Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
41615/17.1YIPRT-A.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: FORMALIDADES ESSENCIAIS
NULIDADE DA CITAÇÃO
Data do Acordão: 02/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se o destinatário da citação se recusa a assiná-la ou a receber o duplicado do agente de execução, observado que seja o disposto no artigo 231.º, n.º 4, do CPC, impõe-se o subsequente envio, pela secretaria, de carta registada com indicação de que o duplicado nela se encontra à disposição do citando, sob pena de o ato de citação não se ter regularmente efetivado.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrente / Réu: (…)

Recorrida / Autora: (…) – Sondagens e Captações de Água, Lda.

Trata-se de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias por via da qual a Autora peticionou a condenação do Réu a pagar-lhe a quantia de € 12.416,81 devida em função do incumprimento do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes. Ação esta apresentada a distribuição por frustração de notificação ao Requerido do requerimento de injunção que tinha sido apresentado junto do Balcão Nacional de Injunções.
No âmbito da ação declarativa, tendo-se frustrado a citação do Réu por carta registada com a/r, foi incumbida agente de execução de promover a diligência.
Foi lavrada certidão de citação do Réu dando conta de que este se recusou a assiná-la e de que foi informado de que a nota citação e os documentos ficavam à sua disposição na secretaria judicial e no escritório da agente de execução.
A secretaria não remeteu carta registada ao citando, na sequência da mencionada recusa, com vista a indicar que o duplicado se encontrava na secretaria do tribunal à sua disposição (cfr. autos principais).
Foi proferida sentença na qual se consignou que «O Réu, devidamente citado por via postal registada, para contestar, nada disse.
(…)
Ao abrigo do disposto no art. 2.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, “se o réu, citado pessoalmente, não contestar, o juiz, com valor de decisão condenatória, limitar-se-á a conferir força executiva à petição”.
Nos presentes autos e como se mencionou, o Réu foi devidamente citado por via postal, não tendo logrado contestar a presente ação, motivo pelo qual, de acordo com a norma citada, se decide conferir força executiva à petição apresentada pela (…) – Sondagens e Captações de Água, Lda., passando a mesma a valer como título executivo, pelos factos e valores dela constantes contra o Réu (…).»

II – O Objeto do Recurso
Notificado da sentença, o R apresentou-se a arguir a nulidade da citação pugnando pela anulação do processado.
Ao que se opôs a A, invocando terem sido cumpridas todas as legais formalidades.
Foi proferida decisão que indeferiu a arguição da nulidade, consignando-se terem sido cumpridas as formalidades legais.
Inconformado, o R apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que decrete a nulidade da citação e determine a realização das diligências de citação. Conclui a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«A) O recorrente foi contactado por uma Agente de Execução na sua residência que sem se identificar, nem identificar o recorrente, lhe solicitou que assinasse uns documentos.
B) Apenas informou que contra ele estava instaurada uma ação no Tribunal Judicial de Faro.
C) O recorrente é analfabeto, não sabe ler, nem escrever, embora saiba assinar o seu nome.
D) O recorrente comunicou à Senhora Agente de Execução que não sabendo ler, não poderia assinar sem falar com o seu Advogado.
E) Na PI o nome que constara era (…), referindo o recorrente à Senhora Agente de Execução de que (…) haveria muitos.
F) Nunca o recorrente afirmou à Senhora Agente de Execução que não sabia assinar, nem tão pouco do requerimento (fls. 72) se pode interpretar, como o fez o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” no seu douto despacho de indeferimento.
G) O recorrente deslocou-se ao Tribunal Judicial de Faro onde foi informado de que em nome de (…), seu nome, e não apenas (…) conforme consta no processo, não existia nenhuma ação.
H) O recorrente embora desconhecendo o sistema de justiça, demostrou interesse em ter conhecimento do que se encontrava em Tribunal contra ele.
I) A Senhora Agente de Execução não indicou nem o Tribunal, nem o número do processo, nem o seu nome e morada do seu escritório.
J) Nunca foi enviado ao recorrente qualquer notificação a informá-lo dos locais onde poderia levantar os documentos, isto é, quer no seu escritório ou na secretaria do Tribunal onde estes se encontravam.
K) A secretaria judicial após receção da certidão negativa de citação da Senhora Agente de Execução, não notificou o recorrente para levantamento da documentação na respetiva secretaria.
L) Assim sendo, não poderia o recorrente, ter o direito a contestar a presente ação, nem direito a sua defesa e exercer o contraditório, tendo só tomado conhecimento desta com a notificação da sentença.
M) Concluímos assim, que pelo motivo do recorrente não se encontrar identificado na ação, quer pelo facto de no ato da citação não terem sido observadas todas as formalidades previstas na lei, a citação só pode ser considerada nula, conforme artigos 188.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 191.º do CPC.»

Cumpre apreciar se a citação operada nos autos enferma de vício tal que imponha a anulação do processado.


III – Fundamentos

A – Dados a considerar: aqueles que constam do relatado supra.

B – O Direito
Na presente ação declarativa proveniente de procedimento de injunção foram encetadas diligências para citação do R.
Frustrada a citação por via postal, foi designada agente de execução que veio a lavrar certidão dando conta de que, contactado o R na morada dele conhecida, este se recusou a assinar a nota de citação e de que foi informado de que a referida nota e os documentos ficavam à sua disposição na secretaria judicial e no escritório da agente de execução.
Perante o que foi proferida decisão consignando que o Réu, devidamente citado por via postal registada, para contestar, nada disse, na sequência do que se conferiu força executiva à petição apresentada pela (…) – Sondagens e Captações de Água, Lda., passando a mesma a valer como título executivo.
Ora vejamos.
Nos termos do disposto no artº 231º do CPC (aplicável aos regimes dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a € 15.000,00, a par regra especificamente prevista no artigo 3.º do DL n.º 269/98, de 1 de setembro), no ato de citação mediante agente de execução, recusando-se o citando a assinar a certidão ou a receber o duplicado, o agente de execução dá-lhe conhecimento de que o mesmo fica à sua disposição na secretaria judicial, mencionando tais ocorrências na certidão do ato – cfr. n.º 4 da citada disposição legal. Nesse caso, a secretaria notifica ainda o citando, enviando-lhe carta registada com a indicação de que o duplicado nela se encontra à sua disposição – cfr. n.º 5 do mesmo preceito.
Tal regime legal institui o procedimento a observar para que se considere regularmente citado o destinatário que se recuse a assinar a certidão, independentemente do motivo subjacente a tal conduta. Então, «a citação assim efetuada, resultante de um primeiro contacto com o funcionário, com recusa de recebimento do expediente ou de aposição de assinatura, e seguida do envio da carta registada, tem o valor de citação pessoal.»[1] Embora esta formalidade de envio da carta subsequentemente à menção de recusa de assinatura ou de recebimento dos documentos por funcionário judicial ou pelo agente de execução possa o revelar excessivo garantismo que rodeia o funcionamento do processo civil, certo é que constitui uma formalidade acrescida que tranquiliza o tribunal relativamente à real situação de revelia em que o réu incorra[2], sem a qual não se mostram cumpridas as formalidades essenciais à efetivação da citação.
O juiz está incumbido de verificar se a citação foi feita com as formalidades legais, ordenando a sua repetição quando encontre irregularidades, no caso de o réu não deduzir qualquer oposição, não constituir mandatário nem intervier de qualquer forma no processo – cfr. art. 566.º do CPC. A regra do controlo oficioso nesta matéria mereceu ainda acolhimento no âmbito dos procedimentos especiais a que se reporta o citado DL n.º 269/98, de 1 de setembro, estatuindo-se nestes que se confere força executiva à petição caso se verifique que o réu, citado pessoalmente, não conteste (cfr. art. 2.º do procedimento publicado em Anexo ao citado DL) ou ao requerimento de injunção caso se constate que o requerido foi notificado, mas não deduziu oposição (cfr. art. 14.º, n.º 1, do mesmo Anexo).
No caso em apreço, a secretaria não procedeu ao envio da carta registada a que alude o art. 231.º, n.º 5, do CPC. O que revela ter sido inobservada tal formalidade prescrita na lei, tal como invoca o Recorrente na al. K) das conclusões da alegação do recurso.[3]
Termos em que se conclui, sem necessidade de outras considerações, ser nula a citação (artigos 191.º, n.º 1 e 195.º, n.º 1, do CPC), o que acarreta a nulidade dos atos processuais subsequentemente praticados (art. 195.º, n.º 2, do CPC).
Atendida que resulta a arguição, pelo citando, da nulidade da citação, dispensa-se a renovação da citação pela 1.ª Instância, que deverá endereçar notificação ao citando contendo todos os elementos referidos no artigo 227.º do CPC – cfr. artigo 192.º do CPC.
No que respeita à identificação do Réu na ação, constata-se que foi observado o disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea b), do Anexo ao DL n.º 269/98, de 1 de setembro, sendo que, nos termos do artigo 552.º, n.º 1, alínea a), do CPC, a identificação das partes opera-se mediante indicação dos seus nomes, domicílios ou sedes e, sempre que possível, números de identificação civil e de identificação fiscal, profissões de locais de trabalho. A indicação de (…) com a morada no local onde veio a ser encontrado implicou o ora Recorrente no presente processado.
Inexiste, assim, fundamento para afirmar ter-se incorrido em erro de identidade do citado (…que não o foi sequer.)

As custas recaem sobre a Recorrida – art.º 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo: (…)


IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela procedência do recurso, em consequência do que se revoga a decisão recorrida, declarando-se nula a citação e o subsequente processado, determinando-se a notificação, no Tribunal de 1.ª Instância, do Recorrente de todos os elementos referidos no artigo 227.º do CPC.
Custas pela Recorrida.
Évora, 13 de fevereiro de 2020
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões
Vítor Sequinho dos Santos
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[1] Abrantes Geraldes, Temas Judiciários, vol. I, 1998, pág. 59.
[2] Cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 59, nota 67.
[3] Fundamento que, embora não tenha sido invocado na reclamação apresentada na 1.ª Instância e constituir uma questão nova suscitada em sede de recurso, é de atender no âmbito deste por contender com matéria de conhecimento oficioso, conforme resulta do que se deixou exposto.