Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
487/14.4T2STC.E1
Relator: ELISABETE VALENTE
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DA POSSE
INSPECÇÃO JUDICIAL
Data do Acordão: 02/12/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - O recurso deve ser rejeitado quanto à impugnação da matéria de facto se os recorrentes não referem as passagens da gravação em que se funda a alteração que pretendem.
- A realização de prova por inspecção judicial não constitui um poder discricionário do juiz, mas um poder-dever que deverá ser exercido, a requerimento das partes ou oficiosamente, sempre que, fundadamente, se perspective tal diligência como útil para a decisão da causa e que só poderá deixar de ser exercido quando a diligência se mostrar de todo desnecessária ou inútil, o que deverá constar de despacho fundamentado.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório.

Em 30.09.2014, no Tribunal de Setúbal, BB e CC, intentaram contra DD e EE o presente procedimento cautelar de restituição provisória de posse, alegando, em síntese, que beneficiam de uma servidão de passagem para o seu prédio, a qual foi interrompida porque os requeridos procederam à sua vedação, não podendo, assim, aceder ao prédio nem explorá-lo para fins turísticos, o que tem prejuízos acrescidos em virtude de se aproximar o Verão e a época balnear.
Procedeu-se à inquirição das testemunhas indicadas pelos requerentes, tendo sido proferida decisão a decretar a restituição provisória da posse do acesso do caminho para a parcela do prédio misto denominado “ Vale V…”, com a área de 102.097,96 m2, cuja parte rústica se encontra inscrita na matriz predial sob parte do artigo (...) da seção FF, atualmente da freguesia de Porto Covo e a parte urbana inscrita sob os artigos (...), (...) e (...) da freguesia do Porto Covo, onde os requerentes têm uma construção numa extensão de 4 metros e área de cerca de 13,20 m2, que pode ser feita mediante a abertura de um portão na rede que os requeridos utilizaram para vedar a sua propriedade, devendo abster-se da prática de atos que ofendam tal restituição.
Notificados da decisão proferida, vieram os requeridos deduzir oposição, alegando em síntese que não existiu qualquer esbulho violento que justifique o decretamento do procedimento cautelar, pois que há pelo menos 15 anos que a mãe e sogra dos requeridos, a quem adquiriram a propriedade, mandou implementar à estrema dos dois prédios – mas exclusivamente dentro do seu terreno - uma vedação constituída por estacas e rede de arame, sem que tal suscitasse oposição quer dos ante proprietários do prédio, quer dos ora requerentes, quando o adquiriram, em 2005.
Em 2011 requerentes e requeridos procederam à demarcação da estrema dos seus prédios, mediante a implementação de 7 marcos, mantendo-se, ainda assim, a antedita vedação.
Os requerentes implantaram duas construções no seu prédio e no decurso das obras de construção, em Agosto de 2011, foram os requerentes que deitaram abaixo a vedação em rede, sendo que só a partir desse momento houve acesso àquelas construções pelo prédio dos requeridos.
Para repor a vedação, os requeridos solicitaram junto da Câmara Municipal de Sines “pedido de Autorização de Veação da Eira N…”, o que foi deferido.
Concluíram pedindo a revogação da providência decretada e a condenação dos requerentes como litigantes de má-fé, ao pagamento da quantia de €750,00 aos requeridos, a título de reembolso das despesas forenses, e porque deduziram pretensão cuja falta de fundamento não deviam ignorar.
Foi proferida decisão que julgou improcedente a presente oposição à providência cautelar de restituição provisória de posse, entendendo-se na mesma que inexistiam factos supervenientes que contrariem a decisão tomada.
Inconformados com a sentença, recorreram. com as seguintes conclusões:
«1ª - Conforme consta da MOTIVAÇÃO, as testemunhas FF e GG, confrontados com os mapas existentes no processo, não souberam situar-se nos mesmos.
2ª - Na parte final da MOTIVAÇÃO, a Meritíssima Juíza a quo consignou o seguinte: … tendo permanecido sérias dúvidas sobre a não utilização daquela passagem, o tribunal teve de socorrer-se da regra do artº 414º, do CPC, dando como não provada a matéria das als. A), E) e F).
3ª – No decorrer da audiência de inquirição, os aqui recorrentes requereram a realização de inspecção judicial, com a presença das testemunhas no local, onde as mesmas, à vista dos terrenos em causa, iriam esclarecer os factos relevantes: onde se situava o acabamento da vedação com paus/tábuas, qual a sua extensão, bem como se existiu e onde, e com que dimensão, alguma cancela/portão na vedação (além, obviamente, do que a Meritíssima Juíza a quo apreenderia pela sua própria visão do local, ficando assim habilitada para decidir a Matéria de facto relevante sem ter de socorrer-se da regra do artº 414º, do CPC).
4ª - Como é jurisprudência pacífica, a inspecção judicial, quando requerida pelas partes, não constitui um poder discricionário do Juiz, a qual só não deve ter lugar quando se mostrar de todo desnecessária ou inútil.
5ª – Como assim, deveria ter sido deferido o requerimento de inspecção judicial e esta ter sido realizada antes de decidida a matéria de facto.
6ª – Foi julgado NÃO PROVADO que os requerentes, antes de ser derrubada a vedação da rede na altura das obras em 2011, nunca tinham utilizado, nem podiam utilizar, qualquer caminho/passagem de acesso à parcela em causa, dada a existência da vedação e que, pelo menos nos últimos 15 anos antes de 2011, inexistia qualquer acesso ou passagem, na zona em causa nos autos, entre os prédios dos requerentes e dos requeridos, que só a partir do seu derrube o tiveram.
7ª – Ora na douta decisão recorrida, julgou-se PROVADO que há mais de 10 anos foi construída uma vedação constituída por estacas e rede de arame, dentro do terreno dos requeridos, cuja finalidade era impedir o trânsito dos animais e que a colocação de tal vedação não suscitou oposição, ao longo do tempo, quer por parte dos anteriores proprietários quer dos requerentes.
8ª - No seu requerimento inicial, os requerentes omitiram por completo a existência da vedação antiga, pelo que obviamente não poderiam alegar que desde a implantação da vedação (há mais de 10 anos), a passagem para o terreno dos requerentes teria passado a fazer-se por um portão/cancela que existiria na mesma vedação.(cfr. artºs 7º, 8º e 9º do requerimento inicial).
9º - Mais: os requerentes apresentaram resposta à Oposição (cfr. fls. 127/133 dos autos), na qual também não fizeram qualquer referência a passagem através de um portão/cancela.
10ª - Nessa resposta, os requerentes reconhecem a existência de uma vedação (antiga), que seria provisória e se teria ido degradando e corroendo, até cair (cfr. artºs 5º, 6º e 7º da resposta) – o que implicitamente contraria a existência de uma cancela/portão.
11ª - Os requerentes alegaram sim que acediam – e sempre acederam - à parcela do seu prédio em causa. por uma faixa de terreno do prédio dos requeridos com 4m de extensão e 3,30m de largura, sem contudo alegarem, em qualquer dos seus 2 articulados, que tal faixa, com tais dimensões, após a implantação da vedação antiga há mais de 10 anos, teria passado a fazer-se através de um portão/cancela existente na vedação.
12ª – Matéria que a douta sentença que decretou a providência julgou como indiciariamente provada: desde há mais de 30 anos que o acesso à parcela identificada na planta com a letra “B” é efectuado, quer pelos anteriores proprietários quer pelos ora Requerentes, pelo caminho identificado como “D” no documento de fls. 32, transpondo o prédio dos Requeridos numa faixa de 4 m de extensão e 3,30m de largura, o que perfaz uma área de 13,20m2, estando a saída para a parcela de terreno dos Requerentes sulcada no terreno.
13ª - Ora só na resposta à Oposição é que os requerentes reconheceram a existência de uma vedação (antiga) e só em sede de depoimento de parte do requerente, este, após reconhecer que a vedação já estava no prédio quando o adquiriu, referiu a existência em tal vedação de uma cancela/portão, pela qual acedia ao seu prédio.
14ª – Daí que, quer pela omissão nos articulados dos requerentes de qualquer referência a uma cancela/portão pelo qual se consubstanciasse a passagem/acesso ao seu prédio quer pela prova testemunhal produzida em audiência (e referida na MOTIVAÇÃO), deveria ter sido julgado PROVADO que os requerentes, antes de ser derrubada a vedação da rede na altura das obras em 2011, nunca tinham utilizado, nem podiam utilizar, qualquer caminho/passagem de acesso à parcela em causa, dada a existência da vedação e que só a partir do seu derrube tiveram esse acesso.
15ª -Invocando os requerentes a posse de uma servidão de passagem, incumbia-lhes, na respectiva petição, caracterizar e concretizar em que consistia tal passagem, facto que não pode ser considerado facto instrumental, antes sendo um facto essencial, sendo que eles a caracterizaram apenas como uma faixa de terreno do prédio dos requeridos com 4m de extensão e 3,30m de largura.
16ª – Daí que a existência de uma cancela/portão na vedação antiga não poderia nem devia ter sido considerada pela Ex.ª Juíza a quo, por força do disposto no artº 5º/1 e 2 (este, a contrario).
17ª - É certo que, conforme consta da MOTIVAÇÃO, a testemunha GG – que foi quem construiu a vedação (antiga) há mais de 10 anos – referiu a existência de um “portão”, que era feito por paus (tábuas) unidas por cordas ou pregos (já não sabe precisar) e unido à parte fixa com corda. Justificou a sua existência na circunstância de lhe ter faltado um resto de arame, e por isso concluiu a vedação com o portão, cuja finalidade não era ceder passagem (cfr. MOTIVAÇÃO).
18ª - Afigura-se evidente que o assim chamado “portão” – segundo a testemunha GG, o acabamento da vedação com paus (tábuas) unidas por cordas e/ou pregos e unido à parte fixa com corda, por a rede em arame ter sido insuficiente para completar a vedação – não corresponde a um portão/cancela para dar acesso ao terreno dos requerentes, incluindo com veículos, tanto mais que a testemunha se referiu à extensão desse acabamento com paus (tábuas), como sendo de 1 metro (cfr. gravação do depoimento da testemunha GG, a instâncias do signatário).
19ª - Todas as restantes testemunhas confirmaram que, em virtude da existência da vedação (antiga), os carros não tinham por onde passar (cfr. MOTIVAÇÃO).
20ª - Como assim, se a vedação - já existente no terreno quando os requerentes adquiriram o seu prédio - se destinava a impedir o trânsito entre ambos os terrenos de ovelhas e cabras, como ficou provado, então também a mesma vedação impedia o trânsito de pessoas e, por maioria de razão, a de veículos.
21ª – Inexistia assim posse de servidão de passagem pelos requerentes.
22ª - E outrossim não existiu qualquer tipo de violência, nem sobre as pessoas, nem sobre as coisas, por parte dos requeridos, que, no exercício do seu direito de tapagem, se limitaram, em Setembro de 2013 e após autorização das entidades competentes, a repor uma vedação no mesmo local onde, há mais de 10 anos já 12 tinha sido implantada outra, que foi derrubada a quando das obras de construção de 2011/2012 dos requerentes.
23ª – Inexiste violência, ou esbulho violento, até em casos em que alguém coloca uma corrente e um cadeado num portão exterior ou muda a fechadura da porta de uma casa, com o que impossibilita o acesso a outrem (cfr. Acs. do STJ, de 26/5/1998 e de 29/9/1993).
24ª - Ora, inexistindo in casu quer a posse por parte dos requerentes, quer a violência por parte dos requeridos, há que concluir pela procedência da presente OPOSIÇÃO e, consequentemente, pela revogação da providência decretada, ex vi artº 372º/3., CPC.
25ª – Flui do supra exposto que a aliás douta decisão recorrida violou o disposto nos artºs 490º, artº 5º/1 e 2 (este, a contrario) e artºs 377º e 378º, todos do CPC.
Por todo o exposto, e pelo mais que Vªs Exªs doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, julgada procedente a OPOSIÇÃO e consequentemente revogada a douta decisão recorrida, bem como a providência decretada, com as demais consequências legais. Caso assim se não entenda, deverá o processo baixar à 1ª Instância a fim de se completar a sua instrução com a inspecção judicial oportunamente requerida, mas indeferida.»
Foi cumprido o contraditório relativamente à rejeição do recurso quanto impugnação da matéria de facto.
Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Na 1ª instância foram considerados como indiciariamente provados os seguintes factos:
1. A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio misto denominado "Vale V…", com área de 102.097,96 m2, cuja parte rústica se encontra inscrita na matriz predial sob parte do artigo (...) da secção FF, atualmente da freguesia de Porto Covo, e a parte urbana inscrita sob os artigos (...), (...) e (...) da freguesia de Porto Covo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Sines sob o número (...), da freguesia de Porto Covo, está inscrita a favor dos requerentes desde 14.11.2015.
2. Os Requeridos constam como proprietários do prédio rústico denominado "Eira N…", com área de 6,5210 Ha, inscrita sob o artigo (...) da secção FF da freguesia de Porto Covo, por o terem recebido por via hereditária e por via de doação de sua mãe e sogra, HH sendo que a inscrição a favor desta data de 23.11.1979.
3. Em parte, o prédio dos Requerentes confronta do Sul com o prédio dos Requeridos.
4. Há mais de 10 anos que foi construída uma vedação constituída por estacas e rede de arame, dentro do terreno dos requeridos, cuja finalidade era impedir o trânsito dos animais.
5. A colocação de tal vedação não suscitou oposição, ao longo do tempo, quer por parte dos anteriores proprietários quer dos requerentes.
6. Por acordo celebrado em 12 de Julho de 2011 o requerente e o requerido procederam à demarcação da estrema entre os dois prédios em causa, mediante a implementação de 7 marcos, conforme mapa de fls. 118.
7. Não obstante a implementação dos 7 marcos, a vedação em rede foi mantida, sendo a sua função impedir a entrada de animais (nomeadamente cabras e ovelhas) provenientes do terreno dos requeridos para o dos requerentes e vice-versa.
8. Os requerentes implantaram 2 construções no seu prédio, sendo uma delas, distante da outra, junto à referida vedação em rede.
9. Uma dessas construções foi licenciada pela Câmara Municipal de Sines através do Alvará nº 12/2011, como Apoio Agrícola.
10. No decurso das obras de construção da casa junta à rede, em data não apurada, foi deitado abaixo um segmento da referida vedação.
11. A Requerida apresentou na Câmara Municipal de Sines, em 2012, pedido de autorização de vedação da “Eira N…”, que deu origem ao processo camarário 17/2012.
12. A pretendida vedação seria executada com estacas de madeira e rede, com uma altura de 1,50m.
13. A Câmara Municipal de Sines solicitou à CCRD Alentejo parecer sobre tal construção, o qual foi favorável.
14. Ali se refere, além do mais, que: “Na sequência da reunião do dia 25 de Junho nas Instalações do OCNF- Algarve (OOM), foi possível concluir-se o seguinte: a) A pretensão diz respeito à substituição de uma vedação existente (antiga), pela colocação de postes de madeira tratada e rede ovelheira, numa extensão de cerca de 300 metros; b) Foi esclarecido que a vedação a instalar será somente na área do prédio rústico classificado no nível de proteção complementar de tipo I, não havendo intenção por parte do requerente em instalar vedação no limite de todo o prédio (artigo 78), tendo em conta que essa situação poderia colocar em causa os acessos no local, nomeadamente à praia, na zona de proteção parcial.”
15. Por Ofício de 24/07/2013, a Câmara Municipal de Sines comunicou à aqui requerida que foi admitida a comunicação prévia para vedação da propriedade com estacas de madeira e rede, com uma altura de 1,5Om.
16. A Requerida comunicou à Câmara Municipal de Sines, em 11/09/2013, que o empreiteiro, JJ, Lda, iria dar início aos trabalhos em 18/9/2013.
17. O empreiteiro, JJ, Lda, ao faturar à Requerida os trabalhos adjudicados, descreveu-os do seguinte modo: Vedação realizada para reposição de vedação na vossa propriedade denominada "Eira N…" inscrita sob o artº (…) secção FF - Porto Covo.
18. Tendo o requerente apresentado reclamação na Câmara Municipal de Sines referente ao corte de acesso ao prédio na Zona do Barranco do Queimado, na resposta consignou-se, além do mais, que “considerando que a situação não se enquadra no corte de caminho público, extrapola as competências do município”.
19 . Em tempos existiu um passadiço em madeira colocado sobre um barranco.
E não provados::
Os requerentes, antes de ser derrubada a vedação da rede na altura das obras em 2011, nunca tinham utilizado, nem podiam utilizar qualquer caminho/passagem de acesso à parcela em causa, dada a existência da vedação e que só a partir do seu derrube o tiveram.
Que as 2 construções implantadas pelos requerentes distassem uma da outra cerca de 300 metros.
Que a construção objeto do Alvará 12/2011 tivesse sido a última.
Que as obras de construção tenham ocorrido em Agosto de 2011.
Que pelo menos nos últimos 15 anos antes de 2011 inexistia qualquer acesso ou passagem, na zona em causa nos autos, entre os prédios dos requerentes e requeridos.
Que os requerentes e os ante proprietários, sempre tivessem acedido à parcela em causa pelo passadiço referido em 19.


2 – Objecto do Recurso:

Questões a decidir tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações, nos termos do artigo 684º, nº 3 CPC, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, observado que seja, quando necessário, o disposto no artigo 3º, nº 3, do Código de Processo Civil (Significa isso que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso):
- Da impugnação de Facto/ Incumprimento do ónus de impugnação;
- Saber se deveria ter sido deferida a realização da Inspecção ao local;


3. Análise do recurso:

Em primeiro lugar importa referir que o teor pouco esquemático e pouco claro das alegações de recurso e em concreto das conclusões, tornam extremamente difícil a apreensão, identificação e compreensão lógica das questões colocadas, tornando-se penosa a tarefa de distinguir a matéria a analisar.

3.1 - Da impugnação de Facto/ Incumprimento do ónus de impugnação:

Nas conclusões de recurso, de forma muito confusa, parece-nos que os Recorrentes pretendem a reapreciação da decisão da matéria de facto (ao referirem por exemplo que: «deveria ter sido julgado PROVADO que os requerentes, antes de ser derrubada a vedação da rede na altura das obras em 2011, nunca tinham utilizado, nem podiam utilizar, qualquer caminho/passagem de acesso à parcela em causa, dada a existência da vedação e que só a partir do seu derrube tiveram esse acesso…») , embora não concluam expressamente nesse sentido.
De qualquer forma não cumpriram devidamente o ónus de impugnação.
Vejamos o quadro legal que permite a alteração da matéria de facto:
Estamos perante um recurso interposto de uma decisão que foi proferida após a entrada em vigor do novo CPC (1 de Setembro de 2013) e por isso é aplicável o regime de recursos decorrente do novo Código – cfr. arts. 5.º, n.º 1, 6.º, n.º 1 e 7º nº 1 da Lei n.º 41/2013.
Dispõe o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe “ Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto”:
“Quando seja impugnada a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”;
c) A decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas;
Mais dispondo o n.º 2 do mesmo normativo, sob a alínea a):
“ Quando os meios probatórios invocados com fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder á transcrição dos excertos que considere relevantes”
Com este regime - como refere Abrantes Geraldes, in “Recursos No novo CPC “ 2013, Almedina, p. 123 - houve reforço do ónus de alegação.
Ora, das alegações dos recorrentes não resulta os concretos pontos de facto que consideram incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios, que impunham decisão diversa, qual a decisão que entendiam que devia ser proferida sobre os pontos impugnados nem indicam concretamente e de forma precisa os segmentos dos depoimentos que demonstrariam a alteração pretendida.
Com efeito, esta norma impõe ao recorrente o dever de especificar com exactidão tais elementos.
Trata-se assim de afastar impugnações com carácter “genérico” que não traduzem uma divergência concretizada da decisão.
Ora, os recorrentes limitam-se a utilizar essa impugnação genérica que não é legalmente admissível (deveria ter sido julgado PROVADO que os requerentes, antes de ser derrubada a vedação da rede na altura das obras em 2011, nunca tinham utilizado, nem podiam utilizar, qualquer caminho/passagem de acesso à parcela em causa, dada a existência da vedação e que só a partir do seu derrube tiveram esse acesso.
(…)Daí que a existência de uma cancela/portão na vedação antiga não poderia nem devia ter sido considerada pela Exmª Juíza a quo…).
Esta deficiência redunda no indeferimento liminar, na ausência de apreciação material, do presente recurso, na parte relativa à impugnação da matéria de facto, nos termos e ao abrigo do artigo 640.º n.º 1 b) do CPC.
Consequentemente, em obediência ao preceituado no artigo 640.º, nº 2 al. a) do NCPCivil, impõe-se rejeitar o recurso, no que à matéria de facto respeita.
Mantendo-se inalterada a matéria factual que o tribunal recorrido deu como assente cumpre então apreciar a matéria de direito, por tal apreciação não ficar totalmente afectada por aquela rejeição.


3.2 – Impugnação de Direito:

3.2.1 – Realização ou não da Inspecção judicial requerida:

Em primeiro lugar os recorrentes insurgem-se quanto ao indeferimento da inspecção judicial requerida oportunamente.
De acordo com o artº 612 nº1 do Código Processo Civil, “o tribunal, sempre que o julgue conveniente, pode … “ proceder a essa diligência.
Embora a letra da lei possa dar a ideia de se tratar de um poder discricionário ou arbitrário, pois - como refere A. Reis, ”Código Anotado”, IV, Pág. 300 - para ser admitida, é necessário que o Juiz a “repute conveniente” entendemos que o referido artigo deve ser actuamente pensado na óptica das alterações legislativas que o direito adjectivo foi sofrendo ao longo dos anos, no sentido de aproximar o direito formal ao direito substantivo e pô-lo de forma eficaz ao seu serviço.
Ora, no caso concreto, o que está em causa é a localização espacial e temporal de uma vedação, um eventual portão e a utilização de um qualquer caminho/passagem de acesso a um prédio.
Nesta matéria a inspecção ao local normalmente é pertinente, já que se destina a examinar coisas in loco, facultando elementos muitas vezes imprescindíveis para o esclarecimento dos factos e que outros meios de prova não logram conseguir, contribuindo assim para o esclarecimento dos factos e prossecução da verdade material.
Como se pode ler em Teixeira de Sousa, “Estudos sobre o Novo Código de Processo Civil” p. 323, “a instrução comporta poderes instrutórios do Tribunal que podem recair sobre factos essenciais, complementares e instrumentais e justificam-se pela necessidade de evitar que, pala falta de prova, a decisão da causa seja imposta pelo non liquet (artº516º;artº346º Cód. Civil) e não pela realidade das coisas averiguada em juízo. Nenhum facto relevante para a decisão da causa deve ficar por esclarecer”.
Assim o melhor entendimento é o de que a realização de prova por inspecção judicial não constitui um poder discricionário do juiz mas um poder-dever que deverá ser exercido, a requerimento das partes ou oficiosamente, sempre que, fundadamente, se perspective tal diligência como útil para a decisão da causa e que só poderá deixar de ser exercido quando a diligência se mostrar de todo desnecessária ou inútil, o que deverá constar de despacho fundamentado (artºs.612º, nº1 e 679º nº1 do Código de Processo Civil) - Neste sentido, Ac. STJ in CJ 1995, p. 43 e Ac. RP de 11.05.2009, proc. Nº 0857899.
Vejamos o caso dos autos:
Os requerentes vieram alegar que beneficiam de uma servidão de passagem para o seu prédio, a qual foi interrompida pelos requeridos que procederem à sua vedação (e foi decretada a a restituição provisória da posse do acesso do caminho para a parcela do prédio).
Agora a oposição dos requeridos passa pela demonstração de que inexistiu esbulho violento, porquanto os requeridos se limitaram a repor a realidade que existia há anos, já que, originariamente havia uma outra vedação, que foi derrubada pelos requerentes, aquando da realização de obras em 2011 e que antes disso, os requerentes nunca tinham utilizado, nem podiam utilizar qualquer caminho/passagem de acesso à parcela em causa, dada a existência da vedação e que só a partir do seu derrube pelos próprios requerentes tiveram tal acesso.
Tal matéria não foi considerada provada e para tal pode ter contribuído a falta de explicações das testemunhas no próprio local através da realização da inspecção requerida.
Note-se que (como se lê na fundamentação da decisão) as testemunhas FF e GG, confrontado com os mapas existentes no processo, não se souberam situar nos mesmos.
No despacho em acta – fls. 154 – o Mmº juiz diz que “os depoimentos das testemunhas foram claros na sua substância e… referiram que na vedação inicialmente existente não havia acesso à propriedade dos requerentes…”
Mas depois, na sentença, dá como NÃO provado que:
“Os requerentes antes de derrubada a vedação da rede na altura das obras em 2011, nunca tinham utilizado, nem podiam utilizar qualquer caminho/passagem de acesso à parcela em causa, dada a existência da vedação e que só a partir do seu derrube o tiveram.”
E (com todo o respeito, de forma confusa) na fundamentação da sentença é referido que:
“pese embora as testemunhas tenham sido claras e peremptórias em cada passo das suas afirmações, acabavam por se contrariar na sequência das instâncias…Tendo permanecido sérias dúvidas sobre a não utilização daquela passagem…”
Ora a fundamentação do despacho que indefere a inspecção não diz de forma clara que a diligência é inútil e motiva a sua rejeição com a clareza dos depoimentos, o que não é bem assim.
Ou seja, o próprio tribunal refere que ficou com sérias dúvidas e a atitude processual consentânea com as dificuldades das testemunhas e as dúvidas seria a realização da inspecção.
Nada nos diz que a realização daquela diligência não permite o esclarecimento total do tribunal de forma a poder ser outra a decisão sobre a matéria de facto.
Assim, entende-se dever realizar-se a inspecção ao local requerida, com a prestação de esclarecimentos no local pelas testemunhas.
Face ao exposto e nos termos dos nºs. 3 e 4 do artº 712º do Código de Processo Civil, determina-se a realização da inspecção judicial, anulando-se a sentença recorrida.
Tal anulação não abrange a restante prova realizada já que aquele meio probatório tem por si autonomia e não prejudica a prova já produzida e desde logo porque gravada, sem prejuízo de o Tribunal se esclarecer com renovação de prova, se assim o achar necessário.


3 – Decisão:

Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar procedente o recurso, ordenando-se a realização da inspecção judicial, anulando-se os termos subsequentes do processo, incluindo a sentença recorrida.
Sem custas.
Évora, 12.02.2015
Elisabete Valente
Maria Alexandra Afonso de Moura Santos
António Ribeiro Cardoso