente.
Vejamos.
Começando pela prova documental.
O contrato de mediação imobiliária referente ao imóvel em questão, consta a fls. 13 e v.º, como tendo sido celebrado em regime de exclusividade, estando datado de 06.04.2019 e subscrito pela vendedora, a testemunha P..., e pela autora. O mesmo acontece com o relatório de visita ao imóvel, nesse mesmo dia, que faz fls. 14.
Seguidamente, temos uma troca de correspondência eletrónica, de fls, 15 a 29, entre a autora e a vendedora, entre a autora e a compradora, a testemunha DD, agilizando encontros e prestando informações diversas, entre a autora e MM, a respeito do certificado energético, entre a autora e a testemunha CC, e desta para a vendedora, prestando informação sobre o estado das diligências de avaliação bancária, neste caso, com conhecimento apenas para a autora, sem incluir a BB.
A fls. 34v.º consta um email dirigido unicamente à autora, remetido pela compradora do imóvel, a agradecer a diligência daquela, e mencionando apenas a ajuda da CC com os bancos.
Do negócio de Fernão Ferro, sobre o qual a autora apenas pediu o valor da venda, não está junto o contrato de mediação, mas apenas uma ficha de visita ao imóvel (fls. 37 v.º), o que indicia a existência de uma situação diversa entre um e outro caso, como, aliás, a autora mencionou nas suas declarações de parte quando afirmou que quando referindo-se a que tinha dois processos pendentes (quando cessou a colaboração com a ré), afirmando “o de Fernão Ferro era só venda. A angariação é da BB. A Lagoa de Albufeira era angariação e venda”.
Por seu lado, com a contestação, a Ré juntou também um conjunto de emails enviados por CC em que a BB é incluída em conhecimento juntamente com a autora. Mas, se bem atentarmos, os mesmos respeitam já à fase do contrato-promessa de compra e venda (cfr. fls. 69 a 72), constando até um email dirigido pela vendedora para a CC a respeito do NIB para pagamento da comissão à agência, onde refere “a BB já me tinha enviado, mas eu não encontro o email dela”. Com efeito, o único email da testemunha é dirigido à CC, em 22.04.2019, tem como assunto “Comissão Lagoa de Albufeira” e menciona que “derivado a estarmos pendentes de avaliação de imóvel para concluirmos o processo, só pretendo receber a comissão na totalidade, após a escritura do mesmo”.
Vejamos, então, como se processou a angariação da cliente, ou seja, como se fechou o acordo que levou à celebração do contrato de mediação imobiliária a que aludimos.
Disse a testemunha CC – que, tal como o tribunal a quo, se nos afigurou ter sido credível e imparcial –, que surgiu um cliente, a testemunha DD, que pretendia comprar um imóvel na zona da Lagoa, e então a autora começou a fazer a prospeção. “Prospeção é bater de porta em porta ou deixar flyers a dizer que eu tenho um cliente comprador para esta zona, quer vender o seu imóvel? É um bocado assim”. Explicou que a D. AA esteve lá vários dias e porque estava na loja de Sesimbra com a D. BB, esta teve conhecimento e disse: “em tempos eu tive uma senhora na empresa anterior em que eu trabalhei havia uma senhora que queria vender a casa na Lagoa, eu não vou fazer a angariação, mas se quiseres eu dou-te o contacto da senhora.” E assim foi.
Perguntada sobre a razão porque é que ela não fez a angariação, a testemunha respondeu, sem certezas, ter a ideia que alguma coisa tinha corrido mal na outra imobiliária, mas que não entrou em pormenores.
Ora, a verdade, é que esta é a primeira dúvida que afronta as regras da experiência comum para concluirmos que a angariação foi da testemunha e só a venda da autora. Se era a BB quem tinha o contacto da Prof.ª P..., que veio a ser a vendedora, porque razão não lhe ligou diretamente e deu o contacto à autora para ela ligar? Se depois esteve com a autora na casa da testemunha, estiveram as três à mesa, a conversar, e, como esta referiu, falaram dos pormenores do contrato, porque razão, se fosse a BB a angariadora, foi a autora quem subscreveu o contrato de mediação celebrado com a vendedora, e não aquela?
Cremos que a resposta se apresenta natural, e, ao contrário do referido pelo tribunal a quo, foi dada pela própria testemunha CC quando perguntada sobre quem fez o trabalho a partir daquela indicação (dita referenciação, pela testemunha), que respondeu: “tem de ser a AA, não é, que foi o angariador. A D. AA fez a angariação, tirou as fotografias, até tratou do certificado energético na altura e depois vai mostrar ao cliente, e fecha o negócio”. E mais adiante, já concretamente a respeito da percentagem da comissão, respondeu que “neste caso, como tinha a angariação e a venda estamos a falar de 50%, pois os outros 50% é para a empresa”, confirmando quando o Ilustre mandatário questionou se, portanto, “a D. AA teria de receber 50% deste valor (25% da angariação + 25% da venda).
Munidos desta informação sobre as concretas tarefas levadas a cabo pela autora (confirmadas também pelo teor dos depoimentos das testemunhas vendedora e compradora), confrontemos a questão de facto, com a qualificação jurídica dos atos praticados, que determina a base factual.
Com pertinência para o caso em presença, cumpre relembrar o ensinamento de A. CASTANHEIRA DAS NEVES quando sublinha que “«a questão–de-facto» e a «questão-de-direito» não são duas entidades em si, de todo autónomas e independentes, antes mutuamente se condicionam, além de também mutuamente se pressupõem e remetem uma para a outra”(…)[5]. “Para dizer a verdade, o puro facto e o puro direito não se encontram nunca na vida jurídica: o facto não tem existência senão a partir do momento em que se torna matéria de aplicação do direito, o direito não tem interesse senão no momento em que se trata de aplicar ao facto; pelo que quando o jurista pensa o facto, pensa-o como matéria de direito, quando pensa o direito, pensa-o como forma destinada ao facto.”[6]
Ora, decorre dos artigos 23.º e 24.º da Lei n.º 15/2013, de 8 de fevereiro, que estabelece o regime jurídico a que fica sujeita a atividade de mediação imobiliária, a definição dos “colaboradores de empresas de mediação imobiliária”.
Assim, nos termos do artigo 23.º, “são designados por técnicos de mediação imobiliária os colaboradores das empresas de mediação imobiliária que desempenham, em nome destas, as funções de mediação imobiliária referidas nos n.ºs 1, 2 e 4 do artigo 2.º”. Na definição do artigo 24.º, “são designados por angariadores imobiliários os colaboradores das empresas de mediação imobiliária que coadjuvam os técnicos referidos no artigo anterior, executando tarefas necessárias à preparação e ao cumprimento dos contratos de mediação imobiliária celebrados pela mesma”.
Por seu turno aqueles números do artigo 2.º, que densifica as definições, dizem-nos que:
“1 - A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
2 - A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações:
a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes;
b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões. (…)
4 - As empresas de mediação imobiliária podem ainda prestar serviços que não estejam legalmente atribuídos em exclusivo a outras profissões, de obtenção de documentação e de informação necessários à concretização dos negócios objeto dos contratos de mediação imobiliária que celebrem”.
Como é bom de ver, a atividade levada a cabo pela autora na situação em litígio, integra-se de pleno no desenvolvimento das atividades constantes dos n.ºs 1, 2 e 4, do artigo 2.º, e mostra-se já provada nos factos 12 a 18. Inversamente, relativamente a este contrato, não se mostra provada qualquer atividade desenvolvida pela D.ª BB, salvo a conclusão de que foi ela quem angariou o imóvel. Tratando-se, porém, de um conceito jurídico, não tem respaldo nos factos e é mesmo infirmado pela prova documental.
Com efeito, do artigo 16.º, n.º 1, do mesmo diploma, que rege sobre o contrato de mediação imobiliária, resulta que este documento é obrigatoriamente reduzido a escrito, acrescentando o n.º 2, que do mesmo constam obrigatoriamente os seguintes elementos: (…) e) “A identificação do angariador imobiliário que, eventualmente, tenha colaborado na preparação do contrato”.
In casu, como dito, neste contrato do imóvel da Lagoa apenas consta o nome da autora, identificada como “a mediadora”, não constando ali identificada como angariadora BB.
Assim, atenta a prova produzida e vistos os factos à luz das normas referidas não estando identificada BB como angariadora no contrato de mediação, não pode concluir-se que tenha tido tal qualidade na economia do contrato de mediação em causa, já que tal menção constitui obrigatoriamente elemento do contrato.
Consequentemente, impõe -se a modificação do ponto 13. da matéria de facto provada, eliminando-se a referência à angariação do imóvel por BB, e ficando com o seguinte teor:
«13.A Autora acompanhou o processo respeitante a esse imóvel desde o início até à assinatura do respetivo contrato de compra e venda, embora o mesmo lhe tenha sido referenciado por BB».
Procede, pois, a impugnação da matéria de facto deduzida pela Autora, incumbindo aquilatar das suas consequências na decisão jurídica.
*
Na decisão recorrida, considerou-se acertadamente que «entre as Partes foi celebrado um contrato de prestação de serviços que tem por objeto a atividade de angariação e consultoria imobiliária, e mediação da compra e venda de imóveis, em que a Autora se obrigou perante a Ré a angariar clientes proprietários e/ou compradores de imóveis, promover as vendas destes bens, nomeadamente com visitas e publicidade em representação da Ré; e esta se obrigou perante a Autora a pagar-lhe 25% da comissão obtida com a concretização da compra e venda de cada um dos referidos imóveis. (…)
Ora, a A. prestou tais serviços à R., quer no negócio da moradia sita na Lagoa de Albufeira quer na compra e venda do imóvel sito em Fernão Ferro, na qualidade de mediadora/consultora ou técnica na empresa imobiliária Chave Certa – Promoção Imobiliária, Lda., tendo desempenhado os atos mais importantes para a concretização dos negócios, em proveito da Ré. Deve por isto ser remunerada pela Ré».
Assim é, com efeito.
Como decorre do ponto 20., a agência imobiliária acertou em reduzir a sua comissão para o montante de 12.195,12 €, a que acresceria IVA à taxa de 23%, no total de 15.000,00 €, sendo daquele valor que há de calcular-se a remuneração pelos respetivos serviços que é devida pela Ré à Autora.
Mostra-se provado no ponto 21 que a Autora acordou com a Chave Certa – Promoção Imobiliária, Lda., que receberia 25% da comissão devida à agência imobiliária, pelas angariações que fizesse, e 25% da comissão pelas vendas que concretizasse.
In casu, como se veio a demonstrar que foi a autora, e não a BB, quem efetuou tanto a angariação, celebrando o contrato de mediação imobiliária, como todo o acompanhamento da vendedora e compradores até à realização da escritura de compra e venda, é-lhe devida a comissão de 50% (25%+25%) sobre o valor da comissão recebida pela ré.
Consequentemente, ao invés do decidido na decisão impugnada, não deve ser excluído o valor de 25% da angariação que indevidamente foi imputado a atividade da BB, sendo devido o valor peticionado pela Autora, donde se impõe a condenação da Ré, ora Recorrida, a pagar-lhe a comissão, no valor de 6.137,56€, devida pela ré pela angariação, desenvolvimento e conclusão do negócio de compra e venda da moradia sita na Lagoa da Albufeira, em Sesimbra, a que acrescem juros de mora, desde 31.05.2019, data da celebração da escritura.
Em consequência, e nada havendo a acrescentar de relevo ao que corretamente já foi afirmado em primeira instância quanto à responsabilidade civil decorrente do incumprimento contratual por banda da ré, apenas cumpre refletir as consequências da alteração daquele ponto de facto 13, na decisão da causa.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, o recurso interposto pela autora procede, sendo de revogar a sentença recorrida, que absolveu os réus do pedido.
Vencida na qualidade de recorrente e de recorrida, a Ré suporta as custas devidas, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do CPC, sendo as das apelações na exclusiva vertente das custas de parte, a saber: reembolso de taxa de justiça e compensação por gasto com honorários de mandatário.
*****
IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação:
a) Em julgar procedente o recurso interposto pela Autora, revogando o primeiro segmento da decisão recorrida, e condenando a Ré a pagar-lhe a comissão no valor de 6.137,56€, devida no negócio que teve por objeto a moradia sita na Rua ..., Lagoa da Albufeira, ... Sesimbra, a que acrescem juros de mora desde 31.05.2019 até à data da entrada da presente ação, e os juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento à taxa supletiva vigente para os juros civis;
b) Em julgar improcedente a apelação da Ré, no demais, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Ré/Recorrente.
*****
Évora, 20 de abril de 2023
Albertina Pedroso [7]
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

__________________________________________________
[1] Juízo de Competência Genérica de Sesimbra – Juiz 1.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Francisco Xavier; 2.ª Adjunta: Maria João Sousa e Faro.
[3] Doravante abreviadamente designado CPC.
[4] Cfr. neste sentido Abrantes Geraldes, ob. e loc. cit., pág. 309, e Ac. STJ de 09-02-2012, proferido no processo n.º 1858/06.5TBMFR.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[5] In Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano nº 129, página 166.
[6] A distinção entre a questão-de-facto e a questão-de-direito, in DIGESTA, VOLUME I, Coimbra Editora, página 522.
[7] Texto elaborado e revisto pela Relatora, e assinado eletronicamente pelos três desembargadores desta conferência.